A verdade não
exige mais do que fazer aliança com o homem; mas ela quer que seja
com o homem puro, sem nenhuma mistura com qualquer coisa que não
seja fixo e eterno como ela.
Quer que esse homem se purifique e se regenere continuamente e por inteiro,
na fonte do fogo e na sede da unidade; quer que a terra absorva os pecados
dele todos os dias, isto é, que absorva toda a sua matéria,
porque este é o seu verdadeiro pecado; quer que tenha o corpo sempre
pronto para a morte e os sacrifícios, a alma pronta para o exercício
de todas as virtudes, o espírito pronto para entender todas as luzes
e fazê-las frutificar para a glória da fonte de onde provêm;
quer que se considere em todo o seu ser como um exército sempre em
prontidão, prestes a marchar ao primeiro sinal; quer que tenha uma
resolução e uma constância que nada possa alterar, e
estando avisado de que continuando encontrará apenas sofrimento,
porque o mal vai se oferecer a cada passo, que essa perspectiva não
o detenha em sua marcha, e que dirija sua visão exclusivamente, para
o marco que o espera ao fim do percurso.
Se ela o encontra nessa disposição, aí estarão
as promessas que lhe faz e os favores que lhe destina. Porque tão
logo o interior do homem se lhe abre, ela é inundada por uma carga
de alegria, não somente como a mãe mais terna por um Filho
que não vê há muito tempo, mas como o mais augusto gênio
à vista da mais sublime produção que, inicialmente,
lhe parecia bisonha, estranha a seu espírito e, por assim dizer,
apagada de sua memória, mas que, em seguida, lhe faz unir o amor
mais vivo a essa profunda admiração, quando esse excelso gênio
chega a reconhecer que essa sublime produção é um trabalho
seu.
Mal a verdade vê nascer o desejo e a vontade no coração
do homem, precipita-se com todos os ardores da sua Vida Divina e do seu
amor. As vezes, não pede a ele mais que a privação
de tudo o que é insignificante, e para esse sacrifício negativo,
ela o suprirá de realidades. A primeira realidade é dar-lhe
sinais de advertência e de preservação, a fim de que
não tenha como Caim, razão para temer e dizer: quem me achar,
me matará. Em seguida, põe sobre ele os sinais do terror,
para que sua presença provoque medo e faça seus inimigos fugirem;
finalmente ela o ornamenta com os sinais da glória, a fim de que
possa fazer brilhar a majestade do seu mestre e receber por todos os lados
as honoráveis recompensas que são devidas a um servidor fiel.
É assim que ela tratará aqueles que tiverem confiança
na natureza de seu ser; que não deixarem escapar a mínima
centelha; que forem considerados como uma idéia fundamental ou um
texto do qual a nossa vida inteira deveria ser apenas o desenvolvimento
e o comentário de maneira que todos os nossos momentos serviram para
explicá-lo e torná-lo mais claro, e não para obscurecê-lo,
apagá-lo e lançá-lo no esquecimento, como ocorre quase
sempre para a nossa infeliz posteridade.
Para nos curar, a verdade possui um medicamento real, que sentimos fisicamente
quando ela julga oportuno administrá-lo a nós. Esse medicamento
é composto de dois ingredientes, de acordo com nossa enfermidade,
que é uma mistura do bem com o mal e que apanhamos de quem não
sabe se preservar do desejo de conhecer essa ciência fatal. É
um medicamento amargo, mas é o seu amargor que nos cura, porque essa
parte amarga, a justiça une-se ao que há de viciado em nosso
ser para lhe trazer a retificação; então, o que há
de sadio e vivo em nós, se une, por sua vez, ao que há de
doce no medicamento, e obtemos saúde.
Enquanto essa operação medicinal não se realiza em
nós, é inútil considerar-nos sadios e bem; não
estamos sequer em condições de usar alimentos salutares e
puros, porque nossas faculdades ainda não estão abertas para
recebê-los. Dessa forma, não é suficiente para nosso
restabelecimento, abster-nos de alimentos malsãos e corrompidos;
é necessário que consumamos esse medicamento amargo que os
ministros espirituais da sabedoria introduziu em nós, produzindo
aí uma sensação dolorosa que poderíamos chamar
de febre da penitência, mas que termina com a doce sensação
da vida e da regeneração.
As pessoas que se encontram na via da regeneração, recebem
e sentem esse medicamento todas as vezes que o inimigo as tocam, para viciar
qualquer coisa em seu ser.
Os outros nem o recebem, nem o sentem, porque se encontram num contínuo
estado de transtorno e enfermidade que não permite ao medicamento
aproximar-se deles.
Mas esse medicamento é tão necessário ao nosso restabelecimento,
que aqueles que não o receberam não podem comer de forma proveitosa
o "pão da vida" e não se tornam "ouro puro".
Enfim, ele deve moldar e trabalhar nossa alma sem descanso, sem interrupção,
como o tempo trabalha constantemente todos os corpos da natureza para reconduzi-los
à pureza, à simplicidade e à atividade viva dos seus
princípios constitutivos. É desse modo que se abre em nós
uma fonte ativa, que é alimentada e mantida pela própria vida;
e é por esse meio que atingimos uma natureza de alegrias que não
cessam e que estabelecem em nós antecipadamente e para sempre, o
reino eterno daquele que é.
É fácil constatar que esse medicamento não deve ser
confundido com as atribulações terrenas, com as doenças
do corpo, com as injustiças que podemos receber de nossos semelhantes
e que mantêm nossa alma na angústia. Todas essas coisas são
para punir a alma ou submetê-la à provação, mas
não lhe dão mais que uma sabedoria temporária; ou por
outra, só podemos receber a Vida Divina por preparações
de mesma ordem; e o medicamento do qual falamos é essa preparação
exclusiva. Feliz é aquele que perseverar até o fim, desejando-o
e aproveitando-o todas as vezes que tiver a felicidade de experimentá-lo!
Constatará desse modo que o homem pode ter grandes coisas a dizer,
não necessariamente ditas por ele, e que ele deve esperar que o façam
dizer ou escrever.
Pois o orvalho que Deus faz descer no homem é todo composto de ações
totalmente vivas, totalmente formadas, totalmente completas, como guerreiros
armados dos pés à cabeça, ou como médicos poderosos,
portando nas mãos a ambrosia, ou como anjos celestes todos brilhantes
tanto no interior como no exterior, luzes puras e santas da vida; e o homem
destinado as ser o objeto e o receptáculo de tantos benefícios
percebe pela inteligência, no meio desse orvalho sagrado, a mão
suprema de Deus resplandecente de glória, que quer tomá-lo
como o termo dessa incomparável magnanimidade. Tanto isso é
verdadeiro que a palavra divina não pode vir a nós sem criar,
ao mesmo tempo, todo um mundo.
Meu Deus, bem sei que sois a vida, e que não sou digno de que vos
aproximeis de mim, que não sou senão desonra, miséria
e iniqüidade. Sei bem que tendes uma palavra viva, mas que as trevas
espessas da minha matéria impedem que os ouvidos de minha alma a
ouça. Contudo, fazei entrar em mim em abundância essa palavra,
para que seu peso possa contrabalançar a quantidade de vazio no qual
está absorvido todo o meu ser, e que no dia do seu julgamento universal,
o peso e a abundância de vossa palavra, possam me resgatar do abismo
e me elevar até vossa santa morada; colocai nas diversas regiões
e faculdades que me compõem, numerosos trabalhadores hábeis
e vigilantes que desobstruam os canais de todas as suas imundícies
e quebrem até mesmo as rochas que se opõem à circulação
das águas; então a vida de vossas fontes puras e ativas em
mim encherá meus rios até a borda; então criareis um
mundo de espíritos em meu pensamento, um mundo de virtudes em meu
coração e um mundo de poderes em minha ação,
e será o todo - poderoso, o santificador universal, que sustentará,
ele mesmo, todos os mundos em mim, nutrindo-os continuamente com suas próprias
bênçãos.
