Louis Claude de Saint Martin
O NOVO HOMEM



36

O Senhor escolheu a alma do homem para aí fazer sua morada. Ele gostaria de passear pelos caminhos vastos que preparou para si. Manifesta aí toda a sua majestade, e para que esta possa ser melhor percebida, faz brilharem os astros luminosos, cuja luz espalha um esplendor inefável até os recantos mais escondidos desse retiro sagrado.

Ele ergueu para si um templo onde seus levitas se dedicam diariamente ao culto do seu Deus e à prática de cerimônias santas. A cada dia, consagra o óleo da vida que deve servir para renovar perpetuamente as fontes sacramentais de todos os dons do seu espírito. Colocou no lugar mais elevado desse templo uma cadeira de verdade, faz com que o seu enviado sente aí, para anunciar às nações a palavra de alegria que ele coloca na língua eterna.

Moisés, aqueles que estivessem sentados em tua cadeira, o Senhor nos ordenou que os escutássemos e que praticássemos o que recomendava através da lei. Santo salvador, tu nos ordenas que escutemos os apóstolos que enviastes ao mundo para anunciar tua palavra, pois tu oravas somente por eles e por aqueles que acreditavam nas suas pregações. Como não acreditaríamos nos apóstolos que habitam o templo do homem, já que devemos acreditar nos profetas que o profetizaram? Como, pergunto não acreditaríamos nos apóstolos que habitam o templo do homem, esse templo mais antigo que os templos temporais das duas alianças, esse templo onde aquele que prega a palavra, esta sentado não somente na cadeira da lei primária, essa lei suficientemente antiga para sentar-se, ela própria, na cadeira da unidade?

É nessa montanha que o Novo Homem vai subir para falar a todo o povo que o rodeia; e depois que se tiver se sentado e que todos os seus pensamentos estiverem reunidos ao redor dele como se fossem seus discípulos, abrirá a boca e lhes dirá: "Bem aventurados aqueles que são bastante pobres de espírito para deixar que lhe sejam subtraídas, pelo seu inimigo secreto, a glória e as vantagens temporais, para deixar o seu próprio mundo brilhar acima deles e mergulhá-los na obscuridade, pois, estando exclusivamente ocupados com a busca do seu princípio e com a sua aproximação da verdade, tornam-se muito semelhantes a ela para que ela venha visitá-los, fazendo-os assim possuidores do reino dos céus, ao mesmo tempo que de seu próprio mundo, onde o homem de pecado que está ligado a eles os julgará, na indigência e na ignomínia!"

"Bem aventurado aqueles que ignorarem os esforços e as tentativas desse homem de pecado para lhes incomodar. Mas que estarão de tal maneira ocupados de pecado para lhes incomodar. Mas que estarão de tal maneira ocupados com o cultivo da sua terra, que não se deixarão distrair pelas afrontas que ele lhe fará interiormente por estar sem luzes, sem brilho, sem honra, sem riquezas, sem estimas perante seus próprios olhos, que são um com os olhos do mundo! É com justiça que a terra lhes será dada, que lhes pertencerá e que eles a possuirão, pois a terão ganho por um cultivo dedicado e por cuidados assíduos."

"Bem aventurados aqueles cujo homem interior está em lágrimas e cujo coração está atormentado pela abundância da amargura! É uma prova de que a palavra do senhor desceu sobre eles, cobrindo todas as substâncias da mentira. É uma prova de que a própria palavra está impregnada das dores deles? É uma prova de que sentiram as lágrimas da palavra de vida que se difundiu na alma dos profetas de todos os tempos, de que não cessaram falar por eles as lágrimas dos sacerdotes, as lágrimas da terra de Israel, as lágrimas dos caminhos de Sión, as lágrimas da muralha, as lágrimas da colheita da vinha, as lágrimas das habitações dos pastores, que se transformaram em lágrimas de sangue na obra do salvador, que se apressaram em recomendar ao homem que deixasse chorar livremente nele a palavra, e que chorasse abundantemente com ela, pois assim o pecado sairá dele para ser substituído pela alegria pura, pelo sentimento ativo da liberdade da sua nova existência e pelas mais doces e inefáveis consolações da vida".

"Bem aventurados aqueles que são sedentos e famintos de justiça, que tiverem amado sua existência até se determinarem a experimentar a morte, para que possam experimentar a vida e para se colocarem em condições de pronunciar o julgamento que é confiado a todos os Filhos dos homens! Pois o velho homem está sempre em litígio com o homem novo, e se o homem interior pronunciar com força o julgamento e a sentença contra o velho homem, o homem novo não terá todos os seus direitos imediatamente restabelecidos, como ocorre nas contestações dos homens, por causa apenas da sentença dos juizes desse mundo? O efeito não deve ser maior nas coisas que pertencem a uma ordem viva? E não é esse o verdadeiro meio que é oferecido ao homem para ser saciado de justiça?".

"Bem aventurados aqueles que sentem serem eles os únicos capazes de oferecerem a si próprios, pois quem mais poderia perceber a sua essência? Estarão ocupados apenas com a sua própria sobrevivência e em evitar qualquer dano ou ultraje contra si mesmos. E essa severidade sem limites os absorverá de tal maneira, como sendo a única necessária e útil para eles, que serão naturalmente misericordiosos com relação aos outros visto que os outros não podem ofendê-los. Por essa verdadeira e vivificante indulgência para com os outros, o Novo Homem pode fazer nascer neles o desejo de observarem a si próprios, conduzindo-os assim a vida do seu ser, que consistiria em não fazer aos outros nenhuma ofensa. E heis de que maneira ele obterá a misericórdia de Deus, a menos que seja infeliz o bastante para envaidecer-se a ponto de ofendê-lo".

"Bem aventurados aqueles que tiverem purificado suficientemente seus corações para que sirvam de espelho à divindade, porquanto a própria divindade será um espelho para eles! O Novo Homem não duvida que assim, chegará a ver Deus interiormente, pois ele sabe que esse era o objetivo da existência do ser humano primitivo. Em conseqüência, porá sentinelas em todas as avenidas do seu ser para impedir que alguma influência corrompida o penetre ofuscando o brilho desse espelho divino que carrega dentro dele. Essas sentinelas serão fiéis na guarda do seu posto, pois é com autoridade que o homem as arranjará, elas não poderão deixar de cumprir com zelo suas funções, uma vez que ele se determine a dar-lhes as ordens".

"Bem aventurados aqueles que suspiram pela paz de espírito e que caminham pela senda das obras pacíficas, não se entregando a nenhum dos partidos opostos e furiosos que se batem diariamente dentro do homem! Livrando-se assim da turba tumultuosa do seu próprio mundo, tomarão como seu Pai o soberano autor da tranqüilidade suprema da eterna paz, tornando-se dessa maneira os legítimos Filhos de Deus, pois manifestarão as características distintiva dessa fonte da qual nasceram, e que não pode deixar de ser calma, visto que está constantemente repleta do sentimento inalterável da sua infinitude, da sua eternidade, da sua universalidade. Assim poderão dizer aos seus inimigos: tremei, fugi, vós nada podeis contra mim, porque carrego em mim um nome que significa o Filho do vosso Deus".

"Bem aventurado aqueles que sofrem perseguição pela justiça! Eles se assemelham aos pobres de espírito, e a mesma recompensa lhes está reservada. Pois somente o Novo Homem sofre perseguição pela justiça, visto que somente ele é sedento de justiça e que o inimigo deixa sossegados todos os outros, já que estes não o incomodam, não o revoltam e não denunciam as suas ações falsas e injustas. Mas quando se acendem as luzes, elas revelam os malfeitores que se haviam escondido na casa, obrigando-os a fugir ou a entrar em combate com o mestre da casa, para impedir que ele os denuncie e os entregue à justiça. Que perseguições e que combates o Novo Homem não terá que enfrentar, haja vista que acende todas as luzes da sua casa, atraindo contra ele de uma só vez todos os malfeitores que aí haviam entrado, ameaçando-a com uma grande ruína? Mas também quanta alegria e consolação não deve esperar por haver zelado tão bem pela casa que lhe foi confiada, visto que essa é a casa do Senhor? O próprio céu será sua recompensa, pois o céu só espera o momento em que essa casa esteja limpa e purgada dos malfeitores, para vir e fazer sua habitação".

