Aproxima-se
o momento em que o salvador das nações vai fazer a sua entrada
em Jerusalém. Ele já está em Jericó, onde o
publicano Zaqueu, para remediar sua pequenez, vai elevar-se sobre um sicômoro
para poder contemplar aquele do qual ele espera tudo. O espírito
do Novo Homem penetrou todos os publicanos que estão nele. Eles não
se limitam a uma fé inativa e morta; descem prontamente de sua árvore
e recebem com alegria esse Novo Homem que lhes pede para se instalar neles.
A sua fé faz aclararem neles outras virtudes, e dizem ao Novo Homem:
Vamos dar a metade dos nossos bens aos pobres, e se fizemos mal a quem quer
que seja, recompensá-lo-emos quatro vezes mais do que o prejudicamos.
O que faz com que mereçam do Novo Homem estas doces palavras: Essa
casa recebeu hoje o salvador porque esse é também Filho de
Abraão. Pois o Filho do homem veio para buscar e para salvar aquele
que estava perdido. Depois, falando com eles, o Novo Homem lhes conta a
parábola dos dez talentos e lhes ensina o verdadeiro sentido.
Ensina-lhes que se a alma do homem é depositária dos sete
poderes sacramentais que são os canais da vida do espírito,
ela também o é das dez fontes dessa mesma vida espiritual,
que só poderá correr nesses canais do espírito após
ter saído da fonte eterna à qual a alma do homem está
unida por uma aliança indissolúvel.
Ensina-lhes que essas dez fontes tinham sido fechadas para nós por
causa do crime, e que só podemos ser regenerados quando tivermos
recuperado o gozo: que os marcos de prata que o senhor distribuirá
aos seus servos eram para ajudá-los a reabrir, para eles, essas fontes
salutares e indispensáveis à nossa existência.
Ensina-lhes que cada um recebe segundo o cuidado que empenha em fazer valer
esse talento, mas só aquele que atingiu o verdadeiro fim é
que consegue fazer reabrirem para ele essas dez fontes, pois assim ele se
torna novamente a imagem e a semelhança perfeita desse modelo perfeito
que nos formou para representá-lo.
Mostra-lhes que para ser culpado não é necessário perder
esse talento, esbanjá-lo ou prostituí-lo. Mas aquele que o
enterra ofende ao espírito, pois parece crer que o espírito
não é ativo, fecundo e gerador. Também não se
contenta em retirar esse talento aos preguiçosos e dá-lo a
quem juntará dez outros. Condena ainda esse servo inútil a
ser lançado nas trevas exteriores. Mas para aqueles que se declaram
seus inimigos e que não querem reconhecê-lo como o seu rei,
faz com que sejam exterminados na sua presença: lei severa que o
Novo Homem exerce sobre si mesmo com todo o rigor, sem o que seu reino não
se estabeleceria de modo algum.
É difundindo semelhantes ensinamentos que, perceptivelmente, ele
vê Jerusalém aproximar-se dele. Diz então a dois dos
seus: "Ide a essa aldeia que está diante de vós e encontrareis
ao chegar uma jumenta amarrada e o seu jumentinho com ela. Desamarrai-a
e trazei-a até mim. E se alguém vos disser algo, respondei
que o Senhor precisa dela, e em breve a deixará trazer. A fim de
que a palavra do profeta se cumpra, dizei à filha de Sião:
heis que o vosso rei vem até a vós pleno de doçura,
montado sobre uma jumenta e o jumentinho dessa que está sob o jugo".
Essa jumenta sob o jugo é, aos olhos do homem universal, a antiga
aliança levítica que mantinha o homem nos grilhões
das leis, das formalidades cerimoniais dos sacrifícios de sangue
e da imolação das vítimas. O Filhote dessa jumenta,
sobre o qual ninguém jamais montou, é, aos olhos do homem
universal, a aliança nova que só poderia ser trazida e estabelecida
pela mediação do salvador e que jamais teria sido conhecida
sem ele, mas que não podia, contudo, ser manifestada a não
ser no seio dessa mesma lei levítica, pois ela era como a filha,
visto que está escrito que o salvador vem dos judeus.
Aos olhos do homem particular, a antiga aliança é a imagem
do velho homem detido sob o jugo do tempo e dos seus imperiosos ministros.
A segunda aliança é o Novo Homem, é essa alma divina
em sua pureza e a única sobre a qual o salvador pode repousar para
entrar em Jerusalém. Além disso que entusiasmo, em todas as
regiões do Novo Homem, quando o salvador e ele se encontrarem juntos
nessas relações mútuas que jamais deveríamos
ter perdido de vista!
É então que os habitantes dessa cidade santa, que esperavam
o divino profeta, estendem suas vestes e jogam ramos de árvores a
seus pés, "é então que todos os discípulos
em multidão começam a louvar a Deus em voz alta, dizendo:
bendito seja o rei que vem em nome do Senhor. Paz no céu e glória
nos lugares muito altos! "Os fariseus fazem bem em murmurar e pedir
ao mestre para fazer calarem os seus discípulos. Ele lhes diz que
se eles se calarem, as pedras mesmas falarão.
Felicita-te, então, com efeito, oh Novo Homem, de que o salvador
tenha querido cumprir em ti a promessa que fez a Abraão de jamais
abandonar seu povo. Mas chora pelo velho homem e por todos os que ele subjugou,
dizendo-lhe: "Ah, se tivesses reconhecido, ao menos nesse dia que te
foi dado, quem poderia te trazer a paz! Mas agora tudo isso está
oculto para os teus olhos. Virá um tempo infeliz para ti, em que
teus inimigos te cercarão de fossos, te prenderão e te fecharão
por todos os lados, te arrasarão e te despedaçarão
por inteiro, tu e os teus Filhos que estão entre tuas paredes, e
eles não deixarão pedra sobre pedra, pois não conheceste
o tempo no qual Deus te visitou".
A exemplo do salvador, o Novo Homem vai entrar em seu próprio templo
e banir a golpes de chicote os cambistas e vendedores de pombas, censurando-os
de que da casa do seu Pai, que era uma casa de orações, eles
fizeram um covil de ladrões. Se os príncipes dos pastores,
os doutores da lei e os senadores lhe perguntarem por qual autoridade ele
faz tais coisas, ele não lhes responderá, pois eles não
podem dizer se o batismo de João era dos homens ou se era dos céus.
Pois não conhecem a união da alma humana com o espírito
do Senhor, que fez com que o batismo de João pertencesse ao mesmo
tempo a esses dois mundos, e assim era a imagem da autoridade do salvador,
que provinha igualmente da reunião dos poderes desses dois mundos.
Pois os doutores da lei são muito tenebrosos para se aperceberem
desse encontro, e a alma humana é para eles apenas um instrumento
passivo, semelhante em tudo aos seres inanimados e sem uma ação
da divindade. Por isso tentarão apoderar-se do Novo Homem, que, por
todas as suas respostas, os fará cair constantemente em confusão.
Mas como, temem o povo, enviarão até o Novo Homem pessoas
que fingirão ser de bem para armar-lhe armadilhas e surpreendê-lo
em suas palavras, a fim de entregá-lo ao magistrado e ao poder do
governador.
Perguntarão a ele, então, se lhes é permitido ou não
pagar o tributo a César. Mas o Novo Homem, vendo sua malícia,
lhes dirá: por que me tentais? Mostrai-me um dinheiro. De quem é
a imagem e a inscrição que ele traz? De César? Dai
a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus, resposta que os deixará mudos e envergonhados, sem que percebam,
contudo, toda a profundidade que ela encerra. Porque, da mesma maneira que
não puderam dizer se o batismo de João era dos homens ou se
era do céu, visto que não conheciam as relações
da alma humana com Deus, da mesma maneira não verão por que
devem dar a Deus o tributo que pertence a Deus, pois ignoram que o tributo
só é devido a Deus porque a alma humana traz a imagem desse
supremo soberano, como o dinheiro trazia a imagem e a inscrição
de César.
Eles não se contentarão com isso. Enviarão até
ele os saduceus que negam a ressurreição. Aproximar-se-ão
dele, propondo-lhe a questão dos sete maridos. Mas como as trevas
dos saduceus provêm do seu espírito repleto apenas de idéias
mortas, ele os fará conhecer como é possível que a
ressurreição se realize, sem que o obstáculo que eles
opõem, e que os detém, possa ter o menor valor.
Ele lhes dirá: Os Filhos deste século esposam mulheres, e
as mulheres, maridos. Mas para os que serão julgados dignos de tomar
parte no século vindouro e na ressurreição dos mortos,
nem os homens esposarão mulheres, nem as mulheres, maridos. Pois
então não poderão mais morrer, porque tornar-se-ão
iguais aos anjos e, sendo Filhos da ressurreição, serão
Filhos de Deus. E quanto à ressurreição dos mortos
um dia, o próprio Moisés o declara quando, estando próximo
à sarça, invoca o Senhor Deus de Abraão, Deus de Isaac
e Deus de Jacó. Ora, Deus não é o Deus dos mortos,
mas dos vivos, porque todos são vivos diante dele".