Um segredo
ao mesmo tempo imenso e terrível foi comunicado no homem de vontade,
n.º 146, pag. 217. Esse segredo é que o coração
do homem é a única passagem por onde a serpente venenosa eleva
sua cabeça ambiciosa, e por onde seus olhos gozam de alguma luz elementar,
porque sua prisão está bem abaixo da nossa.
Aqui ousamos comunicar um outro segredo não menos profundo, porém
mais consolador, mais encorajador, e que serve para nos ensinar a respeitar
uns aos outros, tanto no que diz respeito a santidade de nossa origem como
ao caráter sublime da obra que devemos e podemos realizar sobre a
terra.
Heis o segredo:
O amigo fiel que nos acompanha aqui embaixo, em nossa miséria, está
como aprisionado conosco na região elementar, e embora goze sua vida
espiritual, não pode gozar sua Luz Divina, as alegrias divinas, a
Vida Divina a não ser pelo coração desse mesmo homem
que foi escolhido como o intermediário universal do bem e do mal.
Esperamos desse amigo fiel todas as seguranças, todas as proteções,
todos os conselhos que nos são necessários em nossas trevas,
e todas as virtudes para suportarmos a lei de nossa provação,
que ele não tem o direito de mudar o mínimo sequer; mas ele
espera de nós, em recompensa, que, pelo Fogo Divino, do qual deveríamos
estar inflamados, o façamos experimentar o calor e os efeitos desse
sol interno do qual se mantém afastado pela caridade pura e viva
que o anima em favor de humanidade infeliz.
É por isso que Jesus Cristo diz, em Mateus, 18,10: Não desprezeis
um só destes pequeninos, pois vos declaro que os seus anjos nos céus
vêem incessantemente a face de meu Pai, que está nos céus.
Eles vêem a face de Deus porque as crianças que os acompanham
têm o coração puro, e é o coração
puro dessas crianças que serve de órgão a esses anjos,
uma vez que não estão no céu, onde está o Pai.
Mas, reciprocamente, o coração do homem só é
puro quando fiel à voz de seu anjo; isto é, em outras palavras,
quando o homem volta a ser criança, de maneira que seu anjo tenha
a liberdade de ver a face de Deus.
Também há grande significado nas palavras de Jesus Cristo,
no mesmo capítulo, versículo 3: "Se vos não tornardes
como meninos, não entrareis no reino dos céus". O anjo
é a sabedoria, o coração do homem é o amor;
o anjo é o recipiente da Luz Divina, o coração do homem
é a sua voz e o modificador. Não podem ser trocados nem unidos,
a não ser pelo nome do senhor, que é ao mesmo tempo o amor
e a sabedoria que os liga na sua unidade. Nenhum casamento é comparável
à esse; e nenhum adultério é comparável ao que
altera um tal casamento; também é dito em Mateus, 19,6: "Não
separe o homem o que Deus uniu".
Pode-se também encontrar esta grande verdade no sentido desta passagem;
"Amar o teu próximo, como a ti mesmo, e o de outra passagem
que nos ensina que aquele que se fizer menor será o maior. Tudo é
vivo nessa tríplice aliança, tudo é espírito,
tudo é Deus, tudo é a palavra: como o inimigo poderia acercar-se
dela? Ó homem! se tu percebes o menor raio dessa alta luz, não
perca um momento para cumprir todas as leis que ela te impõe, e para
te tornares tão vivo, tão ativo, e tão puro como as
duas correspondências entre as quais estás colocado; esse será
o meio de apressar tua regeneração e de preparar adiantadamente
um lugar de repouso, para o tempo vindouro. Tu és a lâmpada,
o espírito é o ar, o calor e o fogo da Luz Divina estão
contidos no óleo; o ar sopra sobre ti para te colocar em atividade
e para que lhe transmita o calor doce e vivificante, e a santa claridade
desse óleo, que deve necessariamente passar por ti para alcançá-la.
Nessa operação, o homem se torna uma verdadeira luz no meio
das trevas. Ele se torna essa verdadeira luz pelo simples fato de manifestar
o princípio vivo de querer procurá-la e fazê-la passar
pelo seu coração. Assim o homem pode regozijar-se muito, mas
não pode glorificar-se enfim, o anjo está repleto de consolações
e alegrias; e por meio das alegrias divinas que lhe proporcionamos, ele
se liga e se aperfeiçoa mais a nós, tanto pela sua caridade
natural e viva como pela necessidade de aumentar sua própria felicidade.
Por seu lado, a Divindade procura manifestar-se cada vez mais no coração
dos homens para difundir sua glória, sua vida e seu poder, e tornar
repleto dela o anjo que a deseja tão ardentemente.
Então há algo da sublimidade de nossa sorte que nos destina
a ser o meio de comunicação entre a Divindade com o espírito?
E a partir de agora podemos nos permitir um momento de descanso no meio
de uma tarefa tão santa, visto que cada momento, que perdemos retarda
o cumprimento desse ternário ativo que representa espiritualmente
e em caracteres distintos, o ternário eterno? Enfim, visto que cada
momento perdido nos torna culpados perante Deus, naquilo que fazemos para
faltar aos seus desígnios; perante o espírito, na medida em
que o deixamos sem nutrição; e perante nós, já
que, independentemente do agravo que cometemos ao não cumprir nossa
lei, destruímos a nós mesmos ao nos privar da dupla subsistência
que nos é destinada nessa santa função; a saber, a
subsistência divina e a subsistência espiritual, que não
podem passar por nós sem nos vivificar de uma maneira secreta e oculta?
Porque quando a Vida Divina passa por nós, atrai o espírito,
e quando o espírito vem até nós, atrai a Vida Divina;
Deus se espiritualiza e o espírito se diviniza, e nosso ser recebe
essa alimentação, preparada pela sabedoria, que dispõe
todas as suas ações para o bem dos seres; se viessem sozinhos
a Divindade nos consumiria, e o espírito não nos nutriria
suficientemente, pois embora não sejamos Deus, somos mais do que
o espírito.
Essa lei que nos é traçada para operar nossa regeneração,
indica claramente qual lei deveria acompanhar nosso destino primitivo, pois
deveria ser ainda mais desenvolvida, sem contudo, mudar sua natureza, porque
uma lei não muda, ainda que se restrinja ou se retire quando os seres
se tornam absolutamente indignos de que continue atuando sobre eles; assim,
se hoje devemos chegar o domínio até nosso anjo, outrora,
tivemos o privilégio de levar o mesmo serviço a um maior que
nosso anjo particular.
Enfim, se hoje podemos fazer passar por nós alguns raios do sol divino,
é porque, por nossa natureza original, temos o poder de fazer passar
por nós a Divindade por inteiro, e, por conseqüência,
só podemos nos considerar regenerados quando tivermos atingido esse
objetivo grandioso, que é o termo final de nosso ser; isso porque,
como dissemos, uma lei não pode ser mudada, e para obter nossa regeneração,
é necessário que toda a Divindade penetre nosso ser, como
teria feito primitivamente, se tivéssemos seguido seus desígnios.
Homem, fica sabendo como estás longe de teu fim, e vê se essa
perspectiva te pode deixar crer que deves esmorecer na inação.
