Louis Claude de Saint Martin
O NOVO HOMEM



22

Se penetrássemos mais na industriosa sabedoria de nosso Deus, imediatamente deixaríamos de lamentar contra os obstáculos que encontramos em nossa região terrestre. Todos esses obstáculos, todas essas dificuldades nos são enviados para adiar essa explosão divina, da qual somos tão pouco dignos que, repito, procuraríamos nos esconder nas cavernas da terra, se nos fosse permitido ter a mínima percepção dela antes do nosso fim. Ao mesmo tempo, servem para desenvolver em nós todas essas unidades parciais das quais já falamos anteriormente e que devem ajudar-nos a restabelecer nossas relações com nosso princípio, resgatando-nos sua imagem. Porque será em vão acreditar que nos tornamos outra vez a sua imagem, se não levarmos todas as nossas unidades até a medida que elas podem alcançar. Pois só o complemento e a justa medida dessas unidades podem nos devolver os traços da nossa antiga semelhança com o nosso princípio.

Consideremos que estamos, neste mundo, como em um lugar de preparação, onde se exige de nós que devolvamos às nossas faculdades as condições absolutamente necessárias para que possam ser empregadas na obra. Trabalhemos sem cessar para que a unidade de nossa fé se torne capaz de remover montanhas, para que a unidade de nosso despojamento se torne insensível às privações, para que a unidade de nossa caridade nos permita dar a vida por nossos irmãos, para que a unidade de nossa coragem nos dê os meios de subjugar tudo o que é Matéria; combate no qual temos condições muito favoráveis, pois a matéria é indiferente e toma todas as formas que queiramos dar, a ela. Enfim, exercitemos continuamente todas as unidades de nossas virtudes e de nossos dons espirituais, e não duvidemos de que quando tiverem atingido uma medida aprovada pela sabedoria, receberão da sua mão o complemento adequado.

Mas evitemos agir antes dessa época favorável e pelos movimentos de nossa impaciência. Antes de acreditar nos frutos da lei, é preciso acreditar primeiro na lei. Porque, segundo o evangelho, como acreditar no salvador se não se acredita primeiramente em Moisés e na lei que fala desse salvador? Ora, a lei do homem do espírito é não fazer um só movimento no caminho superior, sem que esse movimento seja ordenado e precedido por uma palavra, que se torna para ele aquilo que Moisés e os profetas foram para os chamados e os eleitos para a lei da graça. E se o homem não acredita que assim deve ser o seu caminho respeitoso e submisso, deixará de acreditar nas maravilhas pelas quais sua impaciência anseia, porque são essas maravilhas que a palavra deve profetizar.

Longe, portanto, de lamentar esses obstáculos e as lentidões às quais somos, felizmente, condenados, agradeçamos à providência pela oportunidade de nos preparar adequadamente, para que quando tiver chegado a hora do nascimento do Novo Homem, não se possa aplicar diretamente a nós mesmos o que Simeão disse quando do nascimento do salvador: Essa criança nasceu para a ruína de muitos.

Porque se esse Novo Homem tivesse nascido para nossa ruína em vez de nascer para nossa salvação, como poderíamos algum dia entrever e conhecer o reino que só pode revelar-se realmente a esse Novo Homem e a essa criança querida concebida em nós pelo espírito do Senhor?

Assim é essa unidade interior à qual correspondem todas as nossas unidades particulares e sobre a qual a universal espera, ainda com mais impaciência do que nós, poder repousar em paz. Assim é essa mina inesgotável na qual não há riquezas que não possamos encontrar, mas que se tornou estranha ao seu proprietário, porque os homens ávidos por conhecimentos externos voltaram para fora todas as faculdades do seu espírito, em vez de dirigi-las para o interior que lhes teria ensinado tudo e concedido-lhes todos os tesouros.

Nessa marcha imprudente, deixaram que essa mina se fechasse pelos escombros que tombaram dia após dia, cobrindo-a de tal maneira, que deixaram de acreditar em sua existência, e consequentemente fizeram todos os esforços para nos impedir de acreditar nela e explorá-la.

Os mais sábios dentre eles acreditaram que construindo templos ao Senhor com pedras talhadas por ferramentas de metal fabricadas por eles, tinham cumprido os planos divinos quanto ao culto e às homenagens que a divindade espera dos mortais. Não perceberam que ela esperava o triunfo da sua glória desse templo imperecível, desse templo em que as ferramentas materiais são totalmente inúteis, seja para talhar as pedras, seja para tirá-las do caminho, seja para transportá-las, seja enfim para colocá-las para sempre no lugar que devem ocupar no edifício.

É então para extrair as pedras dos caminhos, para talhá-las para transportá-las, para colocá-las para sempre no lugar que devem ocupar no edifício, que a sabedoria e o espírito do Senhor se ocupam diariamente de nós. E as ferramentas que empregam para isso são os próprios obstáculos e as próprias contrariedades espirituais que encontramos em nosso caminho, e dos quais o homem inexperiente nos segredos de Deus desconhece o valor a experimentar, que não há uma única prova suportada com fé e coragem que não termine para ele, pelo nascimento e pelo desenvolvimento de uma unidade. E que é pelo acúmulo das unidades adquiridas através de tantas provas e vitórias que verá elevar-se nele o Novo Homem ou o edifício dos eleitores.

Ele não suspeita que esse edifício dos eleitos nos transforma em um verdadeiro céu, onde habitam ao mesmo tempo todos os espíritos do Senhor, todos os poderes do Senhor, todos os dons do Senhor, todas as virtudes do Senhor, de maneira que nos tornamos uma espécie de cidadela e fortaleza, sempre armada, sempre pronta a se defender, sempre pronta a velar pela segurança dos habitantes e a lhes fornecer toda assistência e todos os benefícios pelos quais nosso estado de guerra nos faz ansiar neste vale de lágrimas.

Sem essas provas, ou esses meios de obter nossas unidades, seríamos lançados para fora como bocas inúteis, ficando à mercê dos assaltantes, isto é, da sua raiva e da sua fúria.

Armemo-nos, então, de coragem e confiança quando o espírito julgar por bem empregar suas ferramentas sobre nosso ser espiritual, e não nos indignemos, nem desanimemos, seja qual for a forma sob a qual essas ferramentas, se apresentarem e se aproximarem de nós. Tenhamos sempre diante dos olhos o salmo 68:7.8: Que aqueles que esperam por ti, ó Senhor, não se envergonhem por minha causa, que aqueles que te procuram não sejam humilhados por minha causa, ó Deus de Israel: Pois foi por tua causa que suportei os opróbrios e que a vergonha cobriu minha face.

Se é então verdade que o espírito, que o próprio salvador se ocultou todos os dias sob a forma desses instrumentos salvadores, não os rejeitemos por causa da aspereza ou da vulgaridade das cores que assumem. Não nos deixemos apanhar pelo embaraço, apesar de sua objeção. Pois é por causa de Deus que a vergonha cobre assim sua face, e se perdermos a oportunidade que eles nos oferecem de um dia partilharmos da glória que viverão na grande unidade, dividindo com eles, neste mundo, as fadigas e as injúrias que suportam para nos elevar até eles, não desfrutaremos nem da comunhão que eles tem com a grande unidade, nem do maravilhoso desenvolvimento de nossa unidade interior nem de nossas unidades particulares. Ou seja, jamais construiremos esse templo eterno, para o qual o homem encontra em si todos os materiais.

