Louis Claude de Saint Martin
Homem: sua verdadeira Natureza e Ministério
Sobre o Homem


As condições necessárias de um verdadeiro libertador se completaram em Cristo. "Está feito".

Estava reservado a Ele, o Princípio do Homem, reunir todas estas condições para o Homem. Nada senão este criativo, vital e vivificante Princípio poderia ser o verdadeiro libertador, porque o derramamento voluntário de seu sangue, ao qual nenhum sangue sobre a terra pode ser comparado, foi capaz, por si só, de realizar o completo deslocamento das substâncias estranhas mergulhadas no sangue do Homem.

Nada, senão este divino princípio poderia extrair a alma humana de seu abismo, e identificá-la com sigo próprio, a fim de que a alma fosse capaz de experimentar os prazeres de sua verdadeira natureza; só Ele, sendo o depósito da chave de Davi, poderia por um lado fechar o abismo e, por outro, abrir o Reino da Luz, restaurando o
Homem ao posto que sempre deveria ter ocupado.

Observá-lo somente de um ponto de vista externo e temporal, é não saber nada sobre o Redentor, é não se elevar, através de um desenvolvimento da compreensão, ao centro divino a que pertenceu. Vamos, então, traçar, a partir da diversidade de características com as quais foi revestido, alguns meios de adequar sua homificação (Antropomorfização) espiritual as nossas débeis faculdades, o que precedeu seu advento corporal.

Sendo o Eterno Princípio do Amor, era necessário, antes de mais nada, que ele tomasse o caráter de Homem imaterial, seu Filho; e para cumprir tal tarefa, foi suficiente olhar a si próprio no espelho da Virgem Eterna, ou SOPHIA, no qual sua mente havia gravado, por toda Eternidade, o modelo de todas as coisas.
Após se tornar Homem imaterial, pelo simples ato de contemplação de sua mente no espelho da Virgem Eterna ou SOPHIA, era preciso se revestir com o puro elemento, aquele corpo glorioso que está absorvido em nossa matéria desde a Queda.

Após se revestir com puro elemento, ele tinha que se constituir de princípio da vida corporal, unindo-se com o Espírito do Grande Mundo ou Universo. Depois de se tornar o princípio da vida corporal, era preciso se tornar elemento terrestre, unindo-se com a região elementar; para tanto, teve que se fazer carne, no ventre de uma virgem terrestre, revestindo-se com a carne procedente do pecado do primeiro Homem, já que foi da carne, elementos e espírito do Universo (Grand Monde) que veio nos libertar. Sobre isto, tenho que reportar o leitor a Jacob Boehme que tem emitido tão grande e profunda luz sobre este assunto.

Agora vemos porque o sacrifício feito pelo Redentor a cada passo, descendo das alturas de onde caímos, era necessariamente apropriado a todas as nossas misérias e todos os nossos sofrimentos. Este foi o único sacrifício que culminou com aquelas confortantes, ainda que terríveis palavras, "Está feito"; confortantes pela certeza que nos dá de que a obra está realizada, e de que nossos inimigos serão colocados sob nossos pés, sempre que seguirmos os passos daquele que os subjugou; terríveis porque se permitirmos que se tornem vãs através de nossa ingratidão e indiferença, nenhum recurso, então, nos restará, porque não podemos contar com nenhum outro Deus, e não há nenhum outro libertador a esperar.

Agora não é hora de expiar nossas faltas e limpar nossas manchas através do sacrifício de animais, já que Ele próprio expulsou as ovelhas, bois e pombos do Templo. Não é tempo em que os profetas podem vir e abrir a nós os caminhos do Espírito, pois já deixariam estes caminhos abertos e o Espírito olha por nós continuamente.

Finalmente, não é mais tempo de esperar que o Salvador das nações venha até nós, Ele já veio; sendo o princípio e o fim de todas as coisas, não podemos agir como se houvesse outro Deus depois dele, e nem lhe negar uma fé sem limites e uma convicção universal, já que tudo o que sabemos sobre isto aprendemos com ele, seria uma ofensa; a fé e a convicção de fato só poderia repousar nele, real e fisicamente, pois só o Redentor é universalidade. Está feito.

Desta forma, não temos outro trabalho, outra tarefa senão a de nos empenhar, ao máximo, a fim de participarmos da obra acabada e banir de nós tudo o que possa evitar nosso progresso.

Origem e natureza do mal moral, uma transposição, sua retificação.