Gostaríamos de não ter a necessidade de sustentar todos esses
grandes princípios através de demonstrações
racionais da natureza espiritual do homem e da divindade de sua origem,
sendo que essas provas estão em outros escritos; mas se as tivéssemos
absorvido com bastante cuidado para eliminar todas as dúvidas, seria
inútil querer nos seguir neste momento. Acreditamos, então
que devemos nos deter um pouco nesses elementos, que são como as
três pequenas preliminares dos conhecimentos reservados a nós;
isso porque, temos que expor verdades de um outro tipo.
Quando dissemos,
anteriormente, que o homem era uma espécie de texto do qual toda
a nossa vida deveria ser o desenvolvimento e o comentário, não
fizemos mais do que apresentar, em outras palavras, a posição
seguinte: "a alma do homem é um pensamento do Deus dos seres".
Seja qual for a idéia que o leitor tenha formado até aqui
acerca da natureza do homem, não se deve persuadir de que essa alma
é perecível, pois como o pensamento de Deus poderia perecer?
O materialista, o próprio se ele existisse, não poderia enfraquecer
esse princípio, pois mesmo concordando com o que sustenta, ou seja,
que tudo é matéria, continuaria sendo verdade que somos imperecíveis
como essa matéria que querem fazer eterna e imortal, em suma como
essa matéria que querem fazer Deus, e da qual seríamos sempre
uma necessária modificação; porque isso que é
eterno não pode fazer modificações que sejam passageiras.
Então só restaria observar atentamente se é verdade
que há em nós mais de uma única substância; isto
é, se em nós tudo é espírito, se em nós
tudo é matéria, ou se em nós existe matéria
e espírito.
Ou aqueles que não sentiram sua verdadeira natureza pediria que se
cuidassem para estar protegidos de enganos. Haja visto que dentro do que
chamam de homem, moral, política, dentro do que chamam ciência,
enfim, dentro do que se poderia chamar de caos e campo de batalha de suas
diversas doutrinas, poderiam encontrar ações duplas e opostas,
tantas, forças que se combatem e se destruem, tantos agentes claramente
ativos, e tantos outros claramente passivos, e isso sem procurar fora do
próprio indivíduo, que sem poder talvez ainda dizer o que
nos compõe, conviriam que, certamente, em nada se parece conosco,
e que não existimos senão em uma perpétua diferença,
em relação a nós próprios, ou a tudo o que nos
cerca, e em relação a tudo o que podemos considerar e alcançar.
Em conseqüência, bastaria debruçar com certo cuidado sobre
essas diferenças para perceber-lhes o verdadeiro caráter,
e para classificar o homem dentro da sua verdadeira categoria, comparando-o
a uma linha reta ao lado da qual se pode descrever e, com efeito, diariamente
se descreve uma infinidade de curvas, mas da qual a retidão exclusiva
não poderia ser confundida a não ser por uma grossa cegueira,
com essas curvas que jamais se pareceriam com ela; ou, caso prefira comparando-o
à duração "indeterminável" que conserva
silenciosamente sua imperturbável existência no meio de todas
as revoluções dos seres.
Isso é suficiente para mostrar que não precisamos nos deter
por mais tempo em objeções secundárias, com as quais
os homens inferiores se cegam mutuamente todos os dias; temos um objetivo
mais vasto a cumprir do que nos ocupar com obscuridades voluntárias
oriundas apenas da desatenção frívola do mundo; nosso
objetivo é ocuparnos com obscuridades naturais que pertencem essencialmente
ao estado terreno do espírito do homem, porém mais ainda,
ocuparnos com claridades e luzes que pertencem a sua indestrutível
essência; isso porque há muitos graus nas necessidades do homem,
e seria suficiente para ele refletir sobre qual de seus males pode ser curado
por ele mesmo, seja observando com toda a sua atenção, seja
usando os recursos que lhe facultam. Repitamos, então sem inquietude,
a asserção de que "a alma do homem é um pensamento
do Deus dos seres".
Dessa sublime verdade, resulta uma verdade, resulta uma verdade que não
é menos sublime, a saber, que não estamos fazendo a nossa
obrigação, se não pensamos em nós próprios,
pois, para realizar o espírito de nossa verdadeira natureza, devemos
pensar apenas em Deus, sem o que não podemos dizer que somos o pensamento
do Deus dos seres, mas nós declaramos ser o fruto de nosso pensamento;
mostrando-nos como se nós mesmos fossemos nossa única fonte
e como se tivéssemos sido nosso próprio princípio,
de maneira que, desfigurando nossa natureza, aniquilamos a única
da qual nós a obtemos: cega impiedade que pode nos abrir o caminho
por onde seguem todas as prevaricações.
Dessa sublime verdade, de que o homem é um pensamento do Deus dos
seres, resulta uma vasta luz sobre nossa lei e nosso destino, a saber, que
a causa final de nossa existência não pode ser centrada em
nós; mas que deve ser relativa à fonte que nos engendra como
pensamento, que nos desprende dela para operarmos exteriormente o que a
sua natureza indivisível não lhe permite operar ela mesma;
mas aquilo do qual ela deve ser, contudo, o termo e o fim, como nós
somos neste mundo o termo e o fim dos pensamentos que criamos, e que não
passam de órgãos e instrumentos que empregamos para cooperar
com o cumprimento de nossos planos, dos quais nosso "nós"
é perpetuamente o objetivo; é por isso que esse pensamento
do Deus dos seres, esse "nós" deve ser a via por onde deve
passar a Divindade por inteiro, da mesma forma que nos introduzimos diariamente
por inteiro em nossos pensamentos, para fazê-los alcançar o
objetivo e o fim dos quais são a expressão, e para que o que
é vazio de nós, torne-se pleno de nós; porque isso
é o voto secreto e geral do homem e, por conseqüência,
da Divindade da qual o homem é a imagem.
Essa operação se realiza pelas leis da multiplicação
espiritual da parte da Divindade do homem, quando ele lhe abriu sua vida
integral. E então a Divindade desenvolve em nós todos os produtos
espirituais e divinos relativos a seus planos, assim como vemos que para
o que é relativo aos nossos, nós levamos constantemente nossas
forças e nossos poderes em nosso pensamento, já produzido,
para que possam chegar ao seu perfeito cumprimento; mas com a diferença
de que os planos nos ligam à unidade mesma, abrindo-nos fontes inesgotáveis
quando querem nos associar a eles; e como são vivos por eles mesmos,
operam em nós uma série de atos vivos que são como
multiplicações das luzes, multiplicações de
virtudes, multiplicações de alegrias que vão sempre
crescendo; é mais do que uma chuva de ouro que cai sobre nós,
é mais do que uma chuva de fogo, é uma chuva de espíritos,
de todos os tipos e qualidades; isso porque, é uma verdade já
conhecida, que Deus não pensa sem criar sua imagem; ou, não
há senão um espírito que possa ser a imagem de Deus;
é por esse meio, digo eu, que recebemos em nós multiplicações
de santificação, multiplicações de ordenação,
multiplicações de consagração, as quais podemos
difundir ativamente sobre os objetos que estão fora de nós
e as pessoas que nos cercam.
Um dos sinais de nosso avanço nesse terreno é quando experimentamos
sensivelmente que as coisas deste mundo não existem e podemos compará-las
fisicamente com as coisas que existem; então uma única sensação
da vida nos instrui mais do que todos os documentos, e derruba, como que
por um poder mágico, toda a falsa filosofia estabelecida; porque
essa comparação, quando temos a felicidade de poder fazê-la,
nos ensina qual é a diferença entre o pensamento vivo de Deus
dos seres e essa reunião confusa e tenebrosa de todas as substâncias
mistas, inconstantes e silenciosas que compõem o domínio a
que estamos ligados pelas leis naturais de nosso corpo. Essa é uma
operação indispensável para se colocar entre os catecúmenos
e para se pisar o primeiro degrau da linha sacerdotal.
