Louis Claude de Saint Martin
Homem: sua verdadeira Natureza e Ministério
Sobre o Homem


A alma se tornou sujeita ao universo físico sua primeira lei segue a este fato.

A alma humana sabia, em sua glória, que não deveria ter nenhum outro Deus senão o próprio Deus; e embora ela não pudesse conhecer a plenitude de sua glória até que completasse sua obra, ainda assim, por menos que tenha provado das maravilhas e bondade divina, sabia perfeitamente bem que nada mais se comparava a elas.
No entanto, esta alma sujeita a ser infectada pelo poder de um princípio inferior, a saber, este mundo físico universal, onde o sol e as estrelas exercem tão majestoso movimento, se tornou corporeamente sujeita aos seus preceitos. Mas, embora ela tenha caído sob esta regra inferior, que foi parte de sua degradação, a Fonte que produziu a alma humana não permitiu, de forma alguma, perdê-la de vista, transmitindo-lhe, nesta nova ordem das coisas, o preceito fundamental de sua primeira lei: "Não terás outros deuses diante de mim".

O Sol, um símbolo físico da Divindade.

O sol, no mundo físico, é um órgão material daquela revelação sublime, que foi muito anterior aos livros; o sol professou esta revelação no princípio do mundo, e não irá cessar de professá-la, diante de todos os povos, até a consumação de todas as coisas.

É na ausência do sol, durante a noite, que as estrelas se tornam visíveis; é então que o reino daqueles deuses dos Gentios se manifestam; neste período, apesar do brilho das estrelas, a Terra está nas trevas, as flores perdem sua fragrância, a vegetação está protelada, os gritos fúnebres dos animais e dos pássaros da noite são ouvidos, os crimes e os vícios dos mau feitores são propícios, os planos iníquos e os feitos da fraqueza são perpetuados; em resumo, prevalecem aquelas regiões turbulentas onde todas as pessoas da Terra têm oferecido sacrifícios, primeiro por mero engano; mas que, rapidamente, se torna uma abominável fraqueza através das infeções do príncipe das trevas, como veremos daqui a pouco.

Mas, com a aproximação do dia, as estrelas tornam-se opacas, e desaparecem totalmente quando o dia se rompe em sua plenitude; o sol, provocando com sua presença, o desaparecimento da inútil multiplicidade destes falsos deuses, parece dizer ao universo, como foi dito a alma humana, quando emanou de sua fonte gloriosa: "Não terás outros Deuses diante de mim".

A alma humana esqueceu sua lei, quando, de seu estado de esplendor, desencaminhou-se por causa de uma falsa atração; mas esta lei, que não pode ser abolida, a segue até mesmo no abismo terrestre; pois o Princípio de todas as coisas nada pode produzir sem imprimir sua linguagem divina.

A idolatria do Sol

A idolatria do fogo vem de uma fonte mais remota; ela só poderia ter sido engendrada como uma conseqüência dos direitos primitivos do Homem, por alguns mortais terem conhecido conscientemente a origem do fogo (que não é um mero raio), pois é uma verdade fundamental que todas as coisas devem revelar-se a si mesmas; e não há nada feito no universo que não prove isto.

O motivo para as calamidades naturais.

Quando o Amor Supremo te viu perder-te ainda mais, através de inúmeros meios providenciados para possibilitar que encontrastes novamente o teu caminho; quando Ele te viu agravar tuas feridas com os objetos perceptíveis que Ele dispôs diante de teus olhos para aliviar tuas dores, Ele não poderia ajudar novamente senão proclamando este importante mandamento em teus ouvidos: "Não terás outros Deuses diante de mim", usando meios ainda mais potentes que antes.

Como o espetáculo da Natureza em sua harmonia produziu em ti não mais que um efeito contrário ao pretendido por Ele, então foi permitido que os poderes da Natureza atuassem sobre ti em desarmonia, para tentar te trazer, através da turbulência e do sofrimento, para onde tua inteligência não foi o suficiente para te manter; e esta é a chave para todas aquelas calamidades relatadas na história de cada nação da Terra.