37

"Vós sabeis que está escrito, (Ezequiel 33,8), Se quando eu disser ao ímpio: ímpio, vós morrereis na certa, vós não falardes ao ímpio para que ele retire do seu caminho errado, morrerá esse ímpio na sua iniqüidade, mas eu pedir-vos-ei contas do seu sangue.

E eu vos digo que não é apenas o sangue dos outros que a justiça reclamará de vós; ela reclamará vosso próprio sangue, se tiverdes negligenciado no emprego desse sangue para a defesa do seu próprio reino, que estejais contentes de combater a iniqüidade e que não deixeis restar a menor fraqueza".
"Vós sois o ouro, sois o talento distribuído pelo mestre aos seus servidores. Lembrai-vos de que ele o distribui para colher frutos abundantes e para que ele esteja continuamente na mão dos banqueiros. Se não o valorizastes, a justiça exigirá de vós não somente os fundos, mas também os juros que esses fundos lhe tiverem rendido, e tirará de vós inclusive esse fundo com o qual poderíeis obter juros no futuro. Como conseguireis, então, pagar o que lhe deve? Sois o sal da vossa terra; se ele ficar insosso, como o salgaremos? E ficará insossa a vossa própria terra?".

"Toda a vossa lição está nessas palavras: Os servidores que o meu Pai ama, são aqueles que o servem em espírito e em verdade. Assim, vós não o tendes pela simples crença no princípio divino do qual vossa alma imortal recebeu a vida. Vós não o tendes nem mesmo por essa fé viva de que, por vossa união com ele, podeis operar tudo para o vosso bem e o dos irmãos que moram convosco no vosso templo particular. Mas fazei de maneira a não vos dar nenhum repouso até que a vossa fé viva se tenha convertido em atos positivos e fatos reais. Os servidores que o Pai ama são aqueles que provam sua fé na divindade da natureza dele pela divindade dos frutos que produzem e pelo cuidado que têm para que os números triplos se cumpram neles, sem o que o círculo permanecerá aberto, a obra ficará incompleta e vós não podereis dizer que servis Deus de verdade, não o servis em obras reais".

Podeis honrar a Deus pelas vossas preces, mas podeis honrá-lo ainda mais pelos serviços que prestais a vós próprios em seu nome e no espírito da sua glória e da manifestação da sua luz, porque esses serviços serão para ele, ao passo que vossas ações procedem principalmente para vós, e são como protetores contra os perigos que vos ameaçam e apoios contra as fraquezas que vos corroem".

"Aqueles que só servem a Deus em inteligência, não conhecem a vida real, pois vivem apenas em imagens, sendo por isso recompensados apenas por imagens. É preciso que o vosso coração e todas as propriedades do vosso ser se tornem agentes e órgãos ativos sem nenhuma interrupção, se quiserdes viver na realidade e servir o vosso mestre em espírito e em verdade".

"Tem sido dito a vós que o coração do homem é a terra onde Deus quer continuamente semear o grão. Tendes, então, a propriedade de fazê-lo fermentar e produzir, acrescentando aí as substâncias nutritivas e vegetativas das quais sois o órgão e a fonte. A verdade semeia menos em vós do que ela espera colher, a fim de vos deixar a glória e o mérito de haver concorrido para a obra e o direito de reclamar a vossa retribuição quando da colheita. Vede o quanto a terra perecível que habitais rende, de riquezas e de frutos inumeráveis, a partir de alguns grãos de um cereal em vias de se estragar que o agricultor semeia em seu seio. Quando então o grão da eterna verdade é semeado em terra viva, julgai que imensa colheita deve daí resultar, sobretudo se não cessardes de sentir que é de Deus que vêm, ao mesmo tempo, a terra viva, o grão e o agricultor".

"Quando o Senhor semear algum grão em vós, começai então por recobri-lo preciosamente com todas as terras já cultivadas, ou seja, com a confiança, a vigilância e a constância em velar pela conservação desse depósito precioso. Que jamais as sedutoras atrações da contemplação deixem, ao vosso espírito, tempo para interromper vosso coração na sua obra; dessa forma colocareis o grão a descoberto, em vez de deixá-lo fermentar na terra. Ele então secará, não poderá dar nenhum fruto ou será devorado pelos pássaros".

"Lembrai-vos de que a alma do homem está destinada a servir de templo ao eterno criador de tudo o que existe. É preciso que ela tenha em si, ao mesmo tempo, todas as formas capazes de conter todas as propriedades desse ser infinito, de acordo com todas as suas virtudes, ações e subdivisões, sem o que esse supremo e majestoso criador de todas as coisas não poderia, habitar nela inteiramente e livremente. Lembrai-vos então de que, se alma do homem está destinada a servir de templo ao eterno, não sois o dono de um único impulso, pois só o soberano autor que criou todas essas formas para lhe servirem de morada e que vem habitá-las, pode ter essa disposição. Porque o salvador proibiu-nos de jurar pela nossa cabeça, já que não podemos dispor de nenhum fio de cabelo, branco ou preto; pois, para jurar por qualquer coisa, é preciso possui-la. Ora, não possuímos nada, nem mesmo o nosso ser, que a forma é do domínio de Deus".

"Vós fostes instruídos pelo salvador, isto é, pelo nosso Pai, e só poderíeis ter sido instruídos por ele, pois até que ele, aparecesse, estáveis sem Deus neste mundo (Efésios, 2:12), visto que viestes a este mundo somente para serdes separados de Deus; e se ele não tivesse mandado o seu Filho para vos ensinar, por essas palavras consoladoras e por sua pessoa, que o homem é o Filho de Deus, teríeis esquecido para sempre que Deus é vosso Pai. Não teríeis podido pronunciar esse nome que era preciso reconhecer para abrir a porta à vossa reconciliação, e teríeis vos assemelhados aquele que não se lembra mais de ter portado, outrora, o glorioso título de Filho de Deus".

"Esse salvador vos ensinou a pedir a vosso Pai o pão cotidiano e que fostes preservado do mal. Se a vossa idade o tivesse permitido, ele vos teria revelado ainda maiores maravilhas na misericórdia de vosso Deus; teria vos revelado que esse Deus não cessa de vos oferecer esse pão cotidiano, na medida em que não cessa de vos transmitir a sua santa e exclusiva ação, que nos deveria animar a todos. Desse mundo, toda a nossa sabedoria deveria ser no sentido de não recusar o auxílio que ele nos oferece diariamente, e nossa única prece poderia se reduzir a pedir-lhe a graça de não repelir, como fazemos, os dons e os favores de que ele nos acumula. Porque a única diferença entre o Novo Homem e os homens imprudentes é que ele aceita o pão cotidiano e ele se alimenta, enquanto os outros o rejeitam, o desdenham e em conseqüência, negam a sua existência".

"Vós sabeis o que o salvador declarou àqueles que esperavam ser reconhecidos como Filhos de Deus por haverem curado doenças e caçado demônios em seu nome. Ele lhes disse: O senhor responderá: Ide vós, eu jamais vos conheci. Com efeito, o Novo Homem vos ensinará que essas obras são direitos do vosso ser e que não são, e estão muito longe disso, o objetivo principal do vosso renascimento. Os judeus não tinham exorcistas e, contudo, não foram tratados com cólera? Sim, essas obras são de tal maneira direitos do vosso ser que vos é recomendado que vos purifiqueis dos vossos pecados. Ora, essa purificação pode ser feita eliminando de vós o inimigo, que é o príncipe da iniqüidade e da sujeira. E quando tiverdes conseguido eliminá-lo inteiramente de vós, não será uma propriedade natural da vossa essência pura eliminá-lo dos outros?".