Meu amigo, vamos juntos erguer os altares do Senhor; vai antes preparar
tudo o que nos será necessário para celebrar dignamente os
louvores de sua glória e de sua majestade; serve de voz às
minhas ações para anunciar ao povo, como devo servir à
Divindade para anunciar a todas as famílias espirituais os movimentos
da graça e as vibrações da luz. E tu, Deus de minha
vida, se te apraz não me escolhas como teu pastor, que tua vontade
seja feita! Todas as minhas faculdades estão contigo. Eu me prostrarei
em minha indignidade recebendo o nome do teu pastor e do teu profeta. Ajuda-me,
somente, a não tornar as tuas graças sem efeito e poder, e
a quebrar em mim todos os escolhos que as minhas iniquidades e fraquezas
semearam antes da minha escolha.
Não ousaria jamais pedir que tua mão repousasse sobre mim;
mas se por tua pura magnanimidade houveres por bem fazer repousar tua mão
sobre mim, não teria a menor dúvida de que realizas dentro
do meu ser tudo o que lhe falta para ser útil a teus desígnios,
e não tenho outra coisa a fazer, neste momento, que oferecer o devotamento
de minha felicidade a teu serviço, e uma submissão universal
a todas as condições que quiseres colocar na nossa aliança.
O homem que,
na condição de Pensamento do Deus dos seres, se observou ao
ponto de ter abandonado as suas próprias faculdades em favor da direção
e da fonte de todos os pensamentos, não tem incertezas na sua conduta
espiritual, mesmo que não esteja seguro da sua conduta temporal.
Se a fraqueza ainda se introduz nas situações estranhas ao
seu verdadeiro objetivo; no que concerne ao seu verdadeiro objetivo, ele
deve esperar os recursos mais eficazes, pois procurando persegui-lo e alcançá-lo,
é a própria vontade de Deus, que o pressiona e o convida a
se conduzir com ardor.
Mas de onde vem essa maneira de ser tão proveitosa e tão salutar?
É que se chega a ser regenerado no seu pensamento, ele estará
em breve em sua palavra, que é como a carne e o sangue de seu pensamento,
e quando é regenerado nessa palavra, ele o estará em breve
na ação, que é a carne e o sangue da palavra. Não
somente o espírito penetra nele, circula em todas as suas veias,
e se reveste dele para dar movimento a todos os seus membros, como fazemos
se moverem de acordo com nossa vontade as vestes com que nos cobrimos mas
tudo nele se transforma em substâncias espirituais e angélicas,
para levá-lo sobre suas asas a todos os lugares de onde lhe chama
o dever; é assim que o juiz soberano virá um dia no meio dos
seus santos e cercado de milhões de anjos, para restabelecer o reino
da verdade em todas as regiões que lhe forem suscetíveis.
É então que o homem julga ser, em espírito e em verdade,
o pastor do Senhor; é então que recebeu a vivificante ordenação,
podendo transmitir essa ordenação a todos os que se consagram
ao serviço de Deus, isto é, ligar e desligar, purificar, absolver,
mergulhar o inimigo nas trevas, e fazer reviver a luz nas almas; porque
a palavra "ordenação" vem da palavra "ordinare",
ordenar, que quer dizer colocar cada coisa em sua classe e em seu lugar;
e essa é a propriedade do verbo eterno, que produz continuamente
tudo de acordo com o peso, o número e a medida. Tal é, enfim,
o zelo da palavra por essa obra sublime, que ela mesma se transformaria
em homem para vir nos ordenar e consagrar, se não houvesse homens
que pudessem nos por as mãos por cima; porque ela sabe que é
necessário, neste mundo, que os órgãos da verdade sejam
corporizados humanamente para nos serem úteis.
Não se trata, então, de um simples efeito místico,
ou uma simples operação metafísica, que se passa em
nós quando o verbo divino nos regenera, e ele nos chamar pelo nome,
para nos fazer sair de nossa tumba, é uma ação viva,
da qual todo o nosso ser espiritual e corporal experimenta fisicamente a
sensação, pois que essa palavra é a vida e a atividade;
e quando Lázaro saiu de seu féretro seguindo a voz do Senhor,
seus membros não experimentaram dessa sensação real
tanto quanto experimentamos em nossa regeneração espiritual,
pois após ter descido a sepultura, sua alma passiva, sem poder receber
a sensação da morte e da frialdade sepulcral, não podia
mais fazer a comparação com a sensação da vida
que então se introduzia nele parecendo criá-lo pela primeira
vez. Nossa alma imortal, por sua vez não desce ao lago da morte espiritual,
sem experimentar todo o seu horror; e, por conseqüência, quando
recupera a sensação da vida, deve ser com uma sensibilidade
inexprimível.
Com efeito, nos deixamos prender vivos e em todas as nossas faculdades pelas
cadeias do inimigo. Sentimos que esses grilhões nos esmagam e impedem
todos os nossos movimentos; se tivéssemos, então, a coragem
de dar um basta a esse inimigo e declarar-lhe que, conforme as intenções
da vontade suprema e benfeitora, estamos determinados a romper todos os
grilhões dos quais se serve para nos manter cativos, se anunciássemos
com firmeza que ele deve ter em mente que seu reino sobre nós vai
ser destruído, e que é fácil para nós, pelos
recursos divinos que nos cercam, destruir esse reino como se fosse uma haste
de palha; enfim, uma vez pronunciado esse basta, se não esquecêssemos
de nada para executá-lo e prosseguir com constância nessa indispensável
e necessária resolução, não é de se duvidar
que logo veríamos tombar aos nossos pés todos esses entraves
que nos constrangem tão horrivelmente, e nós os sentiríamos
ser substituídos, ao mesmo tempo, por todo o entusiasmo da verdadeira
vida, que nos seria tanto mais ativo e delicioso quanto mais nos tivéssemos
livrado dos entraves. É essa passagem completa da morte para a vida
que a alma do homem pode experimentar fisicamente em todas as suas faculdades
quanto, imitando a doce e humilde simplicidade do verbo e da palavra, consegue
recuperar a força, o calor e a luz.
Uma palavra a mais poderia talvez nos ajudar em nossa persuasão e
aumentar nossa coragem para trabalhar nesse grande empreendimento; assim
nós não o ocultamos. O homem é limitado e aprisionado,
de todos os lados, pelas leis da sua matéria; precisou, para acorrentá-lo
assim, que se reunissem, em uma espécie de unidade, os poderes, as
forças e as faculdades que deixava sair de si mesmo e disseminara
em todos os domínios para operar a desordem dos seus planos ímpios
e mentirosos. O inimigo se apoia ainda sobre os grilhões com os quais
prendem o homem, e procura tratar como seu joguete a sua vítima,
aquele que fingira outrora tratar como amigo. Mas essa dupla força,
reunindo e concentrando, cada vez mais, em uma unidade, os poderes e as
faculdades do homem, lhe restitui, mesmo na privação, uma
nova imagem dessa unidade que ele deveria ter reproduzido em seus justos
desdobramentos. Então, essa harmonia concentrada, recobrando naturalmente
uma espécie de relação com a harmonia concentrada,
recobrando naturalmente uma espécie de relação com
a harmonia superior e livre, atrai imperceptivelmente ela, recebendo todos
os recursos aos quais a harmonia superior é suscetível, segundo
sua medida restrita.