Heis por que meios o Novo Homem repelirá incessantemente as insinuações
e os ardis dos seus adversários, opondo assim a vida à morte.
Porque está escrito que ele circula no meio deles. Mas será
sempre pelas luzes da razão e da inteligência mais sã
e mais pura que saberá defender-se deles e combatê-los. Porque
o Novo Homem é um ser que deve, a todo momento, fazer desenvolver
nele e fora dele as abundâncias da justiça, da misericórdia
e da luz.
As respostas
desse Novo Homem não teriam tanta força e tanta justeza se
o espírito de sabedoria não lhe tivesse comunicado a plenitude
de sua atividade. Somente com dor essa comunicação pode se
operar, haja vista o abatimento em que se encontram todos os interstícios
do nosso ser, nos quais a ação do espírito deve se
introduzir com violência. Mas essa violência não é
nada em comparação com aquela que o renascimento deve nos
ocasionar. Pois após essa ação do espírito ter
assim nos penetrado, é preciso que ela nos conduza e nos faça
sair com ela para fora dessa prisão e dessa morada tenebrosa onde
não gozamos nem da respiração, nem de qualquer dos
outros benefícios da vida.
Ora, é nesse lugar que concebemos o valor do amor que quis sepultar-se
conosco em nossos abismos, a fim de se apoderar e de nos carregar com ele.
Sentimos então, digo eu, a imensidão desse amor, pela imensidão
dos sofrimentos que experimentamos e que ele não teme partilhar conosco.
Sofrimentos que não podemos avaliar antes da realização
do nosso renascimento. Porque, antes desse momento, não sabemos como
a ação divina veio nos penetrar e se ela não age secretamente
em nós pelo poder dos direitos eternos que ela tem de penetrar todas
as substâncias e de tudo completar; e isso, entretanto, em união
com essa vida imortal, inata em nosso ser e que aí se conserva na
sombra e no silêncio, até o momento em que recebe a ordem e
o poder do mestre.
Não é menos verdade que só quando esse poder e essa
ordem se configuram em nós, é que tem início nosso
renascimento que ele pode ser-nos sensível. Assim como também
é verdade que, a partir do momento em que esse poder de ação
e de ordem espiritual se configura em nós, devemos nos encher de
esperança que a obra chegará ao seu termo. Verdades das quais
um olho atento poderá encontrar numerosos exemplos na natureza. É
então que nos sentimos cada vez mais santificados em todo o nosso
ser, desde que tenhamos grande cuidado em recolher preciosamente essas ações
puras, vivas e iniciadoras no momento em que elas se nos mostrem, e desde
que tenhamos sempre presente que a atividade é a sua principal característica,
que assim todos os favores que possamos receber se dirijam apenas ao proveito
da nossa atividade santa e espiritual, e que enquanto não endereçarmos
todas as nossas forças para essa atividade completa e constante,
a única na qual a obra do nosso renascimento pode verdadeiramente
se manifestar, longe de renascer, morreremos de novo e faremos com que o
espírito morra conosco.
Quais são, então, as condições sem as quais
não podemos esperar descobrir onde estão os prados tão
abundantes e reaquecidos pelo verdadeiro sol? É, sermos animados
do zelo pela casa do Senhor, ou seja, do zelo pela nossa própria
casa. E qual é a via pela qual podemos esperar ver nascer em nós
o zelo pela nossa própria casa? É nos defender com esforços
constantes e perpétuos do zelo pela casa alheia.
Se marcharmos com esse humilde e vivo desejo de sermos animados do zelo
pela nossa própria casa, o Senhor marchará até nós
pela via rápida do seu amor e das suas inumeráveis riquezas,
que consistem em uma atividade universal. E não tardará em
nos associar a essa atividade universal, pois ele associar-nos-á
com ele mesmo.
Infeliz daquele que deixar semear em si o germe da frieza e da inação.
Ele não poderá deixar de produzir um dia frutos amargos e
cobertos de espinheiros, pelos quais todos os seus membros serão
traspassados; não poderá evitar que todo o seu ser se entregue
a doenças incuráveis. Infeliz aquele que não se apoderar,
com uma ardente vigilância, desses clarões passageiros que
nos são enviados de tempos em tempos em nossas trevas! A vida espiritual
que desce até nós já é tão fraca, em
razão desse corpo mortal em que estamos encerrados! Ela vem até
ele tão raramente! E retira-se tão rapidamente, após
ter acendido em nós a chama do nosso pensamento, que sem a mais ativa
atenção devemos temer que a chama se apague, antes que ela
retorne, se não tivermos o cuidado de nutri-la e mantê-la!
Pois é somente através dessas longas e penosas gradações
que podemos obter o renascimento desse estado divino, no qual nos sentiremos
como se estivéssemos renascendo continuamente e ao mesmo tempo em
todas as fontes das inumeráveis e doces afeições do
nosso pensamento e de todos os nossos desejos espirituais. Senhor, que o
fogo do céu venha em mim consumir as iniquidades de Israel e de Judá!
Que os abalos da minha frágil terra sacudam as colunas da Babilônia
até os seus fundamentos! Que uma guerra universal inflame todo o
meu ser! Que os astros corruptíveis que o iluminam percam a sua luz!
Que os céus e a terra perecíveis que me compõem sejam
devolvidos como uma veste! Que se formem em mim novos céus e uma
nova terra! E que do seio dos destroços desse universo antigo, eu
veja elevar-se nos ares o sinal da eterna aliança e o estandarte
do triunfador em sua glória!
Como o homem pôde enganar-se durante tanto tempo acerca da destinação
do seu ser? É que ele a procura fora de si próprio, ao passo
que é dentro dele que poderia conhecer todos os segredos. Uma abóbada
espessa parece se formar entre o espírito do homem e a sua região
inferior. Mas ele deveria instalar-se nessa abóbada como sobre um
trono, para estabelecer a ordem em todos os seus domínios e manifestar
aí a visão de todos os poderes, o agente supremo do qual ele
é a imagem. Poderia estar sentado nesse trono como se já tivesse
os inimigos sob os seus pés e como se tivesse fechado todos os poços
do abismo, após ter precipitado neles todos os prevaricadores. Heis
aonde o conduzia a atividade do espírito, se ele respondesse com
fidelidade a ela. Ela o faria sentir fisicamente esse fim sublime para o
qual a natureza e ele receberam a existência, e desse modo ele aprenderia
a reconhecer como foi estabelecido para ser o ministro e o rei da natureza.
Infeliz! Ele tem visto seu trono ser minado pelos vapores do poço
do abismo. O inimigo elevou-se sobre esses vapores como sobre nuvens; e
por meio dessas nuvens fez-se levar até as mais altas regiões
do pensamento do homem. Do cume dessas regiões sublimes, disse ao
Novo Homem: prostra-te diante de mim. Cabe a mim assentar-me sobre o trono
do qual te apoderaste, e daqui para diante serás o meu servidor e
o meu escravo. Infeliz! E nessa vergonhosa escravidão ele adia trabalhar
para romper seus ferros! Queixa-se da ajuda que lhe é enviada para
cooperar em sua libertação!
Qual é o objetivo das agitações e dos turbilhões
de ventos da atmosfera? Não é derrubarem das árvores
os rebentos gulosos, frutos de uma seiva muito abundante? Ou secar as águas
das chuvas e os vapores dos nevoeiros, que teriam amolecido sua casca e
apodrecido suas folhas e suas flores? Ou, enfim, não é precipitar
os insetos venenosos e maléficos que teriam corroído seus
ramos tenros?
Homem, não lastimes os abalos da tua região. A mão
que os dirige tem para ti somente planos de benefícios. Se a taça
de amargura foi vertida sobre a terra, não será para limpar
os olhos da nossa inteligência, como a taça medicinal devolve
aos nossos órgãos corruptíveis à sua pureza
natural? Quanto mais essa taça amarga te precipitar no fogo da dor,
mais deverá agradecer a quem te apresenta a ela. Porque só
pode resultar para ti numa grande purificação, se és
culpado, ou numa grande glória e numa grande recompensa, se estás
empenhado na obra sagrada...
Mas só as agitações operadas pela mão de Deus
são saudáveis; pois os escravos do inimigo também se
encontram na agitação, sem que retirem qualquer proveito disso.
Esse inimigo, após ter obtido uma vitória quase universal
age como mestre e como tirano sobre seus súditos. Ele os molesta
com dores vivas, para fazê-los sentir que a matéria é
seu reino. ele os pune por terem tido a imprudência de agir sem o
seu Deus, atormentando-os sobre a terra como em um lugar onde Deus não
age.