Assim uma mãe age com relação a seu filho, um professor com relação a seu aluno, deixando-os sentir por algum tempo as conseqüências de suas fraquezas ou leviandades, para que possam aprender a serem mais cuidadosos no futuro.

Comunicações Espirituais Diretas, os mandamentos divinos.

Mas quando estas punições não ocorrem, quando o perigo é ainda mais insistente, e aquele que é negligente, ao invés de sair do perigo, afunda-se cada vez mais, a ponto de arriscar a perder sua própria vida, então o professor, ou a mãe, vai pessoalmente, com autoridade, reforçar os importantes preceitos que havia apontado antes, afim de produzir pelo respeito, o que a bondade falhou em efetuar; esta é uma explicação positiva e natural de todos aquelas manifestações divinas e espirituais, das quais a história religiosa do Homem escrita ou não está repleta.

Sim, Oh, alma humana! este foi seguramente o caminho do Amor Supremo em direção a ti, quando viu que as grandes calamidades da natureza, que teu descuido havia provocado, não te tornaram mais sábia. Ele veio até a ti com afeições alteradas e assumindo um tom assustador, te lembrou daqueles antigos mandamentos ou regulamentos, onde tua própria origem e o convênio divino estavam baseados; regulamentos que Ele anunciou diante de ti quando lhe deu existência; regulamentos que Ele fez com que a Natureza proclamasse mais uma vez quando te sujeitastes a seus preceitos figurativos; regulamentos que podem, a qualquer momento, ressonar no mais íntimo de teu ser, pois tu ainda és, desde tua origem, o órgão da divina Fonte Eterna, e aquilo que o Eterno pronunciou uma vez, nunca pode deixar de ser pronunciado por toda a eternidade.

As tradições de todas as nações oferecem traços deste visível procedimento do Amor Supremo em nós; desde o princípio, Seu caminho tem sido o mesmo, tanto para com as nações como para os indivíduos, todos os dias, movendo-se através de movimentos secretos violentos, para despertá-los de sua letargia, e tirá-los dos perigos aos quais a insensatez os tem exposto; em resumo, foi neste e por este espírito que Moisés representa a voz do Supremo, anunciando em meio a relâmpagos e trovões, aos Hebreus, este imperativo e exclusivo mandamento divino, que as nações têm se esquecido tanto: "Não terás outros Deuses diante de mim".

Todas as coisas devem fazer sua própria revelação.

Independentemente de inúmeras outras lições instrutivas que a Natureza está encarregada, pelo Amor Supremo, a transmitir diária e fisicamente à alma humana, estamos intimamente convencidos de que todas as coisas devem provocar sua própria revelação, por nenhuma outra razão senão a de ter uma denominação entre os homens. Assim, as práticas religiosas tão universais entre os homens não permitem que nenhuma dúvida permaneça de que um caminho foi aberto pelo Amor Supremo através delas, para a cura da alma humana; embora estas águas curativas tenham se tornado tão sufocadas pelos danos, a ponto de dificilmente serem reconhecidas.

Todas as instituições humanas derivam de um modelo superior: o poder do Homem.

Estando completamente convencido da rigorosa verdade de que todas as coisas devem revelar-se a si mesma sem o que nunca poderia ser conhecida, repetida ou comunicada, é preciso perceber que não há nada, nem mesmo nas políticas humanas e instituições civis, que não seja um modelo que se encontre independente e acima de nós. Se não houvesse legiões acima de nós, nenhuma diferença com relação aos níveis de superioridade, chefes e governos, nas alturas, não teríamos nenhuma destas instituições aqui embaixo. O próprio homem, neste plano, caminha sob os olhos e proteção dos poderes invisíveis, a quem ele deve todas as coisas, embora raramente procura conhecê-los; mesmo quando o homem fica intoxicado com seu próprio poder, isto mostra que ele deve realmente ter poder; ele deve ter um império, além de servos sinceros e obedientes.

Quando um superior, por exemplo, ou um general, se vê rodeado por seu exército, faz a revista e sente uma secreta satisfação e glória de ter à sua frente tantos soldados fortemente equipados e devotados as suas ordens; quando ele parece dizer a todos os espectadores: "Estas forças que comando não só dependem de mim, mas foram criadas para mim, e a mim devem tudo o que tem", ele meramente repete, numa ordem aparentemente convencional, que o Homem primitivo deve ter sido real, positivo e permanente.

