Louis Claude de Saint Martin
Homem: sua verdadeira Natureza e Ministério
Sobre o Homem


A prática dos sacrifícios entre outras nações; sua corrupção.

É evidente que o uso destas cerimônias entre outras nações não se atribui à religião Judaica e nem aos sacrifícios em que ela estava fundamentada, porque os Judeus eram um povo exclusivo e isolado, que não possuía relações com outras nações; isto porque eles deixaram de existir como um povo, somente na nossa época e, a partir de então, tem perdido o uso de suas cerimônias e sacrifícios; além do mais, tendo os sacrifícios estado em uso desde o início do mundo, quando este fora renovado após o Dilúvio, a renovação dos sacrifícios entre todas as nações deve ser atribuída à dispersão destas nações, que teriam carregado consigo os costumes e cerimônias de seus antepassados.

Não é, portanto, o prevalecimento universal dos sacrifícios que irá agora nos surpreender e ocupar, pois, já que são reconhecidos como originários de campos naturais, nenhuma de suas ramificações pode ter outra origem; mas, as mudanças que estas correntes ou ramos tem tomado em seu curso é o que deve ser objeto de nossas pesquisas e reflexões.

Esta mudança corrupta nunca teria ocorrido se não houvesse uma nascente pura a que tudo deu início; e aqueles que tem atribuído o uso dos sacrifícios à mera ignorância e superstição, tem confundido o abuso e as conseqüências com o princípio e, agindo desta forma, impedem a si próprios de conhecer tanto o princípio como as conseqüências. Não vamos esquecer jamais a infeliz situação do Homem neste mundo de aflições e trevas, exemplificado pelos sofrimentos de todos os mortais e pelas lágrimas de todos os tempos. Não vamos esquecer de que se estamos rodeados por influências regulares, das quais os animais puros são os intermediários, também estamos rodeados por influências desordenadas, que tentam incessantemente introduzir a desordem em tudo o que se aproxima de nós, para que possa nos invadir e adiar o nosso retorno em direção a luz.

Este quadro, infelizmente tão real e caro a nós, assim se torna ainda mais quando lembramos das preparações sacerdotais a que as vítimas eram submetidas de acordo com a lei Judaica; e especialmente quando nos recordamos das aves que desceram sobre as carcaças, na ocasião do sacrifício de Abraão e que foram afastados por este patriarca.

Não se deve acreditar que na multiplicidade de sacrifícios que foram oferecidos, seja na família de Noé, ou na de seus descendentes que povoaram a Terra, nunca houve a falta destas preparações sacerdotais, e que as aves foram sempre afastadas das vítimas; isto, eu afirmo, não se pode acreditar, na medida em que vemos a abominação aparecer no seio da própria família de Noé, e a sua posteridade envolvida nas trevas, a ponto de obrigar a Sabedoria Suprema a fazer uma nova eleição. Ainda que um único ato de negligência, nestas importantes cerimônias, basta para dar acesso as influências desordenadas assim como a todas as suas conseqüências.

Julgue, então, que conseqüências foram estas se o sacrificador à negligência uniu a profanação, à profanação uniu a impiedade e à impiedade um propósito criminoso; em resumo, se ele mesmo abriu o caminho à influência desordenada, e atuou em concordância com ela, ao invés de resistir a ela. Com certeza, nada mais se poderia ter esperado do que uma inundação de horrores e abominações surgisse deste ato, inundação que cresce diariamente a uma proporção que não se pode estimar e que deve ter invadido o mundo com suas águas impuras, cobrindo-a com a iniqüidade.

A influência ou ação desordenada a que o sacrificador deu acesso em si mesmo, o levou ao erro de várias formas; em um momento, sugeriu a idéia de trocar de vítima e substituir as vítimas puras por vítimas tais como bestas, adequadas aos desígnios abomináveis; a partir disto não é de se surpreender o fato de observarmos sobre a Terra os inúmeros animais usados nos sacrifícios.

Numa segunda oportunidade, sem interferir com as vítimas, a influência desordenada deve ter instigado o sacrificador a endereçar a ela própria o espírito e intenção de sua obra, levando-o a esperar por isso um benefício maior do que aquele que se poderia esperar de um Ser severo e zeloso, que retira todas as suas graças por causa da menor negligência durante as cerimônias que Ele instituiu; e, ao lançar a sua cobiça em várias direções, esta influência desordenada teria unido o Homem a si mesmo, afundando-o nos mais fatais abusos e monstruosas abominações.

Uma outra vez, empregará todas estas iniqüidade juntas e fazendo com que tenham uma piedade aparente, para assegurar o sucesso, irá, sob esta máscara, levar o Homem às mais revoltantes e desumanas práticas, persuadindo-o de que quanto maior o preço e maior o número de vítimas, mais ele poderá ser amado pela Divindade; além disso, como este poder desordenado estava, assim como o poder ordenado, conectado a todas as substâncias e materiais do sacrifício, ela terá a capacidade de fortalecer e confirmar todas estas falsas insinuações, através de manifestações visíveis, todas de grande eficácia, porque correspondem aos sentimentos internos e movimentos secretos que o sacrificador já havia recebido.

Vamos, então, considerar a raça humana sob o jugo de um inimigo engenhoso e atento, que respira unicamente para levar o Homem de erro em erro, e que o tem feito se curvar de joelhos diante de si, em todo lugar, através dos mesmos meios que foram dados ao Homem para repeli-lo.

Há três classes ou níveis de desordem e abominações.