Senhor, qual é então a extensão do crime que conseguiu
imitar tão profundamente tua justiça? Toda a posteridade humana
está em sofrimento. Tu a vês; ela está aos teus pés
e tu não podes te permitires libertá-la. É a voz do
ímpio que te impede? Eles dizem que não há nada de
mal; não se decidem a atribuir a ti o que existe; preferem negá-lo
a procurar a fonte na depravação voluntária de uma
criatura livre. Como queres curá-los se eles não se acreditam
doentes e se não te chamam? Ao menos se sua impiedade ignorante não
influenciasse a família inteira! Mas se foi essa família inteira
que te ofendeu, não é preciso que todos os seus membros se
reunam para te implorar e para te comover! E uma única voz discordante
não pode romper o concerto de nossas súplicas?
Infeliz, quando cessareis vossas blasfêmias? Vós não
podeis proferir uma que não custe a vida ou a saúde aos vossos
irmãos. Mas o Deus de paz e de amor será maior do que as suas
blasfêmias. Ele inclinará seus olhos sobre nossa triste descendência
e sobre nossa própria casa e, não obstante as maldições
dos insensatos, deixará cair em nós a franja de sua veste.
E só de tocá-la, seremos curados da nossa perda de sangue.
Justifica-te, então, Homem de Desejo, ou, de preferência, não
te deixes abalar na tua base. A tua vida procede da vida. Que unicamente
a tua existência demonstre que és o Filho de Deus. A vida não
procede sempre de algo? Quem poderia prejudicar tua estabilidade se jamais
perdesses de vista que és o Filho de Deus e que és seu pensamento,
sua palavra e sua operação, e se, por tua constância
e pela força de tua fé, conseguisses provar a ignorância?
Quando te sentires enfraquecido, volta os olhos para aquele que vem te consagrar
até o teu interior, para ser pastor segundo a ordem de Melquisedeck,
e te verás então elevado até os céus.
Como o Novo
Homem se tornou tão ativo e tão clarividente? Enchendo-se
sempre do zelo pela sua própria casa. Não temendo a demolição
do templo antigo ou do velho homem do qual se diz que não deve ficar
pedra sobre pedra. Porque ele sabe que será reconstruído em
três dias, ou que essa tríplice característica divina,
que o torna a imagem e a semelhança do seu eterno príncipe,
deve ser restabelecida em seu esplendor e na livre manifestação
de seus títulos mais sagrados.
Mas quanto mais adquire luzes, mais se crê obrigado a esclarecer todas
as regiões do seu ser acerca de todos os perigos que podem acompanhar
a sua regeneração. Ele lhes dirá, então, como
o salvador aos apóstolos:
"Vigiai para que ninguém vos seduza, porque muitos virão
sob o pretexto de vos instruir e vos consolar. Mas como eles próprios
estarão cheios de trevas, apenas vos desviarão ainda mais.
E o sinal pelo qual os reconhecereis é que vos proporão outros
mestres que não Deus, seu espírito e vós, e que vão
querer vos poupar o trabalho penoso de beber constantemente e sem descanso
naquele que vos deu a existência e que pôs em vós uma
representação universal de si mesmo e de todas as suas obras".
Ouvireis falar de guerras e de rumores de guerras; vereis em vós
mesmos levantar-se. Povo contra povo, reino contra reino; vereis pestes,
fome, tremores de terra. Mas não vos perturbeis, porque tudo isso
será apenas o começo das dores. Então sereis abandonados,
em vós mesmos, a mil inimigos para serdes atormentados e para vos
fazer morrer, e sereis odiados por todas as nações por causa
do meu nome. Vigiai para que isso não se torne para vós motivo
de escândalo e de queda. Porque levantar-se-ão em vós
falsos profetas, e se multiplicará a iniqüidade e a caridade
de muitos se resfriará. Mas será salvo quem perseverar até
o fim. E este evangelho do reino será pregado em todo o vosso ser,
para servir de testemunho a todas as nações que o habitam".
"Quando virdes a abominação da desolação,
que foi prevista pelo profeta Daniel, no lugar santo, e quando o inimigo
estiver em seus dias de triunfo, pelo poder que lhe será dado do
alto sobre vós, em favor da justiça e para que ele satisfaça
as medidas das suas iniquidades, fugi então para as montanhas da
Judéia. Se estiverdes sobre o telhado, não desçais
para levar coisa alguma de casa; e se estiverdes no campo, não retorneis
para pegar vossas vestes. Mas fazei como Elias, escondei-vos na caverna
até que o tempo da cólera tenha passado.
Pois esses dias são de provas tais, que se não tivessem sido
abreviados, nenhum homem teria sido salvo; mas não abreviados em
favor dos eleitos".
"Não tomeis mesmo por sinais infalíveis da vossa regeneração
as coisas espantosas e os grandes prodígios que podereis realizar.
Porque podem levantar-se em vós falsos cristos e falsos profetas
que realizam prodígios semelhantes até seduzir, se fosse possível,
os próprios eleitos. Não vos entregueis, então, a todas
as vozes que vos dirão interiormente: eu sou o Cristo? Pois assim
como o relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente,
assim será também em vosso ser a vinda do Filho do homem.
Expulsai de vós, com o maior cuidado, todos os corpos mortos, pois
em qualquer lugar onde estiver, o corpo morto, aí se juntarão
as águias.
"Quando é que o sinal do Filho homem aparecerá em vosso
céu particular? Quando virá até vós com grande
poder e grande majestade? Quando enviará os seus anjos trazendo a
voz estrepitosa da sua trombeta a todas as vossas regiões, e reunindo
os seus eleitos dos quatro cantos do vosso próprio mundo, depois
de uma extremidade do vosso céu até a outra? Quando vosso
sol de aparência entrar em sua obscuridade, vossa lua se tornará
mais luminosa, as estrelas do vosso firmamento frágil cairão,
as virtudes dos vossos céus individuais serão abaladas; e
todos os povos da vossa terra de dor lastimarão a sua miséria,
se embrenharão nas tendas das montanhas e dirão ao universo:
cobri-nos e poupai-nos à cólera e a vingança do Senhor".
"Não há ninguém que vos possa ensinar quando é
que esse dia e essa hora chegarão. Pois está escrito que ninguém,
nem os anjos do céu, sabem esse dia e essa hora, só o Pai.
Mas vos é dado conhecer os sinais e saber que o Filho do homem estará
perto de vós e a vossa porta quando esses sinais se manifestarem
em vós, assim como sabeis que o verão está próximo
quando os ramos de figueira estão tenros e suas folhas brotando".
"Não conhecereis esse tempo por nenhuma das revoluções
do vosso ser natural e físico, pois é ele que deve ser imolado
as trevas e servi-lhes de vítima. Da mesma forma, como não
conhece nada das coisas do espírito, seguirá cegamente sua
via obscura até o dia do seu sacrifício, como nos tempos de
Noé, um pouco antes do dilúvio, os homens seguiram todas as
leis da matéria, sem pensar no que ia chegar. Mas quando a vossa
hora tiver chegado, dos dois homens que vos compõem, um será
tomado e o outro será deixado. Das duas mulheres que estão
ocupadas em moer em vós, uma será tomada e a outra será
deixada, porque em vós uma dessas duas mulheres ou um desses dois
homens é a partilha do espírito e da luz, e o outro é
a partilha da matéria e das trevas. Velai, então, porque não
sabeis a que hora vosso Senhor deve vir, pois sabei que se o Pai de família
fosse avisado da hora que o ladrão deve vir, sem dúvida vigiaria
para que sua casa não fosse violada".
"Sede como um servo fiel e prudente, a quem seu senhor colocou acima
de todos os outros servos, para lhes distribuir a tempo o alimento de que
necessitam. Se o vosso senhor ao chegar, vos encontrar agindo dessa maneira,
ele vos confiará todos os seus bens. Mas se disseres em vosso coração:
o meu senhor não está para chegar; se vos puserdes a bater
em vossos companheiros em vez de alimentá-los, e se comerdes e beberdes
com os beberrões, o senhor virá no dia em que menos esperardes,
e na hora que não sabereis, e vos separará e vos dará
por quinhão serdes punidos com os hipócritas; aí então
haverá pranto e ranger de dentes".
"Há também em vós cinco virgens tolas e cinco
virgens sábias, porque essa é a divisão que foi feita
nos poderes quando da queda do primeiro prevaricador, e que se repetiu quando
da prevaricação do homem. Aquelas não somente consumiram
o seu óleo, como também procuram consumir aquele que as virgens
sábias conservaram, tentando arrastá-las com elas para suas
trevas e suas funestas imprudências, como fez o vosso inimigo com
relação ao homem, quando determinou a ele que lhe entregasse
sua força, seu poder e sua palavra. E se não cuidardes atentamente,
esse inimigo poderá repetir a cada dia convosco essa empresa antiga
e criminosa, e vai-vos seduzir como seduziu o primeiro homem, fazendo-vos
consumir em vão todo o vosso óleo, até que vossa lâmpada
se apague. Então sereis confundidos com as virgens tolas, e quando
vos apresentardes para celebrar as bodas com o esposo, a porta será
fechada e o esposo dirá que não vos conhece".