A autoridade primitiva do Homem; no que consiste sua glória.

Este Homem primitivo teria tido também legiões, sobre as quais teria tido autoridade absoluta, comunicando a elas o seu espírito, como um general, por assim dizer, transmite sua vontade a milhares de homens sob seu comando, tornando-os um consigo mesmo, e tirando deles, de certa forma, suas próprias vontades, para dar-lhes somente a sua; de outra forma, seu controle sobre os soldados seria impossível e inexplicável.

Este Homem primitivo teria, igualmente, contemplado a si mesmo em sua legião, e assim teria obtido a verdadeira glória, porque poderia valer por algo que possuía, a beleza de seus exércitos, sua coragem ao defender a causa da justiça, ou seja, todas as maravilhas que poderia, de fato, fazer brotar de si mesmo e florescer em todos os seus subordinados à vontade. Ao invés disto, neste plano, suas legiões aparecem diante dele já vestida, armada e treinada; aqui, não é sempre ele próprio quem semeia aquilo que colhe, já que a maioria nunca tenha visto, e nem ao menos saiba o seu nome; uma espécie de conhecimento deveria ter constituído a verdadeira força do Homem primitivo, assim como venerar suas cortes.

Ora, o que dizemos aqui a respeito da ordem militar, pode ser dito de todas as nossas outras instituições, políticas e sociais; poderíamos dizer também em relação à Natureza, pois o Homem poderia ter cooperado com toda região e com todos os poderes, em cada ordem, para produzir aquelas imagens maravilhosas, aqueles sinais arrebatadores, que teriam enchido seus olhos, por todos os lugares, e preenchido seu coração com uma glória meritória e justamente adquirida, enquanto que, sem seu presente e limitado estado, o homem freqüentemente vale muito pouco em tudo aquilo que está a sua volta, e em tudo o que ele escala.

Mas se é do alto que o homem recebeu e ainda recebe tudo de melhor para o governo de seus semelhantes, quanto mais ele decifrar as alturas, mais boas coisas irá descobrir para seu próprio benefício, e da natureza humana; já que é das alturas que vem o processo de cura, enviado pelo Amor Supremo para a sua recuperação.
"Mysterium Magnum", de Jacob Boehme: A respeito de uma membrana religiosa aberta ao homem pelo Amor Supremo, convido o leitor a extrair, se puder, algo apropriado da obra de Jacob Boehme, Mysterium Magnum, o "Grande Mistério".

O leitor encontrará ali numerosas ramificações da árvore do convênio que o Amor Supremo tem renovado com o Homem desde a sua degradação. Verá ali a seiva desta árvore, manifestando-se, antes de tudo nas raízes, e então desenvolvendo-se nos diferentes brotos, na medida em que crescem e, finalmente, nas flores e frutos da árvore, desenvolvendo todas as propriedades contidas em seus gérmens, e trazendo-as à luz através de seus canais. Verá ali a verdadeira linhagem sob o manto daquela que é simbólica e, mesmo assim, uma só seiva corre através destas duas linhagens, simultaneamente e de forma distinguível, apesar das diversidades de características que possuem; assim, há uma harmonia entre todas as épocas que ela abarca em seu curso. Mas, o leitor verá também, uma seiva contrária, circulando da mesma forma pela terra, desde o momento em que fomos aprisionados nela e apresentamos, desde aquela primeira época, até os dias atuais, um santuário de abominações, ao lado do santuário da santidade. As descrições que encontrará neste autor, irão instruí-lo completamente, sobre o curso daquelas diferentes instituições religiosas que se espalharam pela terra; e fico satisfeito ao indicar tal obra, senão deveria transcrevê-la ou traduzi-la quase que inteiramente.

Instituições Religiosas: Sacrifícios.

Entre as instituições religiosas de modo geral, já estabelecidas sobre a terra, mas das quais nós quase perdemos os traços, o sacrifício de animais e outras produções da natureza tem um lugar proeminente, e merece ser considerado de forma detalhada, visto que nenhuma tradição ou observação nos tem oferecido qualquer coisa satisfatória, e mesmo Boehme é incompleto, embora tenha levantado alguns aspectos muito interessante sobre este ponto.