Se o Redentor, pela virtude da simples mas frutífera lei das transposições, restaurou todas as nossas essências ao seu lugar e fez com que as trevas e a desordem desaparecessem para o Homem restabelecendo-o em seu posto, é fácil reconhecer que o mal não é um princípio essencial eterno, oposto através da necessidade de sua natureza ao Princípio de Deus, como acreditavam os maniqueistas; é fácil perceber que, como a liberdade é o caráter distintivo que coloca o ser moral entre Deus e a matéria, basta deixá-lo ao uso desta liberdade, que o Autor de todas as coisas não pode dar e tirar ao mesmo tempo, para conceber tanto a origem do mal nas criaturas morais como sua natureza inferior.

De acordo com esta explicação do mal, que se apoia unicamente nas deslocações (transposições) das substâncias, fica igualmente fácil perceber as várias propriedades e uso dos sacrifícios, além do processo e efeitos que procuramos explicar.

Finalmente, é simples perceber o quão vastamente superior foi o sacrifício do Redentor em relação a todos os precedentes, já que o próprio príncipe da iniqüidade que comanda o Homem, teve que ser transposto no abismo; estava reservado ao próprio supremo e divino comandante da Luz, Força e Autoridade obter tal vitória.

Não seria demais observar aqui que, embora os sacrifícios de sangue de Jesus terem tido continuidade após o grande sacrifício, chegando até à destruição de cidades, o povo não apreendeu senão a forma; o espírito foi inteiramente perdido, uma vez que o sacrifício da vítima divina estava mais longe deles do que nunca.

Portanto, a partir daí, só restou a degeneração cada vez maior e o período que culminou com a grande expansão de vingança sobre este povo culpado, mostra, de uma vez, a retirada da influência protetora (ação) do Espírito, e os terríveis efeitos da justiça do Espírito vingador; foi um julgamento severo, que não poderia ser executado ao mesmo tempo que a obra do Redentor, pois Ele veio unicamente para realizar a obra do amor e da misericórdia.

A Instituição da Eucaristia.

Embora o sacrifício do Redentor tenha colocado os homens numa posição de cumprir, quanto mais possível, aqui embaixo a sublime tarefa da regeneração, servindo e se unindo ao espírito e à verdade, Ele deixou também, quando partiu da Terra, um sinal da aliança, que poderia trazer sua presença e devoção aos nossos olhos diariamente; temos visto sinais e testemunhas após as várias manifestações das leis da justiça, os rituais Levíticos e as revelações proféticas que tem sido promulgadas desde o início do mundo.

Ele pretendeu que este sinal de aliança fosse como um desenvolvimento daquela semente divina que veio semear em nossa estéril e corrupta terra; e como somos seres compostos, Ele compôs este sinal de várias substâncias operativas, a fim de que todas as substâncias que nos compõem possam ser nutridas, preservadas e sustentadas, cada uma de acordo com sua classe e necessidade. Mas pretendeu, sobretudo, que esta instituição extraísse todo seu valor do Espírito, de onde tudo procede e pelo qual tudo é santificado; neste aspecto devemos observar quantas vantagens tal instituição pode nos oferecer quando nos elevamos ao sublime sentido que seu criador lhe deu.

Não há mistério para o Homem Espírito.

Se está escrito que devemos ser santos, abordemos o que é santo; devemos também ser espírito, então abordemos o que é Espírito; esta é a razão pela qual o Homem terrestre só enxerga com os olhos de trevas e profanação, enquanto que o Homem Espírito responde por tudo o que lhe é dado para seu uso e oferecido à sua reflexão.

Os ministros das coisas santas têm feito com que a mente humana reflita sobre estes assuntos relativos à Eucaristia inserindo, no que chamam de cerimônias sacramentais, as palavras mysterium fidei (Mistérios santos), que não aparecem no Evangelho e estavam longe da mente do Senhor; se nos empenhássemos em nossa verdadeira regeneração, como Ele nunca deixou de nos advertir, não haveria mistérios para nós, já que, ao contrário, fomos feitos para trazer à luz todos os mistérios, na condição de ministros da Fonte Eterna de Luz.

Como o espírito trabalha no símbolo.

Vamos lembrar que o Espírito repousava no cordeiro por ocasião da libertação do Egito e isto é o que deu todo valor ao sacrifício. Assim, vamos lembrar que a vida divina repousava, e ainda repousa, nas substâncias do sacrifício no novo pacto; uma vez que o Espírito da Verdade não foi espalhado em vão e não pode ser confundido em seus planos e efeitos; desde o início do novo pacto (e talvez desde o princípio) podemos nos referir ao pão e ao vinho como sendo marcados pelo espírito da vida que tem sido derramado sobre eles.

