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A invocação
de poetas que habitam unicamente o astral
O que me aflige
é ver poetas tentando descrever aquilo que não conhecem e
do que não poderiam falar, caso conhecessem. Sei que algumas vezes,
eles sentiram a necessidade de serem guiados pela Verdade, quando se supõe
terem invocado a Verdade em nome da poesia; mas será que acreditam
firmemente na existência da Verdade?
Não há dúvidas que o sentimento secreto da necessidade
da Verdade que fez com que Boileau afirmasse, em seu comentário "Arte
Poética":
C'est en vain qu'au Parnasse un téméraire auteur, & c....
S'il ne sent par du ciel l'influence secrète,
Si son astre, en naissant, ne l'a formè poète.
O autor alemão irá dizer ao seus leitores que céu deve
ser entendido por estas palavras de Boileau, nos mostrando o poder universal
do mundo astral, sob o qual a humanidade caiu desde que o pecado entrou
no mundo e pelo qual devemos passar e subjugar se quisermos vencer; o mais
difícil é que o inimigo ocupou todas as posições
e regras em todos os reinos deste mundo, como ele próprio disse ao
Senhor, no Evangelho.
Podemos verificar o quão freqüentemente Milton pode ter estado
sob a influência do mundo astral, já que só podia elaborar
seus poemas durante certas épocas do ano. Ora, se Milton, apesar
desta influência astral, também recebeu diretamente algumas
luzes superiores, como indicam partes de seus escritos; se este autor foi
freqüentemente vítima desta baixa influência, que é
sempre cega e algumas vezes falsa e corrupta, o que devemos pensar dos outros
que estavam sujeitos à influência astral, sem terem as compensações
que Milton teve?
O "maravilhoso"
é tudo em um épico. A mais alta ordem daquilo que é
admirável
Lamento ver
nosso eloqüente escritor reprovar Milton e Dante por terem feito das
maravilhas o conteúdo e não o mecanismo de seus poemas; como
se não houvesse nada maravilhoso senão mecanismos mágicos
ou, melhor dizendo, como se tudo não fosse mágico e portanto
maravilhoso, desde a eterna fonte original de todas as coisas, até
seu completo desenvolvimento em cada região e retorno final ao seu
princípio; e como se as maravilhas não fossem portanto, realmente
o princípio, o conteúdo e o mecanismo de toda verdadeira obra
épica.
Se o poeta escolher como tema, algum fato meramente histórico de
ordem terrestre e desejar conectar a ele alguma espécie de maravilha,
além daquelas pertencentes as fábulas e contos de fada, não
teria outra escolha senão começar a elevar seus heróis
ao nível de semideuses, como fazem todos os poetas épicos;
então, entrando no espírito do verdadeiro Cristianismo, que
faz do homem nada menos que um filho de Deus e uma imagem de Deus, ele poderia,
sem antíteses, mas por necessidade, desenvolver todos os maravilhosos
mecanismos que constituem a maravilhosa existência de todo ser, desde
Deus até aos animais; então, através de sua ação
viva e constante manteria a inefável harmonia de todas as coisas.
Vendo desta forma, o que os poetas poderiam nos oferecer de mais maravilhoso
do que os tesouros ativos do Verbo?
O Cristianismo
deu oportunidade ao surgimento da persuasão, como no caso de nosso
eloqüente escritor, além de ter sido favorável à
poesia descritiva, estendendo a harmonia da religião as coisas naturais.
Penso que nisto, nosso escritor tem julgado as coisas mais como deveriam
ser do que como realmente são. Os mais distintos autores da poesia
descritiva, tem se apoiado mais nas ciências naturais e na preferência
pelo conhecimento físico, do que nas causas religiosas.
Por essa razão, a poesia descritiva provavelmente irá contribuir
mais para adiar o reino da verdade do que o sistema mitológico da
antigüidade. De fato, a mitologia, ao colocar espíritos imaginários
em toda a Natureza, apresentou, ao menos, uma imagem dos reais poderes pelos
quais a natureza é governada, sob os olhos da Sabedoria Eterna; nossos
poetas, ao contrário, pertencentes à torrente, nos oferecem
apenas alguns traços do ensinamento religioso, mas não podemos
ter a certeza de que isto não tenha sido problemático para
eles; descrições físicas e detalhes em abundância
é tudo o que nos proporcionam, assim como os especialistas em coisas
materiais sempre fazem; é assim que nos aproximam das trevas ao invés
da luz.