"Lembrai-vos de que o verdadeiro objetivo da obra do Novo Homem é regenerar-se na Vida Divina, que é o amor e a luz. Lembrai-vos de que não podereis atingir esse grau de alegria sem que Deus vos conheça e sem que esteja intimamente unido convosco, como o foi com Moisés, quando o chamava e o conhecia pelo nome. Lembrai-vos de que não podereis ser ressuscitados (Romanos 8:9) e salvos sem confessar que o salvador ressuscitou, pois não podereis confessá-lo sem o sentir sem o saber e, em conseqüência, sem haver ressuscitado com ele. Lembrai-vos, então, de que o salvador não tinha ressuscitado ainda quando proferiu essas palavras que ouvistes sobre o poder de eliminar os demônios, e que é mais uma prova de que esse poder é apenas secundário na ordem da vossa regeneração".

"Foi dito a vós que qualquer coisa que pedísseis ao Pai, em nome do salvador, obteríeis. Mas como pediríeis em nome do salvador se esse nome não vos é conhecido, isto é, se não penetrou até o entendimento do vosso coração pela brandura de sua atividade viva? Heis como podereis esperar que esse nome se faça conhecer a vós e como podereis vos servir dele utilmente".

"Todas as vezes que o vosso espírito se sentir na indigência e na necessidade, apresentai ao senhor o rol das graças anteriores que ele vos concedeu. Dizei a ele: Eu sou aquele a quem perdoastes tal e sou aquele em quem desenvolvestes tal luz, sou aquele que preservastes em tais circunstâncias, sou aquele a quem extasiastes tantas vezes pela doçura inesperada dos vossos caminhos sempre novos. Enfim, sou aquele a quem fizestes, e ainda fazeis, contínuos milagres de misericórdia e de alívio em nossas penas, em nossos perigos e em nossas trevas? Ele reconhecerá suas próprias obras nesse rol que lhe apresentardes, e se aproximará ainda mais de vós, para que um dia possais pedir em seu nome, ao seu Pai, por todas as vossas necessidades?

38

"Vós sabeis que está escrito que não deveis de modo algum jogar as vossas pérolas aos porcos, pois eles as pisarão com os pés e as jogarão contra vós. Esse preceito refere-se particularmente ao homem que suspira pela sua regeneração. Ele tem uma tal idéia da grandeza dos tesouros que lhe são prometidos, e uma idéia tão horrível da sujeira de seu ser, que sempre teme deixar em si qualquer substância corrompida que, como os porcos, venha pisar com os pés as pérolas que lhe forem apresentadas, atirando-as contra quem ofertou todos esses tesouros. Quando vos tornardes homens novos, não faleis da verdade àquele que, em vós, não estiver regenerado na inocência e na fé do espírito; contemplai-vos para saber se não resta ainda em vós qualquer coisa a tal ponto leviana e inferior, que deva ser mantida na ignorância de que há um remédio universal, a saber, a amargura".

"É somente às faculdades já no caminho da vida que deveis comunicar o mistério útil das dores da penitência do espírito, a única que nos revela tão claramente os dois seres que existem em nós e que oferece ao homem como que degraus para ajudá-lo a subir ao altar do sacrifício, até que o fogo do espírito desça sobre ele, como no tempo da lei dos holocaustos, conduzindo-o em seguida à região da vida.

"Assim reconhecereis que os vossos pecados estão compensados, quando sentirdes que a sabedoria derrama sobre vós uma base nova e fecunda, sobre a qual se possa erguer o edifício universal. Pois essa sabedoria não vos enviaria um tal presente, se não tivesse, anteriormente, eliminado todos os escombros e todas as ruínas que os vossos descaminhos produziram".

"Tende, portanto, constantemente, o cuidado de romper a corrente dos vossos crimes, deixando-a para sempre sob os vossos pés, afim de que nada vos roube os tesouros que serão prodigalizados pela sabedoria que vela por vós. Pois ela vos enviará mais tesouros ainda do que aqueles que o inimigo vos tiver feito perder, visto que é mil vezes mais rica e benfazeja do que ele é iníquo e perverso. Enviará anjos para levantar as pedras do vossos sepulcros, e , após vos haver feito sair vivos das vossas tumbas, eles se assentarão sobre essas pedras como um sinal eterno de que a morte não mais reclamará os seus direitos sobre vós".

"O termo final e o destino do Novo Homem não deverão conduzi-lo pelos degraus obscuros e penosos da sua reconciliação? E não é ele esperado num templo mais brilhante e mais vasto, que não pode fazê-lo conceber hoje em dia toda a extensão dos seus pensamentos? Não é necessário que tudo esteja precipitado para que a grande claridade lhe seja concedida? Santificai-vos, dizia Josué ao povo porque o Senhor realizará coisas maravilhosas em vós".

"Quais são essas maravilhas? É fazer Pairar o Novo Homem acima do mundo, é ser para ele um sinal perpétuo de glória e de triunfo e fazê-lo assentar-se sob os pórticos sagrados para cantar aí, eternamente fiéis às leis e aos mandamentos do Senhor, para que o nome dele vos complete e se apodere de todo o vosso ser, esse mesmo nome engendrará em vós todas as vossas substâncias vivas e todas as formas de virtudes divinas. As vossas faculdades serão os agentes e os órgãos dessas formas, a sabedoria os conservará nas suas justas medidas e nas proporções, para que tudo o que está em vós manifeste a harmonia do Pai celeste que vos deu a vida. Assim o vosso Deus passará por inteiro através de vós, e heis como vos tornareis a semelhança do vosso princípio e a imagem ativa do grande mundo e da eternidade".

"Apegai-vos somente aos desejos que a sabedoria vos envia. Vós os conhecereis pela calma que farão nascer em vosso coração e pela luz que os acompanhará, pois serão os Filhos da luz, e a sabedoria jamais envia desejos ao coração do homem sem lhe enviar, ao mesmo tempo todos os meios de satisfazê-los, porque ela é a unidade, porque ela só opera e engendra a unidade e só pode agir segundo suas próprias leis, que estão todas ligadas nessa unidade. Desconfiai, portanto, dos desejos que não venham da vossa própria sabedoria. Vós os reconhecereis pelos movimentos impetuosos e inquietos que estimularão em vós, da mesma maneira que pelas inúmeras dificuldades que trará sua realização, a qual jamais poderá ter lugar sem retardar, ao menos por um tempo, o vosso avanço na carreira simples e livre da verdade".

"Apressai-vos em fazer a vossa obra, fazei-a mesmo antes do tempo, se for possível. Dessa forma, não somente adquirireis os meios de obter as maiores riquezas na posse da luz e do espírito, como podereis ainda desfrutar calmamente o repouso durante o calor do dia, enquanto aqueles que tiverem sido menos ativos, assim como aqueles que se abandonarem à indiferença e à negligência, serão obrigados a suportar tantas fadigas que, talvez não consigam mais resistir e terminem sendo reduzidos à penúria e a uma horrível miséria".

"Não vos intimideis, portanto, com os obstáculos que os infiéis que habitam o vosso seio queiram opor à vossa obra. Dizei a eles: fareis bem em rejeitar a minha palavra, eu atordoarei vossos ouvidos e vos perseguirei até que as ordens do meu mestre sejam executadas e até que rendais homenagem à sua glória. Compete a mim considerar e julgar os caminhos do senhor? Aceitei, na humildade da minha alma, o nome do seu profeta e do seu enviado, e desejoso de fazer honrar o seu nome e o seu poder, não quero que ele me censure por não ter advertido aqueles que se desviaram. É em vós, que habitais em mim e que sois os mais próximos dos meus semelhantes, que devo manifestar o seu império e a quem devo anunciar o seu nome. É sobre vós que devo deixar cair todas as pragas do Egito, até que tenhais levado a liberdade ao povo escolhido."

"Eu não diria mesmo, ao me dirigir a vós, como disse Moisés: porque sinais eles me reconhecerão? Vós me reconhecereis pelo poder do Senhor que desceu na alma do homem e que fez com que nenhum profeta igual ao homem tenha se elevado em Israel. Vós me reconhecereis para que todo homem seja triunfante em seu próprio reino, ainda que ele deva esperar pela verificação dessa palavra, nenhum profeta é bem recebido em seu país terrestre."