Não devemos nunca, em tempo algum, comer o nosso pão e beber nosso vinho sem trazer à mente o sagrado sinal com o qual têm sido investidos, não permitindo, assim, que caiam diretamente sob os poderes elementares que não são santos.

Estas substâncias estão unidas ao elemento puro, este está unido ao Espírito, que por sua vez, está unido ao Verbo e o Verbo está unido à primeira Fonte Eterna; através desta ordem harmônica, a instituição da nova aliança trabalha para o benefício de todos os princípios que nos compõem; de fato, ela trabalha em espírito e em verdade em todo o nosso ser; o pão sem fermento purifica nossa matéria; o vinho purifica nosso princípio de vida animal; o corpo glorioso ou elemento puro restaura em nós aquele revestimento primitivo que perdemos através do pecado; o Espírito trabalha nossa compreensão; o Verbo trabalha na raiz de nossas palavras; a vida trabalha em nossa essência divina; estes trabalhos consistem na elevação de cada ordem do ser até um grau além do ponto em que se estende sua ação.

Mais que nada, a instituição do nosso pacto tem como sinais quatro grandes e eficazes unidades, a saber:
A dupla relação elementar, que é comunicada a nós nas duas substâncias; a correspondência de todos os eleitos que tenham auxiliado o sacrifício, desde o início do mundo, eles estão sentados à mesa santa de onde fazem fluir em nossos corações, as palavras sagradas que ouvem, superiores talvez, àquelas conhecidas na consagração; O elemento puro ou o verdadeiro sangue e carne, que fortalecem todas as nossas faculdades de inteligência, e nossa atividade no trabalho; e, finalmente, o próprio Agente Divino que, sob os olhos do Pai, espalha a santificação, o selo e caráter do que tem recebido; sendo ao mesmo tempo o autor, ministro e fundador do sinal de sua aliança, restaura nosso peso, número e medida.

Ora, por que só este Regente Divino pode dar o batismo universal? Por que é o cordeiro que tira o pecado do mundo? Se não é unicamente a sua presença que restaura todos os princípios ao devido lugar, não há desordem senão na transposição?

Mas, sendo sujeito à lei do tempo, que tem dividido todas as coisas, Ele faz com que a sua virtualidade repousasse sobre os sinais materiais de sua aliança, apenas de maneira passiva, aguardando uma reação por parte do Homem renovado; assim, durante o curso de sua obra na Terra, Ele próprio esperou que a reação do verbo de seu

Pai desenvolvesse seus próprios poderes.

Por esta razão é que realizou esta instituição para os homens regenerados por ele, enquanto ascendia à sua origem, para beber o novo sumo do vinho celeste e para pronunciar incessantemente, no reino invisível, palavras de vida correspondentes àquelas do sacramento. Desta forma, os homens regenerados, que devem administrar seus sacramentos, estão em relação harmônica (conformidade) com Ele e sua obra regenerativa, sendo capazes de conectar com esta obra regenerativa todos aqueles que desejam dela participar, ingressando em espírito e verdade.

Vamos lembrar que estamos mortos, e que o Redentor teve que penetrar nossa morte para se tornar como nós; mas como ao entrar em nossa morte ele não deixou de estar na vida, ao se fazer como nós ele ainda era nosso princípio único; portanto, ele não poderia morrer sem se elevar novamente e sem nos elevar com ele; esta ressurreição foi necessária para que pudéssemos provar, louvar e celebrar a Vida, que foi e será eternamente, o objetivo da existência de todo ser espiritual, feito à imagem do Autor Soberano de todos os seres.

A instituição do Superior tinha, então, o objetivo de retraçar esta morte e ressurreição em nós, mesmo antes da dissolução de nossas essências corporais; isto é, nos ensinar a morrer com o Redentor e com ele nos elevar novamente. Assim, esta cerimônia religiosa, considerada em toda sua sublimidade, pode se tornar em nós realmente uma emanação, criação e regeneração ou uma perpétua e universal ressurreição; eu diria que pode nos transformar no reino de Deus, e nos tornar uno com Deus.

A porção do Homem na ceia; confissão e fé.

Ao mesmo tempo, é essencial que o ministro repita incessantemente aos fiéis as palavras do instituidor: "A carne não traz benefício algum: minhas palavras são espírito e vida"; pois quantos espíritos tem sido mortos pela letra de outras palavras! Todo pensamento da carne e do sangue deve ser banido tanto do ministro como de nós, isto é, devemos ascender, como o Redentor, à região do puro elemento, nosso corpo primitivo que contém a Eterna SOPHIA, as duas tinturas, o espírito e o verbo. É somente a este custo que aquilo que circula no reino de Deus, pode também circular em nós.

