Se
penetrássemos mais na industriosa sabedoria de nosso Deus, imediatamente
deixaríamos de lamentar contra os obstáculos que encontramos
em nossa região terrestre. Todos esses obstáculos, todas essas
dificuldades nos são enviados para adiar essa explosão divina,
da qual somos tão pouco dignos que, repito, procuraríamos
nos esconder nas cavernas da terra, se nos fosse permitido ter a mínima
percepção dela antes do nosso fim. Ao mesmo tempo, servem
para desenvolver em nós todas essas unidades parciais das quais já
falamos anteriormente e que devem ajudar-nos a restabelecer nossas relações
com nosso princípio, resgatando-nos sua imagem. Porque será
em vão acreditar que nos tornamos outra vez a sua imagem, se não
levarmos todas as nossas unidades até a medida que elas podem alcançar.
Pois só o complemento e a justa medida dessas unidades podem nos
devolver os traços da nossa antiga semelhança com o nosso
princípio.
Consideremos que estamos, neste mundo, como em um lugar de preparação,
onde se exige de nós que devolvamos às nossas faculdades as
condições absolutamente necessárias para que possam
ser empregadas na obra. Trabalhemos sem cessar para que a unidade de nossa
fé se torne capaz de remover montanhas, para que a unidade de nosso
despojamento se torne insensível às privações,
para que a unidade de nossa caridade nos permita dar a vida por nossos irmãos,
para que a unidade de nossa coragem nos dê os meios de subjugar tudo
o que é Matéria; combate no qual temos condições
muito favoráveis, pois a matéria é indiferente e toma
todas as formas que queiramos dar, a ela. Enfim, exercitemos continuamente
todas as unidades de nossas virtudes e de nossos dons espirituais, e não
duvidemos de que quando tiverem atingido uma medida aprovada pela sabedoria,
receberão da sua mão o complemento adequado.
Mas evitemos agir antes dessa época favorável e pelos movimentos
de nossa impaciência. Antes de acreditar nos frutos da lei, é
preciso acreditar primeiro na lei. Porque, segundo o evangelho, como acreditar
no salvador se não se acredita primeiramente em Moisés e na
lei que fala desse salvador? Ora, a lei do homem do espírito é
não fazer um só movimento no caminho superior, sem que esse
movimento seja ordenado e precedido por uma palavra, que se torna para ele
aquilo que Moisés e os profetas foram para os chamados e os eleitos
para a lei da graça. E se o homem não acredita que assim deve
ser o seu caminho respeitoso e submisso, deixará de acreditar nas
maravilhas pelas quais sua impaciência anseia, porque são essas
maravilhas que a palavra deve profetizar.
Longe, portanto, de lamentar esses obstáculos e as lentidões
às quais somos, felizmente, condenados, agradeçamos à
providência pela oportunidade de nos preparar adequadamente, para
que quando tiver chegado a hora do nascimento do Novo Homem, não
se possa aplicar diretamente a nós mesmos o que Simeão disse
quando do nascimento do salvador: Essa criança nasceu para a ruína
de muitos.
Porque se esse Novo Homem tivesse nascido para nossa ruína em vez
de nascer para nossa salvação, como poderíamos algum
dia entrever e conhecer o reino que só pode revelar-se realmente
a esse Novo Homem e a essa criança querida concebida em nós
pelo espírito do Senhor?
Assim é essa unidade interior à qual correspondem todas as
nossas unidades particulares e sobre a qual a universal espera, ainda com
mais impaciência do que nós, poder repousar em paz. Assim é
essa mina inesgotável na qual não há riquezas que não
possamos encontrar, mas que se tornou estranha ao seu proprietário,
porque os homens ávidos por conhecimentos externos voltaram para
fora todas as faculdades do seu espírito, em vez de dirigi-las para
o interior que lhes teria ensinado tudo e concedido-lhes todos os tesouros.
Nessa marcha imprudente, deixaram que essa mina se fechasse pelos escombros
que tombaram dia após dia, cobrindo-a de tal maneira, que deixaram
de acreditar em sua existência, e consequentemente fizeram todos os
esforços para nos impedir de acreditar nela e explorá-la.
Os mais sábios dentre eles acreditaram que construindo templos ao
Senhor com pedras talhadas por ferramentas de metal fabricadas por eles,
tinham cumprido os planos divinos quanto ao culto e às homenagens
que a divindade espera dos mortais. Não perceberam que ela esperava
o triunfo da sua glória desse templo imperecível, desse templo
em que as ferramentas materiais são totalmente inúteis, seja
para talhar as pedras, seja para tirá-las do caminho, seja para transportá-las,
seja enfim para colocá-las para sempre no lugar que devem ocupar
no edifício.
É então para extrair as pedras dos caminhos, para talhá-las
para transportá-las, para colocá-las para sempre no lugar
que devem ocupar no edifício, que a sabedoria e o espírito
do Senhor se ocupam diariamente de nós. E as ferramentas que empregam
para isso são os próprios obstáculos e as próprias
contrariedades espirituais que encontramos em nosso caminho, e dos quais
o homem inexperiente nos segredos de Deus desconhece o valor a experimentar,
que não há uma única prova suportada com fé
e coragem que não termine para ele, pelo nascimento e pelo desenvolvimento
de uma unidade. E que é pelo acúmulo das unidades adquiridas
através de tantas provas e vitórias que verá elevar-se
nele o Novo Homem ou o edifício dos eleitores.
Ele não suspeita que esse edifício dos eleitos nos transforma
em um verdadeiro céu, onde habitam ao mesmo tempo todos os espíritos
do Senhor, todos os poderes do Senhor, todos os dons do Senhor, todas as
virtudes do Senhor, de maneira que nos tornamos uma espécie de cidadela
e fortaleza, sempre armada, sempre pronta a se defender, sempre pronta a
velar pela segurança dos habitantes e a lhes fornecer toda assistência
e todos os benefícios pelos quais nosso estado de guerra nos faz
ansiar neste vale de lágrimas.
Sem essas provas, ou esses meios de obter nossas unidades, seríamos
lançados para fora como bocas inúteis, ficando à mercê
dos assaltantes, isto é, da sua raiva e da sua fúria.
Armemo-nos, então, de coragem e confiança quando o espírito
julgar por bem empregar suas ferramentas sobre nosso ser espiritual, e não
nos indignemos, nem desanimemos, seja qual for a forma sob a qual essas
ferramentas, se apresentarem e se aproximarem de nós. Tenhamos sempre
diante dos olhos o salmo 68:7.8: Que aqueles que esperam por ti, ó
Senhor, não se envergonhem por minha causa, que aqueles que te procuram
não sejam humilhados por minha causa, ó Deus de Israel: Pois
foi por tua causa que suportei os opróbrios e que a vergonha cobriu
minha face.
Se é então verdade que o espírito, que o próprio
salvador se ocultou todos os dias sob a forma desses instrumentos salvadores,
não os rejeitemos por causa da aspereza ou da vulgaridade das cores
que assumem. Não nos deixemos apanhar pelo embaraço, apesar
de sua objeção. Pois é por causa de Deus que a vergonha
cobre assim sua face, e se perdermos a oportunidade que eles nos oferecem
de um dia partilharmos da glória que viverão na grande unidade,
dividindo com eles, neste mundo, as fadigas e as injúrias que suportam
para nos elevar até eles, não desfrutaremos nem da comunhão
que eles tem com a grande unidade, nem do maravilhoso desenvolvimento de
nossa unidade interior nem de nossas unidades particulares. Ou seja, jamais
construiremos esse templo eterno, para o qual o homem encontra em si todos
os materiais.