Não, não se pode negar, os sacrifícios são praticados de um modo geral, por todo o globo; eles devem, apesar do abuso, e talvez mesmo através deste abuso, ser colocados entre os nossos privilégios, e incluídos entre os auxílios concedidos a nós desde a Queda, pela Sabedoria Divina, para a renovação, tanto quanto possível, de nosso pacto divino; e, como tal, eles chegam com o consentimento do Homem Espírito.

Homem, um Rei subjugado pelos seus próprios súditos; a escravidão da natureza animal, como meio de sua recuperação. O Espírito de sacrifício.

Apesar dos esforços incessantes da falsa filosofia para extinguir a sublime natureza do homem, é tarde demais para questionar se ele nasce ou não para um grande destino; e o inestimável valor dos presentes que o homem ainda pode descobrir em si, mesmo em sua miséria, é uma indicação daquilo que pode formalmente ter possuído na liberdade e abundância.

Não devemos temer o erro, se considerarmos o Homem, no seio do Universo, como um Rei culpado, sujeito ao poder de seus próprios súditos, os quais ele próprio levou a desordem e anarquia, através da injustiça de seu governo; mas acima deste mar agitado, podemos discernir a eterna razão das coisas, tendendo através do imutável peso de sua sabedoria, fazer com que todas as nossas faculdades desarmonizadas recuperem sua calma e equilíbrio.

Talvez, possamos até mesmo reconhecer que, em seu estado primitivo, antes da Queda, o homem possa ter tido também um ministério de sacrifício a completar; não expiatório, pois ele era puro, mas sacrifícios de glória a seu Princípio; não sacrifícios sangrentos, mas sacrifícios de admirações divinas que estão encerradas em todas as criaturas e as quais o homem teria tido o poder de desenvolver diante de Deus, que o incumbiu deste ministério; é o Homem sendo, por assim dizer, estabelecido no centro da criação universal.

Mas enquanto estamos ocupados com os sacrifícios em uso sobre a Terra e seu significado particular, seja físico ou espiritual, veremos o Homem fortemente preso ao sangue, que parece ser o órgão e um recurso, ou domicílio, de todos os seus inimigos aqui embaixo, o sepulcro da escravidão, no qual este Rei idolatro está sepultado vivo por ter tentado contrapor os decretos da Providência, e cultivado deuses estranhos.

A lei que condena o homem à escravidão tem por objetivo mantê-lo em privação, para que esta privação o leve ao arrependimento e, do arrependimento à confissão de suas faltas; esta confissão pode colocá-lo no caminho que leva ao perdão; e, como o zeloso cuidado da Sabedoria Suprema, com este infeliz exílio, é incansável, ela o provê de meios para curar os males a que esta exposto diariamente pelas mãos de seus inimigos, e para preservá-lo de seus ataques; finalmente, ela o provê de meios de consolo em meio à sua miséria; e iremos nos esforçar aqui para mostrar que este foi o espírito da instituição dos sacrifícios, por mais absurda ou impiedosa que aquelas cerimônias possam ter se tornado ao passarem pelas mãos dos homens, e ao caírem sob o controle do mesmo inimigo que pretendiam expulsar.

Unidades de ação no Universo e na Natureza.

Uma positiva e bem conhecida lei, que retrato aqui aos amigos da sabedoria, como uma das mais úteis luzes em sua senda, é que, apesar das inumeráveis diversidades das criaturas e classes que compõem o universo, há certas unidades de ação que abarcam todas as classes, e agem sobre os indivíduos destas classes, por uma analogia natural.

É por isso que, em todas as produções da natureza, há gêneros, espécies, famílias, todas carregando a marca desta unidade de ação, cada uma de acordo com sua classe.