Então é verdadeiro dizer que nossa libertação
começou desde o instante de nossa punição. Também
é verdadeiro dizer que o cordeiro tem sido imolado desde o começo
do mundo. Também é verdadeiro que a escritura tem razão
de nos recomendar as lágrimas e de nos felicitar por nossas atribuições,
pois que o medicamento da amargura é o único meio que temos
de recuperar o fundamento das nossas relações com nossa unidade
harmônica e primitiva. Enfim, é verdadeiro que a escritura
tem razão de nos ensinar que aquele que se fizer humilde e pequeno
será exaltado.
Ficaríamos menos pasmados diante das sensíveis maravilhas
vivas que se passam em nós quando de nossa regeneração,
se penetrássemos um pouco mais profundamente no conhecimento e na
natureza do homem. Nós o descrevemos como sendo um pensamento do
Deus dos seres, e dissemos que quando fosse regenerado no seu pensamento,
logo também tornar-se-ia na sua palavra. Portanto, devemos dizer
que então ele se torna uma palavra do Deus dos seres, assim como
antes era dele um pensamento. E isso nos ensina, por conseqüência,
que na origem, o homem era ao mesmo tempo um pensamento e uma palavra dos
Deus dos seres, e que deve sê-lo ainda hoje, quando tem a felicidade
de ser restabelecido em sua natureza original.
Heis o termo para onde devem tender os nossos esforços, e sem o qual
nos deletaríamos em vão, de estarmos adiantados no percurso
de retorno ao nosso princípio. Também é isso que restabelecemos
no nosso poder soberano, ao colocar nossos inimigos aos nossos pés.
Ao mesmo tempo, isso nos ensina que esse foi o nosso poder outrora e que
tal é o emprego que deveríamos ter feito dele, pois que, hoje,
podemos fazê-lo servir ao mesmo fim, pronunciando fortemente essa
palavra interna que constitui o nosso ser e que faz tremer os nossos inimigos.
Não cessemos, portanto, de contemplar esse fim sublime e indispensável
para o qual devemos tender. Não repousemos, não economizemos
nenhum dos nossos esforços até que nos sintamos renascer nessa
faculdade viva que é nossa essência e até que por sua
forte virtude, tenhamos expulsado de nós "todos os vendilhões
que vieram estabelecer a sede dos seu comércio dentro do templo".
Percebemos, mesmo nessa ocupação, uma claridade tão
encorajadora para nós quanto é gloriosa para o supremo autor
da nossa existência; isso porque sentimos que não podemos ser
regenerados a não ser que sejamos transformados em uma palavra do
Deus dos seres, é uma prova de que o Deus dos seres é também,
por ele mesmo, uma palavra viva e poderosa, pois somos sua imagem; e desde
então nossa semelhança com ele se apresenta a nós da
maneira mais natural, mais instrutiva, e mais doce, pois a qualquer momento
podemos nos convencer dessa semelhança e mostrar que em todos os
instantes temos a Deus, da mesma forma que Deus tem a nós. Ou, o
que manifesta inteiramente a glória desse Deus supremo e a natureza
espiritual do nosso ser é que, malgrado a dignidade e o poder da
palavra que existe em nós, não podemos esperar dela o renascimento
e o desenvolvimento, a não ser que a palavra divina, ela própria,
venha reanimar a nossa e restituir-lhe a atividade, restrita pelos grilhões
da nossa prevaricação. Enfim, há que se sentir irresistivelmente
que a palavra é absolutamente necessária para o estabelecimento
da palavra; axioma que foi admitido nas ciências humanas, e a partir
do qual o poder indestrutível se mostrou aqueles que se ocupam apenas
de línguas, convencionais.
Esse axioma, digo eu, reafirma as verdades mais essenciais, em que nos ensina,
antes de tudo, que toda ação deve-se passar no interior do
homem, como na sede invisível da nossa Vida Divina; e, em segundo
lugar que essa ação só pode realizar-se verdadeiramente
pela palavra divina, ou pela própria divindade.
Por esse meio, nossa inteligência nos livra de considerarmos como
uma regeneração para nós, todas as coisas que apresentam
apenas fatos exteriores, nos quais nossa essência íntima não
desempenha nenhum papel, pois esses fatos dizem tanto a nós quanto
as obras de um pintor a um observador ignorante; em outras palavras, nos
livra de considerarmos como um meio de regeneração todos os
agentes secundários e todas as vias particulares, seguidas por tantos
homens perdidos, pois todas essas coisas não são para a geração
do nosso interior, assim como não o é a aplicação
externa de alguns medicamentos para uma doença que contamina todo
o nosso sangue. Assim por esse meio, nossa inteligência nos preserva
de grandes enganos com respeito ao nosso progresso, e de grandes idolatrias
em relação à Divindade.
Esse renascimento
da palavra interna não se limita apenas a um simples efeito parcial
e concentrado num só ponto do nosso ser interior; propaga-se por
todos os domínios que nos constituem e ressuscita neles a vida a
cada passo. Parece dar nomes próprios e ativos a todas as substâncias,
assim como, outrora, Adão deu nomes a todos os animais e introduziu
seu poder vivificante em toda a criação e em todas as obras
e produções de Deus que foram entregues a sua livre administração.
Ou, essas duas testemunhas, a saber, nossa experiência e nossa tradição,
nos ensinam que essa é a marcha progressiva da Divindade eterna nas
santas operações, restaurações, retificações,
onde certamente a vida de sua palavra divina se difunde sucessivamente em
todos os seres e em todas as produções que ela quer regenerar
e que não resistem à sua ação. E se, por nossa
própria experiência e pela tradição das operações
de Adão, essa é a marcha restauradora da palavra Divina, isso
constitui uma nova prova de que tal foi a marcha criadora dessa mesma palavra,
pois as coisas só se regeneram pela mesma via que as criou. Assim,
São Pedro tem razão em nos dizer (Atos 4:12) que nenhum outro
nome, sob o céu, foi dado aos homens pelo qual nós devamos
ser salvos; pois que, antes de São Pedro, São João
já nos tinha dito que "no princípio era o Verbo, e o
Verbo era Deus, e nada do que foi feito, foi feito sem ele; assim, só
podemos encontrar o Deus salvador, o Deus santificador e o Deus "fortificador"
e revivificador no Deus criador, da mesma forma que só podemos encontrar
o Deus criador naquele que existe por si próprio, do qual a vida
é a eternidade, e a eternidade é a vida, ainda que esses diversos
poderes tenham agido em diversos tempos e tenham manifestado propriedades
diferentes.
Se, como vimos, a palavra é necessária para o estabelecimento
da palavra, e se consequentemente não podemos ser ressuscitados em
nossa palavra a não ser pelo verbo, não podemos ser ressuscitados
em nossas outras faculdades a não ser por faculdades análogas,
em nosso pensamento a não ser pelo pensamento, em nossa "atividade"
a não ser pela "atividade", em nossa vida a não
ser pela "vida", em nosso "espírito", a não
ser pelo "espírito", em nossas "virtudes" a não
ser pela "virtude", em nossas "luzes", a não
ser pela "luz": assim, não deveríamos estar em uma
mobilidade e uma atividade contínuas, pois os menores raios do que
está em nós deveriam ser produzidos pelas centelhas semelhantes,
que se lançam sem cessar do centro eterno da vida.