"Dai então um livre curso às palavras de salvação e de regeneração que, foram outorgadas ao Novo Homem. Ajudai-o a exterminar os agentes da iniqüidade, a lançar ao mar os animais impuros que tiverem servido de asilo aos espíritos das trevas, e a abrir para sempre os sete canais da santidade. A vida que para aí descerá vos transmitirá um nome do qual não podereis conceber os poderes maravilhosos e as riquezas inefáveis. Fazei-vos secundar do fogo do céu para que tudo o que está em vós trema diante do Senhor e para que marcheis sobre os passos do Filho do grande Azarias, em quem a palavra santa e divina consumiu todas as substâncias estranhas ao espírito."

"Da mesma maneira que a ação contínua de Deus é mandar para longe dele o erro e as trevas, e estender perpetuamente o reino da vida, não obstante todos os inimigos que cercam e ameaçam esse reino, quando esse Deus se une a vós, vos é possível realizar as mesmas obras no vosso reino particular, pois a ação de Deus, mudando de lugar, não muda de força e nem de poder, e só faz em vós o que faz sem interrupção fora de vós."

"Foi dito a vós para não vos preocupardes com o amanhã, e que a cada dia basta o seu cuidado. Foi dito a vós então acerca da alimentação e da vestimenta e de todas essas coisas com que os pagãos se preocupam, como se Deus não soubesse que eles têm necessidade delas e, além disso, não as desse àqueles que buscam em primeiro lugar o reino de Deus e a justiça; mas podeis também aplicar essas palavras à alimentação e à vestimenta das vossas almas, que vos serão dadas em abundância, se buscardes realmente o reino de Deus e sua justiça. Porque, se é verdade que a cada dia basta o seu cuidado, a cada dia também basta a sua consolação, pois foi dito que vosso Pai que está no céu faz o sol nascer para os bons e para os maus e faz chover sobre o campo dos justos e dos injustos.

"Está escrito que se a vossa mão direita é para vós motivo de escândalo e de queda, deveis corta-lo e jogá-la longe de vós, porque é melhor que uma parte do vosso corpo pereça do que todo o vosso corpo seja lançado ao inferno. Essas palavras não se aplicavam somente aos crimes ou às desordens a que vossa matéria vos poderia arrastar. Falavam sutilmente também sobre a cupidez do espírito e sobre os falsos profetas que vos levam constantemente a romper a aliança que fizestes com o vosso Deus e a vos unir com deuses que não são deuses, que se apresentam a vós como cordeiros e que, por dentro, são lobos rapaces. Porque a porta da vida é estreita e são poucos os que a encontram e entram por ela, enquanto que a porta da perdição é larga, e o caminho que leva a ela é espaçoso, e muitos passam por ela."

É assim que o Novo Homem, assentado sobre a montanha, verterá sobre si próprio a luz do alto e se instruirá com uma doutrina interior viva e não com uma doutrina exterior morta e superficial, como fazem os doutores e os fariseus.

39

O Novo Homem entrará em seu templo nos dias setenários ou nos dias do sábado do espírito, porque ele será fiel à lei. Quando ele tiver entrado e se levantar para ler, ser-lhe-á apresentado o livro do profeta Isaías; ele o abrirá, 61:1, onde estão escritas estas palavras: O espírito do Senhor repousou sobre mim. É porque ele me consagrou pela sua unção. Ele me enviou para pregar o evangelho aos pobres, para curar aqueles que têm o coração partido, para anunciar aos cativos que eles serão libertados e aos cegos que eles recuperarão a visão, para tornar livres aqueles que se encontram oprimidos pelos seus ferros, para publicar o ano das misericórdias e das graças do Senhor e o dia em que o Senhor dará a cada um segundo suas obras.

Ele fechará o livro e dirá: É para mim que essas palavras foram escritas. Atraí a mim o espírito do Senhor pelos desejos e as lágrimas do meu espírito. Atraí a mim as virtudes do Senhor pela minha sede de justiça e o meu ardor por sua sabedoria. Atraí a mim a missão do Senhor em favor dos aflitos por meu zelo pela sua glória e pelo o alívio dos meus, irmãos. Atraí a mim a palavra do Senhor pela constância e a assiduidade da minha palavra, porque não podemos obter nada do Senhor a não ser que lhe mostremos semelhanças sobre as quais ele possa fazer descer e repousar a sua ação.

Mas essa ação não pode descer e repousar sobre nós sem contribuir para a purificação que começamos pelos nossos esforços, e que jamais estará completa se a mão do Senhor não vier, ela própria, consumar a obra.

Porque essa ação do Senhor jamais vem até o homem sem excitar nele santos tremores que, purgando-o das suas máculas, fazem-no sentir, fisicamente, como é terrível a fraqueza a qual estará reduzido, enquanto a aliança não for renovada, e ao mesmo tempo como é grande o poder do ser infinito que compreende tudo, que move tudo, que penetra tudo e que deu à alma humana o direito de contemplá-lo e de sentir a sua atividade viva.

Infeliz da alma humana que, após ter assim renovado a sua aliança com o espírito e a palavra do senhor, não treme de respeito pela missão da qual ela está encarregada e não cumpre com um santo temor todas as funções do seu ministério! Infeliz dela se, tendo obtido novos poderes e dons maiores para fazer descer mais abundantemente sobre ela e sobre o seu domínio as graças e os favores da palavra e do espírito do Senhor, infeliz dela se usar esses dons com desejos que não sejam os do próprio espírito, com uma fé que não seja a do amor e da luz e com faculdades que não sejam inteira e exclusivamente e dedicadas à obra que deve realizar sobre a terra! Ela se tornará culpada pelo corpo e pelo sangue do Senhor ela comerá e beberá a sua própria condenação ela se tornará fraca e doente e cairá no sono.(I Epístola aos Coríntios, 11:27)

Mas se ela escuta somente os desejos do espírito da verdade, por mais duras que as suas palavras possam parecer a todos aqueles da sinagoga, não deve temer a cólera deles, nem as vinganças com as quais a ameaçam. Ela prosperará apesar deles, pois será sustentada pela mão do Senhor; será em vão que eles a levarão para fora da sua cidade e a colocarão no cimo da montanha sobre a qual a cidade está construída a fim de precipitá-la, pois ela passará pelo meio deles e se retirará."

Quando ela estiver assim unida à mão vigilante do Senhor, aquelas suas faculdades que estiverem possuídas por demônio impuro não poderão aproximar-se dela, sem que esses espíritos das trevas gritem alto, dizendo-lhe: Deixai-nos, o que há entre nós e vós, alma nazarena? Sei quem sois vós, sois o santo de Deus. Viestes para nos atormentar antes do tempo? Mas ela responderá a eles com ameaças: Calai-vos e sai de mim, E eles sairão dela sem lhe fazer nenhum mal.

Esse Novo Homem, vendo nele tantos desses homens atormentados pelos espíritos impuros, tantas doenças e enfermidades atingindo-o de todos os lados para que ele as cure, sentirá as suas entranhas comovidas de compaixão, de vê-los assim abatidos e dispersos como ovelhas que não têm pastor. E ele dirá aos seus bons entendedores: a colheita é grande mas há poucos trabalhadores. Rogai então ao mestre da colheita que envie trabalhadores à sua colheita. Ele não cessará de encorajá-los, pelo seu exemplo, a se tornarem eles próprios trabalhadores que possam ajudá-lo na sua obra. Cessará de preveni-los acerca de quanto essa obra encontrará opositores invisíveis que não têm entendimento, porque só habitam as trevas.