Quando
os homens observam objetos naturais ou artificiais, que se apresentam a
eles pela primeira vez, a primeira coisa que fazem não é se
perguntarem como podem empregar esses objetos e qual a finalidade deles?
É por isso que logo descobrem qual é o objetivo ou o espírito
de todas as coisas úteis, necessárias ou agradáveis
que os cercam. Por que, então, não se perguntam, com o mesmo
cuidado, para que serve o homem? Ou, antes, por que lhes respondem tão
mal quando fazem essa pergunta? É que ainda são infantis,
e da mesma forma que na infância, quando tiveram vontade de interrogarem
a si próprios, aqueles a quem se dirigiram regrediram a um estado
ainda anterior a esse estado de infância, em relação
a essa questão, maior.
Não temamos que a alma do homem renegue as respostas sublimes das
quais, como mostramos até agora traz a fonte em seu próprio
seio. Quanto mais ela se abrigar em sua própria grandeza, mais encontrará
numerosas confirmações dos valores preciosos e do destino
sagrado do qual nós a havíamos anunciado como depositária.
E somente o homem fraco, tímido, cego e indolente desconhecerá
o motivo por que recebemos a existência.
Aquele que, ao contrário, tiver coragem de contemplar atentamente
a verdadeira essência, que distinguir com cuidado o seu pensamento
do ser tenebroso que nos acompanha por um tempo, que, enfim, for conduzido
com esse ser inferior, e subordinado como aquele servidor do evangelho que,
chegando dos campos é obrigado a se preparar para a luta das Paixões
a preparar a comida de seu mestre e esperar que seu mestre termine a refeição
para comer a sua, não concederá nada às necessidades
da matéria até que seu espírito esteja satisfeito.
Servindo primeiro ao mestre, descobrirá nele não somente qual
é o destino do homem mas também o caminho que o conduzirá
ao cumprimento desse destino.
Ora, esse caminho será para ele, não duvide, aquele que indicamos
até aqui, quase a todo momento, e que teremos prazer em relembrar,
porque é desse caminho que necessitamos, já que temos uma
viagem a fazer.
Assim então, aprofundando-se em si próprio, ele encontrará
um grande templo onde ouvirá um zeloso pastor que sem o ver, gritará
para ele com todas as forças: lamentação, exclamação,
purificação, santificação, suplicação,
consagração, administração. Heis, ao mesmo tempo,
tua tarefa e os meios para realizá-la. É assim que se cumpriram
as santas promessas que o eterno fez em juramento ao teus Pais. É
assim que tornarás a herança do Senhor, depois que ele tiver
te livrado da fornalha de ferro onde se adoram os astros, que tiver te tomado
como seu povo dentre todas as outras nações, que tiver querido
ser ele próprio o teu Deus, entre todos esses deuses passageiros
a quem veneram todos os outros povos e ele tiver te concedido esse país
onde estarás suficientemente pleno dele para poder jurar pelo seu
nome (Deuteronômio cap.4 e 6).
Porque é na manifestação do nome do Senhor que se encontra
a plenitude de sua glória, e essa manifestação só
pode ter lugar entre as nações pela voz do povo que ele escolheu
para esse desígnio, isto é, pela voz do homem. Heis por que
ele pede incessantemente a esse homem refratário para se ocupar de
seu destino sagrado.
Pede isso pela necessidade que pôs na alma do homem; pede através
de todos os símbolos que o universo apresenta continuamente, mas
que, sendo impotentes para realizar uma tão grande obra, são
limitados à categoria de símbolos, deixando ao homem o cuidado
de exprimir a realidade. Pede por todas as leis representativas e figurativas,
civis, políticas, históricas, naturais e sobrenaturais. Enfim,
ele próprio veio pedir para que o homem se entregue a esse santo
empreendimento, e começou por fazer nascer nele esse Novo Homem,
que só se desempenhará dignamente quando tiver atingido sua
idade competente e tiver cumprido as medidas traçadas pelas leis
eternas da sabedoria, que podem bem, neste mundo, sofrer qualquer ampliação
ou subdivisão, o que as reduz mas não muda o seu caráter.
Por que Deus pede ao homem por meios tão variados, tão reiterados,
tão elevados e tão contínuos? Para que ele seja em
tudo a imagem e a semelhança dessa divindade eterna. Porque não
é suficiente para essa semelhança que o homem possa entender
as maravilhas da sabedoria, não é suficiente que ele possa
representá-las e exprimi-las por suas obras, não é
suficiente que sua palavra possa repetir ao redor dele as obras dessa divindade
suprema. É preciso que como ela, ele possa exercer semelhantes direitos
voluntariamente e pelo privilégio sagrado de seu santo caráter,
a fim de que, partilhando dos poderes de seu eterno princípio, partilhe
também da glória, tornando-se assim a imagem simbólica.
Heis por que a sabedoria divina lhe pede com tanto amor e tanta habilidade,
evitando cuidadosamente forçá-lo, porque considera e respeita,
no homem, esse privilégio honroso do qual ela própria o fez
depositário.
Homem, quando tiveres chegado a essa terra que Deus prometeu por juramento
a teus Pais, tem o cuidado de observar fielmente as leis e as ordens do
Senhor, se queres te manter por longo tempo em tuas posses, e se não
queres que as nações que deves subjugar te escravizem para
que o Senhor considere e respeite, por assim dizer, o privilégio
honroso do qual ele te fez depositário, deves colaborar com ele para
o cumprimento dos seus desígnios e a manifestação do
seu nome. E ele não se preocupa menos com sua justiça do que
com sua glória. Ao mesmo tempo que tenta não te constranger
em tuas obras puras e gloriosas, tem o poder de impedir tuas obras falsas
e de resistir aos esforços de tua vontade criminosa.
Assim não é suficiente que repudies esses esforços
impotentes de uma vontade criminosa; é preciso ainda que te cuides
para seguir somente os esforços de uma vontade prudente e dirigida
pelas luzes de tua sabedoria simples e natural, se quiseres que uma sabedoria
superior a tua venha se estabelecer em ti, fazendo ai eternamente sua morada.
Quando então te for permitido tomares posse da porção
da terra prometida que te foi outorgada, lembra-te que é o Senhor
que te dará os meios de entrar nela e que teu único mérito
será o de utilizar esses recursos. Lembra-te que foi ele próprio
que criou essa terra onde encontrarás tanta riqueza e tanta abundância.
Lembra-te que se ele não te protegesse o tempo todo, não poderias
ficar em segurança um instante sequer. E heis aqui a que se podem
reduzir os significados dessas representações espirituais.
Antes de dizer em nome do Senhor, espera sempre que o nome do Senhor se
instale em ti. Não deves pronunciar esse nome poderoso de memória.
É pelo sentimento, pelo impulso e como que sendo pressionado pelo
poder de sua atuação irresistível. Gostarias de ser
como aqueles que o pronunciam diariamente por eles próprios, e cujas
idéias acerca dele e o respeito que lhe devem se confundem com os
movimentos mais imperceptíveis de sua alma, não deixando traços
mais profundos? Há os que são ainda mais culpados, pronunciando-o
apenas por causa de sua condenação. Mas essa representação
seria mais dolorosa e mais perigosa aos olhos do Novo Homem; é melhor
deixar que ele a ignore e mostrar-lhe por que deve esperar que o nome do
Senhor se instale nele antes de ousar dizer em nome do Senhor.