Esse é o estado daqueles que, após terem vencido o dragão,
são elevados, após a morte, à região do repouso
e da felicidade; é o mesmo estado daqueles que, nesse mundo, romperam
as cadeias de sua escravidão e abriram todas as suas faculdades àquele
que não exige mais do que penetrar neles e preenchê-los; enfim,
esse é o estado daqueles sobre os quais o espírito deitou
as mãos, porque, por esse ato, ele reúne neles, em uma unidade,
todas as subdivisões espirituais que tinham deixado se disseminarem.
É por esse mesmo meio, e em virtude de uma unidade indivisível
da qual o espírito é depositário, que ele os coloca
na condição de pousar as mãos sobre todos os seus semelhantes,
neles operando as mesmas reuniões que foram realizadas quando o espírito
pousou as mãos sobre suas cabeças; e esse é o objetivo
do sacerdote; esses são os seus poderes, esses são os seus
frutos para aqueles que se tornaram dignos deles, e que foram incluídos
na eleição divina.
Esses frutos não pareciam ter mais limites, uma vez que o princípio,
depois de ter sido posto em atividade, se transmite na mesma medida e sem
alteração, porque age sempre pela mesma lei, e sempre sobre
a mesma espécie de desordem, que não passa de uma subdivisão.
Também é o mesmo espírito que, no aspecto físico
e espiritual, faz com que, pela imposição de mãos,
o cego veja, o surdo ouça, o coxo caminhe, o doente seja curado,
o morto ressuscite e o escravo seja libertado.
Encarrega-te, ó meu Deus, de tudo o que possa dizer respeito à
minha escolha; eu te direi, como Moisés, que não posso senão
gaguejar, e que todo o meu ser se encontra numa impotência total para
o cumprimento dos deveres que impões a um eleito. Admiro a glória
dos teus profetas e dos teus servidores, minha alma estremece de alegria
ao sentir as doçuras e as consolações que os esperam,
mas se tu mesmo não desatas a minha língua, se não
pões o teu fogo em meu coração e tua luz em meu espírito,
se não traças minha rota a cada passo, e se não me
conduzes, tu mesmo, pelas veredas que me tiveres traçado, permanecerei
tragado na minha fraqueza, e serei um ser inteiramente inútil aos
teus planos.
Homens que credes na virtude da palavra e nos prodígios que ela realiza
na alma do homem quando o quer empregar nas suas diversas manifestações,
crede também na progressão dos seus poderes e no desenvolvimento,
ainda que invisível, que ela tem a intenção de fazer
frutificar no campo da morte em que habitamos. Isso porque essa palavra
é viva por ela mesma, e ainda que seja fixa, e de alguma maneira
imóvel no centro de sua essência, os movimentos que ela opera
não podem ser fixados e limitados permanentemente nos espaços
dos tempos. Vemos como essa verdade se manifesta em nós mesmos pelas
progressões que o nosso espírito percorre, fazendo com que
toda a nossa vida pareça uma seqüência de desenvolvimentos,
em que os dons e as virtudes de uma época desaparecem e são
substituídos pelos dons e pelas virtudes da época seguinte.
Heis por que as ações que a sabedoria envia ao nosso domínio
não permanecem aí, ao menos sob a mesma forma, e por que o
homem se engana ao considerar essas ações sensivelmente permanentes.
Visto que lhes atribui esse caráter de estagnação pelo
seu pensamento, não pode tirar proveito delas, pois a estagnação
operaria a morte, e tudo deve ser espírito e movimento. Ora, o movimento
do espírito é como o do fogo, se realiza em ascensão,
se faz em linha reta e escapa logo da nossa vista. Mas durante esse tempo
essas diversas ações tendem somente a nos conduzir um dia,
por seus diferentes graus temporais, ao verdadeiro repouso no centro de
palavra eterna.
Homens que credes no homem não apenas como um pensamento, mas também
como uma palavra do Deus dos seres, não podeis deixar de crer que
o homem é, igualmente, uma das operações divinas desse
ser eterno. Se não fosse assim, seríeis seres incompletos;
não seríeis a imagem perfeita de Deus, pois Deus é,
ao mesmo tempo, o pensamento, a palavra e a operação eterna.
Enfim não podeis duvidar de que não deveis ser uma das suas
operações, uma vez que procurais continuamente, realizar vossas
palavras pelas vossas obras, assim como procurais realizar vossos pensamentos
pelas vossas palavras.
Mas da mesma maneira que vosso pensamento e vossa palavra não podem
renascer sem o pensamento e sem a palavra superior, vossa realização
espiritual não vos pode ser restituída a não ser pela
operação do espírito sobre vós, e é a
isso que nos referimos acima como sendo a imposição de mãos;
operação que é um ato de restauração
em todas as escolhas que Deus fez, ao enviar o seu espírito para
os homens escolhidos; mas que é mais do que restauradora no que concerne
à vossa essência, é essa ação tríplice
da divindade que vos constitui, e não basta que a divindade pense
no homem e fale ao homem, é preciso ainda que ela realize o homem.
Desse modo, não devemos ser, continuamente, outra coisa senão
o efeito real desses três atos. E a diferença entre Deus e
nós é que ele é um Deus pensante, um Deus falante e
um Deus operante, e nós somos um Deus pensado, um Deus falado, um
Deus realizado; e esses são os maravilhosos poderes, luzes e virtudes,
destinados a nutrir nosso ser. Enfim, esses são os tesouros prometidos
à nossa alma, visto que, conforme dissemos acima, a divindade devia
nos trespassar inteiramente para poder se estender até o amigo fiel
que espera de nós essa alimentação divina, e para que
interior e exteriormente possamos cumprir os planos originais de nosso princípio.
Mas que terrível
operação deve se realizar em nós antes que essa divindade
inteira nos atravessa em seu esplendor e em sua alegria! É preciso
antes que ela nos trespasse com sua ignomínia e com sua dor; é
preciso ainda que o Deus sofredor passe inteiramente através da alma
concentrada e como que petrificada pelo crime e pela insensibilidade. Alma
do homem, mergulha aqui em tua miséria e prepara-te para a operação
mais dolorosa. É preciso que o Deus sofredor te penetre e se faça
luz através das tuas substâncias espessas e mais duras, para
te restituir à tua primitiva existência; tu jamais poderás
ser regenerada completamente se a realização não for
universal e se o Deus sofredor em seu pensamento, em sua palavra e sem sua
obra não atravessar por inteiro teu pensamento, tua palavra e tua
operação.
Amargura corporal, amargura espiritual, amargura divina, vinde vos estabelecer
em nosso ser, pois vos tornastes o alimento indispensável de nossas
trevas e de nossa enfermidade. Que amargor espiritual de tristeza se junta
ao nosso amargor espiritual particular, e forma, dessa maneira, esse medicamento
ativo e salutar que deve corroer todas as nossas falsas substâncias
para deixar reviver as nossas verdadeiras substâncias amortecidas!
Infeliz daquele que quiser repelir de si esse medicamento regenerador! Não
fará mais do que aumentar seus males e torná-los, talvez,
um dia, incuráveis. Porque assim é essa penitência que,
sozinha pode fazer ressuscitar o espírito em nós, como o espírito
pode, sozinho, fazer ressuscitar a palavra, e a palavra fazer ressuscitar
a Vida Divina, visto que hoje em dia nada se pode realizar a não
ser por concentrações, pois nisso reside o princípio
da origem das coisas, tanto físicas como espirituais; assim é,
digo eu, essa penitência que dá ao homem a poderosa tranqüilidade
da confiança e a terrível força da serenidade, coisas
tão desconhecidas aos homens de força impetuosa, que têm
somente a coragem do desespero e força da cólera. É
essa a penitência pela qual o pastor se digna a se revestir de nós,
que somos lobos, a fim de salvar de nossos dentes a infeliz ovelha que devoramos;
enquanto que com a penitência humana e exterior é o próprio
lobo que se reveste da pele do pastor a fim de devorar de uma vez a ovelha
e o pastor, separando-os um do outro. É essa penitência que
desfaz em nós não somente as manchas do pecado, mas até
a lembrança e o conhecimento do pecado.