Se não nos elevarmos a esta sublime unidade que abarca todas as coisas, através de nossos pensamentos, se confundirmos a instituição com a obra que deve ser realizada internamente e se confundirmos o fim com os meios, o subsidiário com o essencial, estaremos longe de cumprir o espírito da instituição. Este espírito requer que confessemos a morte do Cristo à nossas próprias iniqüidades, a fim de extraviá-las; confessá-la aos homens de Deus, de todas as épocas, para que possam estar ativamente presentes em nossa obra; confessá-la a Deus, para lembrá-lo de que fomos trazidos à vida desde que Ele selou seu próprio selo e caráter no libertador que escolheu; finalmente, é necessário que confessemos esta morte ao inimigo, em todo lugar, a fim de fazê-lo fugir, pois este foi o objetivo da morte corporal do Redentor.

Ora, a instituição da Ceia foi deixada para nos ajudar a trabalhar efetivamente nesta obra viva, a qual temos que realizar individualmente. É nesta obra viva que todas as transposições desaparecem e tudo retorna à sua própria posição, recuperamos aquele puro elemento ou corpo primitivo, que só pode ser restaurado na medida em que sejamos novamente a semelhança de Deus; porque a verdadeira semelhança de Deus só pode habitar tal corpo.

A divina forma humana.

Podemos aqui descobrir a fonte natural de todas aquelas representações antropomórficas das quais o mundo está cheio. Se os escultores representam todas as virtudes terrestres e celestes, sob formas humanas, seja masculina ou feminina; se os poetas personificam todos os deuses e deusas do Empíreo, além de todos os poderes da natureza e dos elementos; se sectos religiosos enchem seus templos com estátuas humanas, o princípio de origem destas práticas não é, de forma alguma uma ilusão, assim como são os efeitos.

A forma humana primitiva deve, de fato, mostrar-se e reinar em todas as regiões. O Homem, sendo a imagem e extrato do centro generativo de tudo o que é, sua forma é o lugar onde todos os poderes de cada região vinham exercitar e manifestar suas ações; em uma palavra, era o ponto de correspondência para todas as propriedades e virtudes. Assim, toda representação que o Homem faz de si mesmo, reproduz apenas a figura daquilo que poderia e deveria ser, recolocando-o, figurativamente, numa posição (medida) na qual ele não está.

Vamos observar, que, quando os sábios comparam o corpo humano com o dos animais, o que chamam de anatomia comparativa, nosso corpo real não entra nesta comparação anatômica, o que de fato nos ensina que somos como outros animais.

Seria melhor que comparassem nosso corpo superior, que não é animal, com nosso próprio corpo animal, se quisessem obter nossa verídica anatomia comparativa; não é suficiente observar coisas em sua similitudes, é essencial observá-las também em suas diferenças.

Da comparação de nossa forma atual com a primitiva, podemos obter resultados úteis sobre a questão de nosso destino original; mas na falta desta importante comparação, que de fato estaria ao alcance de poucos, devemos ao menos extrair indícios luminosos sobre nosso estado anterior, das maravilhosas obras que ainda produzimos através de nossos órgãos corporais; coisas que apesar de nossa condição de queda e dos meios artificiais aos quais estamos restritos, devem abrir nossos olhos às maravilhas naturais que poderíamos ter engendrado se tivéssemos preservado os direitos pertencentes a nossa forma primitiva.

Imagens religiosas e suas origens.

O abuso do antropomorfismo religioso que encheu os templos com imagens humanas rapidamente se transformou em objetos de adoração e idolatria pelo simples fato de ter surgido do exato movimento do coração de Deus para a restauração da humanidade, no momento de nossa queda, quando este coração divino se tornou Homem Espírito.
Como o pacto da restauração é implantado em todos os homens através de sucessivas gerações, eles estão sempre prontos a vê-lo germinar e a olhar os ídolos humanos como a expressão e o cumprimento deste pacto ou a necessidade que tanto sentem de cumpri-lo, embora isto seja desordenado. Além do mais, os homens estão sempre prontos a formar para si próprios, tanto interna como externamente, modelos perceptíveis de acordo com a obra a ser realizada por eles.

Assim, a necessidade de ter um Homem-Deus por perto e a prontidão em acreditar segundo seu desejo, tem sido a origem dos ídolos humanos e sua adoração. Depois disso, ficou fácil operar, através da fraude, sobre a fraqueza e a ignorância a fim de propagar a superstição, seja de forma absurda ou até criminosa; é sempre necessário, até mesmo neste caso, excluir a origem espiritual ativa do antropomorfismo, como mostramos acima.