"Tratai, ao contrário, de superar, se possível, as virgens
sábias do evangelho e de obter, por vossos trabalhos e vossos esforços
uma provisão suficiente de óleo para dar as virgens tolas,
a fim de que sejam admitidas convosco nas bodas do esposo. Pois esse é
o fim último da caridade, é o que o próprio espírito
exerce em relação a vós, não tendo medo de penetrar
em todos os abismos da vossa existência para vir partilhar o seu óleo
convosco e restabelecer, assim, a perfeição desse número
de dez talentos que havíeis alterado na origem e que a sabedoria
suprema deseja, tão ardentemente, ver brilhar de novo em toda a sua
justeza e em toda a sua virtude".
"Além disso, o que fará o Filho do homem quando vier
em sua majestade, acompanhado de todos os seus santos anjos, e assentar-se
sobre o trono da sua glória, e todas as nações da terra
reunirem-se diante dele? Separará uns dos outros, como um pastor
separa as ovelhas dos bodes. Porá as ovelhas à sua direita
e os bodes à sua esquerda, e dirá àqueles que estiverem
à sua direita: vinde, vós que fostes benditos por meu Pai,
possuí o reino que vos foi preparado desde o começo do mundo.
Pois eu tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber;
tive necessidade de abrigo e me recolhestes; fiquei nu e me vestistes; enfermo
e me visitastes; estive na prisão e fostes me ver. Então os
justos lhe dirão: quando é que fizemos todas essas coisas
para vós? E o rei lhes responderá: eu vos digo, em verdade,
que todas as vezes que fizestes esses deveres de caridade aos menores dos
meus irmãos, a mim fizestes. Porque essas crianças formam
uma unidade comigo por seus sofrimentos".
"Da mesma maneira, quando as cinco virgens sábias que estão
em vós conseguem, por seus trabalhos e sua viva caridade, obter uma
suficiente provisão de óleo para as vossas cinco virgens tolas,
a fim de que suas imprudências sejam apagadas, e que o número
de dez talentos que essas dez virgens representam seja reintegrado em vós,
em sua perfeição, isso será cooperar para a glória
e a satisfação da própria sabedoria, pois é
concorrer para o restabelecimento da sua imagem".
"O rei dirá, em seguida, àqueles que estão à
sua esquerda: afastai-vos de mim, malditos, e ide ao fogo eterno que foi
preparado para o demônio e seus anjos. Pois tive fome e não
me destes de comer: tive necessidade de abrigo e não me recolhestes;
fiquei nu e não me vestistes; estive enfermo e na prisão e
não me fostes visitar. E os maus lhe dirão: Senhor, quando
é que recusamos a vós todas essas coisas? E ele lhes responderá:
eu vos digo, em verdade, que todas as vezes que negastes assistência
a esses pequenos, a mim o negastes, porque esses pequenos formam uma unidade
comigo em seus sofrimentos e, desse modo, unir-se-iam comigo em sua alegria,
e porque se vossas virgens sábias não concorrem para o restabelecimento
do número representativo, corrigindo as imprudências das vossas
virgens tolas e suprindo suas necessidades, vós contrariais diretamente
o desejo, a fome e sede da sabedoria eterna".
A festa dos
pães sem fermento aproxima-se. Essa festa anuncia ao Novo Homem um
alimento que não está sujeito a fermentação
e a corrupção da matéria. Ora, como essa festa se chama
a passagem, e como é na passagem do renascimento espiritual que se
acham os maiores perigos para a alma humana, é também o momento
dessa passagem que os príncipes dos sacerdotes e os doutores da lei
escolhem para se apoderarem da pessoa do Novo Homem, e é nessa ocasião
que o seu inimigo se oferece para entregá-lo a eles mediante o valor
combinado, o que enche de alegria os príncipes dos sacerdotes e os
capitães, porque eles receiam o povo e só podem empregar ardis
e traições...
O Novo Homem não ignora a traição que se trama contra
ele, pois disse anteriormente aos seus: sabeis que a páscoa virá
em dois dias e que o Filho do homem será entregue para ser crucificado.
Mas como ele sabe também que o complemento da sua regeneração
está ligado a esse sacrifício; como ele sabe, por outro lado,
que esse sacrifício deve trazer a vida aos habitantes do seu próprio
reino, diz a alguns dos seus: "Ide aprontar o que é preciso
para a Páscoa... Quando entrardes na cidade, encontrareis um homem
carregando uma bilha d'água. Segui-o até a casa onde ele entrará
e dizei ao senhor dessa casa: o mestre vos manda perguntar: onde é
o lugar em que celebrarei a Páscoa com os meus discípulos?
Ele vos mostrará um grande quarto elevado, todo mobiliado. Preparai
para nós o que é preciso".
Quem é esse homem carregando uma bilha d'água? É o
precursor da santa aliança que só pode se contrair após
a purificação perfeita. O que é esse quarto alto onde
a Páscoa deve ser celebrada? É o pensamento do homem que é
revestido do privilégio de se mostrar entre as nações
como a região mais sublime do templo imortal que o espírito
santo se propôs habitar. Quem é esse mestre que manda perguntar
onde é o lugar em que ele celebrará a Páscoa com os
seus discípulos? é o próprio espírito do Novo
Homem que vem visitar a alma humana para lhe trazer a vida e a luz, mas
que, sabendo que essa alma humana é um ser livre, não quer
habitá-la sem o seu consentimento, não obstante todos os bens
e todas as riquezas com os quais vem favorecê-la.
Ele espera a hora favorável para vir operar na alma esse sacrifício
salutar, porque o seu amor por nós o animou a se sujeitar à
lei das horas. Mas quando essa hora chega ele se coloca à mesa conosco
e nos diz: "Desejai com ardor comer essa Páscoa convosco antes
de sofrer, pois vos declaro que não comerei mais dela até
que esteja cumprida no reino de Deus". Porque após a consumação
do grande sacrifício do salvador, seria preciso ainda um tempo para
a ratificação e para que os frutos desse sacrifício
chegassem a seu termo.
"Então o espírito que está a mesa conosco toma
o pão e, depois de render graças, parte-o, dizendo: Esse é
o meu corpo que dei por vós, fazei isso em memória de mim".
Porque da mesma maneira que o partir o pão anuncia a ruptura do seu
corpo, a ruptura do seu corpo anunciará a ruptura e as dores do seu
espírito que se digna abandonar o lugar da sua glória para
vir habitar a morada da nossa miséria.
Ele toma o cálice e, depois de dar graças, nos diz: "Esse
cálice é a nova aliança em meu sangue, que será
derramado por vós. Desta hora em diante não beberei mais desse
fruto da videira até que eu o beba de novo convosco no reino de meu
Pai. Todas as vezes que comerdes desse pão e beberdes dessa taça,
anunciareis a morte do Senhor, até que ele venha". Porque o
sangue dessa taça anuncia a efusão do sangue material do salvador,
a efusão do seu sangue material anuncia a efusão do seu sangue
espiritual, e essa taça anuncia, ao mesmo tempo, a efusão
do sangue corporal do homem para a abolição do pecado e a
efusão do seu sangue espiritual para a sua regeneração
particular.
Pois o Novo Homem não teria sido regenerado se o salvador não
se tivesse feito homem, porque sem isso as vias do nosso sangue jamais teriam
sido abertas e esse sangue jamais teria podido correr, apesar da morte corporal
que suportamos todos os dias e apesar de todos os massacres da terra. Foi
por isso também que ele fez da alma dos homens um cordeiro pascal
semelhante a ele, e que esse cordeiro deve ser imolado em cada um deles
para que sejam feitos novos homens, como ele próprio teve que ser
imolado para a renovação e a regeneração de
toda a espécie humana.
Pois a mais bela função desse profeta eterno e divino que
veio verter o sangue do seu corpo e do seu espírito para nos colocar
em condições de entrar, através dele, em nosso estado
natural e primitivo, foi tornar o nosso sangue que havíamos perdido.
Ora, essa segunda vida que ele nos deu era a vida da dor e devia lhe custar
infinitamente mais do que a vida do amor, aquela que ele nos dera na primeira
vez.
Com efeito, a profecia deve se limitar a predizer e anunciar acontecimentos?
Não pode ela antecipar, pela súplica da dor, se são
funestos, e adiantar se são salutares, e não seria essa uma
das suas características mais importantes? Lágrimas do profeta,
desobstruí os caminhos da cidade santa, operai vós mesmos
as manifestações dessa nova Jerusalém que as predições
somente anunciam.