O que eras tu, homem, quando o eterno te fez nascer? Procedias dele, eras
o ato vivo do seu pensamento, eras um Deus pensado um Deus querido, um Deus
falado, não eras nada até que ele exprimisse seu pensamento,
sua vontade e sua palavra. Ele não mudou a lei; somente ele pode
te engendrar, e só através dele podes engendrar obras regulares.
Então, se ele não engendra seu nome em ti antes que digas
em nome do Senhor, atuas somente com a memória quando pronuncias
esse nome. Heis por que tantos homens o pronunciam em vão sobre a
terra, provando-nos de maneira tão dolorosa, que infelizmente, o
homem não é, não vive e não atua, senão
na futilidade e no vazio.
Se
o Novo Homem quiser que a palavra seja viva nele, só poderá
alcançar essa graça perecendo nessa mesma palavra; e se lhe
foi dado o poder de tirar proveito das incomensuráveis magnanimidades
do tempo, é a fim de que possa atingir esse glorioso fim por meio
de avançar delicado e imperceptíveis que o preparam para unir-se
à grande unidade sem ser ofuscado por seu brilho ou consumido por
seu calor ardente. É, ao mesmo tempo, para que os combates que lhe
são propostos em seus diversos avanços sejam sempre proporcionais
a sua coragem e a suas forças.
Porque mesmo na ordem da moral simples e comum, se morrêssemos um
pouco todos os dias, evitaríamos de morrer totalmente de uma vez,
como ocorre a quase todos os homens, que, por essa razão, acham a
morte tão penosa. E a morte física final do nosso corpo não
nos pareceria mais desagradável do que a morte momentânea pela
qual passamos a cada instante. Bem mais, viveríamos um pouco todos
os dias, em razão das porções de morte que teríamos
destruído. Pela falta dessa preocupação e por se aprofundar
na falsa vida, o homem perde diariamente as faculdades que lhe foram outorgadas,
pela natureza e pela verdade, para que se mantivesse durante a viagem terrestre.
Da mesma maneira, os homens que se entregam a impetuosidade estão
sempre aquém da medida, seu coração não deseja
mais a virtude; seus ouvidos não tem mais sensibilidade para a verdadeira
música; perdem até mesmo suas faculdades animais e digestivas,
que se tornam nulas por sua intemperança.
O Novo Homem, cujo destino está tão acima da sabedoria comum,
deve, como já dissemos, morrer continuamente na palavra, se quiser
que a palavra viva nele. E deve morrer progressivamente a fim de que possa
viver um dia em toda sua força e em toda sua plenitude. É
preciso que viaje silenciosamente pelas margens dos rios, que combata, a
cada passo, os animais que encontra, e que supere os obstáculos de
cada dia. Para isso recebe, imperceptivelmente, uma criação
tripla que purifica seu corpo, sua alma e seu espírito, enchendo-os
do fogo da vida, porque o fogo o cobre e o penetra com a palavra do testemunho.
Vejamos, então, o Novo Homem crescer em paz. Vejamo-lo sacrificar
a cada momento tudo o que não pertence ao reino da palavra, fazendo
assim com que a palavra tome o lugar de tudo o que a constrangia e a impedia
de vir demonstrar a esse homem que ele é um pensamento do Deus dos
seres, uma palavra do Deus dos seres, uma operação do Deus
dos seres. Vejamo-lo, por esses sacrifícios diários e contínuos,
morrer gradualmente na palavra, e confiar de tal modo nessa palavra, que
ela própria possa ressuscitar nele na mesma medida, terminando por
manifestar nele, completamente e universalmente, sua ação
de vida, quando ele por fim manifestar nela, completamente e universalmente,
sua ação de morte.
Aí então esse Novo Homem terá realmente saído
do estado de infância em que está agora esse Filho querido
do espírito, que já vimos nascer e mesmo comparecer perante
os doutores, quando tinha doze anos, mas que não atingiu esse estado
de virilidade que aperfeiçoamos por antecipação e que
é preciso não confundir com o estado de felicidade que nos
espera após nossa morte corporal, se tivermos seguido as leis da
sabedoria.
Porque essa ressurreição da palavra em nós, essa virilidade
enfim, da qual adiantamos alguns traços, nos pode ser concedida neste
vale de lágrimas, se nos alimentarmos de esperança e se nos
conduzirmos segundo o instinto que ela nos sugere. E se não tivermos
outras explicações a dar acerca da felicidade do homem, que
não sejam aquelas que nos apresentam os ensinamentos comuns, não
acreditemos ter feito o suficiente por nossos semelhantes.
Vejamos então, ao longe, esse Novo Homem, desfrutando abundantemente
os direitos de sua existência e dos inúmeros favores do princípio
regenerador que quis penetrá-lo. Vejamos esse homem como os diques
de um grande rio, limitando-o e retendo-o em suas margens, de forma que
não saia mais, e que leve calmamente suas águas fertilizantes
para todas as regiões que percorre. Mais do que isso, vejamos como
ele se prepara para esse magnífico destino.
É dizendo na prece: fica sempre a meu lado, fica sempre comigo e
em mim, sê tu mesmo o operário que escava o leito do rio, e
não permitas que um só momento se passe sem que tenha tirado
algumas pedras, arrancado algumas raízes ou limpado algumas imundícies,
a fim de que, dia a dia, o curso desse rio se torne mais livre e que, enfim,
todo o meu ser seja banhado.
Longe de duvidar dessas provas espirituais que encontrará em seu
caminho, e das quais apresentamos acima os benefícios, ele dirá,
como Jeremias, 48: Moab, desde a sua juventude, esteve na abundância,
e repousou sobre suas fezes; nem passou de um vaso para outro, nem foi levado
cativo. É por isso que o seu gosto permaneceu o mesmo e o seu odor
não mudou.
O Novo Homem considerará essas palavras instrutivas e ensinará
o quanto é útil para nós que ele tenha muitos domínios,
afim de que possamos ser experimentados novamente e pagar em dobro nos domínios
seguintes, se tivermos pago nada nos domínios anteriores. Ensinará
o quanto é benéfico para nós suportar diferentes servidões
nesses diversos domínios, pois todas essas servidões, quando
nos são enviadas pela mão do Senhor, só podem ter por
objetivo nosso próprio aperfeiçoamento. Pois, mesmo na ordem
da natureza, quantas árvores não precisam ser transplantadas?
E, com efeito, se não fosse necessário que passássemos
por essas diversas purificações, ele teria somente um domínio.
E se não tivéssemos necessidade dessas diversas contemplações,
ele teria somente uma região. Que sobriedade soberba tem a sabedoria
do nosso Deus! Externamente, ele deixa reinar, na sua administração,
as cores intensas da justiça, para imprimir por todo lugar o terror
e o temor do seu poder. Mas dirige secretamente todos os meios dessa administração
para nossa utilidade real e para nosso verdadeiro progresso, a fim de que,
se tivermos que começar por temê-lo, possamos terminar por
amá-lo.
É exatamente por isso que os profetas nos são tão caros,
pois foram eles os primeiros a nos revelar os segredos divinos do amor a
nosso princípio e que, compreendendo de uma vez e de um só
golpe todos os séculos, criam sempre o termo consolador das suas
obras, enquanto que nós, miseráveis mortais, só conseguimos
perceber, aqui embaixo, o penoso começo.
Jacó, tu previas as consolações com as quais seria
coberta um dia tua posteridade, quando desceste ao Egito e quando choraste
pela aspereza da ordem do rei, que tinha feito descer, antes de ti, os teus
Filhos? tua dor te fizera esquecer as promessas que o Eterno tinha feito
a Abraão e que não sonhavas que após o juramento do
Eterno tua descendência seria posta um dia de posse da terra de Canaã,
em meio aos prodígios e as maravilhas que manifestariam os desígnios
gloriosos que esse Deus soberano tinha para o seu povo, ao prepará-lo
para a servidão no Egito.