A obra da perfeita regeneração após a morte; o poder do inimigo; a Virgem na alma.

Nada senão a renovação de nosso ser, aqui embaixo, pode produzir ao Homem, o que ele procura em vão em suas superstições e ídolos; esta própria renovação é apenas uma preparação para a perfeita regeneração, que, como vimos, só ocorre com a separação de nossos princípios corporais ou o derramamento de nosso sangue. Além do mais, após a morte somos removidos para o grande ternário, ou o triângulo universal, que se estende do Primeiro Ser à Natureza; cada uma das três ações extraem para si todos nossos princípios constituintes: divino, espiritual e elementar, para restabelecê-los, se formos puro, e restaurar a liberdade à nossa alma, para que acenda novamente à sua fonte. Isto é o que Cristo permite que seja feito a si mesmo, fisicamente, através de sua morte e sepultamento.

Mas, se não formos puro, o inimigo que não se opõe a separação das partes corporais, que pertence à forma, se opõe à renovação dos princípios sobre os quais havia obtido o comando e os retém todos ao seu domínio, para o grande detrimento da alma desafortunada que se tornou sua vítima.

Podemos auxiliar a renovação de nossos princípios apenas enquanto possuirmos uma Virgem Eterna renascida em nossas almas, pela qual o Filho do Homem pode habitar a carne, com todas as suas virtudes e poderes; alcançar o renascimento desta Virgem Eterna em nós é reviver o corpo primitivo ou o puro elemento. Aqui, vemos escrito no Homem todas as leis dos sacrifícios simbólicos dos quais o Homem é realmente o objetivo, mesmo quando ele parece ser apenas um órgão ou instrumento.

O Homem é o microcosmo onde o sacrifício é oferecido.

O Homem sendo uma miniatura dos mundos físico e divino, é certo que seu corpo contém as essências de tudo o que há na Natureza, assim como sua alma contém as essências de tudo o que há na Divindade. Assim, deve haver neste corpo uma correspondência com cada substância do universo, conseqüentemente, tanto com animais puros como impuros e com tudo compreendido nos sacrifícios; embora, não possamos discernir tais essências em nós, podemos acreditar em suas correspondências externas, através das figuras e formas perceptíveis que apresentam em nossas mentes, também através de símbolos e imagens que assumem os bons e maus espíritos, diariamente e fisicamente para a nossa instrução ou provação. Contudo não é necessário, na ocasião do sacrifício, conhecermos tudo isto fisicamente para que nossa intenção seja pura, viva e para que estes primeiros passos da lei material se complete em nós; é suficiente que, pela retidão de nosso senso espiritual natural, permitamos que o princípio da verdade que nos anima aja, pois Ele tem sob si sacrificadores que irão sacrificar conosco os animais puros, oferenda que nos será útil, e separar de nós os animais impuros, que não devem participar dos sacrifícios. Esta é a lei que atua em nós e, por assim dizer, nos é desconhecida; ela requer de nós a pureza legítima ordenada ao povo judeu, mas não requer mais conhecimento do que tinha o povo quando abordou os sacrifícios; esta é a lei de nossa infância, que nos conduzirá com segurança à lei pura de nossa maturidade.

Não duvidemos que o sacrifício destes animais puros em nós abra um caminho de correspondências salutares, como ocorreu aos hebreus quando celebraram seus sacrifícios externos.

O efeito seria ainda mais certo e positivo, para cada homem individualmente, se não fôssemos continuamente perturbados por povos estranhos que aceitamos no sacrifício e pelos animais impuros que permitimos estar sob a faca do sacrificador, pois eles nos abrem correspondências invertidas; tudo deve atuar nos princípios do Homem, enquanto que na lei simbólica hebraica tudo atuou externamente.

Mas esta obra preliminar, estando além das forças do Homem, em sua infância, irá ter o ramo de conhecimento de seus mestres temporais como guia do Homem, dirigindo a obra em seu interior; os mestres devem responder por este Homem, quando ele chegar na próxima época.

A jornada individual rumo a Canaã. Os Dez Mandamentos.

Quando o Homem, devidamente preparado, chega a esta época, a lei espiritual dentro dele associa-se com o que é perceptível, até tomar completamente o seu lugar. Esta lei espiritual se anuncia através de uma incrível iluminação, como ocorreu aos hebreus no Monte Sinai; ela proclama conosco, em alta voz, o primeiro mandamento: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face".