O salvador predisse muitos acontecimentos? Não, predisse apenas aqueles
que deveriam realizar-se incessantemente e abrir os olhos das nações
para sua obra. Eu vos digo desde agora, antes que suceda, para que, quando
suceder, reconheçais que sou eu (João, 13:19; 14:29; 16:4).
Mas ele empregou sua vida inteira a aplainar, pelos seus sacrifícios
e pelo seu amor, os caminhos do nosso retorno à nossa pátria.
Também à sua semelhança, o espírito que vem
imolar-se em nós para nos regenerar não teme "dar a mão
àquele que o traiu e que deve entregá-lo ao príncipe
dos sacerdotes". Pois esse espírito "que vem imolar-se
em nós fornece, segundo o que foi escrito sobre ele... Mas infeliz
daquele por quem o Filho do homem foi traído! Seria melhor para ele
que não tivesse vindo ao mundo... Mas para vós, eu vos preparo
o reino como o meu Pai me preparou".
Que aflição para esse espírito que vem imolar-se em
nós, saber que foi traído não somente por aquele que
deve concorrer a lhe fazer consumar o seu sacrifício, mas ainda por
aquele pelo qual mesmo ele vem imolar-se, isto é, por esse Simão
que existe em nós, por essa pedra fundamental sobre a qual se deve
construir a igreja! Pois o espírito lhe diz em nós: "Simão,
Simão, Satã vos pediu para vos peneirardes como se peneira
o frumento, mas roguei por vós para que vossa fé não
desfaleça. Quando então houverdes sido convertido, tende o
cuidado de fortalecer vossos irmãos".
No ardor do nosso zelo e na ignorância em que nos encontramos de toda
a extensão da provação, nós lhe dizemos: Senhor,
estou pronto a ir convosco para a prisão e mesmo para a morte".
Mas o espírito, que nos conhece bem melhor, responde-nos: "Pedro,
eu vos declaro que o galo não cantará antes que tenhais negado
por três vezes que me conheceis, porque o espírito vê
claramente todos os planos dos movimentos dos seres, porque esse espírito
vê a nossa fraqueza e a inclinação que temos de ser-lhe
infiéis, e como o pecado original teve uma tríplice característica
e operou em nós uma tríplice morte, repetimos esse tríplice
pecado ou essa tríplice infidelidade nas nossas provas particulares,
até que o galo tenha cantado três vezes, como para anunciar
esse triunfo infeliz da matéria sobre nós. E nos recolhemos
em nós próprios, como fez Pedro, e vertemos lágrimas
pelos nossos pecados e pela nossa covardia.
Mas o espírito não se afasta de nós, ainda que veja
em nós todos os planos da nossa infidelidade. Ele continua a sua
obra. Continua mesmo a nos associar a ela, e nos diz: "Quando vos enviei
sem alforje, sem bolsa, sem sapatos, faltou-vos alguma coisa? Não,
mas agora que aquele que tem um alforje ou uma bolsa toma deles e que aquele
que não os tem vende a sua roupa para comprar uma espada, pois eu
vos asseguro que é preciso ainda que se veja cumprido o que está
escrito sobre mim: ele foi posto na categoria dos celerados, pois o que
foi profetizado sobre mim está prestes a acontecer".
É, com efeito, o momento de reunir nossas forças para ajudar
nosso mestre a consumar o seu sacrifício. É o momento de transformar
todas as nossas faculdades em coragem, para resistir ao inimigo que vem
atacá-lo e para conseguir que as forças do alto o acompanham
e o mantenham no penoso combate que se vai travar entre a sua natureza eterna
e a sua natureza passageira e aparente; assim como na terrível prova
pela qual vai passar sua caridade, quando ele for se entregar por inteiro
à libertação dos seus irmãos e lhe for preciso
fazer correr, gota a gota, todo o sangue do seu ser e de seu amor, para
que o rio da vida chegue até nós.
Por isso o espírito nos diz: "Meus Filhos, não tenho
mais tempo para estar convosco, vós me buscareis, e da mesma forma
que disse aos judeus que eles não podiam vir aonde vou, eu vos digo
igualmente agora, porque o espírito é o mestre, somos apenas
os discípulos, só podemos receber aquele que vem dele, enquanto
que a fonte na qual ele reside nos é para sempre impenetrável,
e porque esse espírito vai realizar a obra da libertação
dos cativos é que podemos, em seguida, repeti-la em nós próprios
e em nossos irmãos em seu nome, mas jamais a poderíamos ter
realizado sem ele e se ele não tivesse começado por realizá-la
em nós. É por isso que disse aos seus anteriormente: podeis
beber do cálice que beberei. É por isso também que
permitiu a participação deles no cálice e na comunhão
do seu corpo na passagem, a fim de prepará-los para tomar parte em
seguida de toda a atividade da sua obra, porque todas essas palavras são
espírito e vida.
Igualmente, a obra estando já começada para ele, pois o traidor
já havia recebido o seu pedaço e se retirado, ele anuncia
que agora o Filho do homem é glorificado e que Deus é glorificado
nele. E é então que dá as principais instruções
relativas à obra que vai consumar e que eles devem partilhar com
ele: "Eu vos dou um novo mandamento, o de amardes uns aos outros como
eu vos amei. É por isso que todos saberão que sois os meus
discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros". Para que compreendessem
que a obra desse mestre era a obra do amor, e que não podiam ser
a imagem e a semelhança do seu príncipe se não se tornassem,
por suas obras e por seu sacrifício, a imagem e a semelhança
desse amor.
"Que o
vosso coração não se perturbe de modo algum. Credes
em Deus, credes em mim também. Há muitas moradas na casa de
meu Pai. Se não fosse assim, eu vos teria dito, pois vou para preparar
o lugar. E depois que tiver ido e vos tiver preparado o lugar, voltarei
e vos acolherei a fim de que estejais onde estarei". Essa morada que
ele devia preparar era aquela que o poder perverso havia usurpado do universo
e do homem, a quem o espírito vinha devolvê-la para o cumprimento
dos decretos do amor e da justiça do soberano ser. Essas diferentes
moradas que existem na casa do seu Pai são os diferentes dons e as
diferentes recompensas que foram prometidas àqueles que tiverem feito
por merecer.
Vós bem sabeis aonde vou e conheceis o caminho. Eu sou o caminho,
a verdade e a vida. Ninguém chega ao Pai senão através
de mim. Porque vimos que se não nascesse um Filho em nós,
jamais nosso ser seria conhecido ou manifestado. E todos os seres de desejo
que se levantam em nós jamais chegaram até o nosso ser fundamental
e constitutivo sem o intermediário desse Filho que deve nascer em
nós, se quisermos que a harmonia universal se restabeleça.
"Não credes que estou em meu Pai e que meu Pai está em
mim? O que vos digo não digo por mim, mas meu Pai, que mora em mim,
faz ele próprio as obras que faço. Não credes que estou
no meu Pai e que meu Pai está em mim? Crede ao menos por causa das
obras que realizo". Como não creríamos no nosso ser essencial
e fundamental, se vemos um Filho nascer em nós? Ao mesmo tempo, esse
Filho pode oferecer testemunhos reais do seu Pai, se não está
continuamente nesse Pai e se seu Pai não está continuamente
nele? Observação que poderia surtir efeito sobre os que duvidam
da divindade do salvador, e que na verdade não duvidam tanto da divindade
do salvador, mas não duvidam suficientemente da divindade da matéria
e não tiveram o cuidado de trabalhar para fazer nascer um Filho neles,
pois se o homem não renascer de novo, não poderá entrar
no reino dos céus".
Mas se tivessem trabalhado para que um Filho nascesse neles, seria a eles
que se endereçariam estas palavras: "O que quer que seja que
pedirdes a meu Pai em meu nome, eu o farei a fim de que meu Pai seja glorificado.
Em verdade, em verdade vos digo, aquele que crê em mim fará
as obras que eu faço e as fará ainda maiores, porque eu vou
ao meu Pai", e por esse meio (como foi indicado no Homem de Desejo),
os feitos do salvador serão mais abundantes e mais poderosos, pois
provirão ao mesmo tempo da ação do Pai e do Filho reunidos.
Porque na terra ele agiu apenas como homem, no poder do espírito,
ao passo que pela reunião com seu Pai ele agirá como Deus
e pelo poder da própria unidade, imagem perfeita de duas leis que
freqüentemente temos observado, sendo a última aquela que pode
completar nossa reconciliação, reunindo-nos com a nossa verdadeira
fonte, da mesma forma que o salvador, após sua obra temporal reuniu-se
com seu Pai.