Os poderes e faculdades de nossas mentes, apresentam a mesma lei, mostrando uma espécie de uniformidade nos movimentos dos pensamentos dos homens, e reduzindo todo os seus sistemas a um número limitado de teoremas e axiomas, e todas as suas instituições a fórmulas fundamentais, que dificilmente variam uma das outras. A arte medicinal, a moral, a política, assembléias científicas e deliberativas, coisas pertencentes à ordem religiosa, e, se posso assim dizer, até mesmo as coisas pertencentes à ordem infernal, tudo testemunha a favor deste princípio.

Através desta lei de unidade de ação, a mesma ação física que rege o sangue do homem, rege também o sangue dos animais, pois os corpos de ambos são da mesma ordem.

Mas, se a mesma ação física governa o sangue dos homens e dos animais, esta ação está, sem dúvida, exposta as contradições e desordens a que os dois estão sujeitos; e esta lei física, embora não esteja baseada na liberdade, como estão as leis morais, pode contudo sofrer desordens, pelos obstáculos e oposições que envolvem e ameaçam tudo o que existe na Natureza.

Se estes diferentes indivíduos, homens e animais, estão sujeitos as mesmas leis, dentro das desordens a que estão expostos, por outro lado, eles também participam nas perfeições da unidade da ação regular que os governa; e, se a desordem é comum a ambos, a restauração deve ser também, assim tanto o espírito como o uso de sacrifícios podem ser compreendidos; mas isto não seria suficiente, se não pudéssemos descobrir, como estes sacrifícios operam neles próprio, e como seus resultados podem afetar o homem.

A operação espiritual e a causa dos sacrifícios.

A lei hebraica nos diz que há animais puros e impuros. Jacob Boehme nos dá um motivo real para isto, com as duas tinturas, que se encontravam em harmonia antes do crime e que foram subdivididas com a grande alteração. A Natureza não se opõe a isto, uma vez que reconhecemos uma distinção entre os animais, alguns sendo úteis, outros nocivos. Desta forma, até mesmo num mero sentido físico, o significado das Escrituras pode ser confirmado.

Mas e se isto tivesse um significado espiritual? Na verdade, a matéria possui uma vida unicamente de dependência e sua existência, virtudes e propriedades só existem através das diferentes ações ou influências espirituais, pelas quais são engendradas, combinadas, constituídas e caracterizadas; a matéria é, além do mais, o contínuo receptáculo dos poderes opostos à ordem, que só tendem à estampar a marca da irregularidade e da confusão em todo lugar; por este motivo, não é de se surpreender que esta matéria apresente todo tipo e atuações destas ações ou influências diversas e opostas, das quais vemos melancólicas evidências em nós mesmos.

Assim, quando o homem caiu sob o domínio de algumas influências desordenadas, o animal puro representou um meio de livrá-lo destas influências; a ação desordenada seria atraída pelo fundamento que ele representa e sobre o qual deve ter certos direitos e poderes.

Mas para esta atração não prolongar as conseqüências e efeitos das influências desordenadas, é necessário, em primeiro lugar, que o sangue do animal seja derramado; depois este animal, embora limpo pela Natureza, deve receber algumas influências preservativas extras, pois é composto de elementos mistos e exposto a influências desorganizadoras do inimigo, como tudo o mais que seja matéria. Ora a ação preservativa, neste caso, era representada, entre os Hebreus, pela imposição das mãos do sacerdote, sobre a cabeça da vítima, o sacerdote representa o Homem restabelecido em seus direitos primitivos; e tal é o espírito destas duas leis.

Pelo derramamento do sangue do animal, a ação desordenada unida a matéria do homem, é mais fortemente atraída para fora do que pela simples presença corpórea do animal, porque, quanto mais perto chegarmos do princípio, mais energética e eficaz são todas as suas relações, em qualquer ordem que seja.

Pela preparação sacerdotal, ou da preparação do Homem, que desfruta da virtualidade de seus direitos, este sangue, e esta vítima, são colocados além do alcance desta ação desordenada; que assim abandona a matéria do homem, sugada pela atração dos sangue animal; mas sendo repelida pela poderosa virtude que o sacerdote comunicou ao sangue, ela é forçada a banir a si mesma, para ser mergulhada nas regiões da desordem, de onde veio.