Há um outro tipo de descrição que parece ser igualmente
uma injúria: aquelas dos espertos críticos literários
que fazem de tudo para dissecar belas passagens de grandes autores; não
posso deixar de dizer-lhes: "se estas passagens são belas em
si mesmas, não é necessária a sua ajuda para que eu
as aprecie; necessito menos ainda de sua minuciosa análise; teria
menos prazer se conhecesse as razões pelas quais tenho tal prazer;
você me trapaceia ao esfriar o meu desfrutar, assim como os poetas
descritivos da natureza fazem todos os dias, ao apresentarem suas ficções
pessoais para as realidades da Natureza"...
As evidências
demonstrativas de Deus e da alma. Ateístas e materialistas
Mais uma vez:
Antes de mostrar tão entusiasticamente, como faz nosso autor, a preeminência
da religião ou do Catolicismo sobre todas as outras religiões,
ele deveria começar por demonstrar o verdadeiro e primitivo Cristianismo
ou o Verbo; pois me parece que, em suas respostas aos ateístas, ele
omite precisamente o que é mais essencial.
A principal dificuldade, na minha opinião, é não provar
aos incrédulos a existência de Deus ou da alma, especialmente
se as provas são obtidas no Homem Espírito. Muitos filósofos,
tomando esta luz como guia, tiveram provas destes dois fatos, com as razões
que o secto de ateístas requerem; ou seja, aquelas que mentes positivas
podem comparar com o que chamam de demonstrações de A+B.
Não há nada de se admirar nisto, já que, apesar de
todos os devaneios de ateístas e materialistas, a única inabilidade
que podemos reconhecer em Deus é que Ele é incapaz de Se anular;
e a alma do homem, que é Sua imagem, se mostra continuamente em todos
os nossos atos, até mesmo no próprio esforço que fazemos
para negar.
Mas não são estes dois pontos que confundem o refratário,
tanto quanto todo o edifício religioso que se pretendeu erguer sobre
esta base; para provar estes dois pontos, não se deve provar as conseqüências
positivas que se deduzem deles.
De fato, a razão e a lógica provam meramente a existência
de Deus e da alma. O objetivo da religião deve ser o de provar suas
relações mútuas e uní-los; esta união
não pode ocorrer sem uma cooperação interna de nossa
parte, e a ação voluntária de nosso ser.
A simples crença na existência de Deus e da alma não
necessita desta cooperação.
Inadequação
do ensino comum para a convicção dos Deístas
É mais
fácil curar um materialista ou um ateísta do que um deísta.
Na verdade, como pode um deísta ser persuadido pela fonte natural
da religião, sua utilidade ou necessidade senão mostrando-a
como fundamentada na obscura e instável condição do
homem caído? Mas como podemos fazer isto, após todos os danos
que a filosofia humana tem feito ao homem? Onde encontraremos homens em
condições de guiar seus semelhantes desta forma?
Não é de se surpreender, que os esforços diários
feitos por parte da religião gerem tão poucos frutos. Vamos
confessar de uma vez que, para combater o materialismo e o ateísmo,
os que ensinam a religião comum possuem frágeis armas, já
que provam Deus somente pelo universo e as almas através de livros
teológicos. Como poderiam então provar se não tivessem
o universo e os livros?
Estes professores não estudam as coisas eternas; não estudam
o Verbo; não estudam a ação universal e nem o porquê
de só esta ação gerar a vida. Como então poderiam
ver a Fonte Divina do pensamento e do homem imortal? Como veriam a conexão
do homem com seu Princípio? Como poderiam perceber o profundo objetivo
da religião e nos ensinar a admirar nosso Deus, em Sua organização
restaurativa e sublimidade de Sabedoria?
A demonstração
que a religião requer. A prova positiva
Resta então,
demonstrar diretamente ao refratário o grande lapso ou mudança
ocorrida na família humana, além da natureza desta mudança;
o auxílio que a Bondade Suprema tem enviado desde o princípio
e ainda envia continuamente, para o consolo dos mortais em sua miséria;
o caráter deste auxílio ou da religião em geral e por
fim, os direitos que os ministros desta religião reivindicam, exclusivamente
para dirigirem seus semelhantes e os meios que pretendem adquirir, a fim
de dar repouso as almas perturbadas e permitir que cumpram as leis do Criador.
Ora, os filósofos religiosos não tem provado estes importantes
itens por A+B, como provam outros; ainda, se tudo isto é verdadeiro,
eles também precisam ter suas próprias provas positivas, já
que todas as coisas devem fazer suas próprias revelações.
