Se
o homem está morto em suas faculdades, não há um único
movimento de seu ser que possa ser feito sem que se pronuncie nele aquela
palavra, proclamada mais alto: Lázaro, levanta-te. E se o homem quiser
aumentar sua compreensão, verá que não é apenas
sobre ele que o salvador profere continuamente essa palavra, mas também
sobre todo o universo, pois não há nada que não esteja,
hoje em dia, sepultado nas trevas da morte e que não esteja em sofrimento,
de acordo com a passagem de São Paulo aos Romanos, 8,19-23.
Essa verdade que a alma percebe quando se despoja e se concentra, demonstra
quais são as enormes conseqüências da prevaricação
e lhe dá-a conhecer, pela experiência de todos os momentos,
que habitamos a terra da morte e da dor; mas ela percebe ao mesmo tempo,
que não há um instante em que essa palavra salutar não
possa ser seguida de uma ressurreição.
Jacó ergueu um altar em Bethel após seu combate com o anjo;
Moisés ergueu um monumento de pedras após a travessia do mar
Vermelho; Josué ergueu um semelhante após a travessia do Jordão;
Davi deixou a arca sagrada sobre a montanha de Sión, após
a derrota dos filisteus, que se haviam apoderado dela, e foi isso que tornou
essa montanha tão célebre; a terra prometida está quase
que totalmente cheia de testemunhos sagrados que atestam o progresso do
povo escolhido e os favores que acompanharam todos os seus passos.
Homem escolhido antes de Israel, lança um olhar sobre ti próprio,
sobre a universalidade dos bens que te são prodigalizados e sobre
aqueles que podes esperar, cada vez mais, se perseverares; sentirás
que ele não deveria realizar um só movimento na menor das
tuas faculdades que não terminasse com o erguimento de um altar ao
Senhor, e que todo o teu ser é essa terra prometida que deveria se
encher de monumentos à sua glória, ao seu amor, ao seu poder
e às suas conquistas, que ele gostaria de te fazer levar, incessantemente,
para o iníquos habitantes dessa terra santa da qual não deveriam
jamais ter se aproximado.
Sim, cada ato da palavra sagrada gostaria de elevar altares em teu pensamento,
em teus desejos, em teu amor, em tua humildade, em tua fé, em tua
corajosa atividade, em tua caridade, em tua compreensão, a fim de
que não houvesse nada em ti que não estivesse ocupado em oferecer
sacrifícios de louvor ao Senhor, e a fim de que o Senhor, irradiando-se
por todos os pontos de tua existência assim purificada e santificada,
todas as nações te encontrassem sempre ocupado, como os levitas,
a manter o fogo sagrado e sempre pronto a receber suas oferendas, e a fazer
chegar suas preces até o trono do eterno.
Heis como a palavra divina gostaria de se fazer entender a todas as regiões
do universo, repetindo para elas sem cessar, por tua voz: Lázaro,
levanta-te; porque se foi a voz do homem que verteu o crime e o veneno sobre
o universo, é a voz do homem que deve levar a luz, a sabedoria, a
moderação e a harmonia. Esse é o Novo Homem pelo qual
suspira a divindade; esse é o Novo Homem que é preciso chamar
de todas as línguas, de todas as nações, de todas as
tribos, a fim de que venha adorar em Jerusalém; esse é o povo
santo, essa é a nação escolhida da qual os Filhos devem
ter, segundo os profetas, rainhas por amas, e que devem ver os reis beijarem
a poeira dos seus pés (Isaías, 49,23).
Homens que pouco refletem, vós ensinais que os homens inimigos da
verdade virão perseguir os povos cristãos, como outrora as
nações pagãs perseguiram e atormentaram o povo judeu.
Mas onde estão os povos cristãos para que possam ser atacados?
É a partir de circunscrições locais que podeis estabelecer
um tal nome? E vós próprios, que portais o nome de cristão,
quais são as partes do vosso ser que merecem verdadeiramente esse
nome, e não sentis que esse povo escolhido se encontra disseminado
em todas as subdivisões da vossa existência corrompida e tenebrosa,
como o povo foi subdividido sob os vossos olhos entre os gentios e todas
as nações bárbaras e ímpias que está
espalhado por todas as regiões, todos os climas, todas as nações,
todos os povos. Sua força está muito dividida para despertar
sequer a inveja dos seus inimigos, que não perturbam a sua paz enquanto
ele não lhes fornece o motivo e a ocasião de persegui-lo e
atacá-lo.
Fazei a experiência em vós mesmos. Enquanto deixardes o vosso
nome de cristão esmorecer e arrastar-se na servidão e ignomínia
entre os diferentes povos que vos subjugam, eles vos deixarão tranqüilos,
nada vos pedirão porque vos despojaram anteriormente e não
têm mais nada a procurar em vós; mas tentai por um só
instante reunir vossas forças dispersas; chamai esse povo de todas
as nações, de todas as tribos, e logo vereis o inimigo se
opor a essa reunião, tentando com todas as suas forças, operar
em vós uma nova dispersão, pois somente assim seu reinado
pode se estabelecer e triunfar.
Sabei, portanto, que ocorre o mesmo com o numeroso povo cristão,
considerado como a família divina. Enquanto permanecer disperso por
todas as nações, experimentará a servidão e
a sujeição vergonhosa, mas não sofrerá os ataques
dos inimigos, pois não constitui ainda um povo estruturado. Não
deve ser tudo espírito e vida nessa família divina? Ou tudo
é espírito e vida nas circunscrições locais
dos povos que carregam de forma tão elevada o nome de cristãos?
Os inimigos visíveis e humanos poderiam, então, atacar essas
circunscrições nominais e aparentes sem atacar a família
divina dos cristãos, que é espírito e vida; e, pela
mesma razão, seriam necessários mais do que inimigos visíveis
e humanos para atacar essa família divina, que é espírito
e vida, se ela fosse reunida.
Esperai que as providências sejam tomadas, esperai que chegue o momento
de chamar, de todas as línguas, de todas nações e de
todas tribos, essa família divina dispersa hoje em dia por todos
os povos. Quando essa reunião começar, o inimigo juntará
suas próprias forças para impedi-la; é então
que revelará seus poderes, e não lhe faltarão órgãos
e instrumentos que se tornem os ministros dos seus projetos perversos; é
então que a família divina dos cristãos sofrerá,
porque terá que enfrentar combates violentos, nos quais parecerá,
por vezes, vencida, e nos quais a glória do inimigo se ensoberbecerá
de tal forma, que ele acreditará ter conseguido a vitória
completa.
Mas a mesma voz que tiver reunido essa família divina de todas as
línguas, de todas as tribos, de todas as nações, não
deixará, de forma alguma, perecer o seu trabalho, porque o seu trabalho
será espírito e vida, como o nosso ser interior, na qualidade
de família divina, particular, seria também espírito
e vida para nós, se tivéssemos mais confiança em suas
forças e nos meios eficazes com os quais a sabedoria e a misericórdia
divina não cessam de nos prodigalizar.