Estes erros podem ser divididos em três classes: primeira, abominações de primeiro grau, quando todas as faculdades do Homem se encontram corrompidas. Segunda, abominações religiosas que tem início, assim como a anterior, com a própria corrupção do Homem, mas que o comanda, a partir de então, através de suas fraquezas. Terceira, a mera superstição ou idolatria, que embora derive das outras duas, não tem o mesmo efeito e conseqüências.

Podemos até acreditar que as superstições pueris e abusos secundários, aos quais o Homem tem sido levado através de sua fraqueza e credulidade, possa o ter preservado e salvado de crimes mais essenciais na medida em que possuísse mais luz e poder.

E, na verdade, não são os ídolos que possuem bocas, eles não falam, a ponto de evitar aqueles que possuem boca e que falam, que possuem ouvidos e ouvem, que possuem olhos e vêem etc.

O primeiro grau de abominações: tragado pelos elementos.

As abominações conectadas com estes tipos de ídolos, ferindo a justiça em seu centro, deve ser enquadrada no primeiro grau; isto tem atraído inumeráveis calamidades, tanto conhecidas como desconhecidas, sobre os culpados: pois, quantos crimes tem afundado no abismo juntamente com aqueles que os cometem! Podemos ter uma idéia, por todas estas abominações transmitidas a nós nas Escrituras, das outras que se mantém em silêncio.

Lembrar o pecado do primeiro Homem, que lhe provocou uma profunda mudança, o fez passar da luz para as trevas em que vive; lembrar as abominações cometidas pela sua descendência durante o Dilúvio, e do imenso número de culpados levados por este, é fazer uma idéia da grande quantidade de crimes que deve ter sido eliminado de nossa vista por este intermédio; verifique as abominações dos Egípcios, e dos habitantes da Palestina que atraiu a ira de Deus sobre aquelas regiões, compelindo-o a fortalecer os elementos e poderes da Natureza e até mesmo o fogo do céu para destrui-los.

Em resumo, basta olharmos para o nosso globo, onde talvez não encontremos um único ponto que ainda não mostre os sinais da ira do céu espalhada sobre os desafortunados que foram insanos e culpados o suficiente para se juntar ao inimigo contra a Divindade; e este quadro de nosso globo é uma história viva, mais convincente do que qualquer outra contida nos livros, e demonstra a prevalência universal do crime, não mencionados nos livros, ou aludidos apenas resumida ou incidentemente.

Tudo indica que as calamidades e abominações do primeiro grau parecem ter diminuído; e, se não acabaram completamente, não se encontram mais nas estruturas das nações, mas apenas praticadas por indivíduos.

O segundo grau: abominações religiosas, ilusões Satânicas, ciências ocultas etc.

Na pura observação dos sacrifícios legítimos, o sacerdote sincero e seu povo recebiam visíveis evidências da aprovação do Poder Soberano, já que tinham instruções para a sua conduta na senda da santidade, respostas para as perguntas dentro da sabedoria e justiça; contudo, tão logo a negligência ou corrupção invadiu estes sacrifícios, a influência desordenada entrou imediatamente neles, mostrando-se visivelmente sob a forma que desejasse; ela elaborava respostas e se estabeleceu como oráculo e a real arca da aliança.

Muitos sacerdotes foram ingênuos e vítimas destas falsas aparições; e muitos tendo primeiro se submetido ao seu governo, governaram , então, nações através destas seduções encantadoras! Esta influência desordenada pôde comunicar algumas verdades que chegou a conhecer através da imprudência dos homens; ela previu eventos que vieram a ocorrer, e freqüentemente respondia questões de forma correta; isto era o suficiente para fazer o povo se prostrar diante dela, seja qual for a forma que tomasse, ou qualquer ordens que prescrevesse.

Tal é, sem dúvida, a origem de muitas religiões e formas de culto no mundo, assim como das atrocidades associadas religiosamente a elas; é preciso distinguir claramente estas abominações secundárias daquelas do primeiro grau, que atacaram a própria Divindade intencionalmente; o efeito dos crimes do segundo grau parece ter sido apenas o de desviar os homens e privá-los dos benefícios dos propósitos divinos; isto representa atacar a Divindade apenas indiretamente. Mas estes crimes parecem superar em número e extensão o que não possuem em importância.

Nesta classe devemos colocar todos aqueles mestres das ciências ocultas, a quem os ignorantes tem chamado de iluminados; todos aqueles que tem ou tiveram espíritos Pythonicos, que consultam espíritos de familiares, e deles recebem mensagens.

Nesta classe se deve colocar todos aqueles oráculos dos quais as mitologias estão repletas, todas aquelas respostas proféticas e ambíguas que os poetas tem feito de base e centro dos seus poemas, na tentativa de despertar nosso interesse em seus heróis representando-os como vítimas do destino, ou até mesmo vítimas de palavras ambíguas, através das quais foram levados a caminhos de erros e problemas, ao invés de marcharem sob os estandartes da verdade e sabedoria.

Nesta classe devem ser colocados muitos daqueles prodígios realizados na suspensão de nossos sentidos corporais (torpor mesmérico, sonambulismo etc.) que expõem os homens a qualquer domínio que se apresente; além do mais, temos motivos para crer que o crime do Homem teve início com o sono, e que por ter permitido seus sentidos reais se tornarem torpes, mergulhou na ilusão e nas trevas.

Nesta classe devem ser colocadas todas aquelas práticas ilegítimas e falsas, de todas as épocas, que sob a aparência da verdade, separou os homens da única Verdade que deveria ser seu guia. Me refiro a todas as práticas abusivas, pois apesar da não realização dos sacrifícios em grande parte do mundo, é certo que estes abusos tiveram início na corrupção destes sacrifícios, sendo então propagados de geração em geração, produzindo novos erros até a nossa própria época, já que a fonte criminosa de onde surgiram é viva e apodera-se de cada oportunidade que os homens lhe proporciona para estender seu reino e realizar seus desígnios.