Ao que me parece, isto dá uma visão geral do espírito da instituição dos sacrifícios. Esta visão sobre o assunto pode nos ajudar a descobrir o espírito particular que ordenou os detalhes de todos os sacrifícios hebreus; aqueles, por exemplo, para o pecado e expiação; aqueles chamados oferendas de paz; e até mesmo aqueles da redenção ou reconciliação e da união do homem com Deus, confirmada pelos visíveis sinais de sua aliança.
Sacrifício para o pecado.

Esta simples lei da transposição, da qual temos falado, é suficiente para nos dar uma idéia do espírito de sacrifício para o pecado, banir a profanação para as regiões da desordem e sobre o inimigo que a causou.

Oferenda de paz.

O objetivo do sacrifício para paz, seria o de dar forças ao homem para resistir a este inimigo e até mesmo prevenir seus ataques. A preparação da vítima, pela imposição das mãos do sacerdote, torna isto inteligível, já que coloca um sangue puro que está em conjunção com influências regulares, em proximidade de um sangue cercado por influências destrutivas e maleficente e é ainda assim capaz de recuperar a calma e o repouso.

Um grande número de detalhes sobre cerimônia de sacrifícios justificam nossa confiança nestas conjecturas. O sangue vertido ao redor do altar e consagrado aos quatro cantos, os combatentes do sangue, o consumir da vítima etc., tudo se refere estritamente a um trabalho de paz e preservação.

Os sacrifícios perpétuos e aqueles de consagração.

As Leis dos sacrifícios perpétuos, e daqueles ordenados para a consagração dos sacerdotes (cujo objetivo espiritual era unir o pontífice a Deus) nos levarão a seu próprio significado; este tipo de sacrifício não foi instituído a todos os homens, mas somente àqueles chamados por Deus, através de uma eleição particular, a seu serviço.

Tais homens, preparados, exatamente através da eleição de cada um, estavam em conecção com as mais altas virtudes, que, abarcando todas as coisas, estão sempre unidas àquelas ações regulares que cuidam de afastar nosso sangue da desordem. A vítima imolada, após estas preparações, apresenta um sangue onde estas influências desenvolve seus poderes, e permitem que as altas virtudes, por sua vez, também se desenvolvam, pois tudo o que é harmonioso participa mais ou menos das propriedades do pacto divino, mesmo que se encontre entre os animais.

Não é de se surpreender, então, que estas mesmas altas virtudes devam agir sobre o homem escolhido, e produzam para ele todas aquelas manifestações perceptíveis tão necessárias para direcioná-lo em suas trevas; o homem só pode receber as evidências da verdade através de um intermediário.

Tudo isto ocorreu com Abraão, quando sacrificou os animais divididos em dois; com Araão, nos oito dias de sua consagração; com Davi, na eira de Ornan; o que ocorreu no templo, após os sacrifícios dos altos sacerdotes, o que indica, de forma clara, o objetivo e o poder que realmente possuíam os sacrifícios sagrados, quando executados pelos eleitos do Senhor, que exerciam, de uma forma adequada à época, o Ministério espiritual do Homem.

Destas poucas observações sobre os sacrifícios de sangue em geral, segue-se que seu objetivo era o de desenvolver certas influências puras e regulares (ações) que unidas ao homem poderiam auxiliá-lo a elevar-se de seu abismo, às regiões de ordem e regularidade.

As causas e operações das excomunhões e exterminações.

Numa direção oposta, mas tendendo ao mesmo fim, a interdição ou excomunhão operada é mencionada no último capítulo dos Levitas. O que foi consignado por este tipo de consagração, à justiça do Senhor, era, aparentemente, o domicílio do mais irregular e abominável e portanto o que havia de mais fatal aos escolhidos. Assim, todos aqueles sujeitos à excomunhão haviam de ser exterminados, a fim de que a ação ou influência irregular que estavam neles, não encontrando mais apoio, fosse obrigada a partir e a se tornar incapaz de injuriar as pessoas.

Temos aqui a oportunidade de não apontar erro na punição de Achan, na execução de Agag por Samuel e na rejeição de Saul que desejou salvar este rei impiedoso e condenado; e até mesmo em todos os massacres autorizados de cidades inteiras com seus habitantes, relatados nas Escrituras, tão revoltante para aqueles que não estão preparados, ou estão pouco familiarizados com as verdades profundas, e especialmente para aqueles cujo o corpo material é tudo enquanto Deus só pertence as almas.