Essa voz suprema que tiver reunido a família divina de todas as línguas,
de todas as tribos, de todas as nações se colocará,
ela própria, à frente dessa milícia santa e não
permitirá que seja arruinada; transmitirá sua própria
força a ela, que assim destruirá todas as armadilhas que o
inimigo lhe tiver destinado; expulsará todas essas nações
bárbaras para suas regiões, para onde retornarão cobertas
de vergonha e de confusão por haverem acreditado que prevaleceriam
sobre a unidade. Dessa maneira, retornando aos seus domínios, não
mais encontrarão aí os diferentes membros dessa família
divina, que haviam subjugado por tanto tempo; e dirigirão sua fúria
contra elas próprias, bem como a raiva que quiseram exercer sobre
suas vítimas, e sua presa.
Independentemente das experiências particulares que possas realizar
em ti mesmo, ó alma humana, de todas essas verdades, as vias se abrem
temporariamente diante de ti para servir de preparação e de
encaminhamento a esses grandes reveses; mas não estão ainda
em sua atividade; tudo o que se passa e o que se passou sob teus olhos depois
de alguns séculos, não é mais do que imagens pueris
do que te é reservado para os últimos tempos; o inimigo só
age utilizando-se de ardis, dissimulações, subterfúgios,
haja vista que a família divina de cristãos está reunida
apenas figurativamente.
Quando for reunida de fato, o inimigo agirá com toda a força,
e tudo será ativo, tanto no ataque como na defesa. Prepara-te sempre
para o evento como se fosse chegar a qualquer instante pois não sabes
a hora; ademais, essa hora pode chegar para cada um em particular, desde
o instante que se toma a resolução sincera de reunir a sua
própria família. Ora, o melhor meio de obteres a preparação
mais saudável, é começares por tornar-te teu mais caro
prosélito, e não te renunciares de maneira alguma, a menos
que, por tuas instâncias, teus esforços e tuas exortações
contínuas, não consigas entrar novamente no seio da igreja
e da verdade.
Semeamos
ainda um germe que deixaremos crescer, como fizemos com todos os germes
que já semeamos neste escrito; depois colheremos seus frutos, à
medida que se apresentarem. Esse germe é a Arca da Aliança.
Vede que trabalhos o povo judeu teve que enfrentar para transportar a Arca
da Aliança através dos desertos, para fazê-la atravessar
as águas do Jordão, para arrancá-la das mãos
dos povos ímpios que se haviam apoderado dela para habitá-la
com seus ídolos. Mas vede, ao mesmo tempo, com que testemunhos de
alegria e regozijo Davi conduziu essa arca sobre a montanha santa, esperando
que o templo do eterno fosse construído.
Pois bem! É necessário que essa obra santa se opere em nós
para que possamos dizer que somos admitidos à classe dos sacrificadores
do eterno. A arca santa está cativa em nós. Os ímpios,
que não sabem distinguir a luz das trevas, retêm essa arca
santa em suas moradas de iniqüidade; ultrajam-na de mil maneiras; não
se contentam em compará-la com suas falsas divindades, querem que
seja sua escrava; querem que seja nada diante de divindades que, elas próprias,
não passam de nada.
É preciso que arranquemos a arca santa dessas mãos criminosas
que a ultrajam; é preciso que a façamos atravessar os desertos
no meio de povos armados para nos atacar e mantê-la em seu poder.
É preciso que a sintamos sair penosamente de sob os escombros que
a encobrem e atravessar o velho homem, fazendo-o gritar de dor, até
que ela o tenha ultrapassado e se colocado novamente a Pairar sobre ela.
Vês de que forma se pode obter esse ar ativo, que a física
emprega, dos corpos que o continham alterando-os com cáusticos ou
livrando-os da putrefação. Ocorre o mesmo com o velho homem,
que deve ser violentamente dissolvido pelo fogo sagrado que mantém
preso dentro de si, e é preciso que esse fogo a cada grau que percorra
para recuperar a sua liberdade e o seu esplendor, dissolva, corroa, putrifique
todas as substâncias heterogêneas que compõem em ti,
atualmente, o homem das trevas e o homem da morte. É preciso que
essas mesmas substâncias sejam rompidas e destruídas pela aproximação
desse fogo sagrado, da mesma forma que o ídolo de Dagon o foi pela
presença da arca santa; é preciso que os habitantes de Bethasames
sejam feridos de morte por terem ousado olhar essa arca sagrada, quando
ainda era conduzida pelo Senhor, e que no seu terror eles a devolvam imediatamente
a cidade de Cariatiarim. É preciso que, quando Davi conduzir a arca
de Obededom até Sion, tenhas sempre junto de ti sete coros de música,
e que a cada vez que os portadores da arca tiverem dado seis passos, imoles
as vítimas.
É preciso que a faças entrar na cidade santa, em meio a gritos
de alegria e ao som de trombetas, e quando a tiveres colocado no lugar que
lhe é destinado, que ofereças holocaustos de ação
de graças, e abençoes o povo em nome do Senhor dos Exércitos;
não te detenhas nem mesmo com o desdém de Michol; partilha
os sentimentos de Saul, seu Pai, e ela será acometida de esterilidade,
assim como Saul será destituído do trono.
Lembra-te, agora, de que tua palavra, sendo a imagem da palavra eterna,
não deve mais perder seu efeito do que essa palavra divina da qual
tu és a imagem. Lembra-te de quando tiveres pronunciado um decreto
contra o inimigo, com toda tua segurança e toda a confiança
de teus direitos sobre ele, ele não poderá deixar de se ver
banido e lançado aos abismos, se souberes acompanhar tua resolução
de toda a obstinação da constância. Pensa, então,
o quanto teus privilégios vão se estender e aumentar. Essa
mesma segurança, essa mesma certeza, essa mesma obstinação
de constância, que não é outra coisa senão o
vivo sentimento da grandeza do teu ser, alimentado e esclarecido pela verdadeira
luz, deve te seguir nos outros detalhes de tua obra e nos outros domínios
de teu círculo.
Apresenta-te, então, com a mesma certeza nas outras regiões
elementares; deverás esperar que a virtude ligada à arca santa
divida as águas diante de ti, para que possas atravessá-las
sem perigo; que ela converta o orvalho em maná salutar, para te nutrir
em todas as tuas necessidades; que faça correr a água das
rochas para te saciar; e que faça cair o fogo do céu sobre
teus inimigos.
Apresenta-te com a mesma segurança à região do espírito,
e a virtude ligada a arca santa estabelecerá relações
entre si e os ministros do Senhor, que te guiaram no combate contra os inimigos,
que te darão conhecimento da terra prometida, que te instruirão
acerca das leis sagradas que deves pôr em prática, se quiseres
conservar a arca sob tua posse, e que não te afastes dos caminhos
do Senhor.