Somos levados a acreditar que se a maioria dos homens vive sob o jugo destas iniquidades e ilusões, ainda que de boa fé ou pela ignorância, podem também trazer suas paixões e intenções egoístas para dentro de si, ao invés da virtude; aquele que se acerca das abominações do primeiro grau, mostram muito bem o que tem sido as lamentações dos profetas e como toda vontade é fundada.

Terceira classe de desordem: superstição, idolatria, confecção de santos, imagens etc.

Finalmente, a terceira classe destas abominações é aquela de todo tipo de idolatria e superstição. As múltiplas formas que a influência desordenada era capaz de assumir, a fim de alterar os sacrifícios e desencaminhar o Homem, foram as principais fontes da idolatria material, os sacerdotes que recebiam tais manifestações sendo levados por uma tendência natural a reverenciar animais e outras substâncias naturais com que aquelas formas, assumidas pelo poder desordenado, tinha alguma relação; e esta era a origem de cultos oferecidos por tantas nações a diferentes criaturas.

Deste ponto para a idolatria figurativa, ou a confecção de imagens, não há mais que um passo; inumeráveis causas freqüentemente levam à substituição da imagem de ídolos pelo próprio ídolo; o povo transfere facilmente sua veneração do ídolo para a imagem.

A deificação tem uma origem similar; o sacerdote tem sido objeto de adoração. Assim, quase que em todas as nações, encontramos uma Divindade visível e uma invisível; no Norte, dois Odins, um é o Deus supremo, o outro é um conquistador; entre os gregos encontramos dois Zeus; dois Zoroastros entre os Persas; dois Zamolxis entre os Thracias etc.

Não é muito difícil descobrir a origem das superstições populares. Não foi pela falta de profetas que os judeus caíram em todo tipo de idolatria já que em seus escritos particularmente os Salmos, o Deus Supremo é claramente distinto de qualquer coisa que o Homem tem tomado por Deus.

Mas, ao abordar os sacrifícios, esteja corrompido ou não, e pelo testemunho das cerimônias daquelas abominações secundárias, o Homem verá que, sob certas circunstâncias ocorrem certos resultados; o Homem perderá a visão do espírito que deveria dirigir todas estas formalidades e ao lhe dar valor e se prender à forma vazia, substância, ou somente a cerimônias isoladas, entregando a eles aquilo que conquistou enquanto o espírito vivo estava com eles.

Vemos aqui como o povo vem consultar as entranhas das vítimas, mesmo no últimos momentos do agonizante animal; o vôo dos pássaros; talismãs; criptograma; amuletos; ou seja, a todos aqueles inumeráveis sinais naturais cuja as opiniões agitam as mentes dos homens, e a cobiça, se tem dado um valor e uma importância que na verdade não possuem.

Este triste quadro é suficiente para mostrar a que tipo de aberrações a mente do Homem está exposta, quando ele para de olhar contra a influência desordenada, que após tê-lo desviado na época de sua glória, o desviou novamente quando os sacrifícios foram instituídos para a sua regeneração; ela tem propagado a desordem de tal forma que o Homem não pode conhecer nenhuma paz até que sua morada seja inteiramente renovada.

É preciso notar, com relação aos presentes, que estes sempre foram oferecidos ao vidente, uma imitação daqueles oferecidos no templo através do sacrificador; estes presentes e oferendas faziam parte, a princípio, da virtude do sacrifício, depois é que se tornaram órgãos inferiores de correspondência e por fim um mero objeto de fraude, avareza e especulação.

As leis são progressivas em sua ordem e objetivo.

Todos as leis dadas ao Homem desde o seu pecado, tem tido a sua elevação como objetivo. Por esta razão, a lei é sempre inferior ao limite para o qual aponta e para o qual pretende levar o Homem, embora seja superior àquele onde o encontrou: é por este motivo também que estas diferentes leis teriam sido sempre progressivas se o Homem não tivesse atrapalhado seu curso, tão freqüentemente, através de seus erros; contudo, tendo o Homem multiplicado continuamente suas próprias quedas, e aumentado suas próprias trevas, ele atraiu leis de rigor e repressão enquanto deveria ter recebido aquelas de bondade e consolo.

A lei dada a Adão.

Após a primeira expiação do primeiro Homem culpado, ele recebeu uma lei certamente mais vasta e luminosa do que aquela posteriormente dada aos Israelitas; podemos verificar isto através da diferença de nomes pelos quais estas leis eram governadas. Era o próprio nome de Deus que governava a primeira, e apenas o nome representativo que governava a segunda: ver Paulo aos Gálatas (GL III.19) onde ele diz: "esta lei foi promulgada por anjos, pela mão de um mediador".

Além disso, Adão, embora culpado, estava apenas privado de suas alegrias primitivas; ele não estava até então sob a mancha do pecado, que havia sido removida pelo batismo da libertação das mãos de seu inimigo, o que pode ser chamado de sua grande ou espiritual circuncisão.

O envoltório corporal que ele recebeu era um puro extrato de todas as substâncias mais vitais da Natureza que ainda não haviam passado pelas catástrofes secundárias que se sucederam; não é surpresa alguma que, então, sob estas circunstâncias, a lei do retorno dada a Adão fosse mais poderosa e virtuosa do que a lei judaica. Um único exemplo será suficiente para mostrar a diferença.