E tu, Israel, quando foste enviado à Babilônia, esperavas ver
a reedificação do teu templo? E não tomaste por brincadeira
e mentira o conselho que Deus te enviou pelos seus profetas, de te entregar
com submissão nas mãos do rei da Assíria, tanto que
estavas longe de te convencer que esse Deus tinha para ti, desígnios
benfeitores e salvadores? Enfim, povo escolhido, tu que estás pela
terceira vez na servidão, não te recordas das palavras do
teu legislador, ó, se eles soubessem onde todas essas coisas terminam!
(Deuteronômio 32:29), e não percebes que sem essa prova tríplice
não estarás suficientemente puro, para sustentar a majestade
do teu Deus?
Foi a ti, particularmente, que ele reservou o privilégio de vê-lo
em sua glória. Não em uma glória terrena e humana,
como a ignorância e a cupidez não de querer te convencer, mas
na glória do espírito, da palavra e do poder, pois foi por
esses caracteres divinos que conheceste o primeiro entre todos os povos
sobre a terra, e é por uma lei irrefutável que as coisas começam.
Ademais, esse triunfador que esperas em seu reino terreno, já não
apareceu em ti em sua glória humana? E não foste tu que cantaste
hosana, hosana, hosana, quando ele entrou em Jerusalém? Não
foste tu que atiraste as vestes a seus pés? E ele não te disse,
enfim que o seu reino não era deste mundo?
Novo homem, instrui-te por esses exemplos. Submete-te humildemente a todas
as servidões que aprouver ao Senhor te enviar. Não te entregues
por ti mesmo ao movimento. Serias como Moab, carregarias tuas fezes contigo,
e o movimento de nada te serviria. Deixa agir soabre ti essa mão
vigilante; ela jamais te levará a fazer movimentos nocivos, e só
permitirá que entres realmente nas grandes provas do espírito
quando tiver te dado tempo de depositar tuas fezes, porque então
tu te separarás dessas fezes para sempre, e carregarás a vida,
a saúde e o perfume nas vasilhas onde ela te verterá.
Quais
foram as ameaças que Deus fez ao povo de Israel, caso ele se afastasse
dos preceitos e das ordens que o Senhor lhe mandara por intermédio
dos seus enviados? Que ele seria frustrado em todas as suas esperanças;
que construiria casas e não as habitaria de jeito nenhum, que desposaria
mulheres e os estrangeiros as desonrariam, que teria Filhos e filhas e não
os educaria, que plantaria vinhas e semearia os campos e não faria
a colheita.
Mas quais foram por outro lado, as promessas que Deus fez a esse mesmo povo,
se permanecesse fiel a sua lei? Hei-las: (Deuteronômio, 6:10). O Senhor
vosso Deus vos fará entrar na terra que prometeu por juramento aos
vossos Pais Abraão, Isaac e Jacó, e vos dará grandes
e excelentes cidades que não tereis edificado, casas repletas de
todos os bens que não tereis fabricado, cisternas que não
tereis cavado, vinhas e olivas que não tereis plantado.
Por que tão grandes promessas são ligadas à fidelidade
do deus em observar sua lei? É que sua lei é o fruto e o espírito
do seu nome, e o seu nome é o fruto e o espírito da sua essência.
Ora, o que podemos conhecer que atraia mais sua ação suprema
sobre nós do que a sua própria essência? Ele nos dá,
então, a chave do seu amor quando nos diz, em todas as escrituras,
que se lembrará das tribos de Israel por causa do seu nome, que não
perderá Jerusalém de vista porque seu nome foi invocado sobre
ela, enfim, que não permitirá, de modo algum, que seu nome
seja desprezado pelas nações, e que desfraldará todo
o seu poder para vingar os insultos que esse nome tiver recebido.
Mas entre todas as nações há alguma que carregue mais
eminentemente que o homem o nome desse Deus supremo? E, entre os homens,
há outro, que não o Novo Homem, suscetível de manifestar
a glória e os benefícios ligados a esse imenso privilégio?
É, portanto, nele que devemos aprender a admirar o maravilhoso caráter
desse privilégio. Com efeito, não temamos nos perder ao descobrir,
nesse Novo Homem, o caminho que o próprio povo hebreu seguiu sob
os olhares da sabedoria suprema, que o arrancou das mãos dos seus
inimigos através de prodígios e sinais extraordinários.
Ainda mais, consideremos esse Novo Homem como o órgão da palavra
divina, através do qual ela quer se comunicar com as nações.
Consideremo-lo como aquele anjo que transmitiu a Moisés, no monte
Sinai, as leis do Senhor, a fim de que o povo fosse instruído acerca
das ordens divinas, e que, observando-as, aprendesse, a dirigir os seus
passos na direção da sabedoria e adentrasse os caminhos da
sua origem primitiva.
Sim, Novo Homem, podemos ver em ti o monte Sinai por inteiro, com todas
as maravilhas que lá se realizaram. Podemos ver, quando do teu nascimento
miraculoso, esse lugar sagrado cobrir-se de nuvens celestes, das quais saem
fogos e relâmpagos. Podemos ver os animais, tremerem por isso e o
próprio povo não ousar contemplar o clarão, e te rogarem,
como os hebreus rogaram a Moisés, que cubras tua face, para não
os ofuscar. Podemos ver-te sozinho sobre essa montanha, durante quarenta
dias, para receber todos os graus da tua ordenação na lei
temporal. Podemos ver-te recebendo de Deus os preceitos do Decálogo,
exprimindo-os a nós mais através de tua essência do
que por tua palavra. Podemos ouvir-te dizer-nos em nome desse Deus, do qual
apenas tu te aproximaste:
"E sou o Senhor vosso Deus que vos tirou do Egito, da casa da servidão",
"Não tereis deuses estrangeiros diante de mim",
"Não fareis imagens talhadas, nem qualquer figura do que está
no alto no céu e embaixo na terra, nem de nada que esteja nas águas
sob a terra",
"Não os adorareis de forma alguma, nem lhes rendereis o culto
soberano. Porque eu sou o Senhor vosso Deus, o Deus forte e zeloso, que
vinga a iniqüidade dos Pais nos Filhos, até a terceira e a quarta
gerações daqueles que me amam e guardam os meus preceitos".
"Não tomareis o nome do Senhor vosso Deus em vão, porque
o Senhor não terá por inocente aquele que tiver tomado em
vão o nome do Senhor seu Deus".
"Lembrai-vos de santificar o dia do sábado".
"Trabalhareis durante seis dias e fareis tudo o que tiverdes a fazer".
"Mas o sétimo dia é o dia do repouso consagrado ao Senhor
vosso Deus. Não fareis nesse dia nenhum trabalho. Nem vós,
nem o vosso Filho, nem a vossa filha, nem o vosso servo, nem os vossos animais,
nem o estrangeiro que estiver no domínio das vossas cidades".
"Porque o Senhor fez em seis dias o céu, a terra e o mar e tudo
o que neles existe, e repousou no sétimo dia. Por isso o Senhor abençoou
o dia de sábado e o santificou".
"Honrará vosso Pai e vossa mãe a fim de que possas viver
durante um longo tempo sobre a terra que o vosso Deus vos dará".
"Não matareis".
"Não cometereis o pecado da carne".
"Não furtareis".
"Não levantareis falso testemunho contra o vosso próximo".