"Se me amais, segui meus mandamentos, e rogarei ao meu Pai e ele vos
dará um outro consolador, a fim de que permaneça sempre convosco
o espírito de verdade que o mundo não pode receber, porque
não o percebe de modo algum e não o conhece também
de nenhum modo. Mas quanto a vós, vós o conhecereis, porque
ele permanecerá convosco e ele estará em vós".
É esse mesmo Filho espiritual, nascido de nós e em nós
pela operação divina, que se torna nosso consolador, como
se tornou nosso libertador, e isso como imitação e em conformidade
com o consolador universal e com o libertador eterno que quer que repitamos
em nós próprios a obra que realizou ao nosso redor. Esse consolador
deve, com efeito, permanecer eternamente conosco, uma vez que nasceu do
espírito de Deus, ao passo que os outros Filhos que deixamos nascer
diariamente em nós não vêem subsistir sua estirpe, porque
têm Filhos do mundo. Heis por que nesse consolador particular não
pode ser recebido pelo mundo, pois ele é estranho ao mundo, como
a luz é estranha às trevas, e porque o mundo não o
percebe e não o conhece de modo algum.
"Não vos deixarei órfãos, virei até vós.
Ainda um pouco mais de tempo e o mundo não me verá mais. Mas
quanto a vós, vós vereis a mim, porque eu vivo e vós
viveis também. Nesse dia, sabereis que estou em meu Pai, vós
estareis em mim e eu estarei em vós". A alma do homem nutre
o seu próprio Filho. Pois como o Pai tem a vida em si próprio,
ele permitiu ao Filho também ter a vida em si próprio. Também
o consolador não deve deixar em nós nenhum órfão,
porque ele tem a vida em si e pode transmiti-la a todos os seus. Igualmente,
tudo o que existe em nós pode ver esse consolador, pois ele vive
e confere a tudo o que existe em nós o poder de viver como ele. É
então que tudo o que existe em nós reconhece que o consolador
está em seu Pai, que tudo o que está em nós está
nesse consolador, e que esse consolador está em tudo o que está
em nós.
Aquele que recebe os meus mandamentos e os cumpre, este me ama. Aquele que
me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei também e me revelarei
a ele. Tudo o que existe em nós é fiel à voz do nosso
consolador particular e observa os seus mandamentos, ama esse consolador
e será amado pelo Pai desse consolador, e esse consolador o amará,
e se revelará a ele. Mas como esse consolador, ou o Filho que deve
nascer em nós, possui tudo o que existe em seu Pai, que maravilhas
ele não transmitirá àqueles a quem quer se revelar
em nós, ou seja, a todos os que o amam e observam os seus mandamentos?
A palavra de consciência tem, sem dúvida, grandes direitos
às nossas homenagens e é a maior palavra que a sabedoria vulgar
pode empregar. Mas ela é infinitamente inferior ao nome desse Filho
e desse consolador espiritual que pode nascer em nós e nos esclarecer.
"Se alguém me ama, ele cumprirá a minha palavra e meu
Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele nossa morada. Aquele
que não me ama não cumpre minhas palavras, e a palavra que
ouvistes não é de modo algum a minha palavra, mas a palavra
de meu Pai que me enviou". Não só esse consolador ou
esse Filho espiritual que deve nascer em nós revela-se a tudo o que
ele ama em nós, não só ele transmite a tudo o que ama
em nós, e que observa os seus mandamentos, tudo o que recebe de seu
Pai, como nós, e que observa os seus mandamentos, tudo o que recebe
de seu Pai como faz com que o próprio Pai ame em nós tudo
o que ama esse consolador, e com que venham juntos até nós
e façam aí a sua morada. Pois a palavra desse consolador,
ou desse Filho que deve nascer em nós, não sendo a sua palavra
mas a palavra de seu Pai, ele não pode mostrar em nós, a não
ser que o seu Pai se mostre e nasça com ele.
"Eu vos disse isso morando convosco. Mas o consolador, que é
o Espírito Santo que o meu Pai enviou em meu nome, vos ensinará
todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos foi dito".
Esse novo consolador que nos foi anunciado é o mesmo que já
nasceu no Novo Homem. Mas a diferença que há entre um e outro,
é que o primeiro nasceu em nós na amargura e na dor, e o segundo
deve nascer no júbilo, o que só pode acontecer quando ele
tiver realizado e efetuado em nós, fisicamente, todas essas consolações,
todos esses desenvolvimentos, todas essas virtudes, todas essas luzes que
ele apenas anunciará durante o trabalho penoso da sua obra e durante
a estadia que quis fazer em nossas trevas e em nossos abismos. E é
então, que ele próprio nos faz recordar tudo o que nos dissera
anteriormente.
"Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz, eu não a dou como
o mundo a dá... Que o vosso coração não se perturbe
e não se assuste... Vós haveis ouvido que vos disse: eu me
vou e retorno para vós". Ele nos deixa a paz da esperança,
e essa paz é real, pois é a sua própria. Ele não
no-la dá como o mundo a dá, pois a paz do mundo é apenas
uma obscuridade que nos conduz por rotas tenebrosas para nos fazer chegar
somente a decepções. Ao passo que a paz do consolador, ou
do espírito que nasce em nós, é uma paz viva, uma paz
de fogo que se torna cada dia mais clara e que só terminará
com o esplendor da luz.
Por isso, não temamos a suspensão em que esse espírito
nos deixa por alguns momentos. Alimentemo-nos da paz e da esperança
que ele nos deu, e estejamos certos de que ele só retorna ao seu
Pai para voltar a nós carregado de numerosas riquezas e dos maiores
tesouros. O nosso inimigo não vai, ele próprio, procurar outros
sete espíritos para se apoderar da casa que ele deixou? Como o consolador,
e príncipe da paz e do poder, não teria os mesmos poderes
na ordem da verdade?
"Se me amais, vos alegrareis com o que vos disse, que vou ao meu Pai,
porque o meu Pai é muito maior do que eu". Desejemos que o nosso
consolador particular, ou o espírito que deve nascer em nós,
retorne prontamente para o seu Pai, pois o seu Pai é muito maior
do que ele e, dessa maneira, poderemos obter novas forças, novos
favores e novas consolações. Se nós o amamos, devemos
desejar esse retorno ao seu Pai, pois assim ele não apenas fará
a nossa felicidade, como fará também a sua própria,
por sua união com sua fonte.
Daqui por diante não vos falarei mais, porque o príncipe do
mundo virá e não há nada em mim que lhe pertença.
A voz da verdade ou do nosso consolador se cala quando a voz da mentira
se aproxima para nos submeter à provação. Ela se cala
para nos fazer desenvolver nossas forças. Ela se retira porque não
é com ela que o inimigo se ocupa, é conosco.
Mas parto a fim de que o mundo saiba que amo o meu Pai e que faço
o que meu Pai me ordenou. Se amamos o nosso consolador ou o espírito
que deve nascer em nós, não cessaremos de retornar a ele,
a fim de que tudo o que existe em nós saiba que o amamos e que somos
fiéis ao mandamento de considerá-lo a fonte das nossas alegrias
e o agente salutar da nossa libertação. Não cessaremos
de lhe render ações de graças por todos os seus benefícios,
e é por nossa aproximação cada vez maior que nos será
possível dar a ele os verdadeiros testemunhos do nosso reconhecimento
e do nosso amor.
Eu sou a verdadeira
vinha e meu Pai é o vinhateiro. Ele cortará todos os ramos
que não tiveram fruto em mim e podará todos os que tiverem
fruto, a fim de que produzam ainda mais. O que o salvador opera sobre toda
a família humana o espírito opera sobre nosso Filho espiritual,
para lhe conferir uma constituição sã e robusta e para
fazê-lo produzir inúmeros frutos. E esse Filho espiritual por
sua vez, deve operá-lo em nós, em todo o nosso ser. Pois esse
Filho espiritual é a nossa verdadeira vinha, da qual nossas faculdades
são os ramos, da mesma forma que todo o nosso ser é um ramo
da vinha universal ou do salvador eterno.
"Vós já sois puros por causa da palavra que eu vos disse.
Permanecei em mim, e eu em vós. Da parte da verdade, esse simples
convite tem um efeito ativo, porque ela só pode ter lugar pela manifestação
da palavra, e a palavra da verdade não se pronuncia sem espalhar
ao redor dela a pureza da qual ela é o princípio; assim é
um ser já puro aquele que tiver ouvido a palavra. Heis por que aquele
que a ouve e não a pratica não terá perdão,
pois ele não ficou sem os meios e sem a luz. O espírito nos
faz também ouvir diariamente esta palavra:
"Como o ramo da vinha não pode ter fruto por ela mesma, pois
é preciso que ela esteja ligada ao tronco, assim também não
podeis dá-los se não estiverdes em mim. Eu sou o tronco da
vinha e vós sois os ramos. Aquele que mora em mim, e no qual eu moro,
dá muitos frutos, porque não podeis fazer nada sem mim".