Os hebreus eram proibidos de aliarem-se àquelas nações que iriam combater na terra prometida; a transgressão desta lei levou a várias sujeições especiais as quais foram submetidos. Enquanto que para Adão, e sua posteridade, toda a Terra foi dada para ser cultivada e para que extraísse dela os espinhos e as ervas daninhas; e justamente por ter feito o contrário, ou seja, cobri-la de maldade, que o Senhor retirou Seu espírito dos homens, e despejou o Dilúvio sobre eles. Pela extensão do crime podemos avaliar a extensão da lei.

Esta lei não podia ser dada a Adão enquanto ele ainda se encontrava no abismo, sob o jugo absoluto de seu sedutor. Foi somente a graça livre que operou naquele terrível momento, para extrair da morte eterna aquele que era a imagem e semelhança do Deus de todos os seres; naquele momento o Homem era incapaz de progredir através de qualquer lei; mas, superado este primeiro passo, ele se tornou suscetível a uma lei para a sua restauração. Ora, a lei que ele recebeu, trazia, sem dúvida, as três características já mencionadas; ou para ser mais claro, era um julgamento do inimigo através de quem o Homem havia sido arruinado; era um alerta ao Homem, para que reconhecesse os perigos que o rodeava, e para evitar que o Homem sofresse novas quedas; finalmente, era um meio para a sua santificação, através do caminho traçado para o seu retorno e um meio para os sacrifícios que foram utilizados pelo seu primogênito, o que nos leva a supor que Adão também tenha feito uso destes sacrifícios.

A Lei no período de Noé.

A lei restauradora, tendo sido anulada pela assustadora conduta da posteridade do Homem, agora duplamente culpado, o lançou novamente no abismo, sendo que só um alvo fora preservado. Noé permaneceu fiel às ordens do Senhor; e quando após o Dilúvio, o vemos oferecendo um sacrifício de doce aroma, não devemos concluir que ele tenha sido o fundador dos sacrifícios, mas considerá-lo como o preservador e ministro de uma lei tão antiga quanto o exato início das coisas; o que de fato, indica que o sacrifício foi oferecido pelo primeiro Homem.

Se a posteridade de Noé tivesse prosseguido na sabedoria e santidade daquele patriarca, a obra teria avançado em direção à sua realização sem a necessidade de se instituir uma nova lei, e eleger um povo peculiar; isto porque todos os pecados foram eliminados pelo Dilúvio, a família foi salva e seus descendentes, deveriam ter sido a imagem viva do primeiro Homem em seu caminho de volta, dentro da lei que favorecia seu retorno.

Contudo a posteridade de Noé ao se permitir cometer todo tipo de fraqueza, fez com que esta lei restauradora perdesse seu efeito; a partir de então, se tornou necessário que Homem passasse novamente pelo que havia sofrido no princípio, já que todas as línguas foram confundidas, e eles não mais permaneceram como nos dias de Noé, uma única família que mantinha a língua pura.

Abraão, quando não estava sob a lei.

Neste estado de trevas universal, Abraão foi escolhido para ser o chefe de um Povo Eleito; tudo lhe foi dado, a princípio, pela revelação, por assim dizer, profeticamente, até mesmo a história de seu próprio povo que ele viu num sonho: mas nada foi dado em desenvolvimento; ele não possuía a terra que lhe havia sido mostrada; ele foi obrigado a comprar até mesmo a tumba onde Sarah foi enterrada. Ele não viu a numerosa prole que lhe foi prometida; ele viu unicamente o filho prometido, mas não os filhos deste filho, pois morreu antes do nascimento de Jacó e Esau; ele não foi encarregado de nenhum cerimonial religioso, pois o sacrifício que lhe foi ordenado a oferecer, era apenas o de servir de testemunha da aliança; Deus não lhe deu o sacrifício como uma instituição.

Ao nos dizer que a extensão da iniqüidade dos Amonitas não estava completa, as Escrituras certamente nos dá um motivo pelo qual a lei não foi dada a Abraão; contudo, uma razão ainda mais direta pode ser encontrada: a lei era para ser dada a um povo e não para um indivíduo, como no caso de Adão, e este povo ainda não havia nascido.
A lei deveria vir para um povo, porque eram os povos ou nações que haviam se corrompido e se afastado da lei; porque as cerimônias desta lei requeria um grande número de ministros; porque esta lei era para ser baseada no número perdido, na antiga numeração das nações, para que fosse restaurada a elas; e finalmente, porque requeria um receptáculo que deveria estar conectado em suas subdivisões com cada ramificação da lei; pois, se Adão que, corporalmente, é a raiz e tronco de toda humanidade, todos estes galhos são senão um.

A eleição de Abraão não podia alcançar seu complemento até que as doze crianças de Jacó estivessem aptas, em número, a oferecer um receptáculo, capaz de receber a influência salutar correspondente a este número, mesmo que seja somente em princípio na bênção do pai; foi somente no Sinai, que as doze tribos receberam o necessário desenvolvimento desta lei, da qual seus antepassados haviam recebidos os primeiros frutos.

A lei Mosaica, preparação para a lei profética ou espiritual.

Esta lei era unicamente uma preparação do povo para a lei espiritual que o aguardava, depois que a lei das formas e cerimônias cumprisse seu curso. Era necessário que esta lei das formas desenvolvesse as bases e essências espirituais que continha, para que o povo, por sua vez, apresentasse ao espírito um receptáculo apropriado onde este pudesse vir e repousar.

A lei profética ou espiritual, uma preparação para a lei divina.