23

Quando os homens observam objetos naturais ou artificiais, que se apresentam a eles pela primeira vez, a primeira coisa que fazem não é se perguntarem como podem empregar esses objetos e qual a finalidade deles? É por isso que logo descobrem qual é o objetivo ou o espírito de todas as coisas úteis, necessárias ou agradáveis que os cercam. Por que, então, não se perguntam, com o mesmo cuidado, para que serve o homem? Ou, antes, por que lhes respondem tão mal quando fazem essa pergunta? É que ainda são infantis, e da mesma forma que na infância, quando tiveram vontade de interrogarem a si próprios, aqueles a quem se dirigiram regrediram a um estado ainda anterior a esse estado de infância, em relação a essa questão, maior.

Não temamos que a alma do homem renegue as respostas sublimes das quais, como mostramos até agora traz a fonte em seu próprio seio. Quanto mais ela se abrigar em sua própria grandeza, mais encontrará numerosas confirmações dos valores preciosos e do destino sagrado do qual nós a havíamos anunciado como depositária. E somente o homem fraco, tímido, cego e indolente desconhecerá o motivo por que recebemos a existência.

Aquele que, ao contrário, tiver coragem de contemplar atentamente a verdadeira essência, que distinguir com cuidado o seu pensamento do ser tenebroso que nos acompanha por um tempo, que, enfim, for conduzido com esse ser inferior, e subordinado como aquele servidor do evangelho que, chegando dos campos é obrigado a se preparar para a luta das Paixões a preparar a comida de seu mestre e esperar que seu mestre termine a refeição para comer a sua, não concederá nada às necessidades da matéria até que seu espírito esteja satisfeito. Servindo primeiro ao mestre, descobrirá nele não somente qual é o destino do homem mas também o caminho que o conduzirá ao cumprimento desse destino.

Ora, esse caminho será para ele, não duvide, aquele que indicamos até aqui, quase a todo momento, e que teremos prazer em relembrar, porque é desse caminho que necessitamos, já que temos uma viagem a fazer.

Assim então, aprofundando-se em si próprio, ele encontrará um grande templo onde ouvirá um zeloso pastor que sem o ver, gritará para ele com todas as forças: lamentação, exclamação, purificação, santificação, suplicação, consagração, administração. Heis, ao mesmo tempo, tua tarefa e os meios para realizá-la. É assim que se cumpriram as santas promessas que o eterno fez em juramento ao teus Pais. É assim que tornarás a herança do Senhor, depois que ele tiver te livrado da fornalha de ferro onde se adoram os astros, que tiver te tomado como seu povo dentre todas as outras nações, que tiver querido ser ele próprio o teu Deus, entre todos esses deuses passageiros a quem veneram todos os outros povos e ele tiver te concedido esse país onde estarás suficientemente pleno dele para poder jurar pelo seu nome (Deuteronômio cap.4 e 6).

Porque é na manifestação do nome do Senhor que se encontra a plenitude de sua glória, e essa manifestação só pode ter lugar entre as nações pela voz do povo que ele escolheu para esse desígnio, isto é, pela voz do homem. Heis por que ele pede incessantemente a esse homem refratário para se ocupar de seu destino sagrado.
Pede isso pela necessidade que pôs na alma do homem; pede através de todos os símbolos que o universo apresenta continuamente, mas que, sendo impotentes para realizar uma tão grande obra, são limitados à categoria de símbolos, deixando ao homem o cuidado de exprimir a realidade. Pede por todas as leis representativas e figurativas, civis, políticas, históricas, naturais e sobrenaturais. Enfim, ele próprio veio pedir para que o homem se entregue a esse santo empreendimento, e começou por fazer nascer nele esse Novo Homem, que só se desempenhará dignamente quando tiver atingido sua idade competente e tiver cumprido as medidas traçadas pelas leis eternas da sabedoria, que podem bem, neste mundo, sofrer qualquer ampliação ou subdivisão, o que as reduz mas não muda o seu caráter.

Por que Deus pede ao homem por meios tão variados, tão reiterados, tão elevados e tão contínuos? Para que ele seja em tudo a imagem e a semelhança dessa divindade eterna. Porque não é suficiente para essa semelhança que o homem possa entender as maravilhas da sabedoria, não é suficiente que ele possa representá-las e exprimi-las por suas obras, não é suficiente que sua palavra possa repetir ao redor dele as obras dessa divindade suprema. É preciso que como ela, ele possa exercer semelhantes direitos voluntariamente e pelo privilégio sagrado de seu santo caráter, a fim de que, partilhando dos poderes de seu eterno princípio, partilhe também da glória, tornando-se assim a imagem simbólica. Heis por que a sabedoria divina lhe pede com tanto amor e tanta habilidade, evitando cuidadosamente forçá-lo, porque considera e respeita, no homem, esse privilégio honroso do qual ela própria o fez depositário.

Homem, quando tiveres chegado a essa terra que Deus prometeu por juramento a teus Pais, tem o cuidado de observar fielmente as leis e as ordens do Senhor, se queres te manter por longo tempo em tuas posses, e se não queres que as nações que deves subjugar te escravizem para que o Senhor considere e respeite, por assim dizer, o privilégio honroso do qual ele te fez depositário, deves colaborar com ele para o cumprimento dos seus desígnios e a manifestação do seu nome. E ele não se preocupa menos com sua justiça do que com sua glória. Ao mesmo tempo que tenta não te constranger em tuas obras puras e gloriosas, tem o poder de impedir tuas obras falsas e de resistir aos esforços de tua vontade criminosa.

Assim não é suficiente que repudies esses esforços impotentes de uma vontade criminosa; é preciso ainda que te cuides para seguir somente os esforços de uma vontade prudente e dirigida pelas luzes de tua sabedoria simples e natural, se quiseres que uma sabedoria superior a tua venha se estabelecer em ti, fazendo ai eternamente sua morada.

Quando então te for permitido tomares posse da porção da terra prometida que te foi outorgada, lembra-te que é o Senhor que te dará os meios de entrar nela e que teu único mérito será o de utilizar esses recursos. Lembra-te que foi ele próprio que criou essa terra onde encontrarás tanta riqueza e tanta abundância. Lembra-te que se ele não te protegesse o tempo todo, não poderias ficar em segurança um instante sequer. E heis aqui a que se podem reduzir os significados dessas representações espirituais.

Antes de dizer em nome do Senhor, espera sempre que o nome do Senhor se instale em ti. Não deves pronunciar esse nome poderoso de memória. É pelo sentimento, pelo impulso e como que sendo pressionado pelo poder de sua atuação irresistível. Gostarias de ser como aqueles que o pronunciam diariamente por eles próprios, e cujas idéias acerca dele e o respeito que lhe devem se confundem com os movimentos mais imperceptíveis de sua alma, não deixando traços mais profundos? Há os que são ainda mais culpados, pronunciando-o apenas por causa de sua condenação. Mas essa representação seria mais dolorosa e mais perigosa aos olhos do Novo Homem; é melhor deixar que ele a ignore e mostrar-lhe por que deve esperar que o nome do Senhor se instale nele antes de ousar dizer em nome do Senhor.