Essa virtude ligada a arca santa te fará ingressar nas associações
dos patriarcas e dos profetas, para que eleves teu pensamento até
as regiões divinas, superiores a essas regiões figurativas
que és obrigado a percorrer tão laboriosamente; te ensinarão,
pelo seu exemplo, que a Vida Divina tem por objetivo animar tua alma, e
que é a morada mais cara que ela pode ter; tu a julgarás por
tuas afeições particulares, mas também pela doce paz
e a celestial segurança que verás reinar na pessoa deles,
e então compreenderás que essa Vida Divina é o nosso
verdadeiro elemento natural, que só aí recebemos sem problema,
sem agitação, como que sem fadiga, o maná real que
cria em nós a vida em toda a sua plenitude, pois ela não tem
nenhuma outra saída.
Apresenta-te com a mesma certeza à região divina, e a virtude
ligada à arca santa te fará abrirem as portas eternas e fará
derramarem sobre ti essas influências vivificantes das quais se enchem
para sempre as moradas da luz. Essa arca santa tornar-se-á, ela mesma,
o primeiro receptáculo, e fará fluírem sobre ti as
promessas destinadas aqueles que tiverem utilizado corajosamente o medicamento
da amargura, do qual depende a nossa renovação universal.
Tornar-se-á a voz dos oráculos sagradas, e bastará
que te coloques na presença dela para entendê-los; porque a
voz do nosso Deus é uma voz viva que não se interrompe desde
o instante em que começou; e os sons dessa voz destinam-se a cumprir
toda a universalidade de sua suavidade encantadora, e tão incomparável,
que só a poderemos conceber quando nosso ser tiver adquirido inteiramente
uma nova substância e tiver se transformado, em todas as suas partes,
numa espécie de eco divino.
Essa mesma arca santa encarregará o grande pastor da ordem de Melquisedeck
a te investir, ele próprio, dos teus hábitos sacerdotais,
que terá benzido anteriormente, e te dará, com sua própria
mão, as ordenações santificantes por meio das quais
poderás, em seu nome, verter as consolações nas almas,
fazendo-as sentir, pela tua aproximação, pelo teu verbo purificador
e pela santidade das tuas luzes, que passamos nas trevas, na escravidão
e na morte todos os momentos em que não estamos diretamente na atmosfera
do nosso Deus; e estarás em sua mão, como os soldados na mão
daquele centurião que disse a um: vá até lá,
e ele vai; venha aqui e ele vem.
Essa
criança anunciada em ti pelo anjo, essa criança concebida
em ti pelo obscurecimento e pela operação do espírito,
essa criança nascida de ti sob os auspícios do eterno, essa
criança, digo eu, se aproxima do seu décimo segundo ano. Deixa
seus Pais terrestres seguirem o caminho daqueles que retornam após
terem vindo, segundo o costume, celebrar a festa em Jerusalém. Por
ele, ele se detém no templo; senta-se entre os doutores, escutando-os
e interrogando-os, e todos aqueles que o ouvem ficam extasiados de admiração
por sua sabedoria e suas respostas.
Se cultivares cuidadosamente a educação desse Filho recém-nascido
que te foi concebido, tu o verás, da mesma maneira, em poucos anos,
assombrar os doutores que o escutarão dentro de ti em silêncio;
e esses doutores serão dúvidas que a matéria e as trevas
dos falsos educadores haviam ensinado em teu seio; são as contínuas
insinuações que o espírito da mentira te havia sugerido
todos os dias da tua vida, enquanto esse recém-nascido não
havia sido dado à luz. Mas assim que ele der, os primeiros passos
na sabedoria, apagará de ti, por sua doutrina e por suas respostas,
todas as incertezas e todas as inquietudes que deixastes te encher e que,
infelizmente, se converteram para ti em persuasões, provas e convicções.
Ele trará a unidade para diante dos teus olhos, do teu coração,
do teu espírito, das tuas faculdades mais fragmentadas; te fará
vê-la e tocar sensivelmente tudo o que pode ser o objeto das tuas
especulações, e te fará inclusive reconhecer que não
conheces nada de moderação e de perfeição, até
que essa unidade reine nas obras que contemplas, e que tu mesmo não
estás em apuros, nem fora dos limites, porque essa unidade nasceu
para ti e em ti.
Em, todos aqueles doutores que te haviam seduzido e desencaminhado, ficarão
eles próprios admirados ao se aperceberem da influência da
palavra do teu Filho, e da semelhança entre a luz que ele difunde
e a nossa claridade natural. Cada dia eles próprios farão
novas descobertas à luz dessa chama que brilhará diante deles,
e em breve terás o prazer de ver, em ti, mil povos se converterem
por seus discursos e suas instruções e tornarem-se sinceros
adoradores da verdade, de maneira que não cessarão de erguer,
noite e dia, templos para a glória do supremo criador, dominador
e regulador de tudo o que existe.
Não te surpreenderás que esse Filho querido manifeste tão
grandes privilégios, quando refletires que depois de seu nascimento
ele não deixará de se alimentar do verbo e que, por conseqüência,
poderá fazer com que o comam todos aqueles que ouvirem sua palavra;
não te surpreenderás que ele te faça comer em abundância,
pois esse Filho será tu mesmo, e ele não terá outro
trabalho senão o de converter em ti tudo o que tinha deixado de ser
tu.
Lembra-te desta lei dos hebreus, Levítico, 27, 28. Tudo o que for
consagrado uma vez ao Senhor, será considerado por ele como uma coisa
santíssima. Esse Filho querido não poderia ser consagrado
ao Senhor, visto que sua concepção foi anunciada por ordem
do Senhor, visto que foi concebido pelo obscurecimento e pela operação
do espírito do Senhor, visto que, enfim, nasceu sob os auspícios
e pelo poder do Senhor? Esse Filho não foi naturalmente consagrado
ao Senhor, como um Filho é naturalmente consagrado ao seu Pai? Porque
o salvador foi oferecido ao templo e consagrado ao Senhor como Filho do
homem e coberto com as vestes do escravo que veio reclamar sua libertação.
Teu Filho, ao contrário, é o Filho da mulher livre; é
o homem regenerado; é o Filho espiritual nascido no domínio
do espírito e da vida; como tal foi apresentado ao templo e consagrado
ao Senhor pelo próprio direito do seu nascimento, como o verbo eterno
foi consagrado a Deus antes da formação dos séculos,
pois foi esse verbo que formou os séculos.
Assim esse Filho querido que te foi concedido não é, de modo
algum, oferecido aos templos que foram construídos pela mão
do homem; não é consagrado sobre os altares figurativos e
sob os olhos dos pastores que só aceitam seu caráter no tempo.
Mas, sendo consagrado ao seu Pai divino e sob os olhos do pastor eterno
que, operando sua própria concepção, impôs-lhe
as mãos do espírito, não é de admirar que seu
único alimento tenha sido o espírito, e o verbo não
é de admirar que tenha crescido em sabedoria, em idade, em graça
diante de Deus e diante dos homens; não é de admirar que todos
aqueles que o ouvem ficam extasiados de admiração por sua
sabedoria e suas respostas.
Tu, que é apenas sua mãe, ficaste aflita por ele o ter deixado
caminhar sozinho enquanto permanecia no templo, e te queixas a ele de que
procuraste assim aflito. Mas faz como Maria, escuta o que ele te responde:
por que me procuras? Acaso não sabias que preciso me ocupar de tudo
o que pertence ao serviço do meu Pai?