Finalmente, a própria lei espiritual era somente uma preparação para a lei divina, o único fim do Homem já que é uma criatura divina. Ora, é nesta lenta e suave progressão de auxílios enviados de Deus, que podemos dizer, de todas as leis em geral, o que São Paulo disse da lei hebraica em particular: "a lei se tornou nosso pedagogo para nos levar até Cristo" (Gl. III 24,26), pois não há nenhuma das leis temporais que não podem ser referidas como um tutor ou condutor para o seu objetivo, quanto a nós, somos realmente crianças até que sejamos admitidos na lei e adquiramos forças para praticá-la.

Esta tem sido a administração divina em todos estes períodos; sob a regra levítica, ou aquela dos sacrifícios de sangue, o sacerdote, por estar ainda e unicamente nas regiões naturais, recebia sua substância do povo, e a lei apontava cidades e dízimos para suas necessidades espirituais. Sob as regras proféticas, Deus alimentou seus servos por meios especiais, mas através de ação natural, como vemos em Elias e Daniel. Sob a lei da graça, a intenção do instituidor era que os sacerdotes fossem cautelosos com tudo; o alimento era para ser dado a eles pelo céu, como foi mostrado a São Pedro e na descrição e benefícios prometidos das águas vivas.

Contudo é somente para as crianças dóceis e submissas que estas leis mantém suas características; elas mostram mais o que o homem deveria ser do que aquilo que realmente é. A mão que administra estas leis salutares, é freqüentemente obrigada a deixá-las atuar na punição do homem mais do que na sua recompensa.

Este, como vimos, foi o caso do lapso do Homem com relação à lei de Moisés; enquanto que se a posteridade de Adão tivesse sido fiel à assistência recebida nos diferentes períodos já observados, teriam facilitado enormemente a sua volta à Verdade e teriam conhecido somente os deleites dos caminhos Divinos ao invés de quase sempre experimentar seu rigor e amargor.

Tal será novamente o caso dos filhos de Israel, no período que agora iremos considerar, ou seja, o período profético ou o preceito.

A época profética, ou preceito; ameaças e promessas: seus objetivos espirituais.

Se o povo tivesse observado fielmente os decretos do Senhor, dirigidos aos superiores da raça eleita, aqueles auxílios que os acompanharam através do deserto não os teria abandonado na terra prometida; a lei dos sacrifícios de animais os teria conduzido à lei espiritual, sob a qual receberia, diretamente, os auxílios recebidos de forma indireta, enquanto estava sob a lei dos sacrifícios.

Porém, como o povo, os governantes e sacerdotes não deixaram de agregar abominações, além de violarem todas as leis de sacrifício - como testemunharam os filhos de Eli - e mais, tendo abandonado o governo teocrático, instituindo aquele vigente em outras nações que separa o povo inteiramente, não é de se surpreender que este povo atrasasse seu próprio curso, ou que, de acordo com a linguagem das Escrituras, que a palavra de Deus se tornasse rara dentre ele.

Mas se, por um lado, o Homem é aprisionado em seu caminho por suas iniqüidades, o tempo não pára; e como a hora da lei espiritual havia chegado para os Judeus, ela só podia transcorrer diante de seus olhos, muito embora eles pudessem estar despreparados.

Todavia esta lei tomou, então, um caráter duplo, conforme a dupla forma de Misericórdia e Justiça que precisava realizar na Terra; como a luz que fora acesa na ocasião da eleição dos Judeus não pode ser apagada, ela então exibiu tanto os primeiros raios de sua iluminação, como os terrores da ira divina.

Esta é a razão pela qual distinguimos claramente dois tipos de profecia, uma que aterroriza o povo com ameaças, outra que promete dias de consolo e conforto aos amantes da paz. Observamos também o quanto a influência da profecia cresce nesta época; vemos como ela aborda a regeneração da alma humana, que, embora visada em todas as prévias manifestações divinas, se encontrava oculta em rituais simbólicos.

É com os Profetas que vemos o Homem escolhido desdobrar seu caráter como sacerdote e sacrificador do Senhor; ali, vemos o sacrifício de nossos pecados substituídos pelo sacrifício de animais e a circuncisão do coração e do espírito recomendada como o verdadeiro caminho da reconciliação do Homem com Deus; vemos ainda, os falsos profetas e maus pastores maculados ludibriarem a alma de seus rebanhos e lhes assegurar a vida; em resumo, vemos o início do despertar daquele dia espiritual e divino que se tornou evidente para nunca mais se pôr; assim, o Homem viu, ainda que vagamente, que nascera na região do espírito e da santidade, e que só ali poderia encontrar sua verdadeira lei e seu verdadeiro repouso.

Afirmamos que estas verdades só lhe foram mostradas vagamente porque, além da humanidade em geral, que os profetas vieram despertar, era preciso agir e fazer profecias a um certo grupo de pessoas em particular, aqueles que ainda não haviam ido além de sinais e figuras. Mas em todos os aspectos, o profeta pode sempre ser considerado como uma vítima, seja pelas mortes violentas que a maioria sofre ou seja pelos trabalhos espirituais a que se submeteram.

A razão dos sacrifícios proféticos e suas operações.

De fato os profetas substituíram as extintas virtudes do sacrifício e tornaram, aos olhos do Espírito, o lugar das vítimas, que eram, agora, oferecidas como uma mera formalidade, sem fé por parte dos sacrificadores. O sangue destes profetas tornou-se o holocausto da expiação onde a ação do Espírito operava de forma mais terrível e salvadora do que no sangue dos animais.