Abramos então nosso ser a esse poderoso médico que quer conseguir
para nós a vida que ele desfruta, e da qual é, ele próprio,
a fonte, e preparemo-nos com ações de graça para todos
os detalhes de seus procedimentos e de suas operações curativas.
Porque se ele chegar alguma vez a nos penetrar, fazendo ai sua morada, atravessará
logo nossas substâncias pela sua ação sempre operante,
que fará sair de nosso ser mil raios de luz, dos quais essa ação
é, ao mesmo tempo, a sede e a fonte.
Mas se antes que a divindade nos penetre e atravesse em todo o seu esplendor
e toda a sua glória, é preciso que nos trespasse em toda a
sua ignomínia e sua dor, é necessário também
que realize em nós uma primeira operação, e essa operação
é a de nos anunciar pelo anjo que o Espírito Santo deve sobrevir
até nós, que a virtude do Altíssimo nos cobrirá
com sua sombra, e é por isso que o santo que nascerá de nós
será chamado o Filho de Deus. Ora, para que esse anúncio possa
ser feito, é preciso que sejamos renovados pela verdadeira inocência
e que três virgens mais velhas do que Maria nos tenham purificado
em nosso corpo, nossa alma, e nosso espírito; isto é, que
nos tenham tornado virgens como elas. Quando, por nossa constância
e nosso esforço, tivermos recuperado essa virgindade tríplice,
a anunciação se fará em nós e não tardaremos
a perceber também a concepção santa, que nos fará
cantar o cântico de Maria, quando os próximos a nós
nos saudarão e nos abençoarão pelo fruto de nossas
entranhas, como Maria foi saudada e bendita por Isabel.
Uma vez que essa concepção tenha lugar, devemos tomar todos
os cuidados para conduzi-la afortunadamente até o seu termo, assim
como na ordem material velamos pelo aspecto e pela saúde de uma esposa
querida que nos dá a esperança de que se tornará mãe.
Devemos observar com atenção todos os movimentos que se efetuam
em nós, até as menores afeições espirituais
e verdadeiras que nos são lembradas; não devemos negligenciar
nenhuma delas e tudo sacrificar para satisfazê-las, a fim de que,
por nossas negligências - ou nossa parcimônia, que não
é senão nossa indolência - não impeçamos
o desenvolvimento do nosso Filho. Mas precavamo-nos cuidadosamente de todos
os ímpetos falsos que pertencem à fantasia. Isso porque, dessa
forma, emprestaríamos forças ao nosso inimigo, que não
perderia a oportunidade de servir-se delas para imprimir seu selo e caráter
em algumas partes de nossa reprodução. Imitemos, portanto,
em tudo a natureza que emprega todos os seus esforços para fazer
frutificar suas produções, quando pela nossa falha, não
atrapalhamos suas operações.
Trata-se de um único e mesmo poder, um único e mesmo amor
que realiza nossa reprodução corporal e cuida de mantê-la
e conservá-la. Façamos de modo que, à sua imagem e
semelhança, o poder e amor divinos que agem em nós e realizam
a concepção espiritual nutram eles próprios o próprio
fruto; que a mesma mão que tiver semeado essa planta em nós,
regue-a diariamente e retire dela tudo o que lhe pode ser prejudicial. Não
temamos nem as inquietudes, nem os desgostos, nem os vômitos, nem
as insônias; são todos esses sofrimentos que facilitam o desenvolvimento
de nosso Filho, e é impossível que adquira conformação
adequada e sólida sem sofrimentos.
Digamos ao nosso inimigo: "é o Deus sofredor que quer, ele próprio,
edificar em mim a sua obra; é o Deus sofredor que quer, ele próprio
sustentá-la, tu não poderás jamais derrubá-la.
Quanto mais o Deus sofredor se aproximar de mim, mais estarei segura contra
os ataques, porque ele carrega consigo o fardo que eu não poderia
carregar.
Ainda que eu esteja suspenso por um fio por sobre o abismo, ainda que habite
no meio de serpentes sibilantes e mortíferas, esse Deus sofredor
estará perto de mim, esse Deus sofredor foi concebido em mim, e com
um único movimento, por menor que seja, ele próprio afastará
de mim todos esses insetos e répteis venenosos que as tuas iníquas
seduções fizeram revestir corporalmente a infeliz posteridade
do homem. Esse Deus sofredor busca apenas introduzir em mim sua carne, seu
sangue, seu espírito, sua palavra e, finalmente, o nome poderoso
que a tudo criou e quer também criar tudo em mim. Quer me fazer sobrevoar
com ele a região da vida, a fim de evitar que eu caia novamente nos
precipícios e nas regiões da morte.
Pernicioso inimigo do homem, tu causas também sofrimentos, mas é
por contrapor teu poder desordenado e mentiroso às leis eternas da
verdade e à ordem imutável das coisas. Também os teus
êxitos, quando os consegues, conduzem o homem para o nada, a morte
e as trevas. Mas quando o Deus sofredor se aproxima de nós e nos
causa dores, é por opor a providência, a ordem e a verdade
aos desregramentos e as irregularidades que semeias quotidianamente nos
homens e nos quais tu os mantêm. Também a convulsão
que esse Deus sofredor realiza naqueles que a desejam e concorrem por ela,
termina sempre pela alegria, a felicidade e a luz.
É, com efeito, por essas doces consolações que terminará
o círculo das coisas para aqueles que souberem deixar-se penetrar
pelo Deus sofredor. Isso porque o círculo das coisas é composto
simplesmente por seres em convulsão e em sofrimentos, de modo que
o universo inteiro nos mostra o Deus sofredor, assim como o estado penoso
da nossa alma. Isso nos obriga a considerar com respeito e reconhecimento
todos os objetos que essa natureza compreende, haja vista que dentre eles
o menor é o fruto da caridade divina que não cessa de modificar
seu amor de todos os modos possíveis, com o fim de estender sua força,
sua vida e sua luz até nossos domínios mais materiais e tenebrosas.
Felizes daqueles que tiverem considerado o universo sob esse aspecto, e
que tiverem recolhido por esse meio um grande número de centelhas
divinas, bastante grande para lhes prometer um archote no último
dia!
A sabedoria
conduz o homem por degraus imperceptíveis, para que ele não
se assuste com a imensidão da tarefa que tem a cumprir. Começa
por dizer ao homem que deve servir de órgão e de passagem
à Divindade por inteiro, se quiser que seu anjo goze da paz e da
felicidade divinas. Esse voto é tão consolador que a alma
do homem é como que absorvida na admiração e na alegria.
Ela chora de pesar, chora de esperança. É como se a própria
imagem divina se desenhasse em todas as suas substâncias e ela sentisse
o doce calor da mão que conduziu o pincel. Mas como esse é
o final da obra, nos ensina logo que antes de alcançar o final feliz,
devemos ver passar em nós o Deus sofredor, pois somente ele pode
subjugar todos os leões vorazes e todas as serpentes que se movem
em nós, assustando-nos com suas sibilações e envenenando-nos
com sua peçonha.