"Não desejareis, de modo algum, a casa do vosso próximo.
Vós não desejareis a mulher dele, nem o seu servo, nem a sua
serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nenhuma das coisas que lhe pertençam."
Tais são, com efeito, as leis e os mandamentos que o Novo Homem encontra
nele mesmo, no momento do seu nascimento. E ele os pronuncia com tanta força
e tanto brilho a todas as substâncias do seu ser, que se torna, por
si próprio o terror de tudo o que não está em conformidade
com a justiça, e a primeira voz da glória que é devida
ao Senhor, como o principal ministro e o mais zeloso defensor do seu culto.
Desde esse momento, esse Novo Homem se torna responsável pela condução
do seu próprio povo, que é ele mesmo. Ficará encarregado
de dar ordens aos levitas e pastores, que terão o encargo de imolar
as vítimas e cobrir o altar dos sacrifícios.
Ficará encarregado de construir a arca da aliança, de acordo
com o plano que lhe foi apresentado sobre a montanha; ou seja, segundo essas
bases radicais e fundamentais que recebeu da mão do espírito
divino, no momento em que colocou nele a sua existência.
Ficará encarregado da direção de todo o exército
de Israel, para fazê-lo ora estabelecer-se ao redor da arca da aliança,
ora marchar contra os inimigos do Senhor.
Ficará encarregado de velar pela subsistência do povo, assim
como por sua segurança e sua defesa. E quando vir seu povo entregando-se
à incredulidade, invocará o Eterno e, em seu nome poderoso,
fará correr a água da rocha diante dos olhos dos incrédulos.
Ficará encarregado de travar uma guerra sangrenta contra todos os
povos que se opuserem a seu avanço e a seu progresso.
Ficará encarregado de exterminar o exército dos amalecitas
e dos amorreões, não com armas fabricadas pela mão
dos homens, mas com as armas sagradas que carrega em sua essência,
elevando as mãos da sua alma em direção ao Eterno.
Ficará encarregado de punir o povo que escutar a voz de Balaão
e dos falsos profetas. Poderá precipitar no abismo aqueles que forem
bastante ímpios para ousarem oferecer uma homenagem estrangeira.
Ficará encarregado de receber, em cima do propiciatório, os
oráculos do Senhor, para a administração do seu culto
e os julgamentos do povo.
Ficará encarregado de fazer com que os enviados, escolhidos por ele
entre o povo, percorram a terra prometida, contando todas as maravilhas
que ela contém.
Ficará encarregado de renovar a aliança que o Eterno fez outrora
com o povo, lembrando-lhe das maldições que o ameaçam,
se não for fiel à lei do Senhor, e das bênçãos
que o aguardam, se tiver confiança nos preceitos do Eterno.
Mas não ficará encarregado de introduzir o povo na terra prometida.
A ordenação que recebeu não lhe permite acompanhar
o povo pelos desertos, durante os 42 dias de marcha. Sua obra particular
terminará, então, aquém do rio, onde se acha, simbolicamente,
o limite da nossa lei temporal, e aí ele entrará na ordem
do povo, para ser introduzido, com esse mesmo povo, por uma outra mão,
no reino figurativo da lei espiritual, que também vai encontrar nele,
até que descubra o reino figurativo da sua lei divina.
Homem
de paz, Homem de Desejo, quantas vezes não te deixaste envolver em
ocupações frívolas e ilusórias, que tomam perante
teus olhos uma tal aparência de realidade, que até te fazem
ignorar a passividade do tempo! Por que não poderias esperar o mesmo
gozo e a mesma vitória sobre o tempo, abandonando-te ao culto de
um objeto real, cujas características conseguem sobreviver ao poder
corrosivo de todos os séculos? A diferença é que esses
objetos ilusórios, passado seu encanto, te deixam em um vazio e em
trevas ainda maior. Os objetos reais ao contrário prolongam suas
doces influências até muito tempo depois de sua ação
sobre ti.
Heis aqui a razão. Tu próprio és um ser real, que tens,
sem nenhuma dúvida, a categoria mais distinta entre as realidades
emanadas. Agora então que usas os direitos do teu ser e que tentas
desenvolver os seus privilégios, te ligas, por uns tempos, a outras
realidades superiores a ti, mais livres do que tu, pois não sofreram
culpas e nem expiações, enfim, mais elevadas do que tu, além
deste tempo que faz teu suplício e te serve de prisão. Ligando-te
a elas, te ligas, ao mesmo tempo, à sua liberdade, segundo tuas forças,
teus graus de regeneração e as medidas de misericórdia
que te são concedidas. Assim, portanto, ligando-te a elas, elas se
apoderam de ti, fazendo-te voar junto com elas pelos círculos especiais,
onde encontras caminhos muito doces, porque lá não há
obstáculos e tudo é pleno de luz.
Foi assim que Ezequiel, unido a uma dessas realidades, foi da Babilônia
a Jerusalém para presenciar as abominações que os pastores
cometiam no templo e assustá-los com as terríveis ameaças
da justiça do Senhor. Foi assim que Habacuc, unido a uma dessas realidades,
foi à Babilônia para levar alimento ao profeta Daniel. Foi
assim que Felipe, unido a uma dessas realidades, conduziu pelo caminho o
eunuco do reino da Etiópia, para lhe abrir os olhos acerca do espírito
das escrituras santas. Foi assim, que São Paulo, unido a uma dessas
realidades, foi transportado até o terceiro céu, onde ouviu
coisas inefáveis. Enfim, foi assim que Jó, Davi e todos os
profetas do Senhor, unidos a essas realidades, passaram os seus dias e suas
noites nas contemplações das maravilhas de Deus, no júbilo
pelo sentimento da grandeza do homem, e mesmo nas dores nutrientes da caridade,
as quais, ainda que sejam mil vezes mais agudas do que as dores que criaram
o mundo, fazem, contudo, a ambição do homem de Deus, porque
ele sabe que deve encontrar neles o consolo e a vida.
É então pela tua união com realidades dessa ordem que
estabeleces imperceptivelmente em ti esse reino espiritual, que ergue para
ti o peso do reino temporal e te abriga do ar corrompido e adensado que
se respira.
Não esquece que tua palavra, imitando a palavra do Eterno, não
deve, de modo algum, recuar diante dos inimigos, e que, uma vez que tenhas
pronunciado a firme resolução de subjugá-los, não
deve, de modo algum, recuar diante dos inimigos, e que, uma vez que tenhas
pronunciado a firme resolução de subjugá-los, não
deves mais permitir-lhes resistência, até que teu domínio
sobre eles seja completo. Pois bem, conserva a mesma resolução
no desígnio de unir teu ser a uma dessas unidades superiores que
não se apercebem do tempo. Esquece de ti próprio na procura
desse tesouro inestimável; essas unidades farão com que não
te apercebas do tempo mais do que elas, e te farão desfrutar, por
antecipação, dessa paz santa que habita com elas em sua atmosfera
celeste, mas que neste mundo, é conhecida apenas por servir de vítima
contínua ao tempo.
Mas não te entregues à impaciência, como os hebreus
no deserto, se teu êxito não for tão rápido quanto
teus desejos forem ardentes. Lembra-te "de todo o caminho por onde
o Senhor, seu Deus, os conduziu durante quarenta anos, para puni-los experimentá-los,
a fim de que aquilo que estava escondido em seus corações
fosse descoberto, e que se soubesse se eles seriam fiéis ou, infiéis
em observar suas ordens lembra-te de que ele os afligiu com a fome e que
lhes deu por alimento o maná, que era desconhecido dos seus Pais,
para lhes fazer ver que o homem não vive somente do pão, mas
de toda palavra que sai da boca de Deus; lembra-te, enfim, que o Senhor,
seu Deus, dedicou-se a instrui-los e a discipliná-los, como um homem
se dedica a instruir e a disciplinar seu Filho."