Não compreendes mais do que Maria essas palavras, mas faz como ela,
conserva todas essas coisas em teu coração. Elas te ensinarão
que o que há de material em ti não pode compreender nada das
coisas do espírito, e que deve nascer do teu próprio seio
uma luz à qual as trevas que te envolvem e te constituem são
extraordinariamente estranhas até que tua obra tenha chegado ao complemento
da sua maturidade. Tu percebes uma imensa diferença entre tua existência
tenebrosa e esse Filho querido que nasceu para ti, como Maria não
pôde ignorar as graças divinas e os prodígios que acompanharam
o nascimento e seu Filho. Mas não podes, mais do que ela, conceber
o caminho oculto desse Filho do espírito, e ele é para ti
um contínuo mistério, até que tenha cumprido o curso
de todas as manifestações às quais está destinado.
Sabes por que? É que jamais o conhecerás perfeitamente até
que possa dizer a plena voz: e esse extrato ativo dos poderes de Deus, como
vimos acima, é uma palavra, pois Deus é a palavra eterna.
Mas Deus é santo; Deus é a eterna santidade que constantemente
se pronuncia. É preciso então que o homem, o espírito,
ou a palavra extraída dessa palavra eterna, represente ativamente,
seu princípio, e que sua existência seja realmente a santidade
pronunciada, de maneira que Deus não produza um único ser
fora do seu seio sem fazer compreender fora de si, apenas por esse ato,
a palavra santo, que se pronuncia eternamente em seu centro divino.
Assim o homem, ao receber o nascimento divino, manifesta essa palavra celestial
que produz exteriormente a santidade de Deus; assim, quando, depois do pecado
a bondade soberana quer regenerar o homem, ela o coloca na situação
de poder repetir novamente, por sua própria existência, esse
testemunho vivo e expressivo da fonte da qual provém. Mas da mesma
maneira que, na origem o homem só pôde manifestar esse testemunho
ativo, porque era o extrato, universal dos poderes e da santidade divina,
os igualmente, hoje em dia, só poderá recobrar esse sublime
privilégio e fazer compreender, de fato, em toda a sua plenitude,
o nome santo, quando tiver recuperado a plenitude de relações
espirituais e divina que lhe resgatam sua natureza, primordial.
Heis por que esse Filho querido que o espírito concebeu em ti, e
que nasceu para ti, só será verdadeiramente conhecido de ti
e de todos os teus, quando tiver atingido novamente esse complemento primitivo.
Queres saber por que o homem não é outra coisa, em sua origem,
senão essa palavra santo pronunciada pela operação
de Deus? É preciso para isso que concordes comigo, sem o que essa
prova será não terá valor para ti. Tenta, então,
despojar-te de todos esses entraves que te retém nas trevas, une-te
por esforços e preces constantes a tua unidade espiritual e a tua
simplicidade original; ouvirás pronunciar dentro de ti as palavras,
santo, santo, santo, e terás assim um testemunho da verdade do que
te exponho. Não te admires que te seja necessário seguir nessa
marcha para retornar à tua natureza primitiva. Somente teu pecado
te separou dela e somente tua virtude, isto é, tua felicidade às
graças divinas te pode unir a ela. Ao te unir a ela, encontras dentro
de ti a palavra santo, e isso é uma poderosa demonstração
de que essa palavra pronunciada era, outrora, todo o teu ser.
Não quero desfigurar esse testemunho com um testemunho mais fraco,
tirado dos gritos naturais do homem em direção ao seu Deus
quando sofre e está infeliz. Não estarás em condições
de fazer, tua experiência nos seres em sua natureza; só vês
em torno de ti alterados e manipulados pelo exemplo e pela educação.
Por outro lado, os males de que se queixam não são os que
lhes impõem o maior obstáculo, e não pensam em se livrar
dos verdadeiros males que os impedem de conhecer o seu verdadeiro Deus e
rogar por ele. Contudo, não ignores aquilo que a tua inteligência
pode te fazer perceber na conduta do homem mais desencaminhado; podes sempre
encontrar alguma centelha da verdade. Se, por um lado, encontrares nesse
ponto apenas testemunhos fracos no homem que sofre, por outro encontrarás
testemunhos maravilhosos e dos mais instrutivos na alma que goza e que admira,
e eu te deixo o encargo de os recolher.
Não
me deterei a observar o número doze, relativo aos anos durante os
quais o salvador ensinou no templo, nem as relações que esse
número apresenta com o número da natureza, com o da escolha
das tribos, confirmado pela escolha dos doze apóstolos e cumprido
posteriormente nas predições do Apocalipse.
Aqui consideramos essa aparição no templo como o primeiro
grau da obra do espírito em nós, após ele ter sido
concebido, e ter sido realizado o nascimento do nosso Filho ou do Novo Homem.
Tempos virão em que a obra trina se cumprirá nesse Novo Homem,
em que a ação e o nome do espírito, a ação
e o nome do Filho, a ação e o nome do Pai se comunicarão
e se reunirão nesse Novo Homem, de maneira a nos oferecer ao mesmo
tempo, em todas as dimensões do seu ser, uma só ação,
um só nome, uma só realização, uma só
multiplicação, que colocará o homem continuamente no
meio da atmosfera da vida, tornando-o tão temível aos seus
inimigos, que fugirão dele como as trevas fogem do astro do dia,
ocultando-se, como que abatidas pelo terror de sua força e fascinadas
pelo esplendor de sua luz.
Deus de força, Deus de vida, Deus de magnanimidade, ajuda-me a apressar
esses tempos tão propícios e tão salutares! Ao menos
ajuda-me a não os retardar pela minha desconfiança e minha
covardia; ajuda-me a preparar, através do constante exercício
da minha penitência, a impressão sagrada do teu selo tríplice
sobre toda a minha pessoa, desse selo tríplice do qual a unidade
é um fogo devorador que consome tudo o que não nasceu do espírito,
desse selo tríplice que não mais abandonou a alma humana desde
quando imprimiu sobre ela, profundamente, seus vivificantes caracteres,
desse selo tríplice que transporta o homem para fora dessa esfera
de indolência e fastio, onde nos nutrimos apenas de morte, em vez
de gozar as delícias inefáveis do lugar de paz no qual bebemos
o nascimento, e tu, sabedoria santa, que deverias ser nosso alimento de
todas as horas e de todos os momentos, vem pousar tuas mãos benfeitoras
sobre esses sinais sagrados que a bondade suprema se dignou a consagrar
ao homem. Que tuas mãos sejam como ataduras que contenham e fixem
o bálsamo vivificante que foi aplicado sobre minhas feridas, fazendo
penetrar os sumos e os espíritos regeneradores até minhas
substâncias mais corrompidas, a fim de que o pouco de vida que lhes
resta recobre suas forças, e que meus membros recobrem sua agilidade.
Sabedoria, sabedoria, o homem não conhece suficientemente tuas propriedades
essenciais. Sem ti as virtudes divinas tornam-se inúteis, e não
conseguem evitar que ele se altere e se destrua; do mesmo modo que sem o
ar que pesa sobre os corpos todas as virtudes da natureza se desuniriam,
e as formas rapidamente seriam conduzidas à dissolução.