É uma coisa doce e consoladora sentir verdadeiramente que é
da nossa adesão ao espírito e à palavra que depende
nossa frutificação; sentir que deve realizar-se em nós
um casamento real da palavra com o nosso ser divino, e que é dele
que resulta esse Filho espiritual, esse Novo Homem que nos faz rever os
belos campos da terra prometida.
Mas sempre fiéis à natureza, não levemos em conta a
solidez dessa aliança e os longos dias daquele que deve receber em
nós o nascimento, antes que a Vida Divina venha se estabelecer em
nós, sem o sabermos, e antes que se forme secretamente uma fonte
viva e inesgotável, a partir da qual todos os regatos vão
formar alianças particulares com todas as formas e todas as propriedades
do nosso ser.
Nós podemos sentir essa deliciosa e ativa verdade sem reconhecer
a certeza destas palavras: "Vós não podereis fazer nada
sem mim..., aquele que não mora em mim será lançado
para fora como um sarmento inútil. Secará, será amontoado,
jogado ao fogo e queimará". Quereis evitar esse perigo terrível?
Evitai que vosso ser passe seus dias na esterilidade e na aridez. Quereis,
pergunto eu, evitar esse perigo? Colocai diante de vós o nome do
Senhor. Que esse altar esteja sempre erigido e sempre pronto a receber vossas
oferendas. Não tomeis nenhuma resolução, não
permitais nenhum movimento ao vosso ser sem vir antes apresentá-lo
ao templo, como a lei dos hebreus ordenava para as primícias de todas
as produções da terra. Tende sempre o turíbulo à
mão para honrar aquele de quem recebestes esse Filho do homem, o
primeiro nascido em vós que se torna vosso guia durante vossas penosas
viagens, e que deve ensinar-vos a celebrar o nome do Senhor, em vossos triunfos,
em vossas necessidades, em vossas consolações, em vossas misérias,
pois sem ele todos os ramos da vossa árvore espiritual permaneceriam
secos e seriam condenados ao fogo, e sem humildade, sem amor, sem confiança.
Porque, enfim, sem ele tudo em vós ficaria sem palavra.
Ao contrário, "se morarmos nele e se suas palavras morarem em
nós, pediremos tudo o que quisermos e nos será concedido,
porque a glória do seu Pai é que produzamos muitos frutos
e que nos tornemos seus verdadeiros discípulos".
"Se seguirdes meus mandamentos, morareis em meu amor, assim como segui
os mandamentos de meu Pai e moro em seu amor". Tal é, com efeito,
a verdadeira morada do Novo Homem, porque ele só pode habitar com
seu Pai, pois é dele que recebe continuamente a vida, e é
uma morada semelhante que o Novo Homem, ou nosso Filho espiritual, nos promete
se morarmos em seu amor, como ele mora no amor de seu Pai. Ora, morar no
amor do senhor não é sair, não é ir a outro
lugar, não é mudar de lugar. E se esse amor do Senhor pudesse
morar em nós com a mesma constância, nossa felicidade não
seria então imperturbável? Oh como são grandes e poderosos
os que são calmos, fixos e pacíficos como é a vida
da unidade e na unidade!
Eu vos disse isso a fim de que minha alegria habite em vós, e que
vossa alegria seja plena e perfeita. Se o Novo Homem nos transmite a alegria
da qual está repleto, e que ele busca sem interrupção
na alegria de seu Pai, nossa alegria será plena e perfeita, porque
será o fruto divino da vida eterna, o qual não pode manifestar
sua maturidade e toda a doçura de seus sumos tão salutares
até que ele tenha chegado à alma do homem, vivificando e penetrando
a tal ponto todas as suas faculdades, que elas se tornem, por sua vez, árvores
soberbas e férteis, à semelhança dessa árvore
incriada da qual devem ser as representantes sobre a terra.
"Ninguém pode ter um amor maior do que aquele que dá
sua vida por seus amigos. Vós sereis meus amigos se fizerdes tudo
o que vos mando". O que é que o espírito manda? Que o
deixemos passar em nós e manifestar-se por nós, a fim de que
seja conhecido pelas nações e de que tudo fique repleto da
sua luz e da sua plenitude? A maneira pela qual nos tornamos seus amigos
e que ele não pode passar em nós sem deixar raios da vida,
da qual ele é a fonte, e sem se pronunciar em nós segundo
nosso próprio modo e segundo todas as formas do nosso ser".
"Não mais vos chamarei de servos, porque o servo não
sabe o que faz o seu mestre; eu vos chamarei de meus amigos, porque vos
fiz saber tudo o que eu aprendi de meu Pai. Pois não fostes vós
que me escolhestes, fui eu que vos escolhi e vos cultivei a fim de que désseis
muitos frutos". Heis o verdadeiro objetivo do espírito em nós,
e ele é também o do Novo Homem, e é por isso que o
amor se propaga e que, quando tudo é amigo em nós, nos tornamos
os amigos do Senhor.
"Se o mundo vos odeia, sabei que ele odeia a mim antes de vós.
Se fosseis do mundo, o mundo amaria o que seria dele. Mas porque não
sois do mundo, eu vos escolhi e vos separei do mundo". Nova representação
do destino primitivo do homem, pelo qual ele deveria plantar acima deste
mundo e nutrir continuamente sua missão divina na fonte superior
e eterna.
"O servo não é maior que o mestre. Se eles me perseguiram,
vos perseguirão. Mas eles vos farão todos esses maus tratos
por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou".
O inimigo que se apoderou do reino deste mundo abarca em sua cólera
todos os que pertencem ao partido do qual ele se tornou adversário.
E se considerarmos a forma como ele tratou as obras, não ficaremos
surpresos com a forma como ele trata os trabalhadores. Mas o que devemos
temer, se sabemos nos aliar a essa verdade? O inimigo, em seus projetos,
agiu contra ele próprio, e ninguém jamais pôde qualquer
coisa contra ela. Ele não poderá, então, nada contra
nós, se nos unirmos a ela e, a exemplo dela, planarmos acima da região
dos destinados.
"Se eu não tivesse vindo e não lhes tivesse falado, não
teriam pecados, mas agora não têm perdão por seus pecados.
Aquele que me odeia, odeia também o meu Pai". Ver o Filho e
não reconhecer o Pai é faltar com a fé a inteligência
e a vontade ao mesmo tempo. É faltar com a inteligência porque
quem vê o Filho, vê o Pai, pois existe essa manifestação
como a de nossa palavra, na qual aquele a quem nós a manifestamos
pode ver nosso pensamento que está no Pai. É faltar com a
vontade, pois essa palavra que se apresenta sob a forma humana nos anuncia
muito claramente quais são nossos direitos e nossos privilégios,
e o que poderíamos obter pelo pouco que os quiséssemos empregar.
É por isso que o salvador acrescenta: "Se eu não tivesse
realizado entre eles as obras que nenhum outro fez, eles não teriam
pecado. Mas agora eles as viram e odiaram a mim e a meu Pai". Pois
se aquele que vê o Filho, vê o Pai, se aquele que ama o Filho,
ama o Pai, é impossível, pela mesma razão, odiar-se
o Filho sem se odiar o Pai, visto que o Pai está no Filho assim como
o Filho está no Pai.
"Mas quando o consolador que vos enviei da parte de meu Pai tiver vindo,
o espírito de verdade que procede do Pai dará testemunho de
mim". Infelizmente, aqueles que não tiverem visto o Pai no Filho,
não mais poderão ver o espírito, e então sua
falta será de tal maneira constatada e confirmada, que ficarão
sem perdão, e para eles a justiça, em vez de se converter
em misericórdia e em amor, converter-se-á em julgamento (Salmos
93:15).
Mas quanto a vós, vós também dareis testemunho, porque
estais comigo desde o começo. "Como aqueles que viram o Filho,
e que estiverem com ele desde o começo, não renderiam testemunho
diante do consolador, uma vez que podem inclusive, tendo visto o Filho,
dar também testemunho do Pai? E é um semelhante testemunho
que o Novo Homem espera de tudo o que está nele, pois seu pensamento,
sua palavra e sua ação estão intimamente ligados, e
dar testemunho de um é, necessariamente, dar testemunho aos dois
outros.
"Disse-vos
essas coisas para vos preservar dos escândalos e das quedas. Eles
vos expulsarão das suas sinagogas, e tempo virá em que alguém
que voz matar crerá estar fazendo um sacrifício a Deus. Eles
vos tratarão desse modo porque não conhecem nem meu Pai, nem
a mim". O escândalo é a vergonha da inteligência,
tanto da parte daquele que o dá como da parte daquele que o recebe,
porque aquele que tem os olhos abertos observa-se em suas próprias
medidas e as discerne muito bem das outras, para lhes dar somente o que
lhes pertence, seja o devotamento, quando elas são justas, se a condescendência
e a piedade, quando não o são.