Ademais, homem meu irmão e meu amigo, por essa doce virtude, não
gravamos uma imagem viva do nosso princípio? O que faz ele, do alto
do seu trono, senão manifestar uma inalterável magnanimidade,
pela qual se mostra paciente com relação a todos os obstáculos
e a todas as resistências? Criemos para nós, então,
como ele, um santo retiro no meio das atmosferas corrompidas que nos rodeiam.
Sejamos como o pardal solitário sobre o telhado, e que mesmo nossas
lamentações sejam temperadas perpetuamente pela esperança
e por uma segurança inabalável. Se somos os Filhos de Deus,
ele não nos perderá de vista. Os obstáculos e as fraquezas,
assim como os prazeres, fazem parte dos planos que ele traçou para
nós, e devemos estar certo de que ele se ocupa de nós com
muito cuidado, consideremos-lhe sempre como o nosso Pai, mesmo quando estamos
longe dele.
Sim, nós podemos, como ele, pela paciência, mostrar nossa unidade,
nossa superioridade sobre o tempo, isto é, nossa espiritualidade,
nossa divindade. Quando tivermos vencido o tempo pela paciência, heis
o que a mão benfeitora desse princípio soberano nos reserva.
A matéria se precipita abaixo do espírito, o espírito
se eleva acima do nosso corpo tenebroso. Ele se divide, em nós, em
puro e impuro, e uma unidade superior nos descobre um vasto campo. Sem seu
auxílio divino, o homem como que se arrasta na lama, mal pode vislumbrar,
do fundo de sua antiga morada, alguns raios da claridade celeste, e sua
orelha espessa e dura sequer percebe o concerto harmonioso que os Filhos
da luz formam diante do trono do Eterno. Mas, desde que essa vida suprema
deixou cair sobre o homem seu orvalho vivificante, que palavras descreveriam
as consolações e a serenidade que o aguardam? Que palavras
explicariam o estado do pensamento do Novo Homem, quando ele se entregasse
à contemplação das obras da sabedoria e ao gozo dos
inefáveis enlevos que se apoderam de sua alma só de se aproximar
da atmosfera da eternidade!
Seja bendita, fonte imortal de tudo o que existe! Somente em ti se encontra
o ser e a vida; somente em ti está o sentimento de toda existência;
somente em ti está a expansão da alegria e da felicidade de
todas as criaturas. Fora de ti, nada poderia existir, porque se não
existisses, não mais haveria o sentimento da existência, não
mais haveria bênçãos, e esses são os elementos
eternos da vida.
Novo homem, ó tu Filho querido do espírito, quando te acontecer
"de pores o pé nessa terra prometida, após Deus ter te
feito mestre desse povo de configuração alta e surpreendente,
desses Filhos de Enoc, que tiveres visto por ti próprio, que tiveres
ouvido, e aos quais nenhum homem pode resistir, saberás que o próprio
Senhor passará diante de ti como um fogo devorador e consumidor,
reduzindo-os a pó, arruinando-os, exterminando-os em pouco tempo,
segundo o que te prometeu. Depois que o Senhor teu Deus os tiver destruído,
diante de teus olhos, não diz em teu coração: é
por causa da minha justiça que o Senhor me fez entrar nessa terra
e me colocou de posse dela, pois essas nações foram destruídas
por causa de suas impiedades, porque nem a justiça, nem a retidão
do teu coração será a causa da tua entrada no país
delas para o possuir; elas serão destruídas à tua entrada
porque agiram de maneira impura, e o Senhor queria cumprir o que prometeu,
por juramento, a teus pais, Abraão, Isaac e Jacó."
Sim, Novo Homem, será por essa justiça e essa homenagem prestada
ao princípio soberano que te manterás na morada do repouso
e da luz. Será dessa maneira que tuas forças crescerão
e se manterão; será por isso que, mesmo estando no tempo,
te perderás acima do tempo, nas santas contemplações
das maravilhas que se descobrirão para ti e que te surpreenderão
tanto quanto o teu próprio nascimento, se não estiveres preparado
para esses prodígios pelo sentimento da tua existência divina.
Enfim, é por essa justiça e essa homenagem prestada ao princípio
soberano que poderás desenvolver, cada vez mais, tuas relações
com essas unidades superiores, as únicas que podem apagar para ti
todos os traços do tempo, fazendo-te percorrer, continuamente, com
elas as regiões que o tempo não saberia compreender em seu
círculo, pois ele é misto e elas são simples, e ele
lhes oferece apenas uma frágil barreira, que a ação
simples delas penetra facilmente, enquanto que a ação combinada
e obtusa dele jamais saberia penetrá-las.
Novo
homem, "quando estiveres já dentro da terra prometida, lembra-te
de somente oferecer sacrifícios ao teu Deus no lugar que ele tiver
escolhido para que lhe rendas o culto devido. Não somente não
imitarás essas nações ímpias que construíram
altares em todos os lugares altos, sob árvores frondosas, para aí
oferecerem seus sacrifícios ao Sol, à lua e a toda milícia
do céu, como derrubarás todos esses lugares altos, todos esses
altares e todos esses ídolos que neles são adorados. Não
deixarás subsistir o menor vestígio desse culto ímpio,
de acordo com o que o Senhor teu Deus te ordenou, e irás ao lugar
que o Senhor te tiver indicado para imolar as vítimas."
Esse lugar, já o conheceste, já o viste, uma vez que nasceste.
Porque esse lugar é esse mesmo Filho querido, concebido do espírito,
à semelhança daquele que é o Filho único do
Senhor pela virtude de sua geração eterna.
Evitarás, portanto, com muito cuidado, fazer sacrifícios ao
Senhor em outros lugares de teu ser que não nesse Santo dos Santos,
que é o único abrigo sagrado que ele poderia ter reservado
para si nas ruínas do templo do homem.
Evitarás, com muito cuidado, erguer um altar para os teus pensamentos
e para as representações, tão variáveis, das
especulações do teu espírito.
Evitarás, com muito cuidado, erguer um altar às conjecturas
inconsistentes e às tenebrosas percepções da tua inteligência.
Evitarás, com muito cuidado, erguer um altar a todos os falsos movimentos
do coração do homem, que visam somente estabelecer nele um
culto sacrílego, haja vista que ele próprio se torna o ídolo
do templo, afastando a verdadeira divindade.
Evitarás, com muito cuidado, erguer um altar a todo o domínio
dos astros, "se não quiseres que, um dia, teus ossos fiquem
expostos, sobre a terra, a todas as estrelas do firmamento, como o foram
os ossos do rei Jeroboão".
Mas é nesse Filho querido o concebido do espírito, é
sobre essa pedra fundamental que erguerás teu altar ao único
verdadeiro Deus, porque só aí ele pode ser honrado, só
aí pode encontrar um ser que seja realmente sua imagem e semelhança,
e que tenha as faculdades necessárias para compreender a linguagem
divina e os oráculos da sabedoria eterna. Só aí também,
poderás ouvir sua voz sagrada, receber as respostas que satisfazem
tua inteligência e saciam todos os desejos do teu coração
e todas as necessidades do teu espírito.