Homem, eu repito, dirige teus olhares, teus desejos, todos os teus esforços
para a reunião desse selo tríplice sobre ti e para a aplicação
da sabedoria sobre esse tríplice selo. Não haverá nada
para ti que essa chave não possa abrir, e que ninguém fechará
nada que não possas fechar, porque essa sabedoria fará de
ti uma imagem da eternidade, envolvendo-te por todos os lados, com uma espécie
de esfera divina que, por sua forma, será inacessível e inalterável
para todos os poderes da ilusão.
Com efeito, por onde teus inimigos poderiam te atingir, se a santificação
e a vida destruíram em ti todas as substâncias falsas sobre
as quais teriam ousado exercer seus direitos? Por onde teus inimigos poderiam
te atingir, se sentes mover-se em ti a força quádrupla do
ser ordenador, santificador, dominador e conservador?
Porque o privilégio do grande nome que te é dado é
abarcar toda a circunferência, dado que abarca, primeiramente, teu
primeiro coração, depois cabeça, depois teu segundo
coração, depois toda a tua pessoa, formando assim um quaternário
ativo, do qual ele é sempre o centro, e que é o modelo do
quaternário universal; e como ele deseja apenas manter todo o teu
ser em uma atividade completa, faz com que, em todos os momentos da tua
vida, saiam de tuas diversas faculdades palavras de ordem e de regularidade
que mantêm o inimigo em um tremor perpétuo em tua presença.
Mas não esquece a que preço podes esperar conseguir semelhantes
privilégios; e para te lembrares diariamente da tua lei sobre essa
questão, recorda-te do que a lei ordenava aos hebreus a respeito
das coisas submetidas à consagração do anátema;
porque não mais ignoras que o último objeto da Bíblia
é o homem, e que assim, na verdade, a melhor tradução
que pode existir da Bíblia é o homem.
Lembra-te, portanto, que tudo o que foi consagrado pelo anátema deve
ser submetido a uma destruição integral (Levítico,
27). Lembra-te do exemplo funesto que o povo hebreu ofereceu da justiça
divina por haver desobedecido à lei da tomada de Jerico (Josué,
7). Recorda-te de que porque Acã queria, malgrado a proibição
de Josué, conservar alguns bens condenados ao anátema, o povo
foi vencido pelos habitantes de Hai, só conseguindo chegar à
vitória depois que o prevaricador suportou seu suplício.
Fica sabendo, então, que depois do crime, todas as nações
pagãs que compõem tua existência de hoje foram condenadas
ao anátema; não somente elas, mas suas moradias, suas propriedades,
seus rebanhos, suas vestimentas, suas colheitas, seus ídolos e, em
geral, tudo o que lhes pertencia. O Senhor, ao te enviar, por sua pura graça,
à conquista desses países e desses povos, não deixou
que ignorasses essa lei do anátema, pois a terra foi maldita após
o pecado. Toda a sua forma corporal representa essa terra de maldição,
e todas as substâncias tenebrosas, mentirosas e ilusórias que
agem nessa forma corporal representam todas as nações ímpias
que encheram a terra de Canaã.
Deves marchar para a conquista que te é oferecida, com a firme intenção
de te conduzires de acordo com a lei que assegurará teus êxitos.
Porque se guardas a menor parte do anátema, se não livras
do fogo e da destruição todas as propriedades dos habitantes,
ou ainda mais, se não passas pelo fio de espada todos os habitantes,
sem distinções de idade e de sexo, podes contar que não
atingirás o fim dos teus santos empreendimentos; ao contrário,
aqueles a quem deverias submeter tornar-se-ão teus dominadores e
teus senhores, e continuamente estarás sujeitos a ser vencido pelo
inimigo, levado como escravo e mesmo exterminado, e até que a justiça
tenha obtido a mais clamorosa vingança por tua prevaricação.
A lei do destino é infalível quando vem prevenir os prevaricadores
acima das ordens sagradas do senhor e daquelas que o homem de Deus pode
pronunciar em nome do seu soberano mestre. E se os homens cegos introduziram
essa prática em seus mais tenebrosos julgamentos sobre as simples
prevaricações inferiores, ao menos nos mostraram que conservaram
a idéia desse temível poder do destino, embora a utilizem
de modo falso e abusivo, visto que não possuem mais seu espírito.
Lembra, então, que essa lei do destino, administrada pelo homem de
Deus, põe, dessa forma, o espírito em sua via direta, através
da qual conduz ao seu objetivo, como um poderoso medicamento que o médico
aplica adequadamente, de maneira que encontre o mal em seus recantos mais
profundos e o abata por mais misturado e combinado que esteja com as partes
sadias. Essa lei do destino do espírito está sempre em atividade
sobre ti, e não falhará de modo algum em descobrir, primeiramente,
qual das tuas tribos violará a ordem do anátema; em seguida,
que família será culpável. Essa procura não
cessará jamais, nem para ti nem para nenhum homem, e é nesse
grande vale de Achor que, num dia vindouro, serão conduzidos os prevaricadores,
com tudo o que tiverem guardado do anátema, e lá serão
apedrejados por todo o povo.
Dai
lugar ao espírito. Vede como ele se apressa a atravessar a multidão;
é que tem uma obra muito importante a realizar, e tem tanto zelo
que teme perder um só instante, além disso tem um espaço
tão grande a percorrer, que teme não chegar até o fim
antes que o tempo que lhe foi dado para esse objetivo se tenha expirado.
É necessário que se desloque desde o lugar da sua morada até
as últimas profundezas do homem. Dai lugar ao espírito e deixai-o
alcançar as profundezas do homem. Ele vai até lá para
levar a palavra da santidade, de onde o homem verá crescer nele,
ao mesmo tempo, as sete "virtudes", que serão as setes
colunas desse edifício fundado sobre a rocha viva e que deve ser
a eterna igreja do nosso Deus.
Como essa igreja poderia ser destruída? Suas sete colunas repousam
sobre a santidade e elevam-se até a morada do altíssimo. Lá
extraem a seiva divina e levam-na até os santos fundamentos do templo.
Como essa igreja poderia ser destruída? Suas sete colunas estão
intimamente ligadas à base e ao topo. A base, as colunas e o topo
do edifício formam uma só unidade. Ele só se move em
conjunto, e nenhuma força é capaz de separar dele a menor
parte.
Base do edifício, contempla-te, portanto, com êxtase e com
prazer; ocupa-te sem descanso a fazer com que te penetre o óleo da
alegria, que as sete colunas não cessam de trazer até ti;
todos os frutos que produzires difundirão a vida, a força,
a santidade. É necessário que produzas todos esses frutos
sem descanso, haja vista que as sete colunas te levam sem descanso a seiva
da reprodução, que sem descanso o supremo criador dos seres
distribui essa seiva, sempre nova, às sete colunas encarregadas de
a transportar. É diferente do que acontece com a cultura terrestre,
em que o círculo dos tempos deva voltar um grande número de
vezes sobre as sementes da terra, antes que esta possa recompensar os cuidados
do trabalhador. É preciso que esse círculo dos tempos se torne
imperceptível, para ti, e que em todos os momentos mostres tua fertilidade,
porque a todo momento teu domínio é ameaçado pela penúria.