O que eras tu, homem, quando o eterno te fez nascer? Procedias dele, eras o ato vivo do seu pensamento, eras um Deus pensado um Deus querido, um Deus falado, não eras nada até que ele exprimisse seu pensamento, sua vontade e sua palavra. Ele não mudou a lei; somente ele pode te engendrar, e só através dele podes engendrar obras regulares. Então, se ele não engendra seu nome em ti antes que digas em nome do Senhor, atuas somente com a memória quando pronuncias esse nome. Heis por que tantos homens o pronunciam em vão sobre a terra, provando-nos de maneira tão dolorosa, que infelizmente, o homem não é, não vive e não atua, senão na futilidade e no vazio.

24

Se o Novo Homem quiser que a palavra seja viva nele, só poderá alcançar essa graça perecendo nessa mesma palavra; e se lhe foi dado o poder de tirar proveito das incomensuráveis magnanimidades do tempo, é a fim de que possa atingir esse glorioso fim por meio de avançar delicado e imperceptíveis que o preparam para unir-se à grande unidade sem ser ofuscado por seu brilho ou consumido por seu calor ardente. É, ao mesmo tempo, para que os combates que lhe são propostos em seus diversos avanços sejam sempre proporcionais a sua coragem e a suas forças.

Porque mesmo na ordem da moral simples e comum, se morrêssemos um pouco todos os dias, evitaríamos de morrer totalmente de uma vez, como ocorre a quase todos os homens, que, por essa razão, acham a morte tão penosa. E a morte física final do nosso corpo não nos pareceria mais desagradável do que a morte momentânea pela qual passamos a cada instante. Bem mais, viveríamos um pouco todos os dias, em razão das porções de morte que teríamos destruído. Pela falta dessa preocupação e por se aprofundar na falsa vida, o homem perde diariamente as faculdades que lhe foram outorgadas, pela natureza e pela verdade, para que se mantivesse durante a viagem terrestre. Da mesma maneira, os homens que se entregam a impetuosidade estão sempre aquém da medida, seu coração não deseja mais a virtude; seus ouvidos não tem mais sensibilidade para a verdadeira música; perdem até mesmo suas faculdades animais e digestivas, que se tornam nulas por sua intemperança.

O Novo Homem, cujo destino está tão acima da sabedoria comum, deve, como já dissemos, morrer continuamente na palavra, se quiser que a palavra viva nele. E deve morrer progressivamente a fim de que possa viver um dia em toda sua força e em toda sua plenitude. É preciso que viaje silenciosamente pelas margens dos rios, que combata, a cada passo, os animais que encontra, e que supere os obstáculos de cada dia. Para isso recebe, imperceptivelmente, uma criação tripla que purifica seu corpo, sua alma e seu espírito, enchendo-os do fogo da vida, porque o fogo o cobre e o penetra com a palavra do testemunho.

Vejamos, então, o Novo Homem crescer em paz. Vejamo-lo sacrificar a cada momento tudo o que não pertence ao reino da palavra, fazendo assim com que a palavra tome o lugar de tudo o que a constrangia e a impedia de vir demonstrar a esse homem que ele é um pensamento do Deus dos seres, uma palavra do Deus dos seres, uma operação do Deus dos seres. Vejamo-lo, por esses sacrifícios diários e contínuos, morrer gradualmente na palavra, e confiar de tal modo nessa palavra, que ela própria possa ressuscitar nele na mesma medida, terminando por manifestar nele, completamente e universalmente, sua ação de vida, quando ele por fim manifestar nela, completamente e universalmente, sua ação de morte.

Aí então esse Novo Homem terá realmente saído do estado de infância em que está agora esse Filho querido do espírito, que já vimos nascer e mesmo comparecer perante os doutores, quando tinha doze anos, mas que não atingiu esse estado de virilidade que aperfeiçoamos por antecipação e que é preciso não confundir com o estado de felicidade que nos espera após nossa morte corporal, se tivermos seguido as leis da sabedoria.

Porque essa ressurreição da palavra em nós, essa virilidade enfim, da qual adiantamos alguns traços, nos pode ser concedida neste vale de lágrimas, se nos alimentarmos de esperança e se nos conduzirmos segundo o instinto que ela nos sugere. E se não tivermos outras explicações a dar acerca da felicidade do homem, que não sejam aquelas que nos apresentam os ensinamentos comuns, não acreditemos ter feito o suficiente por nossos semelhantes.

Vejamos então, ao longe, esse Novo Homem, desfrutando abundantemente os direitos de sua existência e dos inúmeros favores do princípio regenerador que quis penetrá-lo. Vejamos esse homem como os diques de um grande rio, limitando-o e retendo-o em suas margens, de forma que não saia mais, e que leve calmamente suas águas fertilizantes para todas as regiões que percorre. Mais do que isso, vejamos como ele se prepara para esse magnífico destino.

É dizendo na prece: fica sempre a meu lado, fica sempre comigo e em mim, sê tu mesmo o operário que escava o leito do rio, e não permitas que um só momento se passe sem que tenha tirado algumas pedras, arrancado algumas raízes ou limpado algumas imundícies, a fim de que, dia a dia, o curso desse rio se torne mais livre e que, enfim, todo o meu ser seja banhado.

Longe de duvidar dessas provas espirituais que encontrará em seu caminho, e das quais apresentamos acima os benefícios, ele dirá, como Jeremias, 48: Moab, desde a sua juventude, esteve na abundância, e repousou sobre suas fezes; nem passou de um vaso para outro, nem foi levado cativo. É por isso que o seu gosto permaneceu o mesmo e o seu odor não mudou.

O Novo Homem considerará essas palavras instrutivas e ensinará o quanto é útil para nós que ele tenha muitos domínios, afim de que possamos ser experimentados novamente e pagar em dobro nos domínios seguintes, se tivermos pago nada nos domínios anteriores. Ensinará o quanto é benéfico para nós suportar diferentes servidões nesses diversos domínios, pois todas essas servidões, quando nos são enviadas pela mão do Senhor, só podem ter por objetivo nosso próprio aperfeiçoamento. Pois, mesmo na ordem da natureza, quantas árvores não precisam ser transplantadas? E, com efeito, se não fosse necessário que passássemos por essas diversas purificações, ele teria somente um domínio. E se não tivéssemos necessidade dessas diversas contemplações, ele teria somente uma região. Que sobriedade soberba tem a sabedoria do nosso Deus! Externamente, ele deixa reinar, na sua administração, as cores intensas da justiça, para imprimir por todo lugar o terror e o temor do seu poder. Mas dirige secretamente todos os meios dessa administração para nossa utilidade real e para nosso verdadeiro progresso, a fim de que, se tivermos que começar por temê-lo, possamos terminar por amá-lo.

É exatamente por isso que os profetas nos são tão caros, pois foram eles os primeiros a nos revelar os segredos divinos do amor a nosso princípio e que, compreendendo de uma vez e de um só golpe todos os séculos, criam sempre o termo consolador das suas obras, enquanto que nós, miseráveis mortais, só conseguimos perceber, aqui embaixo, o penoso começo.