Esta voz ressoa por todo nosso ser: ela não só faz com que todos os falsos deuses fujam pelo terror de suas palavras, mas também destrui todos os povos estranhos e os sentimentos idólatras que temos vivido entre os Caldeus, até sermos chamados à terra de Canaã.

Posteriormente, proclama todos os outros preceitos do Decálogo, que nada mais são do que uma necessária seqüência do primeiro. Como esta lei, terrível ainda que salutar, será proclamada somente quando já estivermos fora da terra do Egito, desfrutando da liberdade e engajados na lei do Espírito, deste momento em diante seremos responsáveis por nossa própria conduta sob a luz da lei espiritual. Portanto somos felizes ao "gravar esta lei em nossos corações e ao escrevê-la nos umbrais de nossas portas" (Deut. VI 9).

A sujeição espiritual individual, o sacrifício e a libertação levam à era profética individual.

Neste estado, a lei do sacrifício ainda nos é, sem dúvida, necessária; mas nós mesmos somos os Levitas e sacrificadores, uma vez que temos acesso ao altar e devemos, de acordo com a regra levítica, sacrificar ao Senhor, diariamente, vítimas de sua própria escolha, oferecendo aquelas de aroma agradável a Ele.

Devemos oferecer este sacrifício para o nosso próprio progresso no campo das correspondências, pois ao fazermos um uso santo de nossos princípios constituintes, nos reunimos às influências restauradoras (ações) da mesma natureza destes princípios. Devemos, mais ainda, fazê-lo de forma contínua a fim de nos adaptarmos ao espírito que se estabeleceu em nós, porque o ato deste espírito jamais deve ser interrompido, mas sempre reforçado.

Este alto empreendimento que podemos chamar de a primeira idade da lei do Espírito, está consagrado; este dever é tão imperativo que se falharmos, rapidamente cairemos no domínio de diferentes tipos de escravidão, análogas às nossas faltas; porém quando oprimidos pelo jugo dos déspotas, choramos ao Deus Todo-Poderoso, e Ele envia os libertadores para nos colocar novamente no caminho certo.

Os auxílios que Ele envia estão fundamentados na centelha de vida e na luz semeada em nós na medida em que invocamos a lei espiritual; esta nunca é totalmente extinta por nossas faltas, mas se fermenta ainda mais sob confinamento e sob as tormentas dos diferentes tipos de escravidão, emitindo alguns raios que a Divindade reconhece como pertencentes a Si, o que O induz a descer e auxiliar Suas miseráveis criaturas.

Ele, assim, procedeu com os hebreus, quando chegou a hora da libertação do Egito; não se pode esquecer que eles eram os filhos da promessa e carregavam consigo o espírito da eleição de seu pai; assim Ele procedeu com eles diante dos Juizes, quando representaram o Homem emancipado ou sob a lei da liberdade. É desta forma que sob uma quase ininterrupta alternação de quedas e recuperações chegamos à segunda idade do espírito, a profética.

Quando a idade profética individual é alcançada completamente, o espírito do Homem queima com ele a fim de propagar a Verdade, dá-se o início da Misericórdia.

Foi dito ao pai dos Judeus que todas as nações deveriam ser abençoadas nele. Ora, até a idade profética, o povo hebreu viveu bem separado das outras nações; a única relação que mantiveram com elas foi de luta; a lei proibiu que se aliassem com estranhos e ordenou que praticassem os rituais e cerimônias dos quais eram depositários, para seu próprio progresso; esta é uma representação do que devemos fazer durante nossa primeira idade ou lei espiritual, quando devemos nos separar de tudo aquilo que possa impedir nosso crescimento ou a aquisição de dádivas necessárias; que as nações possam, algum dia, ser abençoadas em nós.

Contudo, quando a idade profética chegou, os germens da Misericórdia foram primeiramente semeados em Israel, assim como a instituição dos sacrifícios havia plantado neles os primeiros germens do Espírito. Este povo que, até a idade profética, só pensou em si e desprezou todos os outros povos, começou, através da alma de seus profetas, a se sentir entusiasmado pelo retorno de outras nações à verdade.

Os profetas se tornaram oprimidos e aflitos por todos os males que afligiram, não só Israel, mas todas as nações pecadoras à sua volta. Eles foram enviados a declarar a ira do Senhor em Nineveh, Egito, Babilônia e na ilha dos Gentis.