Operava de forma mais terrível porque este sangue derramado injustamente era um notório testemunho dos crimes e cegueira do povo. Este sangue, contudo, atraía a mais desordenada das influências espirituais, com a qual este povo perdido e culpado estava poluído, de acordo com as leis de transposição que citamos anteriormente.
Os espíritos dos profetas conduziam também, pelos sofrimentos e labuta, as iniquidades de Israel, para que, ao dispersar estas influências desordenadas, irregulares, agarradas ao povo, a comunicação de influências regulares e ordenadas fosse restituída de forma mais fácil e confiável.

Se o povo tivesse aproveitado todos estes auxílios enviados pela Sabedoria e Amor Supremo, teriam por sua vez aliviado o sangue e o espírito dos profetas da opressão daquelas influências desordenadas, comunicando-lhes novamente e participando com eles do efeito daquelas virtudes e influências ordenadas que o sacrifício corporal e espiritual dos profetas haviam atraído.

Contudo, ao endurecerem-se cada vez mais, prolongaram aos profetas, mesmo após suas mortes, as dores e os trabalhos que lhes causaram durante suas vidas, tornando-os ainda maiores, pela prática da resistência e pelo peso de suas próprias iniquidades, que a caridade divina dos profetas havia tirado de suas cabeças. Ao atraírem sobre si mesmos uma dupla mancha, a de não terem ouvido a voz da Sabedoria e a de manter em penoso encarceramento aqueles que a Sabedoria tomou como seus instrumentos, todo o sangue dos profetas derramado pelo povo, desde Abel a Zacarias, lhes será cobrado; pois não se deve esquecer que o povo Hebreu foi nada menos que o representante do Homem, de toda posteridade de Adão.

Por outro lado, o sangue dos profetas operou no povo de forma mais salvadora do que aquele das vítimas Levíticas, porque, como o sangue e a vida do Homem são a base da exata imagem da Divindade, ele não poderia ser derramado sem a liberação ou sem trazer à Luz as santas influências que as almas dos justos difundem naturalmente ao seu redor; além do mais, se o sacrifício de animais pudesse abrir a região espiritual ao povo Hebreu, o sangue e a palavra dos profetas abriam a eles as vias do divino.

O fim da época profética. A contínua corrente da orientação e misericórdia divina.

Através deste duplo poder, os profetas executaram sobre o povo Hebreu aquilo que o Espírito lhes havia enviado a realizar.

Tendo esta obra sido efetuada, as profecias acabaram entre os Judeus, pois embora o tempo não exista para o Espírito propriamente dito, a mista morada que habitamos sujeita sua ação a intervalos e partes; assim, após a escravidão babilônica, que confirmou e evidenciou as ameaças dos profetas, a obra destes parecia ter chegado ao fim; desde então, eles pareceram dar muito pouca luz, e mesmo tão pouca apenas para acelerar a construção do segundo templo; o povo então é deixado por sua própria conta, para que pudesse ter tempo de reconhecer a justiça das severidades pelas quais havia passado.

Mas, ao deixá-lo por si só, o Espírito deixou para sua orientação tanto as palavras dos profetas como a memória dos eventos recém ocorridos; assim como, após a sua eleição e Êxodo do Egito, tiveram a lei Levítica, e a história de sua libertação e de suas árduas jornadas no deserto; assim como, após o Dilúvio, os filhos de Noé ainda tinham as instruções de seu pai, e a tradição de tudo o que havia se constituído suas iniquidades, por terem considerado o Senhor um inimigo, e, o véu que caiu sobre todos os filhos de Adão só se tornou mais espesso através de seus atos.

O "Tableau Naturel" ao mostrar a necessidade de um Redentor (Reparador) que deve ser um Homem-Deus, mostrou os altos mistérios deste sacrifício, no qual a vítima oferece a si mesma sem cometer suicídio, e no qual os sacrificadores cegos, acreditando terem executado um criminoso, deram ao mundo, sem saberem, um elétron universal que realizaria sua própria renovação; "O Homem de Desejo" mostrou que o sangue desta vítima era espírito e vida, desta forma quando os Judeus perguntaram se ele poderia ser derramado sobre eles e seus filhos, não puderam separar a misericórdia da Justiça que estavam contidas ali.
Nós apenas recordamos, rapidamente, estas profundas e confortantes verdades, pois os espírito do Homem não as pode ter constantemente diante de si.

O Homem libertado da prisão de seu sangue.

Vimos que, após a queda, o sangue se tornou uma barreira e uma prisão para o Homem, e que havia a necessidade deste sangue ser purificado a fim de que o Homem recupere sua liberdade progressivamente, através das transposições que o derramamento deste sangue forjou a seu favor. Contudo vimos, ao mesmo tempo, que cada uma das leis fornecidas para a sua regeneração era apenas uma espécie de iniciação a uma lei ainda mais elevada; o objetivo de todas estas leis preparatórias era levar o Homem a fazer um sacrifício livre e voluntário de si próprio; nenhum sacrifício prévio poderia substituir a este, uma vez que, sem o derramamento de seu próprio sangue, ele não pode afirmar que está realmente libertado da prisão em que seu sangue o enclausurou.

Ora, o que lhe poderia ensinar esta bela e profunda verdade? Que o ideal não era o sacrifício de animais, já que estes, destituídos de moralidade, não deu ao Homem idéia alguma de sacrifício voluntário; e como eles traziam nada mais que seus corpos ao altar, nada mais podiam conseguir do que liberar suas correntes corporais.
Tampouco o sacrifício e morte dos profetas foi suficiente, já que estes não morreram voluntariamente, embora possam ter tido resignação; esta morte foi, para aqueles que a sofreram, apenas uma incerta conseqüência de suas missões, e não a missão propriamente dita; eles foram enviados apenas para enunciar a chegada do dia eterno da libertação do Homem; além disso, desejaram observar este dia eterno, que proclamaram sem conhecerem, e que avistaram apenas parcialmente, de tempo em tempo, e através de lampejos do espírito.