Jacó, tu previas as consolações com as quais seria coberta um dia tua posteridade, quando desceste ao Egito e quando choraste pela aspereza da ordem do rei, que tinha feito descer, antes de ti, os teus Filhos? tua dor te fizera esquecer as promessas que o Eterno tinha feito a Abraão e que não sonhavas que após o juramento do Eterno tua descendência seria posta um dia de posse da terra de Canaã, em meio aos prodígios e as maravilhas que manifestariam os desígnios gloriosos que esse Deus soberano tinha para o seu povo, ao prepará-lo para a servidão no Egito.

E tu, Israel, quando foste enviado à Babilônia, esperavas ver a reedificação do teu templo? E não tomaste por brincadeira e mentira o conselho que Deus te enviou pelos seus profetas, de te entregar com submissão nas mãos do rei da Assíria, tanto que estavas longe de te convencer que esse Deus tinha para ti, desígnios benfeitores e salvadores? Enfim, povo escolhido, tu que estás pela terceira vez na servidão, não te recordas das palavras do teu legislador, ó, se eles soubessem onde todas essas coisas terminam! (Deuteronômio 32:29), e não percebes que sem essa prova tríplice não estarás suficientemente puro, para sustentar a majestade do teu Deus?

Foi a ti, particularmente, que ele reservou o privilégio de vê-lo em sua glória. Não em uma glória terrena e humana, como a ignorância e a cupidez não de querer te convencer, mas na glória do espírito, da palavra e do poder, pois foi por esses caracteres divinos que conheceste o primeiro entre todos os povos sobre a terra, e é por uma lei irrefutável que as coisas começam.

Ademais, esse triunfador que esperas em seu reino terreno, já não apareceu em ti em sua glória humana? E não foste tu que cantaste hosana, hosana, hosana, quando ele entrou em Jerusalém? Não foste tu que atiraste as vestes a seus pés? E ele não te disse, enfim que o seu reino não era deste mundo?

Novo homem, instrui-te por esses exemplos. Submete-te humildemente a todas as servidões que aprouver ao Senhor te enviar. Não te entregues por ti mesmo ao movimento. Serias como Moab, carregarias tuas fezes contigo, e o movimento de nada te serviria. Deixa agir soabre ti essa mão vigilante; ela jamais te levará a fazer movimentos nocivos, e só permitirá que entres realmente nas grandes provas do espírito quando tiver te dado tempo de depositar tuas fezes, porque então tu te separarás dessas fezes para sempre, e carregarás a vida, a saúde e o perfume nas vasilhas onde ela te verterá.

25

Quais foram as ameaças que Deus fez ao povo de Israel, caso ele se afastasse dos preceitos e das ordens que o Senhor lhe mandara por intermédio dos seus enviados? Que ele seria frustrado em todas as suas esperanças; que construiria casas e não as habitaria de jeito nenhum, que desposaria mulheres e os estrangeiros as desonrariam, que teria Filhos e filhas e não os educaria, que plantaria vinhas e semearia os campos e não faria a colheita.

Mas quais foram por outro lado, as promessas que Deus fez a esse mesmo povo, se permanecesse fiel a sua lei? Hei-las: (Deuteronômio, 6:10). O Senhor vosso Deus vos fará entrar na terra que prometeu por juramento aos vossos Pais Abraão, Isaac e Jacó, e vos dará grandes e excelentes cidades que não tereis edificado, casas repletas de todos os bens que não tereis fabricado, cisternas que não tereis cavado, vinhas e olivas que não tereis plantado.

Por que tão grandes promessas são ligadas à fidelidade do deus em observar sua lei? É que sua lei é o fruto e o espírito do seu nome, e o seu nome é o fruto e o espírito da sua essência. Ora, o que podemos conhecer que atraia mais sua ação suprema sobre nós do que a sua própria essência? Ele nos dá, então, a chave do seu amor quando nos diz, em todas as escrituras, que se lembrará das tribos de Israel por causa do seu nome, que não perderá Jerusalém de vista porque seu nome foi invocado sobre ela, enfim, que não permitirá, de modo algum, que seu nome seja desprezado pelas nações, e que desfraldará todo o seu poder para vingar os insultos que esse nome tiver recebido.

Mas entre todas as nações há alguma que carregue mais eminentemente que o homem o nome desse Deus supremo? E, entre os homens, há outro, que não o Novo Homem, suscetível de manifestar a glória e os benefícios ligados a esse imenso privilégio? É, portanto, nele que devemos aprender a admirar o maravilhoso caráter desse privilégio. Com efeito, não temamos nos perder ao descobrir, nesse Novo Homem, o caminho que o próprio povo hebreu seguiu sob os olhares da sabedoria suprema, que o arrancou das mãos dos seus inimigos através de prodígios e sinais extraordinários.

Ainda mais, consideremos esse Novo Homem como o órgão da palavra divina, através do qual ela quer se comunicar com as nações. Consideremo-lo como aquele anjo que transmitiu a Moisés, no monte Sinai, as leis do Senhor, a fim de que o povo fosse instruído acerca das ordens divinas, e que, observando-as, aprendesse, a dirigir os seus passos na direção da sabedoria e adentrasse os caminhos da sua origem primitiva.

Sim, Novo Homem, podemos ver em ti o monte Sinai por inteiro, com todas as maravilhas que lá se realizaram. Podemos ver, quando do teu nascimento miraculoso, esse lugar sagrado cobrir-se de nuvens celestes, das quais saem fogos e relâmpagos. Podemos ver os animais, tremerem por isso e o próprio povo não ousar contemplar o clarão, e te rogarem, como os hebreus rogaram a Moisés, que cubras tua face, para não os ofuscar. Podemos ver-te sozinho sobre essa montanha, durante quarenta dias, para receber todos os graus da tua ordenação na lei temporal. Podemos ver-te recebendo de Deus os preceitos do Decálogo, exprimindo-os a nós mais através de tua essência do que por tua palavra. Podemos ouvir-te dizer-nos em nome desse Deus, do qual apenas tu te aproximaste:
"E sou o Senhor vosso Deus que vos tirou do Egito, da casa da servidão",
"Não tereis deuses estrangeiros diante de mim",
"Não fareis imagens talhadas, nem qualquer figura do que está no alto no céu e embaixo na terra, nem de nada que esteja nas águas sob a terra",
"Não os adorareis de forma alguma, nem lhes rendereis o culto soberano. Porque eu sou o Senhor vosso Deus, o Deus forte e zeloso, que vinga a iniqüidade dos Pais nos Filhos, até a terceira e a quarta gerações daqueles que me amam e guardam os meus preceitos".
"Não tomareis o nome do Senhor vosso Deus em vão, porque o Senhor não terá por inocente aquele que tiver tomado em vão o nome do Senhor seu Deus".
"Lembrai-vos de santificar o dia do sábado".
"Trabalhareis durante seis dias e fareis tudo o que tiverdes a fazer".
"Mas o sétimo dia é o dia do repouso consagrado ao Senhor vosso Deus. Não fareis nesse dia nenhum trabalho. Nem vós, nem o vosso Filho, nem a vossa filha, nem o vosso servo, nem os vossos animais, nem o estrangeiro que estiver no domínio das vossas cidades".
"Porque o Senhor fez em seis dias o céu, a terra e o mar e tudo o que neles existe, e repousou no sétimo dia. Por isso o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou".
"Honrará vosso Pai e vossa mãe a fim de que possas viver durante um longo tempo sobre a terra que o vosso Deus vos dará".
"Não matareis".
"Não cometereis o pecado da carne".
"Não furtareis".
"Não levantareis falso testemunho contra o vosso próximo".
"Não desejareis, de modo algum, a casa do vosso próximo. Vós não desejareis a mulher dele, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nenhuma das coisas que lhe pertençam."