Também esses opositores dirão que é por virtude do príncipe dos demônios que todos esses trabalhadores expulsam os demônios, preferindo envolverem a si mesmos na confusão, por essa resposta insensata, que confessar a sua derrota e a superioridade daquele que vem revelar-lhes sua ignorância. Porque verão homens mudos possuídos pelo demônio. Assim, não temerão, de modo algum, cair em contradição diante desses demônios, mesmo que queiram considerá-los como os príncipes dessas obras grandiosas e maravilhosas, pois esses próprios demônios reconhecerão o nome e a força daquele que os expulsa e lhe dirão: Vós sois o Novo Homem, sois o Cristo sois o Filho de Deus (Lucas, 4:41).

Eles se escandalizarão de vê-lo ensinar de uma maneira que encherá todo mundo de estupefação, porque a sua palavra será acompanhada de poder e de autoridade. Ele será alvo das contestações dos fariseus, dos doutores da lei, que virão de todas as aldeias da Galiléia, da região da Judéia e da cidade de Jerusalém, e estando sentados perto dele verão sua virtude agir através de prodígios e pela cura das doenças.

Porque o Novo Homem, vendo nele próprio um paralítico e a fé daqueles que o trazem aos seus pés, lhe dirá: Meu amigo, vossos pecados estão perdoados.

Então os fariseus e os doutores da lei o acusarão de blasfêmias, sustentando que somente Deus pode perdoar os pecados, enquanto que pela sua própria lei, da qual são os doutores e os príncipes, havia sacrifícios para a expiação e para o pecado, e esses sacrifícios eram oferecidos pela mão de um homem que, nessa circunstância, era o intermediário, a voz e o agente da divindade.

Mas o Novo Homem, já conhecendo os seus pensamentos, começará pela cura interior da doença, a fim de ter a ocasião de lhes dar uma instrução salvadora e luminosa, mostrando-lhes que não é mais difícil dizer levantai-vos e caminhai do que vossos pecados serão perdoados. Porque aos olhos do Filho do homem todos os poderes emanam da mesma fonte, e certamente o primeiro serviço que ele pode prestar a si mesmo é empregá-los para a cura das suas faculdades interiores, e só se ocupar da cura do seu corpo quando o seu interior estiver restabelecido. Do contrário, longe de progredir no seu aperfeiçoamento e regeneração, apenas conseguiria tornar suas faculdades mais culpadas, uma vez que as redimiria da culpa dos seus pecados, mas lhes deixaria a essência desses pecados.

Porém tendo começado a usar os direitos originais da alma humana (de perdoar os pecados) para perdoar os pecados do paralítico como recompensa da fé que o animava, vai querer ainda tocar os olhos materiais dos doutores da lei por um prodígio corporal e pela cura material da doença. E sabendo o quanto os poderes sobre os espíritos se elevam acima dos poderes que influem sobre o corpo, provará a cura interior ou o poder que ele tem de perdoar os pecados pela cura exterior, pois um poder menor está necessariamente compreendido dentro de um poder superior, este que nos ensina que nossos males físicos estão ligados às nossas desordens morais e que, se nosso interior estivesse equilibrado, teríamos infinitamente menos enfermidades corporais. Imbuído desses princípios, o Novo Homem, tendo rompido no paralítico as cadeias do pecado que suspendiam a ação de todos os seus órgãos, dirá com segurança, a esses órgãos libertos dos seus entraves: Levantai-vos, eu vos ordeno, deixai o vosso leito e ide para a vossa casa. O paralítico se levantará, deixará o seu leito e irá para a sua casa, para a perplexidade daqueles que foram as testemunhas desse acontecimento glorioso.

O Novo Homem estará tão ocupado com sua obra, que poderá reconduzir assim todo o seu ser aos seus elementos primitivos, trabalhando sem descanso para realizar o que foi dito pelos profetas: Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Isto é, fazendo de tal maneira que cada porção do seu ser exprima ativamente a santidade de Deus e diga Santo, santo, santo, pois vimos anteriormente que essa era a verdadeira propriedade que nos revelava a análise divina do nosso ser. Ou seja, enfim, que todos os pontos desse ser que existe em nós deveriam ser inspirados pelas consciências vivas e progressivas das diversas regiões do espírito, por onde podemos e devemos passar até que estejamos universalmente plenos da consciência divina. Ora, se o ser interior do Novo Homem chegasse a esse final feliz, que males físicos poderiam, em seu corpo, resistir ao seu poder? E não poderia ele dizer, com segurança, a tudo o que fosse paralítico nele: Levantai-vos, eu vos ordeno, deixai o vosso leito e ide para a vossa casa?

40

Heis o momento em que o Novo Homem, a exemplo dos discípulos do salvador, vai pregar nas cidades e nas aldeias de Israel, que é o homem. Heis o momento em que, em nome do espírito, poderá realizar a eleição dos doze discípulos, desenvolvendo nele os dons que brilharão nos doze enviados pelo salvador. Ele será em si mesmo, um reflexo dessa eleição, por causa do poder secreto e da operação contínua, ainda que invisível, de uma antiga lei que estabeleceu primitivamente doze canais para a comunicação da luz, da ordem e da providência entre as nações. Lei à qual todos os propagadores das leis divinas foram fiéis e que foi seguida em todos os tempos, mesmo pelos simples sectários das ciências elementares, que consagraram universalmente doze signos nas regiões do firmamento material.

De modo algum ele levará os frutos dessa eleição aos gentios às cidades dos samaritanos, pois essas nações são os representantes simbólicos dos povos reservados para o julgamento. Mas irá, talvez, até as ovelhas perdidas da casa de Israel, até as regiões que, ao redor dele, foram perturbadas e desviadas pelas influências do crime, mas que ainda não fecharam o seu coração à penitência. E dirá a essas nações, para encorajá-las, que o reino do céu está próximo. Levará para elas, através de suas lágrimas, suas preces e seus esforços, a saúde aos doentes, a vida aos mortos, a liberdade àqueles que estiverem sob os grilhões do demônio. Ele nada poupará para encher a sua terra da abundância das suas obras.

Quando entrar em alguma cidade ou em alguma aldeia da terra do homem, procurará alguém que seja digno de hospedá-lo, e ficará aí até que seja oportuna a sua ida. Ao entrar em uma casa, ele a saudará dizendo: que a paz esteja nesta casa. Se essa casa for digna, a paz descerá sobre ela, mas se ela não o for, a paz voltará para ele. Isso porque a paz não pode misturar-se às nações que não são dignas dela.

Mas quando o Novo Homem encontrar em si alguma casa ou cidade que não queira recebê-lo, nem escutar as suas palavras, ele limpará a poeira dos seus sapatos ao sair dessa cidade ou dessa casa. E essa cidade e essa casa se tornarão mais culpadas do que Sodoma e Gomorra, porque Sodoma e Gomorra ouviram apenas uma doutrina exterior, que influenciou somente os seus sentidos corruptíveis e que, tendo sido desprezada por elas, fez com que a cólera do Senhor fosse derramada sobre seus corpos e suas moradas terrestres, ao passo que o discípulo do qual falamos levará a essa cidade e a essa casa a doutrina do Novo Homem, que abalará mesmo os fundamentos mais recônditos do seu ser, e que, se for desdenhada, deverá arrastar sobre elas os flagelos mais medonhos e as punições mais pungentes.

Assim, o espírito que envia o Novo Homem para a sua própria terra, o prevenirá para que ele não fique como uma ovelha em meio aos lobos, recomendando-lhe ser prudente como a serpente e simples como a pomba. Ele o prevenirá de todas as resistências que ele experimentará por parte dos homens, ou seja, das nações ímpias e incrédulas que habitam o reino desse Novo Homem. Ele lhes dirá: Essas nações vos farão comparecer nas suas assembléias, farão com que sejais castigados nas suas sinagogas e sereis levados à presença dos reis e dos governadores, por minha causa, para que deis testemunho acerca de mim diante deles e dos gentios. Quando então estiverdes em suas mãos, não vos preocupeis de modo algum com a maneira pela qual falareis e eles, nem com que lhes direis. O que deveis dizer vos será transmitido na hora. Porque não sois vós que falais, mas o espírito do vosso Pai que fala em vós... Sereis execrados por todos, por causa do meu nome...