Compara as doutrinas dos outros deuses com a que podes aprender pelo Deus
único, no santuário único, que escolheu para si no
coração do homem. Esses outros deuses te ensinarão
maravilhas sujeitas ao tempo, maravilhas que, se cumprissem alguma vez,
seriam quase sempre vicissitudes das regiões mistas às quais
esses deuses estão servilmente ligados, maravilhas que, não
obstante seu cumprimento, se apagariam da tua memória depois que
o acontecimento tivesse passado, sem deixar mais vestígios que os
fatos da tua infância.
Esses deuses te darão cegamente o que lhes é dado, sem que
possam prever as conseqüências disso e sem que saibam se será
para teu benefício ou para tua ruína, porque eles próprios
são cegos, e deveriam ser apenas órgãos da luz. Se
não tomares precauções para preservar esses órgãos
de todas as misturas que os ameaçam, poderão transformar-se
em príncipes aos teus olhos e tomar, diante de ti, o título
e as características do mestre, quando na verdade foram enviados
para serem servidores. Felizes ainda se não forem seus próprios
inimigos a sentar-se sobre seu trono, levando, assim, do engano à
superstição, da superstição à idolatria,
da idolatria à iniqüidade e à abominação!
Com o Deus único, que escolheu seu santuário único
no coração do homem e nesse Filho querido do espírito
que todos devemos fazer crescer em nós, tu não correrás
os mesmos perigos e só terás frutos saudáveis a recolher,
porque ele é o ser simples, o ser verdadeiro, o único ser
impassível a toda influência que não a da verdade, reservando-se
o poder de dá-la a conhecer e de manifestá-la em toda a sua
pureza!
Foi isso o que ele ensinou ao povo hebreu, através de figuras, por
intermédio do seu servidor Moisés. A terra da qual tomareis
as sementes, faz-se vir água através de canais para regá-las,
como se faz nos jardins (imagem desses cuidados penosos que o culto de deuses
artificiais demanda e cujos favores dependem das leis físicas da
natureza, que podem suspender o curso do Nilo e lançar a terra na
esterilidade e na penúria), mas é uma terra de montanhas e
planícies, que esperam as chuvas do céu, que o Senhor vosso
Deus sempre visitou e sobre a qual lança os olhares favoráveis,
depois do começo do ano até o fim. Se, portanto, obedecerdes
aos mandamentos que vos dou hoje, de amar o Senhor vosso Deus e servi-lo
de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, ele dará
a vossa terra as primeiras e as últimas chuvas, a fim de que recolhais
de vossos campos o trigo, o vinho e o óleo.
Sim, Novo Homem, heis o verdadeiro templo onde, poderás adorar o
verdadeiro Deus da maneira que ele quer, pois todos os templos representativos
e figurativos que ele permitiu a sua sabedoria conceder-te durante tua passagem
pelas regiões visíveis, nada mais são do que as avenidas
desse templo invisível, ao qual ele desejaria ver chegarem, em grande
número todas as nações do universo. O coração
do homem é o único porto onde o barco lançado pelo
grande soberano ao mar deste mundo para transportar os viajantes até
sua pátria, pode encontrar um asilo seguro contra a agitação
das ondas e uma ancorarem sólida contra a impetuosidade dos ventos.
Não interditemos sua entrada, se não quisermos merecer, da
sua parte, as acusações de ingratidão e desumanidade.
Ao contrário, tenhamos o permanente cuidado de conservar esse porto
em bom estado, e de limpar a areia que pode acumular-se diante dele, trazida
a todo momento pelo mar. Tenhamos cuidado de remover o lodo e os sedimentos
que aí se depositam todos os dias e que, se cobriam o fundo, impedirão
que a âncora do barco se fixe. Tenhamos, sobretudo o cuidado de preparar
todos os socorros que estiverem ao nosso alcance para aliviar os navegadores
infelizes, fatigados pelo mar, de modo que encontrem todos os consolos que
puderem desejar, a fim de que esse porto seja cada dia mais freqüentado,
tornando-se assim útil e caro a todas as nações do
universo. Desse modo, restabeleceremos, entre nós e nossos irmãos
de todos os países, uma ligação salutar que nos fará
desfrutar antecipadamente dos benefícios dessa comunhão universal,
para a qual nos foi dada a existência e que é o primeiro objetivo,
da ambição do Novo Homem.
É desnecessário dizer a esse Novo Homem que esse barco lançado
pelo grande soberano dos seres é o nome do Senhor, pois foi através
desse nome poderoso que o Novo Homem recebeu o nascimento. É desnecessário
dizer-lhe que esse nome poderoso deve ancorar-se para esperar passar a tempestade,
continuando em seguida sua rota, até que tenha conduzido ao seu destino
os viajantes que ele carrega. Esse Novo Homem conhece toda essas grandes
verdades, pois ele sabe que nasceu, que existe e que deve existir apenas
para a conservação da lei do Senhor e para cooperar, tanto
quanto puder, com os desígnios benfeitores que a sabedoria divina
incessantemente estabeleceu, para a felicidade da posteridade humana.
Mas não podemos deixar de salientar, ainda aqui, os efeitos maravilhosos
que esse nome poderoso opera em nós, quando se digna descer até
nossa miséria e distribuir suas influências benéficas
sobre todos nossos membros e todas nossas faculdades. Ouvir-me-ão
aqueles que forem instruídos, quando lhes disser que esse nome, de
repente faz brotar em nós uma afeição, para não
dizer uma sensação tão nova, tão doce e tão
consoladora, que dá a impressão de que nossa primeira existência
foi abolida e apagada, sendo substituída por uma outra que não
poderíamos conceber, a partir de nenhuma descrição
que se pudesse fazer dela, se esse nome não derramasse sobre nós
sua influência.
Homem, quem quer que sejas, se pela tua perseverança e pela tua prece,
podes conseguir que a mão benfeitora que vela por nós te faça
sentir tua existência dupla, encerra preciosamente essas alegrias
em teu coração e prosterna-te. Talvez, depois desses doces
favores, sejas lançado novamente às fraquezas e aos obstáculos.
Mas essas desgraças passarão como que por cima da tua cabeça.
O grão será semeado e guardado na terra. Lá continuará,
em sua calma obscuridade, seu feliz crescimento, não obstante os
ventos, a neve, o gelo e a geada, com os quais a superfície da terra
poderá ser coberta. E não deixará de apresentar seus
frutos e sua fértil abundância, quando o tempo da produção
e da colheita tiverem chegado.
Por
que temo voltar freqüentemente à carga para advertir esse Novo
Homem acerca das leis que deve obedecer, se quiser alcançar seu objetivo,
e das alegrias e consolações que o esperam desde o momento
que se cobrar sob a mão do Senhor? Não é através
de golpes reiterados que o trabalhador conseguiu quebrar a rocha, para obter
a pedra que deve compor o edifício? Não é através
de um trabalho constante que ele dá à pedra a forma e o brilho
que ela deve ter antes de ser colocada no lugar?
Lembra-te, Novo Homem, a que preço deverás te manter no posto
que o Senhor te tiver dado. Moisés dizia aos hebreus: "Se o
vosso irmão, Filho da vossa mãe, ou o vosso Filho ou vossa
mulher, que vos é cara, ou vosso amigo que amais como a vossa alma,
vos quiseres persuadir, e vos vier dizer em segredo: vamos e sirvamos aos
deuses estrangeiros que nos são desconhecidos, como o eram para os
vossos Pais os deuses de todas as nações, dos quais somos
rodeados, seja de perto ou de longe, desde um extremo da terra até
o outro, não vos rendais de modo algum às suas persuasões,
não os escuteis e não sejais tocados de nenhuma compaixão
acerca deles, não os poupeis e não guardeis segredo do que
eles vos tiverem dito. Em vez disso, eliminai-os imediatamente. Que vossa
mão lhes dê o primeiro golpe e que todo o povo bata neles em
seguida".