Por que o inocente cai com o culpado; a exterminação de animais.

Esta classe de pessoas, a que nos referimos anteriormente, está longe de suspeitar do grande segredo, comentado no "O Espírito das Coisas", através do qual a Divindade permite, freqüentemente, que o inocente caia com o culpado nas pragas ou catástrofes da Natureza, para que possam, pela pureza que possuem, se preservarem de uma corrupção maior, assim como cobrimos com sal as carnes que preservamos e que de outra forma putrefariam.

Em resumo, é com este intento, de remover os princípios fundamentais do veneno, que encontramos a razão pela qual, na conquista da terra Prometida, os judeus eram tão freqüentemente ordenados a exterminar, mesmo entre os animais, porque, neste caso, a morte de animais infectados com as influências impuras daquelas nações, preservavam os escolhidos dos veneno; enquanto que, nos sacrifícios, a morte de animais puros atraíam influências preservadoras e salutares.

A destruição rápida daquelas nações teria exposto as crianças de Israel às influências impuras daquelas bestas da Terra, pois tais nações eram seus receptáculos e bases de ação; é por isso que Moisés disse ao povo: "Iahweh, teu Deus, pouco a pouco irá expulsando estas nações da tua frente; não poderás exterminá-las rapidamente: as feras do campo se multiplicariam contra ti." (Dt. VII,22).

O sangue dos animais puros, a morada das boas influências na escravidão.

Isto não significa que as virtudes puras e regulares estejam encerradas e sepultadas no sangue dos animais como pensam alguns, entre eles os Hindus que acreditam que todos os tipos de espíritos habitam e se sustentam ali; isto leva a crer simplesmente que aquelas influências puras e regulares estão ligadas a certas classes e elementos distintos entre os animais, e que, ao romper as bases nas quais estão fixadas, elas podem se tornar úteis ao homem; é neste sentido que devemos ler a passagem: "É o sangue que faz expiação pela vida" (Lev.XVII.11); pois não devemos confundir a alma humana e, portanto, a alma dos animais, com as ações regulares externas que as governam.

Desta espécie de escravidão ou confinamento, onde se encontra este tipo de ação ou influência, surge uma outra conseqüência, justificada anteriormente pelo doloroso estado ou espécie de reprovação em que se encontra o homem e que o denuncia como um criminoso. Esta conseqüência é que se o homem exige que todas estas ações sejam liberadas, antes que possa dar início a recuperação de sua própria liberdade, se, em resumo, ele é colocada em operação, ele deve ter sido também o objetivo de algo que as subjugou, durante a revolução.

O Homem causou a escravidão destas virtudes ou influências.

O conhecimento que o leitor terá adquirido, a esta altura, irá fazer com que isto pareça um tanto natural. Se o consideramos como um Rei; se teve sua origem exatamente na Fonte de Luz; se o reconhecemos como tendo sido feito à imagem e semelhança da Divindade e sua finalidade era ser o seu representante no universo, ele deve ter sido superior a todas estas ações que agora são empregadas na preservação da Natureza.

Ora, se estas ações diversas procuram o homem para mantê-las em sua ordem e em seu emprego primitivo, ou seja, se ele deve ter desenvolvido e manifestado nelas as maravilhas divinas das quais eram depositárias e as quais deveriam servir como sacrifícios de glória, fica claro que, quando o homem se perdeu, sua queda deve ter colocado estas ações e poderes num estado de sujeição e violência, para o qual não foram feitos e que representa para eles uma espécie de morte.

Assim, vemos nas tradições hebraicas, os judeus como sendo, por assim dizer, os primogênitos de um povo; as prevaricações do faraó e a dureza de coração induziu a Justiça a atingir não só a ele, mas a todos os primogênitos de seu reino, dos animais aos homens; do filho do escravo ao filho daquele que sentou no trono.

A oferta do primogênito.