Essa será a sorte do Novo Homem quando percorrer as diversas regiões do seu ser, porque ele encontrará nele por todas as partes, homens iníquos que o repelirão, que procurarão confundi-lo. Mas o espírito do Senhor estará com o Novo Homem, e ele sentirá nascer em nele as respostas que deverá dar para o triunfo daquele que o enviou, pois o Novo Homem virá da parte do espírito somente para combater os inimigos.

Todos os homens poderiam fazer essas observações acerca de si próprios, estando bem certos de que com cuidado e atenção ouviriam as respostas que deveriam dar em todas as circunstâncias, se tivessem o hábito de investigar e de aproveitar as luzes do Novo Homem. E à semelhança dos discípulos do salvador, poderiam contar que se, sendo perseguidos em uma cidade, se retirassem para uma outra, não conseguiria percorrer todas as cidades de Israel antes que o Filho do homem viesse, isto é, não teriam percorrido todas as casas do homem que o Novo Homem tenha se dado a conhecer neles, e não seriam recompensados com sua vinda por todas as humilhações que tivessem sofrido.

Porque não há nada escondido que não deva ser descoberto, nem de secreto que não deva ser conhecido; esperança mais consoladora que o homem pode ter neste mundo, pois, com as noções que adquiriu por tudo o que o precedeu, ele conhece os imensos tesouros contidos nele e deve estar totalmente mudo de admiração, prevendo o que ele será um dia, quando forem reveladas todas as maravilhas que ainda estão seladas em seu seio e que o tornam resplandecente como a luz, ativo como o fogo e puro como a verdade.

Contudo, essas maravilhas que um dia serão reveladas ao homem são apenas imagens e representações das que aparecerão aos seus olhos quando o soberano ser, do qual ele é a semelhança, tiver nos mostrado tudo dele que está escondido, seja nos diversos invólucros do tempo, seja além desse limite universal que põe um véu tão espesso entre os nossos olhos espirituais e o reino da luz.

É aqui então que podemos nos encher de uma esperança que nos deveria fazer estremecer de alegria, ao ouvir essas doces palavras de que não há nada escondido, no universo, no homem e em Deus que não deva ser descoberto, nada de secreto em toda a universalidade que não deva nos ser dado a conhecer. Homem de paz, Homem de Desejo, Novo Homem, se não encontrardes estímulos poderosos bem como veículos imensos para vos sustentar vos fazer avançar no caminho não sois dignos de haver posto o pé aqui.

Fazei então o que foi recomendado aos discípulos do salvador. "Dizei então a vós mesmos na luz o que vos foi dito na obscuridade, exortai em vós sobre o alto das casas o que vos foi dito ao pé do ouvido. Não temais aqueles que matam o corpo mas que não podem matar a alma; temei antes aquele que pode perder no inferno o corpo e a alma. Um pássaro não tomba sobre a terra sem a vontade do vosso Pai. Os próprios cabelos das vossas cabeças são todos contados."

Que a vossa paixão mais ativa seja no sentido de fazer progredir o reino da luz em todo o vosso ser, a fim de que aquilo que está escondido em vós seja descoberto, e que através de vós, em conseqüência, se revele e se manifeste o que está escondido em Deus e no universo. Porque está escrito: Aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens (a começar por tudo que está em vosso interior), eu o reconhecerei perante meu Pai que está no céu; e aquele que me renunciar diante dos homens, eu o renunciarei perante o meu Pai que está no céu. Lembrai-vos de que esse Pai e esse céu estão em vós, e que, a cada dia da vossa vida, essas palavras podem ter para vós o seu cumprimento. Cuidar-vos então de não falhar em vossa obra pela indolência, pelas considerações inferiores ou pela falta de confiança naquele que deveis reconhecer em todos os pontos das faculdades que vos constituem. Ele disse: Aquele que não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim; aquele que conserva a sua vida, a perderá; e aquele que perde a sua vida por amor a mim, a conservará, porque as penas, os trabalhos e as aflições são essa violenta compressão pela qual, unicamente, se pode exprimir, de todas as partes, a substância divina que está em vós e que daí não pode sair e se fazer conhecer a não ser por uma contração salutar.

É assim também que saem de vós as substâncias falsas que ocultam e restringem essa mesma substância divina depois do pecado, e heis como se prepara o julgamento que pronunciareis um dia, entre o vosso povo, sobre os justos e os injustos, os bons e os maus. Pois sabeis que está escrito: "Aquele que vos recebe, me recebe; e aquele que me recebe, recebe aquele que me enviou. Aquele que recebe o profeta na qualidade de profeta, receberá a recompensa do profeta, e aquele que recebe o justo na qualidade de justo, receberá a recompensa do justo. E todo aquele que der a beber um copo de água fresca apenas a uns dos seus menores como sendo um de meus discípulos, eu vos digo, em verdade, que ele não ficará privado da sua recompensa."

Heis as instruções que deveis espalhar em abundância entre o vosso povo, a fim de que o Novo Homem seja honrado como deve sê-lo e que possa transmitir a vida que recebeu a todos aqueles a quem foi enviado para libertar das trevas e da escravidão da morte, pois se alguém se envergonha dele e de suas palavras, o Novo Homem se envergonhará também desse alguém, quando ele vier na sua glória, na do seu Pai e na dos santos anjos.

41

Encontrar-se-ão, talvez, em vós, alguns seres de desejo que, como São João, tendo aprendido em sua prisão as obras que realizais, quererão perguntar-vos se sois aquele que deve vir em vós ou se devem esperar um outro. Vós respondereis a eles, então, como o salvador respondeu a São João: "Ide dizer a João o que ouvistes e vistes. Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos estão curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o evangelho é anunciado aos pobres, e bem-aventurado aquele que não encontrar em mim motivo de escândalo e de queda! "Mas direis, por vossa vez, falando a esse ser de desejo que será enviado a vós: "O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Um homem vestido com luxo e delicadeza? Um profeta? Sim, eu vos digo, é mais do que um profeta, porque acerca dele é que foi escrito: eu vos enviarei o meu anjo que vos preparará o caminho. Eu vos digo em verdade que entre todos aqueles que nasceram das mulheres não há nenhum maior do que João Batista, mas aquele que é o menor no reino do céu é maior do que ele."

Sim, podeis dizer: heis esse amigo fiel que não me abandonou em minha aflição e em minha dor e que foi posto na prisão por minha causa. Heis aquele cujo batismo espiritual e físico me tornou um Novo Homem, heis o precursor que gritou no deserto a todo o meu povo: endireitar os caminhos do Senhor. Ele é mais do que um profeta, pois os profetas não anunciaram a luz, que sob os véus e as imagens não passava de sombras, enquanto ele próprio mostrou e indicou essa luz, e a faz ver claramente, assim como São João revelou para o mundo o salvador, ao dizer quando o viu: heis o cordeiro de Deus. Heis o que tira os pecados do mundo. Ele é mais do que um profeta no sentido de que, como São João, foi por sua boca que se anunciou e assinalou a salvação das nações.

Heis porque entre todos aqueles que nasceram das mulheres, ou da dor, da justiça e da condenação às privações, não há nenhum maior do que ele, pois ele veio para servir de precursor ao reino da luz e para vos introduzir nos caminhos da vida. Mas o homem novo, isto é, aquele que é menor do que o menor do reino dos céus, visto que, em vez de ter nascido da dor, da justiça e da condenação, nasceu da consolação, do amor, da misericórdia e da graça, em lugar de ser somente o precursor da vida e da luz, vos traz ele próprio essa vida e essa luz que recebeu do seu Pai e das quais foi escolhido para ser o órgão e o propagador.