Dai lugar ao espírito. Ele vem trazer à base do templo todos
os meios de erguê-lo com segurança e de fazê-lo subsistir
intacto, malgrado a inveja dos samaritanos, e fará com que esse templo
atraia o respeito e a admiração de todos os povos. como essa
admiração poderia ter lugar, como esse edifício poderia
ser tão majestoso, se o eterno arquiteto não tivesse, ele
próprio fornecido, os planos e traçado as diversas distribuições,
e se não o tivesse engendrado continuamente da sua própria
fonte? É por isso que o seu espírito vem trazer até
nosso centro mais interior, as palavras vivas que interagem por seus diversos
poderes e propriedades, emitindo elas mesmas essa luz e essa vida que assegura
uma duração eterna e esse templo que construíram com
suas próprias mãos.
Sim, o coração do homem é um recinto onde todas as
palavras divinas se juntam e se acumulam, ficando em contínua fermentação.
É essa fermentação das palavras divinas no homem que,
pela mútua reação, produz o movimento espiritual da
nossa alma, preservando-a do estado de morte e estagnação.
Aquele que não sentiu fisicamente essa fermentação
interior, não tem a menor idéia da origem do homem, e, consequentemente
do seu renascimento ou do Novo Homem. Porque essa fermentação
é o princípio exclusivo e necessário para nos fazer
retomar a forma que perdemos, e se não experimentamos o sentimento
vivo e físico desse princípio, como podemos sentir os efeitos
que resultam dele e das obras que temos a produzir, isto é, como
podemos cumprir nosso destino?
Abramos, então, nossa alma à essa acumulação
de palavras divinas em nós; não coloquemos nenhum empecilho
à sua fermentação mútua, impedindo-as de se
aproximar e de interagir fisicamente em nós, se quisermos que nossas
palavras adquiram, por sua vez, algumas propriedades físicas. Recolhamos
cuidadosamente os menores produtos dessa fermentação das palavras
divinas em nós, pois é assim que elas formaram o mundo, é
assim que elas o mantêm e realizam continuamente a existência
da obra que produziram, é assim que formaram nossa alma e assim que
querem novamente formá-la hoje. Porque os caminhos da sabedoria são
de uma constância e de uma uniformidade tão sublimes para que
o homem tenha mais facilidade de reencontrá-lo quando tiver se afastado
deles, e para que, do seio das suas próprias trevas, ele possa recobrar
as percepções corretas e positivas das leis que jamais deveria
ter esquecido.
Já vimos com que lentidão os diferentes sedimentos se reúnem
na terra para formar a rocha viva e as massas de pedra; mas podemos ver
também a imensa utilidade que tem para nós essas substâncias
sólidas que extraímos do seio das rochas. Deixemos, deixemos,
portanto, acumularem-se em nós, com um desejo respeitoso e prudente,
as influências vivas e dos sedimentos espirituais que a verdade depõe
diariamente em nosso seio. Não somente poderemos extrair daí,
um dia, "pedras vivas" para servirem de base a todos os nossos
edifícios; não somente levantaremos muralhas para as nossas
fortalezas; não somente poderemos ignorar palácios e templos,
mas também poderemos construir longos aquedutos que levarão
a água dos lugares mais afastados para os lugares estéreis,
a fim de restabelecer aí a vida e a vegetação; enfim,
poderemos construir solidas e extensas pontes que nos ajudarão a
atravessar em segurança os rios e as torrentes; pois o Deus dos seres
não busca outra coisa senão realizar em todos nós as
leis vivas das quais a natureza e o tempo não cessam de nos apresentar
imagens passageiras e materiais.
Pois o próprio salvador, em sua paciência e sua paz, não
permitiu que se acumulassem nele essas substâncias puras e salutares
que a sabedoria eterna depositou sucessivamente em seu seio, e pelas quais
um dia quando as medidas fossem cumpridas, ele deveria encontrar nele tudo
o que fosse necessário para o benefício da posteridade humana,
para defendê-la dos seus inimigos, os poços do abismo, para
construir o fecho de abóbada do templo, para erguer para nós
todos uma fortaleza impenetrável e um templo que o tempo não
alterará mais? E são os dias de obscuridade do salvador que
foram empregados para essas preparações úteis, cujos
resultados devem se propagar para além dos séculos.
São os tempos silenciosos, governados pela prudência e pelo
retiro, que dispõem o homem a cumprir, um dia, sua missão
com sucesso, para a glória do seu mestre, para o proveito dos seus
próprios irmãos e para o progresso do reino de Deus, enchendo-se,
assim, cada dia, das forças necessárias para ir atacar os
inimigos da verdade e lançá-los nos seus tenebrosos precipícios.
Também São Lucas nos ensina que o salvador, esperando a hora
da consumação, passava seus dias na prece e nos desertos.
Também Moisés, que deve ser considerado como um dos precursores
do divino salvador, passava, seus dias no deserto de Madiã, até
o momento em que recebeu ordem do Senhor para libertar seus irmãos
e ordenar ao faraó que deixasse o povo de Deus seguir em liberdade,
afim de que pudesse oferecer seus sacrifícios ao Eterno.
Se
todos os poderes divinos se transformassem em verbos ardentes e em instrumentos
agudos e penetrantes que, todos ao mesmo tempo, rompessem os diversos laços
que prendem nosso ser pensante, restituindo-lhe a liberdade e a sensibilidade
divina, que palavras poderiam exprimir, então, essa condição
maravilhosa? Heis, portanto, o que podemos esperar do renascimento, se formos
bastante perseverantes para buscá-lo com uma atividade constante,
pois no momento em que passarmos a confiar nele, nossa hora espiritual chegará
e nos fará conhecer, subitamente, esse delicioso estado do Novo Homem.
É dentro dessa classe que são escolhidos aqueles destinados
a administrar as santificações do Senhor. É do alto
que descem fisicamente sobre eles as influências purificadoras e fortificantes
que se tornam um firme bastão, em suas mãos, mais poderoso
que a maça dos heróis da fábula, maior que o mais alto
cedro do Líbano, e com o qual podem transpor sem perigo toda a imensidão
dos mares.
As influências da região inferior estão bem distantes
de ter uma propriedade semelhante; somente a influência corrompida
eleva-se assim da região inferior; ela se ergue mais pela nossa falta
de vigilância, do que por uma ordem do alto, que algumas vezes, a
envia para nos experimentar oferece-se a nós apenas sob formas irregulares
e cores hediondas; as próprias formas que assume não se mantém,
alterando-se continuamente, pois ela não tem o princípio das
formas regulares; aparece de repente, e como que se aproveitando de alguma
brecha que tenhamos deixado, se mostra mais na prece do que em outras circunstâncias,
porque abrimos mais portas do que o normal, embora freqüentemente não
tenhamos mais do que uma atenção normal, nem o poder de colocar
sentinelas em todas as portas que abrimos.