Tais são, com efeito, as leis e os mandamentos que o Novo Homem encontra nele mesmo, no momento do seu nascimento. E ele os pronuncia com tanta força e tanto brilho a todas as substâncias do seu ser, que se torna, por si próprio o terror de tudo o que não está em conformidade com a justiça, e a primeira voz da glória que é devida ao Senhor, como o principal ministro e o mais zeloso defensor do seu culto.

Desde esse momento, esse Novo Homem se torna responsável pela condução do seu próprio povo, que é ele mesmo. Ficará encarregado de dar ordens aos levitas e pastores, que terão o encargo de imolar as vítimas e cobrir o altar dos sacrifícios.

Ficará encarregado de construir a arca da aliança, de acordo com o plano que lhe foi apresentado sobre a montanha; ou seja, segundo essas bases radicais e fundamentais que recebeu da mão do espírito divino, no momento em que colocou nele a sua existência.

Ficará encarregado da direção de todo o exército de Israel, para fazê-lo ora estabelecer-se ao redor da arca da aliança, ora marchar contra os inimigos do Senhor.

Ficará encarregado de velar pela subsistência do povo, assim como por sua segurança e sua defesa. E quando vir seu povo entregando-se à incredulidade, invocará o Eterno e, em seu nome poderoso, fará correr a água da rocha diante dos olhos dos incrédulos.

Ficará encarregado de travar uma guerra sangrenta contra todos os povos que se opuserem a seu avanço e a seu progresso.

Ficará encarregado de exterminar o exército dos amalecitas e dos amorreões, não com armas fabricadas pela mão dos homens, mas com as armas sagradas que carrega em sua essência, elevando as mãos da sua alma em direção ao Eterno.

Ficará encarregado de punir o povo que escutar a voz de Balaão e dos falsos profetas. Poderá precipitar no abismo aqueles que forem bastante ímpios para ousarem oferecer uma homenagem estrangeira.

Ficará encarregado de receber, em cima do propiciatório, os oráculos do Senhor, para a administração do seu culto e os julgamentos do povo.

Ficará encarregado de fazer com que os enviados, escolhidos por ele entre o povo, percorram a terra prometida, contando todas as maravilhas que ela contém.

Ficará encarregado de renovar a aliança que o Eterno fez outrora com o povo, lembrando-lhe das maldições que o ameaçam, se não for fiel à lei do Senhor, e das bênçãos que o aguardam, se tiver confiança nos preceitos do Eterno.

Mas não ficará encarregado de introduzir o povo na terra prometida. A ordenação que recebeu não lhe permite acompanhar o povo pelos desertos, durante os 42 dias de marcha. Sua obra particular terminará, então, aquém do rio, onde se acha, simbolicamente, o limite da nossa lei temporal, e aí ele entrará na ordem do povo, para ser introduzido, com esse mesmo povo, por uma outra mão, no reino figurativo da lei espiritual, que também vai encontrar nele, até que descubra o reino figurativo da sua lei divina.

26

Homem de paz, Homem de Desejo, quantas vezes não te deixaste envolver em ocupações frívolas e ilusórias, que tomam perante teus olhos uma tal aparência de realidade, que até te fazem ignorar a passividade do tempo! Por que não poderias esperar o mesmo gozo e a mesma vitória sobre o tempo, abandonando-te ao culto de um objeto real, cujas características conseguem sobreviver ao poder corrosivo de todos os séculos? A diferença é que esses objetos ilusórios, passado seu encanto, te deixam em um vazio e em trevas ainda maior. Os objetos reais ao contrário prolongam suas doces influências até muito tempo depois de sua ação sobre ti.

Heis aqui a razão. Tu próprio és um ser real, que tens, sem nenhuma dúvida, a categoria mais distinta entre as realidades emanadas. Agora então que usas os direitos do teu ser e que tentas desenvolver os seus privilégios, te ligas, por uns tempos, a outras realidades superiores a ti, mais livres do que tu, pois não sofreram culpas e nem expiações, enfim, mais elevadas do que tu, além deste tempo que faz teu suplício e te serve de prisão. Ligando-te a elas, te ligas, ao mesmo tempo, à sua liberdade, segundo tuas forças, teus graus de regeneração e as medidas de misericórdia que te são concedidas. Assim, portanto, ligando-te a elas, elas se apoderam de ti, fazendo-te voar junto com elas pelos círculos especiais, onde encontras caminhos muito doces, porque lá não há obstáculos e tudo é pleno de luz.

Foi assim que Ezequiel, unido a uma dessas realidades, foi da Babilônia a Jerusalém para presenciar as abominações que os pastores cometiam no templo e assustá-los com as terríveis ameaças da justiça do Senhor. Foi assim que Habacuc, unido a uma dessas realidades, foi à Babilônia para levar alimento ao profeta Daniel. Foi assim que Felipe, unido a uma dessas realidades, conduziu pelo caminho o eunuco do reino da Etiópia, para lhe abrir os olhos acerca do espírito das escrituras santas. Foi assim, que São Paulo, unido a uma dessas realidades, foi transportado até o terceiro céu, onde ouviu coisas inefáveis. Enfim, foi assim que Jó, Davi e todos os profetas do Senhor, unidos a essas realidades, passaram os seus dias e suas noites nas contemplações das maravilhas de Deus, no júbilo pelo sentimento da grandeza do homem, e mesmo nas dores nutrientes da caridade, as quais, ainda que sejam mil vezes mais agudas do que as dores que criaram o mundo, fazem, contudo, a ambição do homem de Deus, porque ele sabe que deve encontrar neles o consolo e a vida.

É então pela tua união com realidades dessa ordem que estabeleces imperceptivelmente em ti esse reino espiritual, que ergue para ti o peso do reino temporal e te abriga do ar corrompido e adensado que se respira.

Não esquece que tua palavra, imitando a palavra do Eterno, não deve, de modo algum, recuar diante dos inimigos, e que, uma vez que tenhas pronunciado a firme resolução de subjugá-los, não deve, de modo algum, recuar diante dos inimigos, e que, uma vez que tenhas pronunciado a firme resolução de subjugá-los, não deves mais permitir-lhes resistência, até que teu domínio sobre eles seja completo. Pois bem, conserva a mesma resolução no desígnio de unir teu ser a uma dessas unidades superiores que não se apercebem do tempo. Esquece de ti próprio na procura desse tesouro inestimável; essas unidades farão com que não te apercebas do tempo mais do que elas, e te farão desfrutar, por antecipação, dessa paz santa que habita com elas em sua atmosfera celeste, mas que neste mundo, é conhecida apenas por servir de vítima contínua ao tempo.

Mas não te entregues à impaciência, como os hebreus no deserto, se teu êxito não for tão rápido quanto teus desejos forem ardentes. Lembra-te "de todo o caminho por onde o Senhor, seu Deus, os conduziu durante quarenta anos, para puni-los experimentá-los, a fim de que aquilo que estava escondido em seus corações fosse descoberto, e que se soubesse se eles seriam fiéis ou, infiéis em observar suas ordens lembra-te de que ele os afligiu com a fome e que lhes deu por alimento o maná, que era desconhecido dos seus Pais, para lhes fazer ver que o homem não vive somente do pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus; lembra-te, enfim, que o Senhor, seu Deus, dedicou-se a instrui-los e a discipliná-los, como um homem se dedica a instruir e a disciplinar seu Filho."