"Eu não vos disse desde o começo porque estava convosco.
Agora vou até aquele que me enviou, e ninguém entre vós
me pergunta onde vou. Mas porque vos disse essas coisas, a tristeza encheu
vosso coração". Esses escândalos não podem
ocorrer quando o espírito da verdade está para sempre no homem,
porque ela ilumina tudo. O homem se aflige quando prevê interrupções
em que terá dificuldades para discernir em si mesmo a luz das trevas,
porque estará sozinho. Mas não prevê que essas interrupções
servem somente para lhe preparar os caminhos para o cumprimento da sua obra,
sem o que ele se encheria de consolações.
"É útil a vós que eu me vá, pois se eu
não me for, o consolador não virá a vós, mas
se eu me for, eu o enviarei". Como o consolador, ou a obra efetiva,
nasceria em nós se a vontade, o amor e a palavra não o enviasse?
E como essa palavra nos seria enviada, se não voltasse para o Pai,
de quem ela nasceu?
"E quando ele tiver vindo, convencerá o mundo acerca do pecado,
da justiça e do julgamento. Acerca do pecado porque não acreditaram
em mim", não obstante tivessem neles uma palavra que lhes provava
a existência do seu pensamento, assim como minha palavra e minhas
obras lhes provavam a existência de meu Pai.
Acerca da justiça, porque vou ao meu Pai e não me vereis mais,
visto que apareci a vós apenas para libertar-vos da escravidão
e dos grilhões, e é preciso agora deixar-vos desenvolver vossas
forças, para que chegueis ao objetivo e para que obtenhais as recompensas
prometidas a todos os servos fiéis.
Acerca do julgamento, porque o príncipe do mundo já foi julgado,
e a presença do consolador fará com que esse príncipe
do mundo perceba que ele não tem nada a esperar, que seus projetos
são desconcertados, que suas forças estão destruídas,
que a vergonha, a confusão e os mais horríveis castigos cairão
sobre ele e os seus companheiros; enquanto a luz e as consolações
encherão aqueles que ele queria vitimar. Não podeis duvidar
da existência desses três testemunhos do espírito, pois
o Novo Homem, que é a imagem desse espírito, pode fazer-vos
encontrar todos os três em vós mesmos.
"Eu tenho ainda muitas coisas a dizer-vos. Mas ainda não podeis
sabê-las. Quando o espírito de verdade vier, vos ensinará
toda a verdade, pois ele não falará de si próprio,
mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas
vindouras". O Novo Homem descobre em si, a cada dia, novas claridades
às quais as diversas inteligências do seu ser não são
ainda suscetíveis. É obrigado a encerrá-las nele mesmo
até que essas inteligências tenham adquirido mais força
e mais consistência, isto é, até que os raios do espírito
tenham transformado sua substância incompleta em uma substância
de realidade e de verdade. Mas ele também se enche, a cada dia, de
uma nova esperança de que esses salutares efeitos se cumprirão.
Porque, ao combater ardentemente a aparência que o rodeia, começa
a sentir em si como que o contato da própria vida, esse "punctum
saliens", do qual ele tem motivos para acreditar que, com o tempo,
podem resultar rios abundantes, que não deixarão na esterilidade
nenhuma das regiões do seu ser.
"É ele quem me glorificará, porque tomará do que
existe em mim e o anunciará a vós. Tudo o que existe em meu
Pai, existe em mim; por isso vos disse que tomará do que está
em mim e o anunciará a vós". Quando o espírito
tomar do que está no Filho, tomará do que está no Pai,
porque tudo o que está no Pai, está no Filho. Heis por que
ele glorificará o Filho, pois desenvolverá e manifestará,
como pertencendo ao Filho, as maravilhas das quais o Pai é o depositário
e a fonte. Heis porque a glória do Novo Homem será tão
grande quando todas as suas faculdades tiverem sido renovadas pelo espírito,
pois o espírito testemunhará, assim, que o Novo Homem está
ele próprio repleto das maravilhas do Pai e que essa divindade suprema
realmente atravessou-o por inteiro.
Ainda um pouco mais de tempo e não me vereis mais, e ainda um pouco
mais de tempo e ver-me-eis, porque vou ao meu Pai. A primeira aparição
do Novo Homem em vós é uma aparição velada e
coberta de nuvens da região figurativa e passageira; por isso ela
é apenas temporária e quando o tempo se cumpre, ela deve cessar.
Mas cessa para voltar com maior esplendor, pois o Novo Homem, aproximando-se
da fonte de onde emanou, ganhe uma nova vida e uma existência totalmente
espiritual, palavras que os apóstolos não poderiam compreender.
Em verdade, em verdade vos digo, chorareis e gemereis e o mundo estará
na alegria. Estareis na tristeza, mas vossa tristeza transformar-se-á
em alegria. Por que o mundo ficará alegre quando o Novo Homem tiver
desaparecido? Porque acreditará que esse Novo Homem terá desaparecido
para sempre, e esse Novo Homem é para ele um ser escandaloso, que
apenas com sua presença reprova-o por seu vazio e sua impiedade.
É que o mundo faz com esse Novo Homem o que Herodes faz com o precursor
em Jerusalém.
"Quando uma mulher dá à luz um Filho, não se lembra
mais dos males, na alegria que sente porque um homem nasceu no mundo".
É essa alegria que só o Novo Homem pode conhecer, quando sente
que saiu da escravidão e das trevas e que o espírito lhe deu
o nascimento. Sentirá essa alegria ainda mais vivamente quando esse
nascimento for confirmado nele pela presença do consolador.
"Vós estais então agora na tristeza, mas eu os verei
novamente e vosso coração regozijar-se-á, e ninguém
vos arrebatará a alegria". Pois o homem que tiverdes posto no
mundo não terá nascido nem da carne, nem do sangue, nem da
vontade do homem, mas da vontade do espírito, e assim esse homem
será chamado o Filho de Deus.
Nesse dia, não me interrogareis acerca de nada. Pois como poderíeis
ter necessidade de interrogar-me, se aquele que deve vir e vos ensinar toda
a verdade será para vós a contínua expressão
do Pai e do Filho, e desenvolverá sem cessar no vosso coração
e no vosso espírito todos os tesouros da sabedoria e todas as maravilhas
da unidade.
"Eu vos disse isso em parábolas. Tempo virá em que não
vos falarei mais por parábolas, mas falar-vos-ei abertamente de meu
Pai. Nesse tempo pedireis em meu nome e não vos digo que rogarei
ao meu Pai por vós, porque ele próprio vos ama, porque vós
me amastes e acreditastes que saí de Deus". O tempo das parábolas
é aquele em que ainda nos encontramos sob as sombras da nossa região
tenebrosa, que, como a antiga aliança, permite-nos ver apenas os
clarões da verdade. Quando a idade da maturidade do espírito
tiver chegado para o Novo Homem, ele estará acima das parábolas,
pois a palavra ou a boca do Pai estará aberta para ele, e o Pai procurará
recompensá-lo por ter sido reconhecido na palavra e na boca do seu
Filho.
Eu saí do meu Pai e vim ao mundo. Agora deixo o mundo e vou até
o meu Pai. Como o Novo Homem poderia mostrar-se a nós, nas trevas
que nos compõem, se não saísse de seu Pai? Como a luz
superior e as trevas inferiores poderiam conviver? a luz superior e as trevas
inferiores não podem permanecer juntas, como o Novo Homem, após
ter saído de seu Pai para vir até nós ou até
este mundo, não deixaria este vale de lágrimas para retornar
a seu Pai?
"Vós credes agora, mas tempo virá, e já veio,
que vos dispersareis, cada um para o seu lado, e me deixareis só.
Mas não estou só porque meu Pai está comigo".
A presença do Novo Homem alegra por um tempo nossas faculdades tenebrosas.
Mas quando ele se retira para retornar a seu Pai, elas ficam entregues as
suas trevas e não se recordam mais dele, até que venha para
regenerá-las novamente. Mas é em vão que o tenham deixado
só. Ele não pode ficar só, pois é um testemunho
vivo da existência e da presença do seu Pai perto dele.
"Eu vos disse isso a fim de que encontrásseis a paz em mim.
Vós tereis aflições no mundo, mas tende confiança,
eu venci o mundo". O Novo Homem vem até nós somente para
romper nossos liames e vencer o mundo que está em nós. Assim,
as trevas que ainda nos cercam após seu retorno até o Pai
não são mais vivas do que eram anteriormente, acabarão,
infalivelmente, se iluminando, pois sua raiz foi cortada e o homem venceu
o mundo. É sob esse aspecto que o Novo Homem é tão
precioso para nós, pois sem ele todas as nossas substâncias
espirituais teriam conservado para sempre suas trevas e a raiz dessas trevas.