Mas quando ela chega assim, repentinamente permanece imóvel por um
momento e fica perplexa, como um ladrão que entrou em uma casa que
encontrou aberta e que, a princípio, fica perturbado e inquieto,
receoso de que o estejam observando, procurando distinguir qual é
a distribuição das coisas dentro da casa, e fascinado pelos
objetos que percebe e que tentam sua cupidez, ainda mais que não
está acostumado a lugares desse tipo e a gozar semelhantes riquezas.
Se não se tiver o cuidado de repelir ativamente essa influência
no instante em que se apercebe dela, ela prosseguirá com seus desígnios
criminosos e poderá, enfim, até se apoderar da casa e se livrar
do proprietário.
Mas se nos pomos logo resolvidos a estragar seus projetos, ela cai em seus
abismos, ou altera suas formas, varia e se decompõe, mais ou menos
prontamente e com mais ou menos diferenças, conforme em pequenos
mais ou menos forças, prontidão e vivacidade em nos opor a
suas empresas.
A influência que vem do alto é, ao contrário, mais freqüentemente
sem forma; joga para baixo tudo o que é irregular e tenebroso; pressiona
todos os nossos princípios de atividade e os faz atravessar a força
nossas substâncias compostas e corrompidas, para dissolvê-las
e fazer penetrar a Luz onde só havia trevas. Heis porque essa influência
superior nos fornece tão diversos meios de nos elevarmos acima do
nosso estado normal; porque desenvolve em nós muitas faculdades,
das quais nossa matéria não pode ter nem o gozo e nem o conhecimento,
e porque essas diversas propriedades às quais somos suscetíveis
se manifestam por raios agudos e acerados, como os da luz e do fogo.
É também por isso que a escritura compara a palavra a flechas
aceradas e a uma espada de dois gumes. Não somente porque essa palavra
tem, incessantemente inimigos a combater e a destruir, mas também
porque ela se origina no meio dos entraves que a constrangem, que a forçam
a se afiar e a se aguçar de alguma forma, para se fazer luz através
de todas essas substâncias estranhas que a obscurecem.
Tal é, então, o penoso destino dessa palavra amada que a sabedoria
faz nascer no Novo Homem, e que só pode engendrar-se nele rompendo
todas as barreiras que a retêm na escravidão e no constrangimento.
É a pressão da influência superior que força
essa palavra a atravessar assim penosamente seus entraves, manifestando-se
na forma de setas agudas, dos quais nossa língua corporal é
a imagem e das quais encontraríamos expressões ainda mais
contundentes na manifestação que sucedeu aos apóstolos
em Jerusalém, se nosso plano não nos impedisse de antecipar
a ordem dos assuntos que teremos a expor neste livro.
Isso, no entanto, não impede que, vejamos no exemplo do nascimento
da palavra em nós como tudo é revelação, pois
tudo é palavra, e todas as palavras estão como que sepultadas
nos abismos, dos quais só podem ser tiradas com violência.
E contudo os homens não querem crer numa revelação,
enquanto se as toma de forma errada para convencê-los e que as reconduzindo
a eles próprios se as provou como a revelação universal
e de todos os momentos, que ela teria sido naturalmente para isso a não
ver e a não reconhecer a obra do salvador a não ser como uma
revelação maior do que aquela que se passava neles. E como
ela é do mesmo gênero, ainda que compreenda um plano mais vasto,
poderia parecer-lhes mais admirável, por ser mais sublime, mas não
mais extraordinária. Eles teriam inclusive aprendido, pelo exame
das diversas épocas do gênero humano, a reconhecer os imensos
préstimos que a revelação do salvador lhes trouxe observando
essas diversas épocas em relação ao homem individual.
Porque se o homem tem a felicidade de ver nascer nele o Filho do espírito
ou o Novo Homem, logo percebe a diferença entre esse novo estado
e o seu estado anterior; essa diferença consiste em que, nesse novo
estado, ele tem certeza de obter, pelos seus desejos puros, sejam luzes
e desenvolvimentos, sejam consolações, sejam dons do espírito
para a manifestação da glória do seu mestre, todas
as coisas que podemos agora considerar como sendo revelações.
Mas em seu estado anterior ele não tinha a mesma certeza, e apesar
de todos os seus empreendimentos mais corajosos, não podia vangloriar-se
do mesmo sucesso, e os tipos de revelações aos quais estava
suscetível, então, chegavam-lhe de uma maneira mais velada,
mais simbólica deixando-o freqüentemente à espera de
bens que apenas lhe eram mostrados.
Portanto, o homem não deverá mais, admirar-se com o que é
dito na revelação do salvador (Mateus 11:12,13): Ora, desde
os dias de João Batista até agora, o reino dos céus
se toma pela violência, e os violentos prevalecem sobre ele. Porque,
até João, todos os profetas, assim como a lei, profetizaram.
Ele sentirá, ao mesmo tempo, todo o preço dessa revelação
do salvador, isto é, da obra que ele veio realizar para a libertação
da nossa palavra, pois só através dessa revelação
do salvador e das virtudes de sua obra que podemos esperar que cada um chegue
à sua revelação particular, ou ao nascimento do Novo
Homem, o único que nos pode dar condições de tomar
o céu pela violência, enquanto que antes devíamos esperar
que ele se desse, a menos que não pertencêssemos à classe
dos seres privilegiados.
Com efeito, do mesmo modo que sob a revelação do salvador,
há seres antes dos quais vem o reino do céu, sem considerar
que eles o tomaram pela violência, da mesma forma que vimos, sob a
lei e sob os profetas, vários eleitos a quem a glória da revelação
do salvador foi mostrada anteriormente, o que os encheu de alegria, ao passo
que os outros homens do seu tempo, permaneceram ocultos sob o véu
da lei e sob as diversas figuras dos profetas.
É então, por esse estudo do homem, pelos encorajamentos reiterados
a fazer nascer nele um Novo Homem e pela comparação dos diversos
estados que se deveriam trabalhar para abrir os olhos dos homens de desejo
acerca da natureza das revelações em geral, da natureza das
nossas próprias revelações e da natureza da única
revelação, da qual possam sair quaisquer outras revelações,
porque essa revelação única que podia arrancar da tumba
e das trevas, tudo o que aí fora encerrado pelo crime. Heis por que
essa revelação do salvador foi, é e será para
sempre a revelação universal.
Como
imagens da unidade universal, devemos estabelecer universalmente unidades
em nós, se queremos fazer progresso na educação do
Novo Homem. Porque em nossa obra geral, como em todas as nossas obras particulares,
não obteremos nada de permanente, não produzimos nada de perfeito,
não gozaremos nenhuma paz, nenhuma luz real, se tudo o que obtivermos,
tudo o que produzimos, tudo o que desfrutarmos não for o fruto e
o resultado de uma unidade. Esse é, provavelmente, o conselho mais
salutar que poderíamos receber neste vale de lágrimas.