As condições necessárias da vítima e do sacrifício para libertar a humanidade.

Posto que a palavra e o sangue dos profetas foram mais úteis ao Homem do que as vítimas da lei Levítica - e de ocorrerem desde a época de Adão até os dias de hoje; e por Adão, após sua queda, ter a lembrança de seu crime e do sacrifício do Amor que a Bondade Suprema havia feito voluntariamente a seu favor a fim de arrancá-lo do abismo - vemos que desde o primeiro pacto divino e a partir da região pura onde a verdade habita, uma contínua corrente de luz e misericórdia se estende ao Homem, através de todas as épocas, até o fim dos tempos, até retornar à morada de onde descende, levando consigo todas as almas pacíficas que terá coletado em seu caminho; que o Homem saiba que foi o Amor que abriu, dirigiu e fechou o círculo de todas as coisas.

A transição da época profética para aquela das boas-novas sobre a libertação universal.

O sangue e as palavras dos profetas levou o povo hebreu apenas até as vias do templo da região divina, porque não havia chegado o tempo em que o Homem podia adentrar ao templo propriamente dito. Muitos profetas foram empregados nesta obra preparatória, e a mão que os guiou no deserto lhes traçou diferentes caminhos pelos quais nunca haviam passado. Por esta razão, cada profeta, percorrendo seu próprio caminho particular, nem sempre sabia o termo final para o qual suas profecias apontavam.

O povo, que não havia reconhecido a lei do Espírito nas cerimônias Levíticas, apesar de lá estar presente, tampouco reconheceu a lei divina contida na lei do Espírito, ou as profecias; além do mais, continuaram a caminhar nas trevas e assim chegaram à época da libertação universal, que nunca deixou de ser anunciada pelos profetas, de acordo com o conhecimento de cada um; a época da libertação universal também é citada nos livros de Moisés, particularmente nas bênçãos que Jacó proferiu a seus filhos; se o povo tivesse feito um cuidadoso estudo destes livros, teria encontrado algo que prenderia suas atenções, a passagem do poder temporal de Judá para as mãos de Herodes!

A união secreta de todas as leis divinas.

A íntima união de todas estas leis é um dos mais sublimes segredos da Santa Sabedoria, que se mostra, assim, ser sempre uma, apesar da diversidade e dos intervalos de suas operações.

O povo judeu era demasiadamente bruto para penetrar esta simples e profunda verdade. Onerado, sobretudo, por todas as iniqüidades cometidas ao negligenciar as leis e recomendações de Moisés e pelo derramamento do sangue dos profetas, o povo judeu viu que a lei da graça, cujo o tempo havia chegado para toda a humanidade, recaiu sobre este como reprovação, já que falhou no seu papel de representante desta lei; ao invés de eliminarem seus crimes através da fé na nova vítima, que veio para oferecer-se a si próprio, eles o colocaram ainda mais longe ao libertarem sua mente; não o conduziram àquela sublime idéia de um sacrifício submisso e voluntário, encontrado no conhecimento do abismo ao qual nosso sangue nos retém e na viva esperança de nossa libertação absoluta quando este sacrifício é feito sob os olhos da Luz e no verdadeiro movimento de nossa natureza eterna.

Assim, uma outra vítima foi requisitada, alguém que reunisse em si as propriedades das vítimas precedentes e que ensinasse o Homem, através do preceito e exemplos, o verdadeiro sacrifício que ele ainda tinha que fazer para cumprir completamente o espírito da lei.

Esta vítima deveria ensinar ao Homem que, para alcançar o objetivo essencial do sacrifício, não é suficiente que ele morra como carneiros e touros, sem a participação do espírito de que estavam privados; ensinar que, ainda não é suficiente que morra corporalmente, como os profetas, mortos injustamente pelas paixões do povo para o qual pregavam a verdade, pois acreditavam que pudessem escapar deste erro, assim como Elyah, sem falharem em sua missão.

Era preciso ensinar ao Homem que era necessário, por sua própria vontade, conscientemente e em perfeita serenidade, entrar em sacrifício de seu ser físico e animal, assim como o único que poderia separá-lo do abismo no qual está confinado pelo seu sangue, que, para o Homem é o órgão e ministro do pecado; em resumo, é preciso ensinar ao Homem a encontrar a morte como um triunfo, que o eleva da posição de escravo e criminoso e lhe dá posse de sua própria herança.

Estas condições se cumpriram no derramar do sangue do Redentor.

Este era o segredo sublime que o Redentor veio revelar aos mortais; esta era a luz luminosa que ele permitiu que os homens descobrissem em suas próprias almas, ao sacrificar-se voluntariamente por eles, deixando-se capturar por aqueles a quem veio derrotar através do sopro de seu verbo; orando por aqueles que mataram seu corpo, o derramamento de seu sangue realizou todas estas maravilhas, porque, ao mergulhar em nosso abismo de trevas, o Redentor seguiu todas as leis de transposição pelas quais esta região é constituída e governada.
De fato, o derramar do sangue de uma vítima deve operar de acordo com a posição e propriedades das vítimas; se o sangue de animais podia apenas libertar as correntes corporais do pecado no Homem, que são todas elementares, se o sangue dos profetas libertaram as correntes do espírito do Homem, ao permitirem que este discernisse os raios da estrela de Jacó, o derramamento do sangue do Redentor serviu para libertar as correntes de nossa alma divina, já que o Redentor era o próprio princípio da alma humana, ele abriu os olhos desta alma divina o suficiente para ver a exata fonte de sua existência, e sentir que é unicamente através do sacrifício voluntário interno de tudo aquilo o que está ou pertence ao nosso sangue, é que podemos algum dia satisfazer o desejo e a vontade essencial que sentimos de nos reunir com nossa fonte divina.