Mas que dizer dessas nações ímpias para o meio das quais esse Novo Homem e o seu precursor foram enviados? Assemelham-se a crianças que estão sentadas na praça e que gritam aos seus companheiros, dizendo: tocamos a flauta para vos alegrar e vós não dançastes, cantamos árias lúgubres para provocar o vosso choro e não mostrastes luto." Porque o precursor do Novo Homem ou nosso fiel companheiro veio em dor e em lágrimas, como tendo nascido das mulheres, e as nações ímpias disseram: ele está possuído pelo demônio. O homem novo veio na alegria e na consolação, como tendo nascido do espírito e do amor, e elas disseram: é um homem que gosta da boa mesa e que gosta de beber; é um amigo dos publicanos e da gente de má vida. Trataram o Novo Homem e o fiel companheiro que foi o seu precursor como trataram o salvador e aquele que caminhava a sua frente na virtude e no espírito de Elias, para preparar os caminhos da misericórdia.

Foi assim que trataram as duas leis e as duas alianças. A primeira dessas alianças era o caminho dos trabalhos, das aflições e das cerimônias penosas e laboriosas, porque ela era a figura dos precursores e, como eles, tinha nascido das mulheres, pois os seus ministros descendiam da raça carnal do pecado difundido pela primeira mulher sobre toda a posteridade humana. A segunda era a aliança da paz e do repouso, pois aquele que vinha trazê-la sobre a terra, nascera do seu próprio amor, da sua própria vontade, da sua própria caridade e vinha desenvolver diante de nós a sua geração eterna, a fim de elevar o nosso espírito até essa sublime e pura região onde cessam todas as fadigas e toda a tristeza do espírito.

Mas as nações ímpias que se tornaram inimigas dessas duas alianças combateram a primeira ou a negligenciaram, porque ele impunha fardos muito pesados. E não aproveitaram a segunda porque aquilo que ela impunha era tão pouco material, que a consideraram sem consistência, por não querer estimar o seu preço e provar todo o seu valor. Foi assim que os primeiros prevaricadores não aproveitaram o caminho laborioso da reconciliação que teriam encontrado no primeiro homem, antes da sua queda, e que bem menos ainda aproveitaram a ajuda que lhes foi concedida após o seu crime. Porque, normalmente, uma prevaricação gera quase sempre uma maior, e a punição que a justiça inflige aos culpados é deixá-los tornarem-se ainda mais culpados, quando não redobrar seus esforços para entrar no caminho da verdade, do arrependimento e da penitência, tendo em vista os auxílios que lhes são enviados.

Também "ai de ti, Corozaim, ai de ti, Betsaida, porque se os milagres que se fizeram em vós tivessem sido realizados em Tiro e em Sidon, há muito tempo que elas teriam feito uma grande penitência em cilício e em cinza. Por isso vos declaro que no dia do juízo haverá menos rigor para Tiro e Sidon do que para vós. E tu, Cafarnaum, tu te elevarás sempre até o céu? Serás rebaixada até o fundo dos infernos, porque se os milagres que se fizeram em ti tivessem sido realizados em Sodoma, talvez ela ainda existisse hoje. Por isso vos digo que no dia do juízo haverá menos rigor para Sodoma do que para vós."

Homem, meu irmão e meu amigo, considera, então, os milagres que foram realizados em ti e trata de evitar o julgamento que ameaça em ti Corozaim, Betsaida e Cafarnaum. O resultado da primeira prevaricação do Pai dos humanos foi mergulhar toda a sua descendência na região do destino. Esse homem infeliz abandonou sua morada espaçosa e livre, onde nada limitava nem constrangia os seus caminhos e nada lhe trazia inquietude acerca da sua sorte. Ele a trocou por uma morada tão perigosa que não pode jamais saber que ela será para ele a passagem do destino que a dirige e comanda com um domínio terrível. Abandonou-se a uma região em que a aparência o engana de ilusão em ilusão e onde legiões de fantasmas se sucedem continuamente diante dele para lhe tirar a visão da realidade. Sendo assim, ele se impôs uma regra terrível: trabalhar para entrar novamente, a qualquer preço, na região da sua liberdade, para não correr os riscos de ficar na região da sua escravidão, sem outra esperança a não ser as trevas e sem outro apoio senão o poder cego de um mestre feroz e duro que, não conhecendo o repouso, não o pode legar a nenhum daqueles que vêm se estabelecer em seus domínios.

É preciso então, hoje em dia, que o homem infeliz não cesse de verter suores de sangue para transformar essa morada horrível em uma morada de liberdade e de alegria, onde a sua sorte não mais o assuste ou inquiete. Ao contrário, que ele marche como outrora nos caminhos sem limites, que lhe oferecem a cada passo as perspectivas mais consoladoras. É necessário que transforme o seu corpo de morte em um corpo de atividade, de poder e de dominação sobre todas as leis inferiores pelas quais este baixo mundo está constituído e governado. É preciso que transforme todas as ilusões que neste mundo perseguem o seu coração e o seu pensamento em sinais certos e invariáveis que sejam pelo menos indícios dessas verdades eternas, das quais havia tirado o nascimento e que jamais deveria ter abandonado. Em uma palavra, se foi ele próprio que traçou seu destino e se deitou sob o jugo, é preciso que seja ele mesmo a resgatar sua Vida Divina do jugo desse destino, arrancando-a dolorosamente para restabelecê-la em seu bem estar primitivo.

É nesse ponto que a vida suprema, tocada pela sua miséria, vem partilhar com ele de seus males e suas privações, para que ele possa mais tarde partilhar com ela essa liberdade que havia perdido. Nosso fiel companheiro desceu conosco até o nosso abismo, como o salvador desceu até o abismo universal. Ele verte suores de sangue conosco para nos ajudar a realizar essa transformação que estava tão visivelmente acima das nossas forças. Esse amigo fiel, trabalhando com tanta constância para a nossa regeneração, desenvolveu em nós o Novo Homem, que nos ensinou como podemos nos tornar terríveis para nossos inimigos, pois somos a palavra e o nome de Deus, e não há nada tão terrível quanto a palavra e o nome do Senhor (Salmos 110:9).

Ele nos ensinou que a nossa essência, que é o nome e a palavra do Senhor, podia transmitir às nossas faculdades o direito de ser também o nome e a palavra do Senhor, como o Eterno transmite seu nome, sua palavra e seus poderes a todos os seres que emanam dele e que são os ministros das suas vontades e os propagadores das suas boas ações. Dessa maneira, esse amigo fiel nos ensina que as portas da vida permanecem abertas para nós, pois as portas da vida estão em nós. "Eu vos rendo glória, meu Pai, Senhor do céu e da terra, por que escondestes essas coisas aos sábios e aos prudentes e as revelastes aos simples e pequenos. Sim, meu Pai, é assim porque vós o quisestes. Meu Pai colocou todas as coisas em minhas mãos, e ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, da mesma forma que ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a mim, vós todos que estais fatigados e carregados, que eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração e vos trarei descanso para as vossas almas. Porquanto o meu jugo é suave e o meu fardo, leve."

42

Se o Novo Homem é depositário de tão grandes privilégios, que luz ele seguirá para transmitir seus frutos e para dar seus testemunhos e sinais àqueles que os pedirem? Será a luz da analogia e da similitude à qual ele se apegará fielmente. E como terá o sentimento íntimo e invencível da natureza espiritual do seu ser e da divindade da fonte da qual recebeu tudo o que é e tudo o que possui, ele começará por observar os inquisidores que nascerão nele.

Se, pelo exame que fará deles, considerá-los não somente hesitantes acerca das suas bases fundamentais, mas decididos inclusive a negar-lhe a existência de tal modo que se aproximam dele apenas pelo espírito da dúvida e para afastá-lo dos caminhos da fé, a fim de confundi-lo, ele não lhes dará resposta alguma. Ou então lhes responderá da mesma forma que o salvador respondeu aos judeus que lhe pediam prodígios e milagres: não haverá outros senão aquele do profeta Jonas. Porque esse milagre é visível na alma do homem, que está preso neste mundo por três dias elementares, visto que não quis cumprir a sua missão junto aos antigos "ninivitas", e que, em conseqüência, o homem tem, em si mesmo, um milagre suficiente para que seja indesculpável sua falta de fé.