A principal unidade que devemos procurar estabelecer em nós é
a unidade dos desejos, pela qual o ardor da nossa regeneração
se torna para nós uma Paixão tão dominadora, que absorve
todos os nossos afetos, que nos arrasta contra nossa vontade, de tal forma
que todos os nossos pensamentos, todos os nossos atos, todos os nossos movimentos
estejam constantemente subordinados a essa Paixão dominante. Dessa
unidade fundamental veremos decorrer uma multiplicidade de outras unidades
que nos devem dominar com a mesma autoridade, cada uma segundo sua classe;
ou melhor, todas essas diversas unidades são de tal modo ligadas
umas às outras, que se sucedem e se apoiam, sem que jamais sejam
estranhas umas às outras.
Assim, unidade no amor, unidade na obra da penitência, unidade na
humildade, unidade na coragem, unidade na caridade, unidade no despojamento
do espírito da terra, unidade na resignação, unidade
na paciência, unidade na submissão à vontade suprema,
unidade no cuidado de nos revestir do espírito da verdade, unidade
na esperança de recobrar os bens que perdemos, unidade na fé
de que a nossa vontade purificada e unida à vontade de Deus deve
cumprir-se já neste mundo, unidade na determinação
de dissipar as trevas da ignorância com a qual a nossa morada nos
envolve, unidade na vigilância, unidade na constância de prece,
unidade em cultivar continuamente as escrituras santas, enfim, unidade em
tudo o que sentimos ser próprio para nos purificar, nos aliviar desse
vale de lágrimas e nos fazer avançar em nosso reino, que é
o reino do espírito e o reino de Deus. Heis a lei que nos devemos
impor.
Ainda que essas diferentes unidades estejam intimamente ligadas e pertençam
à mesma raiz, não se pode dizer, de modo algum, que por isso
devam agir todas ao mesmo tempo. Há somente Deus em todas as unidades
tranqüilas e doces que estão em uma atividade comum e perpétua,
porque somente ele é a verdadeira e radical unidade.
Mas devemos nos ligar com uma atividade inteira à unidade que se
apresentar a nós no momento, se quisermos aproveitar as vantagens
que ela nos deseja oferecer. Não devemos, de forma alguma deixar
determinado que não sentimos que essa unidade imprimiu em nós
o seu caráter essencial e transformou em uma unidade efetiva a faculdade
sobre a qual veio atuar.
Não nos podemos iludir muito quanto a isso nem fazer imposições
a nós mesmos, porque seja nas obras, na aquisição das
luzes ou na prática das virtudes, temos uma unidade interior à
qual todas as nossas outras unidades devem corresponder, e que, como um
juiz íntegro, nos dá o assentimento dos nossos bons ou maus
resultados. Acrescentemos, por antecipação, que essa unidade
interior que existe em nós, nos dá o assentimento dos nossos
bons ou maus resultados no desenvolvimento das nossas outras unidades porque
ela própria está ligada à unidade suprema e universal.
É então a nossa unidade interior que se torna o árbitro
das nossas unidades parciais e que nos faz sentir se elas alcançaram
seu complemento.
Veremos como, com efeito, essas unidades parciais devem operar resultados
semelhantes em nós, para cumprir o objetivo da sua existência
e da sua lei, pois não há um ser na natureza que não
deva produzir, igualmente, uma unidade segundo a sua classe e mesmo uma
unidade que apresente o quadro de tudo o que existe. Assim, pela mais forte
razão, nosso ser pensante deve usufruir de um semelhante privilégio,
visto que é encarregado especialmente de representar o ser santo,
eterno e divino, ao passo que as substâncias da natureza manifestam
somente os poderes desse criador universal dos anjos, dos espíritos
e de todo universo.
Qual é agora a sublime vantagem que devemos esperar obter para estabelecer
em nós mesmos, através de cuidados constantes, essas diversas
unidades particulares, virtuais e virtuosas, das quais nossa unidade interior
é a base e o centro?
A vantagem é multiplicar de tal maneira nossas relações
com a unidade suprema, que quando tivermos alcançado o número
necessário dessas relações, para que nossa semelhança
com ela esteja ao menos delineada, a própria unidade suprema, não
temerá de modo algum, entregar-se ao encanto divino que ela prova
eternamente para a sua criatura e para a sua imagem, não temerá
substituir sua ação tranqüila e vivificante por nossas
ações penosas e trabalhosas, apossar-se de tal modo das nossas
unidades parciais ou da nossa unidade interior, que nosso desenvolvimento
espiritual nos tornará tão naturais, como se não tivéssemos
deixado a morada da santidade; enfim, fazer de tal maneira que não
experimentemos mais repugnância em nossas obras, obscuridade em nossos
conhecimentos, fadiga no exercício das nossas virtudes. Deliciosa
perspectiva da qual somos, neste mundo, tão afastados, que é
necessário já estar avançado no caminho para que ela
não nos pareça absolutamente ilusória e quimérica.
Deus supremo, como nos vangloriar, com efeito, que no estado de opróbrio
e de iniqüidade em que esmorecemos, possamos habitar em ti e que tu
te dignes a habitar em nós! Como tua unidade universal se uniria
a unidades tão incompletas como essas que se manifestam cotidianamente
no homem? Ainda mais, como se uniria a números nos quais a irregularidade
é tão manifesta?
Não temamos de forma alguma lhe dizer: É um favor dessa sabedoria
infinita que ela suspenda assim sua junção conosco e que adie
o momento de desvelar o templo, até que estejamos mais fortes para
manter o brilho de sua luz. Porque ela não só nos ofuscaria,
como poderia até nos fazer perder a visão.
Quando nos tivermos apercebido das delícias que provaríamos,
se todos os poderes divinos se transformassem para nós em verbos
ardentes, iremos supor que o espírito do homem já terá
feito todos esses trabalhos preliminares, todas essas coleções
de unidades parciais, às quais sua unidade interior dá a regra
e a medida, colocando-o em relação e em correspondência
com a unidade suprema e universal. Sem isso, infeliz dele se essa unidade
suprema fizesse um movimento tão assinalado e tão importante!
Infeliz dele se ela lhe mostrasse toda a sua glória!
Pois, não encontrando nele justas analogias com sua unidade, que
deve sempre triunfar (e isso por seu poder e sua força, quando não
consegue triunfar por seu amor e suas boas ações), ela o faria
perecer de vergonha por sua enorme desproporção, mostrando
a ele como está desfigurado. Ela dissolveria todos os poderes falsos
em atividade nele; deixaria-o no vazio espiritual absoluto, onde ele só
poderia experimentar o desespero de alcançar um objetivo tão
distante; e em vez de animá-lo com a unidade da vida que carrega
em si mesma, ela o reduziria a uma unidade de morte pela impossibilidade
de estabelecer qualquer relação de verdade ou qualquer correspondência
espiritual divina com ele.
Podemos dar a isso razão bem simples: é que as unidades parciais
que devemos incessantemente estabelecer em nós são os intermediários
indispensáveis para que a ação divina se tempere, antes
de penetrar até o nosso centro. E do mesmo modo que a divindade se
comunica apenas por suas manifestações e seus poderes, também
só podemos nos assemelhar a ela pelas manifestações
de nossas faculdades e de nossas virtudes, que são os órgãos
e os poderes da nossa alma.