A razão para isto é simples, era o momento em que as promessas da aliança com Abraão começaram a ser cumpridas; mas como os hebreus estavam mais adiantados com relação ao cumprimento destas promessas do que as outras nações, foram os primeiros a sentir as dores da Misericórdia, enquanto que os outros recebiam, até então, apenas advertências. Assim, quando o homem individual passa a primeira idade espiritual, também começa a sofrer pelas trevas de seus semelhantes e é pressionado pelo desejo de trazê-los à verdade.

Neste novo estágio, o Homem continua, sem dúvida, a observar a lei dos sacrifícios, que não pode ser inteiramente realizada até que derrame seu sangue; mas se acerca dele uma forte influência (ação) que em conjunto com a ação da primeira idade espiritual tomam o domínio sobre ele e o guia, é a própria Ação divina que está começando a aparecer no mundo: ela ainda deixa o Homem livre, pois é apenas uma lei iniciatória e um alerta.

Vemos muitos profetas resistirem às ordens que lhe são dadas; vemos homens, na sua segunda idade espiritual que não usam adequadamente os auxílios que lhes são oferecidos; é por esta razão que muitos eleitos nunca chegam à plenitude de sua eleição.

Não é menos verdade, contudo, que nesta segunda idade espiritual, ou em outros termos, esta primeira idade divina, o verdadeiro espírito de sacrifício que originalmente tinha como único objetivo a caridade e a felicidade dos outros, começa a ser cumprido.

O Espírito divino, descendendo sobre os profetas e pousando sobre eles o peso das nações, aliviou parte do peso que oprimia estas nações, que se tornaram capazes de melhor receber os primeiros raios de luz que as levariam ao caminho certo; em resumo, foram capazes, através das dores e angústias dos profetas, de ver se realizar sobre eles o que fora realizado perceptivamente por meios de sacrifícios materiais.

O homem individual, chegando a esta segunda idade espiritual, tem o mesmo emprego; podemos dizer que é só então que se inicia a idade da maturidade, ou verdadeiro Ministério Espiritual do Homem; é só então que ele realmente começa a ser útil aos seus irmãos, visto que, na idade anterior, ele era útil apenas à Natureza e a si próprio.

A idade divina para a bênção de todos.

Quando a grande época da salvação chegou, o verdadeiro espírito de sacrifício adquiriu uma extensão ainda maior; não era mais limitado, como na primeira idade espiritual, ao progresso de um povo particular e nem aos meros alertas dados às nações, como no tempo dos profetas; ela abarcou toda a família humana, impulsionando todas as coisas em direção ao cumprimento da promessa feita por Abraão, nele todos deveriam ser abençoados.

A grande época divina do Redentor recolocou o Homem no caminho da verdadeira recuperação e lhe deu os meios de libertar os escravos (com ele) da casa da servidão, manifestando a todos os planos e a toda ordem de coisas a Glória, Justiça e Poder do Ser Supremo cujo selo e caráter foram investidos no Homem pelo Santo Redentor.

Vemos aqui o verdadeiro significado da palavras dirigidas a Jeremias (I.10): "Vê: dou-te hoje poder sobre as nações e sobre os reinos para arrancares e demolires, para arruinares e destruíres, para edificares e plantares", pois Jeremias era um profeta designado apenas para os reinos terrestres enquanto que o reino de Cristo designou o Homem para todos os reinos espirituais.

Paz e harmonia sob a nova lei do Amor.

Vimos que quando o Homem chegou, pela primeira vez, na lei do Espírito, recebeu os preceitos do Decálogo: "Eu sou o Senhor teu Deus". Quando chegou na lei do Redentor, recebeu o mandamento de "amar o próximo como a si mesmo"; esta é a chave da obra do Cristo, pois que Homem sob escravidão, não faria tudo a fim de recuperar sua liberdade? Da mesma forma, ele deve fazer todo esforço possível para promover a liberdade do próximo se ele o ama como a si mesmo; se o Homem não ama o próximo como a si mesmo ele não é iniciado no espírito do Redentor que sustentou o amor a ponto de se lançar ao abismo em que nos encontrávamos para nos arrancar de lá consigo.

Ainda que de uma forma limitada, podemos executar aos nossos semelhantes a imensurável obra que o redentor executou a toda família humana ao quebrar os portões de sua prisão e morte diante de seus olhos; ainda é somente através de seu espírito que somos capazes de realizar a parte que nos cabe; se, através do sacrifício de animais, a lei destruiu as influências temporais regulares sobre o Homem; se através da lei profética, a Sabedoria trouxe influências espirituais regulares sobre as nações, nós, através da voz do amor e santidade do Redentor, podemos atrair sobre todos nós as próprias virtudes divinas, com paz, ordem e sagrada harmonia, de acordo com nossa capacidade aqui embaixo.