Após esta terrível vingança, aplicada sobre o Egito, verificamos os hebreus ordenados a consagrar todos os seus primogênitos à Deus, desde o primogênito do homem até aquele dos animais. Esta coincidência é mais uma indicação do que já adiantamos a respeito do objetivo e espírito dos sacrifícios; pois a consagração do sacerdote, que parece reunir em si o significado de todas as outras consagrações, não foi feita sem o sacrifício de um carneiro.

Se seguirmos estas comparações, verificaremos que, através do crime do homem, todos os primogênitos, todos os princípios produzidos de cada espécie, foram mergulhados com ele em seu abismo; mas que através do amor perfeito da Sabedoria Suprema, o Homem recebe o poder de restaurá-los sucessivamente às suas posições e depois deles os seus semelhantes, por sua vez; e fazer com que as almas desfrutem os seus sabath, assim como teve o poder de fazer a natureza desfrutar dos seus.

Veremos, em resumo, que os sacrifícios de sangue tendiam a dois objetivos, seja para restaurar a liberdade original a todas as ações puras e regulares, cujo pecado atacou nas diferentes classes de animais e coisas criadas, seja para permitir que tragam alívio ao homem e o liberte da servidão onde definha.

O Êxodo, a dualidade fundamentada na natureza do Homem.

No exemplo que acabamos de dar, devemos sempre considerar que seu objetivo era o Homem, e que sua dualidade se aplica as duas nações distintas, a Egípcia e a Hebraica, uma representa o Homem em sua queda e estado de reprovação, e a outra sob sua lei de libertação e retorno em direção ao posto sublime do qual descende.
Nós, contudo, não tomamos as leis e os costumes hebraicos como base e fundamento sobre o qual repousa esta teoria.

Ela repousa, em primeiro lugar, na natureza do Homem, na forma em que ele estava, em sua origem, e como ele está no momento, ou seja, em nossa grandeza e em nossa miséria; e quando, mais tarde, esta teoria encontra sobre a terra testemunhos que a sustente e a confirme ela se utiliza deles, não como provas, mas como confirmações.

Portanto, não precisamos nos referir aos escritos sagrados para descobrir a época em que os sacrifícios tiveram origem. Os sacrifícios de glória datam de uma época anterior à queda do homem: assim como os sacrifícios de sangue e expiação tiveram início tão logo o homem começou a ver o caminho da libertação diante de si, e isto ocorreu quando ele teve a permissão de vir habitar a Terra; já que sendo, previamente, tragado como uma criança num abismo, não teria matéria alguma à sua disposição para sacrificar, não tendo o uso de suas faculdades.

As relações do Homem (conformidades) com a Natureza e os Animais.

O destino primitivo do Homem era estar conectado com toda a Natureza, até que a obra a qual tinha que realizar, se tivesse mantido seu posto, estivesse acabada. Apesar de sua queda, ele ainda se encontrava conectado com esta Natureza da qual não podia sair e cujo peso opressivo era ainda maior, pelo domínio que o homem permitiu que seu inimigo adquirisse sobre ela e sobre ele próprio. Assim, a conecção do homem com a Natureza não era outra senão o sofrimento, e seu ser propriamente dito estava identificado com o poder das trevas. Aos poucos, quando o caminho de volta lhe foi aberto, estes meios salutares (sacrifícios) podiam operar somente através do órgão ou canal que é a natureza, lugar onde o Homem estava sepultado ao invés de ser seu comandante. Desta forma, as relações (conformidades) que o homem tem com os animais não terá fim até que a Natureza tenha completado seu curso; contudo, estas relações variam em suas características, de acordo com as diferentes épocas em que o homem está situado. Em seu tempo de glória, ele reinava como um soberano sobre os animais; e se supomos que haviam sacrifícios naquela época, seu objetivo não podia ser a restauração do Homem, já que não era culpado.

Quando caiu, o Homem se tornou a vítima destes animais e de toda a Natureza. Na ocasião de sua libertação, ele foi capaz e teve a permissão de empregar tais animais para o seu desenvolvimento: isto não pode ser duvidado, depois de tudo o que foi dito. Ora, sendo estes fundamentos apoiados em bases firmes, nada mais satisfatório do que encontrá-los plenamente confirmados nos escritos sagrados.