Ademais, homem meu irmão e meu amigo, por essa doce virtude, não gravamos uma imagem viva do nosso princípio? O que faz ele, do alto do seu trono, senão manifestar uma inalterável magnanimidade, pela qual se mostra paciente com relação a todos os obstáculos e a todas as resistências? Criemos para nós, então, como ele, um santo retiro no meio das atmosferas corrompidas que nos rodeiam.

Sejamos como o pardal solitário sobre o telhado, e que mesmo nossas lamentações sejam temperadas perpetuamente pela esperança e por uma segurança inabalável. Se somos os Filhos de Deus, ele não nos perderá de vista. Os obstáculos e as fraquezas, assim como os prazeres, fazem parte dos planos que ele traçou para nós, e devemos estar certo de que ele se ocupa de nós com muito cuidado, consideremos-lhe sempre como o nosso Pai, mesmo quando estamos longe dele.

Sim, nós podemos, como ele, pela paciência, mostrar nossa unidade, nossa superioridade sobre o tempo, isto é, nossa espiritualidade, nossa divindade. Quando tivermos vencido o tempo pela paciência, heis o que a mão benfeitora desse princípio soberano nos reserva.

A matéria se precipita abaixo do espírito, o espírito se eleva acima do nosso corpo tenebroso. Ele se divide, em nós, em puro e impuro, e uma unidade superior nos descobre um vasto campo. Sem seu auxílio divino, o homem como que se arrasta na lama, mal pode vislumbrar, do fundo de sua antiga morada, alguns raios da claridade celeste, e sua orelha espessa e dura sequer percebe o concerto harmonioso que os Filhos da luz formam diante do trono do Eterno. Mas, desde que essa vida suprema deixou cair sobre o homem seu orvalho vivificante, que palavras descreveriam as consolações e a serenidade que o aguardam? Que palavras explicariam o estado do pensamento do Novo Homem, quando ele se entregasse à contemplação das obras da sabedoria e ao gozo dos inefáveis enlevos que se apoderam de sua alma só de se aproximar da atmosfera da eternidade!

Seja bendita, fonte imortal de tudo o que existe! Somente em ti se encontra o ser e a vida; somente em ti está o sentimento de toda existência; somente em ti está a expansão da alegria e da felicidade de todas as criaturas. Fora de ti, nada poderia existir, porque se não existisses, não mais haveria o sentimento da existência, não mais haveria bênçãos, e esses são os elementos eternos da vida.

Novo homem, ó tu Filho querido do espírito, quando te acontecer "de pores o pé nessa terra prometida, após Deus ter te feito mestre desse povo de configuração alta e surpreendente, desses Filhos de Enoc, que tiveres visto por ti próprio, que tiveres ouvido, e aos quais nenhum homem pode resistir, saberás que o próprio Senhor passará diante de ti como um fogo devorador e consumidor, reduzindo-os a pó, arruinando-os, exterminando-os em pouco tempo, segundo o que te prometeu. Depois que o Senhor teu Deus os tiver destruído, diante de teus olhos, não diz em teu coração: é por causa da minha justiça que o Senhor me fez entrar nessa terra e me colocou de posse dela, pois essas nações foram destruídas por causa de suas impiedades, porque nem a justiça, nem a retidão do teu coração será a causa da tua entrada no país delas para o possuir; elas serão destruídas à tua entrada porque agiram de maneira impura, e o Senhor queria cumprir o que prometeu, por juramento, a teus pais, Abraão, Isaac e Jacó."

Sim, Novo Homem, será por essa justiça e essa homenagem prestada ao princípio soberano que te manterás na morada do repouso e da luz. Será dessa maneira que tuas forças crescerão e se manterão; será por isso que, mesmo estando no tempo, te perderás acima do tempo, nas santas contemplações das maravilhas que se descobrirão para ti e que te surpreenderão tanto quanto o teu próprio nascimento, se não estiveres preparado para esses prodígios pelo sentimento da tua existência divina.

Enfim, é por essa justiça e essa homenagem prestada ao princípio soberano que poderás desenvolver, cada vez mais, tuas relações com essas unidades superiores, as únicas que podem apagar para ti todos os traços do tempo, fazendo-te percorrer, continuamente, com elas as regiões que o tempo não saberia compreender em seu círculo, pois ele é misto e elas são simples, e ele lhes oferece apenas uma frágil barreira, que a ação simples delas penetra facilmente, enquanto que a ação combinada e obtusa dele jamais saberia penetrá-las.

27

Novo homem, "quando estiveres já dentro da terra prometida, lembra-te de somente oferecer sacrifícios ao teu Deus no lugar que ele tiver escolhido para que lhe rendas o culto devido. Não somente não imitarás essas nações ímpias que construíram altares em todos os lugares altos, sob árvores frondosas, para aí oferecerem seus sacrifícios ao Sol, à lua e a toda milícia do céu, como derrubarás todos esses lugares altos, todos esses altares e todos esses ídolos que neles são adorados. Não deixarás subsistir o menor vestígio desse culto ímpio, de acordo com o que o Senhor teu Deus te ordenou, e irás ao lugar que o Senhor te tiver indicado para imolar as vítimas."

Esse lugar, já o conheceste, já o viste, uma vez que nasceste. Porque esse lugar é esse mesmo Filho querido, concebido do espírito, à semelhança daquele que é o Filho único do Senhor pela virtude de sua geração eterna.

Evitarás, portanto, com muito cuidado, fazer sacrifícios ao Senhor em outros lugares de teu ser que não nesse Santo dos Santos, que é o único abrigo sagrado que ele poderia ter reservado para si nas ruínas do templo do homem.

Evitarás, com muito cuidado, erguer um altar para os teus pensamentos e para as representações, tão variáveis, das especulações do teu espírito.

Evitarás, com muito cuidado, erguer um altar às conjecturas inconsistentes e às tenebrosas percepções da tua inteligência.

Evitarás, com muito cuidado, erguer um altar a todos os falsos movimentos do coração do homem, que visam somente estabelecer nele um culto sacrílego, haja vista que ele próprio se torna o ídolo do templo, afastando a verdadeira divindade.

Evitarás, com muito cuidado, erguer um altar a todo o domínio dos astros, "se não quiseres que, um dia, teus ossos fiquem expostos, sobre a terra, a todas as estrelas do firmamento, como o foram os ossos do rei Jeroboão".

Mas é nesse Filho querido o concebido do espírito, é sobre essa pedra fundamental que erguerás teu altar ao único verdadeiro Deus, porque só aí ele pode ser honrado, só aí pode encontrar um ser que seja realmente sua imagem e semelhança, e que tenha as faculdades necessárias para compreender a linguagem divina e os oráculos da sabedoria eterna. Só aí também, poderás ouvir sua voz sagrada, receber as respostas que satisfazem tua inteligência e saciam todos os desejos do teu coração e todas as necessidades do teu espírito.