A sabedoria só nos revela o último grande combate, a fim de
que, estando preparados previamente pela serenidade que nos é prometida
pelo Deus benfeitor, e pelos meios que nos são oferecidos pelo Deus
sofredor, possamos nos lançar mais corajosamente ao campo de batalha
e nos regozijar de obter a vitória. Haja vista que só após
essa vitória são traçados em nós os projetos
do templo e as diferentes divisões que ele comporta, por uma das
quais o Santo dos Santos se comunica conosco, como se comunicava com o grande
pastor no templo de Jerusalém; só então se confirma
em nós a anunciação pelo anjo e a concepção
pelo Espírito Santo, da qual podemos esperar um parto divino feliz,
se cumprirmos todas as condições de que já falamos,
e que nos são impostas, ao mesmo tempo, pela sabedoria e pela necessidade
de nossa própria regeneração.
Não é porque vencemos esses animais ferozes - que tentam nos
devorar diariamente - que os afastamos inteiramente do nosso círculo
e que não estejam mais ligados à nossa existência. Não,
eles se ligam a nós pela natureza da nossa carne e de nosso sangue;
e são destinados a ser arrastados com todo o nosso ser no círculo
passageiro que percorremos, da mesma forma que o abismo é arrastado
com o universo no vasto círculo do tempo. Mas, da mesma maneira que
esse abismo é arrastado com o universo sem lhe causar dano e sem
impedir a marcha das suas operações e o cumprimento de suas
leis, a região dos nossos animais devoradores deve ser arrastado
conosco sem se intrometer nas funções do nosso espírito.
Ocupando uma região separada, essa região existe para nós
tal como o abismo existe para o universo, ou seja, para fazer o contrapeso,
e para que não nos elevemos na região da vida, antes de ter
tido tempo de purificar nossos elementos espirituais, sem o que não
seríamos admitidos em seu seio.
Isso ocorre porque nossas preces não passam de gemidos, lamentações,
invocações, em lugar de serem contemplações,
mandamentos, ações de graças e prazeres, como deveriam
ter sido na origem, e como o serão no fim de todas as coisas, para
aqueles que forem devotados à manutenção da justiça
e à observação das leis do Senhor.
Porque, quando o primeiro homem foi criado, Deus não lhe disse de
modo algum para se lamentar e para passar sua vida em lágrimas, ele
disse que criasse para todas as obras feitas com as suas mãos; disse-lhe
para dar nome a todos os animais; disse-lhe para encher a terra e dominá-la.
Mas, após sua queda, a terra foi maldita e a partir de então
só poderia comer o pão que ganhasse com o suor do próprio
rosto. Dessa maneira, a família humana não tem mais recurso
e salvação se não suplicar e recorrer à misericórdia
do Senhor, tanto que as novas prevaricações das gerações
sucessivas, só fazem aumentar os males e a miséria do homem.
Da mesma forma todos os enviados não pregam ao homem outra coisa
senão o trabalho para o despojamento absoluto de seus pecados, a
fim de que com seus suspiros e soluções a palavra criadora,
tolerante, santificadora, multiplicadora, venha fundar nele sua morada.
E dado que não encontre nada que a restrinja, que possa falar para
ele em tudo o que o constitui e em tudo o que tem a manifestar, isto é,
que ela fale no pensamento do homem, na palavra do homem, em todas as afeições
do homem, que fale em todos os seus impulsos, em todas as suas virtudes,
em todos os seus elementos, em seu sangue, em sua carne, em todos os órgãos
da sua vida, nos alimentos dos quais se nutre, em todas as substâncias
que emprega para as suas necessidades; e, por final, que faça do
homem uma oração universal; em uma palavra, é preciso
que sejamos devorados como uma presa por todos os poderes do Senhor, antes
que ele encontre em nós sua alegria e sua consolação,
e que, tendo nos consumido nele mesmo pelo fogo criador de sua própria
vida, ele nos traga de novo essa primitiva existência livre, onde
a única coisa que temos a dar são preces de júbilo.
Ó vós, iniciadores humanos, como vos arrependereis um dia
de haver enganado as almas, conduzindo-as por caminhos nulos figurativos
e ilusórios que lhes deram uma calma enganadora, trazendo-lhes alegrias
exteriores, comunicando-lhes sombras de verdades que lhes impediram de trabalhar
na renovação do seu ser! Todas as vossas associações
emblemáticas não lhes comunicaram a vida, pois elas próprias
não a tem. Vossas associações práticas lhes
serão ainda mais funestas, se não foi o espírito que
as convocou, reuniu, constituiu e santificou por suas lágrimas e
as preces da sua dor; e onde estão essas associações
que nos seriam tão salutares!
Sim, iniciadores cegos, ignorantes, presunçosos de vossas forças
e vossas luzes, vos arrependereis um dia de haver enganado as almas. Não
foi suficiente que em razão do crime primitivo elas fugissem sob
o jugo do setenário temporal que as distrai e as desvia continuamente
da simplicidade de sua linha. Vós as atirastes ainda mais ao exterior
por todas as vossas imagens e vossos símbolos, e terminastes talvez
por dividi-las inteiramente, afastando-as totalmente do seu ponto central
e invisível, que é o único lugar de reunião
que temos neste mundo de trevas. Isso porque a alma mal dirigida aumenta
ainda os seus entraves e a desarticulação desse setenário
temporal. Isso faz com que nós mesmos, por nossa força e nosso
poder impaciente, tornemos nossa existência cem vezes mais infeliz
do que a das bestas.
Vós mesmos ficareis então sob o jugo desse setenário
temporal, até que as almas que tiverdes desencaminhado tenham podido
recuperar seu próprio núcleo particular, a fim de que possam,
em conseqüência, recobrar seu núcleo geral. E tremereis
de vergonha e desespero, enquanto que se tivésseis tido mais confiança
no espírito, teríeis concordado que não havia mais
necessidade de vossos meios artificiais e deturpados para se expandir; e
que se tivésseis tido mais boa fé, teríeis dito que
era preciso começar a procurar vós mesmos a ter o espírito,
antes de querer conduzir os outros a um espírito que não tendes
de modo algum.
Ó meus amigos! Tomemos cuidado com um outro perigo que nos ameaça:
o de sermos tratados como aqueles a quem se reclamará o sangue dos
profetas; não que lhes tenhamos tirado a vida temporal, mas por não
ter aproveitado do espírito deles mais do que as nações
às quais falaram, nem mais do que os homens de força impetuosa;
porque esse espírito dos profetas é o verdadeiro sangue deles
que derramamos em todos os instantes, quando não seguimos os ensinamentos
que nos transmitiram, e que, pelo estrépito de suas ameaças,
não recolhemos sob o domínio exclusivo do único e soberano
ser que é cioso de tudo governar ele mesmo, na condição
de ser que tudo pode criar. Sim, heis o verdadeiro sangue que será
pedido à família humana, não somente depois do sangue
de Abel até o sangue de Zacarias; mas ainda depois daquele de Zacarias,
até o que será igualmente derramado e profanado no decorrer
da duração dos séculos. Heis o sangue que derramam
todos os dias os fariseus, os escribas e os doutores da lei que sufocam
sem cessar o espírito do profeta, não somente sob o pó
da terra, mas também sob o peso de suas interpretações
hipócritas e fraudulentas e de suas tradições supersticiosas
nas quais a verdade está sempre em decadência.
Velemos, portanto, noite e dia, para que esse sangue do espírito
nos seja proveitoso. Velemos para que não nos censurem pelo dia que
o deixamos correr em vão e se desperdiçar. Velemos, porque
é esse sangue que deve servir à formação e à
alimentação do Filho espiritual concebido em nós pela
operação da sabedoria santa.