Mas se esses inquisidores lhe parecerem cheios da mesma convicção que ele, se vierem e ele com uma identidade de confiança e de desejo que levem ao seu avanço espiritual e à glória do seu mestre comum, ele não hesitará em abrir-lhes todos os seus tesouros, porque será seduzido pela relação e pela semelhança que haverá entre eles; e terá a viva esperança de que esses seres de desejo, unindo-se a ele, obterão mais facilmente as graças e os auxílios de que têm e terão sempre necessidade, na condição de meros servidores de Deus. Ele terá, digo eu, a viva esperança de que essa reunião trará mais facilmente a manifestação dos poderes divinos, aumentando assim o número dos adoradores de verdadeiro Deus.

Agindo assim, o homem novo marchará sobre os passos do salvador em toda a sua conduta perante aqueles que procuraram e solicitaram a sua ajuda durante a sua estada na terra. Pois ele não se rendeu, de início, aos desejos daqueles que lhe pediam milagres, perguntando-lhes, ao invés disso: Credes que eu possa realizar o que vós desejais? E depois de se assegurar da sua fé, favoreceu-os com o seu poder e os curou. Houve aqueles aos quais ele não precisou indagar, pois revelavam visivelmente sua fé pelo seu ardor, ao se aproximar dele.

Houve também quem não precisasse dar demonstrações de sua fé, porque, sendo ele o modelo supremo do Novo Homem, lia mais claramente em seu interior do que eles próprios, pois a primeira característica e o primeiro privilégio do espírito é ler no espírito, transmitir e penetrar em tudo o que é espírito. Mas, antes de desenvolver os tesouros da sua sabedoria e dos seus poderes, ele se certificava da fé daqueles a que se destinavam esses poderes, fosse por suas indagações, fosse pelos testemunhos visíveis deles, fosse por sua vida íntima e penetrante. Dos três modos de esclarecimento que devem, igualmente, estar à disposição do Novo Homem, segundo suas proporções e suas medidas, e que são traçados aos menos elevados em nossa fé, conforme estejamos ligados a uma ou a outra dessas três formas. Mas quando o salvador não encontrava naqueles que se aproximavam dele nenhum tipo de fé, nem nas suas respostas às questões dele, nem nas suas demonstrações de zelos nem no seu interior, ele os mandava embora sem os satisfazer, fechando cuidadosamente os seus tesouros para não expô-los ao insulto e à profanação.

Assim, à semelhança do salvador, o Novo Homem não se ofenderá com as respostas de Natanael, porque no meio da sua franqueza e da sua sinceridade, ele descobrirá a retidão do coração e a pureza da fé desse israelita.

Ele será tocado pelas lágrimas de Madalena e pelos cuidados que ela tomará ao ungir seus pés e enxugá-los com os cabelos, e perdoará os pecados dela.

Ficará admirado pela fé do centurião ao ouvi-lo dizer: Eu não sou digno de que entreis em minha casa: dizei somente uma palavra e meu servo ficará curado. Pois também sou um homem submisso a outros, tendo, contudo, soldados sob minhas ordens, e digo a um deles: ide até lá, e ele vai; e a outro: vinde até aqui, e ele vem; e a meu servidor: fazei isto, e ele o faz."

Ele não fechará o seu coração, nem os seus poderes, aos seus discípulos quando estiverem em meio a uma tempestade no mar. Eles se revelarão em seu temor e lhe pedirão: mestre, salvai-nos. Ele se contentará em acusá-los de timidez e de pouca fé em si mesmos, mas verá, por esse pedido, que eles dependem dele para a sua salvação, e então comandará os elementos para que se acalmem.

Menos ainda ele se recusará àqueles que vierem com uma humildade confiante, acreditando que pela mera aproximação os seus desejos serão cumpridos. "Enquanto essa mulher, que há doze anos padece de um fluxo de sangue, aproximar-se dele por trás e tocar a barra de suas vestes, dizendo a si mesma se eu puder apenas tocar a vestimenta dele, estarei curada ele se voltará e, vendo-a, lhe dirá: filha, tende confiança, vossa fé vos curou, e essa mulher será curada na mesma hora."

Com mais forte razão atenderá aos pedidos daqueles que se dirigirem a ele como aquele leproso a dizer-lhe: Senhor, se quiserdes, podeis me curar. O Novo Homem estenderá a mão, para tocá-lo e dirá: Eu quero, sede curado, e a sua lepra será curada no mesmo instante.

Mas esse Novo Homem, dando ele mesmo o exemplo de humildade, renderá homenagem à lei temporal e aos canais visíveis que lhe tiverem transmitido os seus direitos e o seu poder, porque está escrito que a salvação vem dos judeus. Também no meio de todos esses prodígios dirá àqueles que tiver curado: "Cuidai para não falardes nada acerca disso a ninguém, mas ide mostrar-vos ao sacerdote fazei a oferta que Moisés ordenou a fim de que lhes sirva de testemunho". Isto é, rendei comigo homenagem à lei e aos caminhos daquele de quem recebemos tudo. Da mesma forma que o Novo Homem sabe que é pela fé que se conserva e se mantém a humildade, assim também ele sabe pela humildade que a fé se conserva e se mantém, e que sem essas duas virtudes todos os dons do espírito se perdem. É por essa razão santa e primordial que, à semelhança do salvador, ele só se deixará tocar pelos desejos que sabe terem nascido da fé e da humildade, pois ele próprio dará o primeiro exemplo, na medida em que só obterá o renascimento pelo preço dessa fé e dessa humildade que ele manifesta em suas obras mais gloriosas. É também por essa razão que o salvador incessantemente recomendou a fé e a humildade em todos os ensinamentos que difundiu.

Ora, qual é essa fé tão recomendada pelo salvador? É aquela que se desenvolveu no Novo Homem, aquela que repousará sobre o sentimento da santidade e da força do seu ser quando, pela fidelidade aos impulsos secretos que todos recebemos, ele tiver conseguido que a mão generosa da sabedoria venha libertá-lo das suas trevas e romper suas cadeias, para fazê-lo conhecer as regiões da vida e da luz que estão nele, mas que são envolvidas por nuvens. Mas, da mesma maneira que um único raio de sol atravessando as nuvens é suficiente para dissipar a obscuridade, assim também o menor raio do nosso ser que saia dos seus antros e dos seus abismos é suficiente para nos esclarecer acerca da extensão dos nossos domínios, para revelar aos nossos olhos todos os planos dos inimigos que estão sempre ocupados em devastar nossa terra, e para nos dar força de destruir todos os seus planos. Heis por que o salvador dizia aos seus discípulos que se eles tivessem uma fé tão grande quanto um grão de mostarda, eles diriam a uma montanha para se precipitar sobre o mar e ela se precipitaria. Seria o combate da vida contra a morte. Não seria, portanto, surpreendente que a morte tivesse todas as desvantagens e a vida todos os triunfos.

Ao mesmo tempo, essa convicção dos poderes do homem era aflitivo para o salvador, quando ele via os seus discípulos hesitarem nas suas obras e na sua confiança. O que deveria ele sentir, ao encontrar homens envoltos em suas trevas até o ponto de serem os primeiros adversários e os primeiros destruidores dessa convicção, e sobretudo quando esses homens se achavam na cadeira da instrução? Assim como ele tratou os escribas, os fariseus e os doutores da lei!

Se a fé é realmente o Novo Homem, a humildade é, na verdade, o seu alimento. Assim, é só na humildade e no temor santo que se sente Deus, que se conhecem os seus segredos e que se aprende a utilizá-los de forma útil. Ora, o que podemos fazer enquanto não sentimos Deus fisicamente em nós? Heis porque o salvador não cessará de dizer aos judeus "que ele não podia fazer nada por si próprio, que só julgava a partir do que ouvia, mas que o seu julgamento era justo porque ele não seguia a sua própria vontade, mas a vontade do seu Pai, que o enviou". Heis por que também não cessava de acusá-los de pouca fé, ao repreendê-los por não se apoiarem nos testemunhos verdadeiros, extraindo toda a sua glória dos homens. Como podeis crer, vós que buscais a glória uns nos outros e não buscais de forma alguma a glória que só vem de Deus? (João 5:44).