Compara as doutrinas dos outros deuses com a que podes aprender pelo Deus único, no santuário único, que escolheu para si no coração do homem. Esses outros deuses te ensinarão maravilhas sujeitas ao tempo, maravilhas que, se cumprissem alguma vez, seriam quase sempre vicissitudes das regiões mistas às quais esses deuses estão servilmente ligados, maravilhas que, não obstante seu cumprimento, se apagariam da tua memória depois que o acontecimento tivesse passado, sem deixar mais vestígios que os fatos da tua infância.

Esses deuses te darão cegamente o que lhes é dado, sem que possam prever as conseqüências disso e sem que saibam se será para teu benefício ou para tua ruína, porque eles próprios são cegos, e deveriam ser apenas órgãos da luz. Se não tomares precauções para preservar esses órgãos de todas as misturas que os ameaçam, poderão transformar-se em príncipes aos teus olhos e tomar, diante de ti, o título e as características do mestre, quando na verdade foram enviados para serem servidores. Felizes ainda se não forem seus próprios inimigos a sentar-se sobre seu trono, levando, assim, do engano à superstição, da superstição à idolatria, da idolatria à iniqüidade e à abominação!

Com o Deus único, que escolheu seu santuário único no coração do homem e nesse Filho querido do espírito que todos devemos fazer crescer em nós, tu não correrás os mesmos perigos e só terás frutos saudáveis a recolher, porque ele é o ser simples, o ser verdadeiro, o único ser impassível a toda influência que não a da verdade, reservando-se o poder de dá-la a conhecer e de manifestá-la em toda a sua pureza!

Foi isso o que ele ensinou ao povo hebreu, através de figuras, por intermédio do seu servidor Moisés. A terra da qual tomareis as sementes, faz-se vir água através de canais para regá-las, como se faz nos jardins (imagem desses cuidados penosos que o culto de deuses artificiais demanda e cujos favores dependem das leis físicas da natureza, que podem suspender o curso do Nilo e lançar a terra na esterilidade e na penúria), mas é uma terra de montanhas e planícies, que esperam as chuvas do céu, que o Senhor vosso Deus sempre visitou e sobre a qual lança os olhares favoráveis, depois do começo do ano até o fim. Se, portanto, obedecerdes aos mandamentos que vos dou hoje, de amar o Senhor vosso Deus e servi-lo de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, ele dará a vossa terra as primeiras e as últimas chuvas, a fim de que recolhais de vossos campos o trigo, o vinho e o óleo.

Sim, Novo Homem, heis o verdadeiro templo onde, poderás adorar o verdadeiro Deus da maneira que ele quer, pois todos os templos representativos e figurativos que ele permitiu a sua sabedoria conceder-te durante tua passagem pelas regiões visíveis, nada mais são do que as avenidas desse templo invisível, ao qual ele desejaria ver chegarem, em grande número todas as nações do universo. O coração do homem é o único porto onde o barco lançado pelo grande soberano ao mar deste mundo para transportar os viajantes até sua pátria, pode encontrar um asilo seguro contra a agitação das ondas e uma ancorarem sólida contra a impetuosidade dos ventos.

Não interditemos sua entrada, se não quisermos merecer, da sua parte, as acusações de ingratidão e desumanidade. Ao contrário, tenhamos o permanente cuidado de conservar esse porto em bom estado, e de limpar a areia que pode acumular-se diante dele, trazida a todo momento pelo mar. Tenhamos cuidado de remover o lodo e os sedimentos que aí se depositam todos os dias e que, se cobriam o fundo, impedirão que a âncora do barco se fixe. Tenhamos, sobretudo o cuidado de preparar todos os socorros que estiverem ao nosso alcance para aliviar os navegadores infelizes, fatigados pelo mar, de modo que encontrem todos os consolos que puderem desejar, a fim de que esse porto seja cada dia mais freqüentado, tornando-se assim útil e caro a todas as nações do universo. Desse modo, restabeleceremos, entre nós e nossos irmãos de todos os países, uma ligação salutar que nos fará desfrutar antecipadamente dos benefícios dessa comunhão universal, para a qual nos foi dada a existência e que é o primeiro objetivo, da ambição do Novo Homem.

É desnecessário dizer a esse Novo Homem que esse barco lançado pelo grande soberano dos seres é o nome do Senhor, pois foi através desse nome poderoso que o Novo Homem recebeu o nascimento. É desnecessário dizer-lhe que esse nome poderoso deve ancorar-se para esperar passar a tempestade, continuando em seguida sua rota, até que tenha conduzido ao seu destino os viajantes que ele carrega. Esse Novo Homem conhece toda essas grandes verdades, pois ele sabe que nasceu, que existe e que deve existir apenas para a conservação da lei do Senhor e para cooperar, tanto quanto puder, com os desígnios benfeitores que a sabedoria divina incessantemente estabeleceu, para a felicidade da posteridade humana.

Mas não podemos deixar de salientar, ainda aqui, os efeitos maravilhosos que esse nome poderoso opera em nós, quando se digna descer até nossa miséria e distribuir suas influências benéficas sobre todos nossos membros e todas nossas faculdades. Ouvir-me-ão aqueles que forem instruídos, quando lhes disser que esse nome, de repente faz brotar em nós uma afeição, para não dizer uma sensação tão nova, tão doce e tão consoladora, que dá a impressão de que nossa primeira existência foi abolida e apagada, sendo substituída por uma outra que não poderíamos conceber, a partir de nenhuma descrição que se pudesse fazer dela, se esse nome não derramasse sobre nós sua influência.

Homem, quem quer que sejas, se pela tua perseverança e pela tua prece, podes conseguir que a mão benfeitora que vela por nós te faça sentir tua existência dupla, encerra preciosamente essas alegrias em teu coração e prosterna-te. Talvez, depois desses doces favores, sejas lançado novamente às fraquezas e aos obstáculos. Mas essas desgraças passarão como que por cima da tua cabeça. O grão será semeado e guardado na terra. Lá continuará, em sua calma obscuridade, seu feliz crescimento, não obstante os ventos, a neve, o gelo e a geada, com os quais a superfície da terra poderá ser coberta. E não deixará de apresentar seus frutos e sua fértil abundância, quando o tempo da produção e da colheita tiverem chegado.

28

Por que temo voltar freqüentemente à carga para advertir esse Novo Homem acerca das leis que deve obedecer, se quiser alcançar seu objetivo, e das alegrias e consolações que o esperam desde o momento que se cobrar sob a mão do Senhor? Não é através de golpes reiterados que o trabalhador conseguiu quebrar a rocha, para obter a pedra que deve compor o edifício? Não é através de um trabalho constante que ele dá à pedra a forma e o brilho que ela deve ter antes de ser colocada no lugar?
Lembra-te, Novo Homem, a que preço deverás te manter no posto que o Senhor te tiver dado. Moisés dizia aos hebreus: "Se o vosso irmão, Filho da vossa mãe, ou o vosso Filho ou vossa mulher, que vos é cara, ou vosso amigo que amais como a vossa alma, vos quiseres persuadir, e vos vier dizer em segredo: vamos e sirvamos aos deuses estrangeiros que nos são desconhecidos, como o eram para os vossos Pais os deuses de todas as nações, dos quais somos rodeados, seja de perto ou de longe, desde um extremo da terra até o outro, não vos rendais de modo algum às suas persuasões, não os escuteis e não sejais tocados de nenhuma compaixão acerca deles, não os poupeis e não guardeis segredo do que eles vos tiverem dito. Em vez disso, eliminai-os imediatamente. Que vossa mão lhes dê o primeiro golpe e que todo o povo bata neles em seguida".