Novo homem, é em ti mesmo que se podem encontrar todos esses parentes
infiéis, os quais estás proibido de perdoar. Sequer um casal.
Quando esse for o mais caro dentre aqueles que tentarem insinuar-se em teu
espírito e lançar-te a um culto enganoso para qualquer outra
porção de ti mesmo que não aquela onde a voz do teu
Deus se faz entender, quando ele próprio tiver acendido a sua lâmpada
viva no santuário do teu próprio templo, atira-o para longe
de ti, bate nele sem piedade, entrega-o à justiça do povo
e que ele expire sob o gládio do teu furor. Quanto mais exerceres
a severidade com relação aos teus parentes sedutores, mais
te assegurarás do reino e da glória do teu mestre, porque
assim conservarás a unidade, a simplicidade e a santidade desse Filho
querido que o deve representar sobre a terra.
Acostuma-te, também, desde já, a abarcar, através de
uma visão ampla o círculo que deves percorrer e que compreende
não só a eternidade e o tempo, com todas as causas que o fazem
se mover, mas também todas as leis que essa sabedoria eterna enviou
ao homem desde o instante da sua queda, as quais ela expõe sucessivamente
diante dele, à medida que gira a roda dos séculos, e nas quais
ele pode reconhecer sempre o mesmo espírito, o mesmo amor, a mesma
justiça, a mesma beneficência, seja observando-as na sua primeira
idade, seja observando-as nos diversos estágios de seu desenvolvimento.
Porque foi a unidade que as ditou, e é a unidade que as dirige, que
as faz crescer e manifestar sua luz, quando o tempo é chegado.
A única diferença é que essas leis te pareceram penosas
e fatigantes, no momento em que tenhas ingressado no primeiro recinto desse
santuário, porque esse recinto é limítrofe das nações
estrangeiras contra as quais precisavas estar constantemente em guarda,
ao passo que quando nos recintos interiores, essas leis te parecerão
doces e calmas como a atmosfera da eternidade, pois serão elas que
agirão por ti e em ti e te farão experimentar o repouso.
É esse o sábado que o salvador, do qual tu te tornaste a imagem
e o irmão, trouxe para a terra e desejou que penetrasse o coração
de todos os homens, porque ele próprio era esse lugar de repouso,
e sabia quanto sua obra pareceria calma e deliciosa em comparação
com a obra complicada de todos os agentes inferiores. Pois, ao dizer que
o homem era o mestre do próprio sábado, quis se referir apenas
a essa obra laboriosa e cheia de tormentos que ocupara até então
a posteridade humana, e esse divino salvador veio abolir para substituí-la
pela obra da paz e pelo sábado do amor.
Ademais, o que nos diz a sabedoria quando queremos contemplar nossos caminhos
e os atalhos penosos do nosso retorno em direção à
luz? Ela nos diz: dissipai vossas trevas materiais e encontrareis Deus.
Quando o caos da natureza se harmoniza, o homem parece ser a voz da verdade
para a administração do universo. Quando o caos espiritual
a que o homem culpado se lança, foi dissipado, o salvador se mostrou
como sendo a vida do espírito e o supremo agente da nossa libertação
e da nossa regeneração. É então que a nascente
do rio pode dizer às águas que correm: Vós sóis
minha criação. É então que se pronunciarão
realmente essas passagens proféticas e figurativas, repetidas tão
freqüentemente nas escrituras: Vós sabeis que eu sou o Senhor:
e serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo.
Portanto, se não dissiparmos nossas trevas materiais para encontrar
o homem, nossas trevas espirituais para encontrar Deus, como poderemos sentir,
com efeito, essa verdade se cumprir em nós, como poderemos sentir,
novamente Deus engendrar nossa alma, como poderemos conhecer esse sábado
que só se encontra em Deus, como podemos ver surgir em nós
esse templo imperecível onde o fogo sagrado deve queimar eternamente
e onde as vítimas não devem cessar de ser imoladas, para a
manifestação da glória e do poder de Deus, que só
pode ser conhecido dos santos?
Contudo, não abusemos: Neste mundo, só chegamos a esse final
feliz para desfrutar de alguns momentos passageiros e alternados, dada a
privação à qual estamos condenados. E não podemos
ouvir, de uma maneira constante e sem interrupção, a palavra
contínua que sempre cria. Mas não é suficientemente
grande essa verdade que podemos aprender deste mundo, ou seja: que o coração
do homem é a região que a Divindade escolheu para seu lugar
de repouso, e que ela demanda somente o vir habitá-lo? Não
é uma verdade suficientemente grande saber que Deus escolheu tal
lugar para repousar porque o coração do homem é amor,
ternura e caridade e que, consequentemente, esse segredo nos revela a verdadeira
natureza do nosso Deus, que é de ser eternamente amor, ternura e
caridade, sem o que não procuraria habitar em nós, se não
fosse para encontrar essas indispensáveis relações?
Alma do homem, lembra de te cuidar e de te limpar cuidadosamente, pois estás
destinado a receber semelhante hóspede. Lembra que deves ser o espelho
eterno, sim, o espelho e o reflexo ativo do seu amor. Ainda que não
passes, por assim dizer, mais do que um dia sobre a terra, permaneces nela
um tempo suficientemente longo para observar e conhecer não apenas
que esse é o objetivo de tua existência, mas também
que ela é a via que te foi traçada para te manter no posto,
seja ele qual for, que aprovar à sabedoria suprema te confiar durante
essa estada passageira.
Vemos que, a cada dia, o Sol percorre um arco do seu grande círculo.
Vemos que a cada dia esse arco é o único que ele percorre
para nós, e vemos que percorre todos os pontos com uma regularidade
perfeita. Tomemos aí o nosso exemplo e a lição que
devemos seguir. Consideremo-nos como astros, cada um com um arco a percorrer
na grande esfera da obra do nosso Deus. Desde o pólo até a
linha do equador, seja qual for nossa latitude, percorramos nosso arco com
fidelidade e sem deixar escapar o menor murmúrio, sem o menor impulso
de inveja, nem de desejo de termos nascido em uma região melhor do
que aquela a que estamos ligados. Percorramos nosso arco como faz continuamente
o Sol, sem examinar se brilhamos sobre a feliz Arábia, ou sobre as
areias da África, ou sobre os desertos da Tartária. Percorramos
nosso arco, como ele, purificando as regiões que se encontram sob
os nossos passos, sem deixar que as manchas e as influências nocivas
que se elevam dessas regiões, ofusquem nosso brilho.
Não ambicionemos abarcar, em nossa rota, um campo mais vasto do que
aquele que nos é prescrito. Se um único homem fosse suficiente
para velar pelas necessidades de todas as regiões do universo, a
sabedoria eterna não teria criado essa quantidade inumerável
de indivíduos que compõem a família humana.
Sol divino, tu em quem todos os espíritos e todas as almas depositaram
sua existência, tu que dominas o centro de nosso mundo espiritual,
como o sol elementar domina o centro do nosso globo, a ti somente pertence
o poder de clarear, ao mesmo tempo, como ele, todos os pontos da nossa atmosfera,
equilibrando o peso das trevas com a abundância e a vivacidade da
luz que difundes por todas as partes da região divina que habitamos.
A ti somente pertence o poder de nos transmitir essa porção
de luz que encarregas nossa alma de verter, em seguida, sobre as diversas
regiões espirituais a que nos ligas.