O Homem Espírito pode atingir sua regeneração ainda neste mundo.

Não é de se surpreender que uma revelação como esta abolisse todos os outros sacrifícios e vítimas, uma vez que agora o Homem é colocado exatamente na sua posição: assim, de agora em diante, o Homem Espírito é elevado à posição de um verdadeiro sacrificador e aguarda o momento de reentrar nos caminhos da regeneração e atingir, pelo menos através de sua compreensão, sua plena realização ainda neste mundo, basta unir a si mesmo em coração, mente e obra com aquele que abriu o caminho e atingiu o objetivo antes dele.

Revelação do Homem-Deus comparada com tudo o que veio antes dele.

Aqui também não há surpresas; como todas as revelações anteriores esta também deveria chegar até nós através de um homem, já que o Homem era seu objetivo; mas o que eminentemente a distingue das outras é que esta foi pregada, provada e inteiramente realizada no Deus-Homem e no Homem-Deus, enquanto que, dentre as outras, nenhuma teve este caráter universal.

A morte de Abel não foi voluntária: ela pode ter sido útil para a elevação de Adão, na transposição das influências desordenadas aderidas ao pai culpado da humanidade, efetivadas através deste sangue que fora derramado; mas isto não cumpriu a obra da aliança com Deus, pois Abel nada mais era do que um homem concebido no pecado; seu irmão Seth foi escolhido, em seu lugar, para transmitir ao Homem a continuação e o curso das graças espirituais, aprisionadas pela sua morte.

A revelação da justiça feita a Noé e derramada, diante de seus olhos, sobre a posteridade do Homem, o colocou, sem dúvida, na primeira posição daqueles escolhidos pelo Senhor, para a execução dos planos de sua Sabedoria divina; mas Noé aparece, nesta grande catástrofe, mais como um anjo exterminador, do que como um libertador da humanidade, além do mais, as vítimas que ele oferece em sacrifício eram de uma natureza diferente da sua e poderiam buscar auxílios para o Homem somente após ajudarem sua própria espécie.

Abraão derrama seu sangue em circuncisão, como um sinal de sua aliança com Deus e evidência de sua eleição: mas ele não derramou o princípio, propriamente dito, de seu sangue, onde residia sua vida animal; não é preciso acrescentarmos mais nada além do que já foi dito sobre este patriarca.

Seu filho Isaac chegou bem perto, mas não consumou o sacrifício, porque o Homem ainda estava no tempo das formas, e a fé de seu pai foi suficiente para consolidar a aliança, sem manchá-la pelas atrocidades do infanticídio.

Moisés serviu como órgão para a eleição do povo Hebreu, foi até mesmo, como Homem, ministro deste povo; é ainda como Homem que foi escolhido para operar sobre o Homem ou seus representantes (os Hebreus); mas como agia somente sobre os representantes do Homem em geral, era chamado apenas a empregar sacrifícios externos e vítimas figurativas, por causa da permanente razão de que como o Homem estava ainda apenas na era dos símbolos e imagens, a lei das transposições só poderia operar sobre ele desta forma, não podendo se elevar.

Os profetas vieram, para dar seu sangue e sua palavra cooperando assim, na libertação do Homem. Se houvesse a necessidade de que os próprios homens viessem executar os decretos da justiça, e traçar figurativamente os caminhos da regeneração, seria ainda mais necessário que os homens viessem para abrir as entradas dos verdadeiros caminhos do Espírito; os profetas eram o órgão, a língua e a exata expressão do Espírito, enquanto que Moisés recebeu a lei e a transmitiu unicamente sobre pedras; em resumo, Moisés, diante dos mágicos do Faraó, só tomou a serpente pela cauda; é preciso um poder maior do que Moisés para pegá-la pela cabeça, de outra forma a vitória não seria completa.

Tudo num profeta mostra o que eles queriam a fim de introduzirem o Homem na revelação de sua própria grandeza; podemos acrescentar uma razão simples e notável ao que já dissemos, a de que estes homens altamente favorecidos não eram um Princípio do Homem.

Podemos aqui encontrar uma explicação parcial da passagem de São João (X.8): "Todos aqueles que vieram antes de mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não lhes deram ouvidos", embora esta passagem se aplique muito mais diretamente aos grandes sacerdotes do que aos profetas, mostra claramente que todos aqueles superiores e enviados eram incapazes de fazer com que o povo adentrasse ao reino, já que caminhavam somente no espírito e o reino é divino; mas esta passagem mostra também que eles não eram verdadeiros pastores, uma vez que não ofereciam suas vidas voluntariamente para o povo, e ao invés de protegê-lo do inimigo, freqüentemente eram os primeiros a entregá-lo à sua própria ira.

Isto é o que Deus combateu de forma tão forte em Ezequiel (XXII. 24-31), onde após marcar os crimes dos princípios e os pecados dos profetas diz: "Tenho procurado entre eles alguém que construísse o muro e se detivesse sobre a brecha diante de mim, em favor da Terra, a fim de prevenir a sua destruição, mas não encontrei ninguém".