Novo homem, é em ti mesmo que se podem encontrar todos esses parentes infiéis, os quais estás proibido de perdoar. Sequer um casal. Quando esse for o mais caro dentre aqueles que tentarem insinuar-se em teu espírito e lançar-te a um culto enganoso para qualquer outra porção de ti mesmo que não aquela onde a voz do teu Deus se faz entender, quando ele próprio tiver acendido a sua lâmpada viva no santuário do teu próprio templo, atira-o para longe de ti, bate nele sem piedade, entrega-o à justiça do povo e que ele expire sob o gládio do teu furor. Quanto mais exerceres a severidade com relação aos teus parentes sedutores, mais te assegurarás do reino e da glória do teu mestre, porque assim conservarás a unidade, a simplicidade e a santidade desse Filho querido que o deve representar sobre a terra.

Acostuma-te, também, desde já, a abarcar, através de uma visão ampla o círculo que deves percorrer e que compreende não só a eternidade e o tempo, com todas as causas que o fazem se mover, mas também todas as leis que essa sabedoria eterna enviou ao homem desde o instante da sua queda, as quais ela expõe sucessivamente diante dele, à medida que gira a roda dos séculos, e nas quais ele pode reconhecer sempre o mesmo espírito, o mesmo amor, a mesma justiça, a mesma beneficência, seja observando-as na sua primeira idade, seja observando-as nos diversos estágios de seu desenvolvimento. Porque foi a unidade que as ditou, e é a unidade que as dirige, que as faz crescer e manifestar sua luz, quando o tempo é chegado.

A única diferença é que essas leis te pareceram penosas e fatigantes, no momento em que tenhas ingressado no primeiro recinto desse santuário, porque esse recinto é limítrofe das nações estrangeiras contra as quais precisavas estar constantemente em guarda, ao passo que quando nos recintos interiores, essas leis te parecerão doces e calmas como a atmosfera da eternidade, pois serão elas que agirão por ti e em ti e te farão experimentar o repouso.

É esse o sábado que o salvador, do qual tu te tornaste a imagem e o irmão, trouxe para a terra e desejou que penetrasse o coração de todos os homens, porque ele próprio era esse lugar de repouso, e sabia quanto sua obra pareceria calma e deliciosa em comparação com a obra complicada de todos os agentes inferiores. Pois, ao dizer que o homem era o mestre do próprio sábado, quis se referir apenas a essa obra laboriosa e cheia de tormentos que ocupara até então a posteridade humana, e esse divino salvador veio abolir para substituí-la pela obra da paz e pelo sábado do amor.

Ademais, o que nos diz a sabedoria quando queremos contemplar nossos caminhos e os atalhos penosos do nosso retorno em direção à luz? Ela nos diz: dissipai vossas trevas materiais e encontrareis Deus. Quando o caos da natureza se harmoniza, o homem parece ser a voz da verdade para a administração do universo. Quando o caos espiritual a que o homem culpado se lança, foi dissipado, o salvador se mostrou como sendo a vida do espírito e o supremo agente da nossa libertação e da nossa regeneração. É então que a nascente do rio pode dizer às águas que correm: Vós sóis minha criação. É então que se pronunciarão realmente essas passagens proféticas e figurativas, repetidas tão freqüentemente nas escrituras: Vós sabeis que eu sou o Senhor: e serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo.

Portanto, se não dissiparmos nossas trevas materiais para encontrar o homem, nossas trevas espirituais para encontrar Deus, como poderemos sentir, com efeito, essa verdade se cumprir em nós, como poderemos sentir, novamente Deus engendrar nossa alma, como poderemos conhecer esse sábado que só se encontra em Deus, como podemos ver surgir em nós esse templo imperecível onde o fogo sagrado deve queimar eternamente e onde as vítimas não devem cessar de ser imoladas, para a manifestação da glória e do poder de Deus, que só pode ser conhecido dos santos?

Contudo, não abusemos: Neste mundo, só chegamos a esse final feliz para desfrutar de alguns momentos passageiros e alternados, dada a privação à qual estamos condenados. E não podemos ouvir, de uma maneira constante e sem interrupção, a palavra contínua que sempre cria. Mas não é suficientemente grande essa verdade que podemos aprender deste mundo, ou seja: que o coração do homem é a região que a Divindade escolheu para seu lugar de repouso, e que ela demanda somente o vir habitá-lo? Não é uma verdade suficientemente grande saber que Deus escolheu tal lugar para repousar porque o coração do homem é amor, ternura e caridade e que, consequentemente, esse segredo nos revela a verdadeira natureza do nosso Deus, que é de ser eternamente amor, ternura e caridade, sem o que não procuraria habitar em nós, se não fosse para encontrar essas indispensáveis relações?

Alma do homem, lembra de te cuidar e de te limpar cuidadosamente, pois estás destinado a receber semelhante hóspede. Lembra que deves ser o espelho eterno, sim, o espelho e o reflexo ativo do seu amor. Ainda que não passes, por assim dizer, mais do que um dia sobre a terra, permaneces nela um tempo suficientemente longo para observar e conhecer não apenas que esse é o objetivo de tua existência, mas também que ela é a via que te foi traçada para te manter no posto, seja ele qual for, que aprovar à sabedoria suprema te confiar durante essa estada passageira.

Vemos que, a cada dia, o Sol percorre um arco do seu grande círculo. Vemos que a cada dia esse arco é o único que ele percorre para nós, e vemos que percorre todos os pontos com uma regularidade perfeita. Tomemos aí o nosso exemplo e a lição que devemos seguir. Consideremo-nos como astros, cada um com um arco a percorrer na grande esfera da obra do nosso Deus. Desde o pólo até a linha do equador, seja qual for nossa latitude, percorramos nosso arco com fidelidade e sem deixar escapar o menor murmúrio, sem o menor impulso de inveja, nem de desejo de termos nascido em uma região melhor do que aquela a que estamos ligados. Percorramos nosso arco como faz continuamente o Sol, sem examinar se brilhamos sobre a feliz Arábia, ou sobre as areias da África, ou sobre os desertos da Tartária. Percorramos nosso arco, como ele, purificando as regiões que se encontram sob os nossos passos, sem deixar que as manchas e as influências nocivas que se elevam dessas regiões, ofusquem nosso brilho.

Não ambicionemos abarcar, em nossa rota, um campo mais vasto do que aquele que nos é prescrito. Se um único homem fosse suficiente para velar pelas necessidades de todas as regiões do universo, a sabedoria eterna não teria criado essa quantidade inumerável de indivíduos que compõem a família humana.

Sol divino, tu em quem todos os espíritos e todas as almas depositaram sua existência, tu que dominas o centro de nosso mundo espiritual, como o sol elementar domina o centro do nosso globo, a ti somente pertence o poder de clarear, ao mesmo tempo, como ele, todos os pontos da nossa atmosfera, equilibrando o peso das trevas com a abundância e a vivacidade da luz que difundes por todas as partes da região divina que habitamos. A ti somente pertence o poder de nos transmitir essa porção de luz que encarregas nossa alma de verter, em seguida, sobre as diversas regiões espirituais a que nos ligas.