O aperfeiçoamento de nossas faculdades daqui para frente requer o sacrifício de tudo o que é deste plano.

Quando o revestimento de nossa existência se dissolver, quando o tempo já tiver passado por nós, suavemente, como um rolo de papel pergaminho, iremos apreciar o espírito da vida mais profundamente e beber com o Redentor o sumo fresco do vinho eterno que irá restaurar nossas faculdades em toda sua amplitude, a fim de serem empregadas segundo a sua determinação.

Contudo é em vão que prometemos a nós mesmos tal coisa, se não realizarmos sinceramente todos os nossos sacrifícios neste plano; não somente aqueles pertencentes a renovação pessoal, mas aqueles relacionados a oferta voluntária de todo o nosso ser terrestre e mortal, através de um cuidado diário de nossa parte, a fim de nos tornarmos uma vítima ordenada, sem manchas ou vergonha. Pois, na região invisível que entramos ao deixar este mundo, não encontraremos mais terra para receber os diferentes tipos de sangue, que devemos derramar, necessariamente, para recuperar nossa liberdade; e, se levarmos conosco nossa corrupção, provavelmente contida nestes diferentes tipos de sangue, nada nos restará além do sofrimento e da angústia, já que o tempo e o lugar para o sacrifício voluntário terão passado.

Esta vida é nossa décima primeira hora: trabalhe nela!

Vamos, então, nos preocupar com a vida real; com aquela obra ativa a qual devemos cada instante de nosso tempo e não deixemos de perguntar se haverá alguma futura angústia a temer ou não; tal será nossa preocupação e desejo de retidão.

O crime é a causa destes pensamentos desgastantes e o que leva o Homem ao crime é a inação, através do vazio da mente; o vazio da mente (espírito) joga o Homem no desencorajamento, fazendo-o acreditar que o tempo perdido não pode ser recuperado. Isto, de fato, pode ser verdade com relação a coisas feitas no tempo e para o tempo; mas será válido para o que pertence ao espírito? Não há tempo para o espírito... Não seria possível que um único ato realizado pelo espírito e para o espírito rendesse à alma tudo o que ela falhou em adquirir ou até mesmo tudo o que possa ter perdido pela negligência?

Devemos lembrar da "décima primeira hora", embora devemos também notar que, se aqueles que foram chamados àquela hora, receberam até mais do que sua devida paga, foi porque eles pelo menos trabalharam durante aquela hora, ao contrário, não teriam recebido nada; assim nós também não devemos ter nada a esperar, se, após termos passado as horas antecedentes de forma infrutífera, não completarmos nossa décima primeira hora, realizando a obra do Espírito.

Desde a Queda, só podemos ser meros trabalhadores da décima primeira hora, que, de fato, teve início no instante em que fomos privados de nossos direitos. As dez horas que precederam esta época, estão, por assim dizer, muito longe e perdidas para nós; assim a totalidade de nossa vida terrestre é realmente, para nós, senão a décima primeira hora de nosso verdadeiro e eterno dia, que embarca o círculo universal das coisas. Julgue a partir daí, se temos um momento sequer a perder!

Obstáculos e cruzes são pontos de partida: "Eu te digo, vigiai!"

Ao mesmo tempo, tudo o que é requisito para um desempenho útil e proveitoso na obra desta décima primeira hora, nos é fornecido abundantemente; planos, materiais, instrumentos, nada é retirado de nós. Até mesmo os perigos e obstáculos aos quais nos deparamos e os quais se tornam nossas cruzes quando fugimos deles, são passos e meios de elevação quando superados; a Sabedoria, ao nos expor a eles espera que triunfemos.

Sim, se tivéssemos mantido nosso posto fielmente, o inimigo nunca teria penetrado a fortaleza, por mais poderoso que fosse. Mas, é necessário guardar todas as entradas com tal vigilância constante que, de qualquer forma que ele se apresente, possa nos encontrar alerta e com vigor para resistir. Um único instante de negligência de nossa parte, é suficiente para o inimigo, que nunca dorme, fazer uma brecha, ascender e capturar o indivíduo.

Vamos tomar coragem. Se nossa restauração espiritual requer, na realidade, todo o cuidado, devemos ao menos considerá-la assegurada se resolvermos, pelo menos, assumi-la, pois a enfermidade da alma humana é, se é que posso usar a expressão, apenas uma espécie de transpiração reprimida; o Soberano não cessa de nos administrar sudoríficos poderosos e salutares que tendem incessantemente a restaurar a ordem e a circulação.