Estas provas devem tomar um novo caráter, na medida em que o objetivo
se torne mais substancial e empregue um grande número de nossas faculdades.
No entanto, não devem depender mais da vontade do homem do que de
Deus e da alma; nem tampouco devem se apoiar em expressões literais;
menos ainda nos ensinamentos dogmáticos de terceiros; devem gerar
suas próprias evidências em si mesmas.
Nosso eloqüente
escritor tinha conhecimento de que há uma geometria intelectual e
qualquer coisa que possa ser dito, ainda acredito que esta geometria intelectual
era mais familiar a certos filósofos da antigüidade do que a
Leibnitz, Descartes, Newton ou mesmo a Pascal, que chegou mais perto dela
do que os outros três.
Assim, se existe um A+B para provar a existência de Deus, e a imaterialidade
do Homem Espírito, deve haver um A+B para provar nossa degradação
e consequentemente a religião, que é seu remédio; da
mesma forma deve haver um A+B para provar a eficácia deste remédio,
que não pode deixar de ser específico; se a vontade de seres
livres pode neutralizar esta degradação em relação
a si próprios e evitar sua operação a favor deles,
não podem evitar que opere contra eles. Ora, todos estes tipos de
provas, embora diferentes umas das outras, devem ser positivas em si mesma.
Provas positivas
racionais, emocionais e experimentais
A primeira
destas provas, ou aquela que objetiva a existência de Deus e do Homem
Espírito, pode ser chamada de prova positiva racional e intelectual;
isto porque pertence, de fato, à simples reflexão e ao raciocínio.
A segunda, que se refere à nossa degradação e portanto
à religião, chamaremos de prova positiva sentimental ou emocional,
porque requer, necessariamente, que o homem coloque em ação
uma nova faculdade, além daquela do julgamento; assim como uma faculdade
médica torna um homem consciente de que está atacado por uma
grave enfermidade, causando-lhe uma inquietude e um alerta sobre o perigo
em que se encontra, aponta, ao mesmo tempo, o remédio que pode lhe
ser útil; embora, para conhecer e possuir a ciência médica,
o estudante precise apenas fazer uso de sua razão.
Finalmente, a terceira prova, cujo objetivo é demonstrar os poderes
dos ministros da religião, além da superioridade e eficácia
da religião em si, chamaremos de prova positiva experimental; isto
porque é uma questão de fatos; também porque tendo
adquirido todas as nossas faculdades, ela confirma as duas provas precedentes,
a prova positiva sentimental e a prova positiva intelectual. Se invertermos
estas provas ou empregarmos apenas uma onde todas são necessárias,
como podemos esperar que os adversários se submetam?
Não é muito difícil, como tenho afirmado, demonstrar
a necessária e exclusiva supremacia do Ser Superior, assim como nossa
conexão fundamental com Ele; sem esta conexão não poderíamos
mais do que questionar Sua existência e nem mesmo pensar Nele.
De fato, só podemos chamar de Ser Supremo aquele que é superior
a ponto de nenhum outro poder superá-lo ou nem mesmo se igualar a
ele. Ora, neste sentido não há nada mais elevado que Deus,
pois Ele sendo tudo, é impossível para qualquer outro ser,
não só nunca excedê-lo em grandiosidade, como nunca
se igualar a Ele. Por esta razão, após Deus, toda grandiosidade
é relativa; para nós, tudo é apenas proporcional; contudo,
ao mesmo tempo, e pela mesma razão, precisamos ter sido contemplados
com alguns meios positivos de demonstrar Sua influência generativa
em todas as criaturas, e Sua influência restauradora em nós
mesmos; é necessário ainda, mostrar, através do próprio
fato, e não através de livros, a exclusiva supremacia do Ser
dos seres e as efetivas relações que o Verbo busca continuamente
estabelecer conosco.
Sublime
é Deus e aquilo que nos conecta a Ele
Esta idéia
foi, sem dúvida, a que me levou a dizer na obra "O Homem de
Desejo" versículo 166 (pág. 164), que "o sublime
é Deus e tudo o que nos põe em relação com Ele".
Tive esta compreensão após ouvir um célebre Mestre
dizer que o sublime era indefinível.
Desde então tenho lido as obras deste Mestre: "aquilo que é
belo, grande, forte, admite ou mais ou menos; o sublime não",
etc.
Percebo que nossas idéias coincidem, com exceção de
que estou convencido de que aquilo que acreditamos sobre o sublime se estenda
a outras qualidades, virtudes, etc.; que ele exclui; pois, em Deus só
estas coisas são positivas e o Verbo é o proclamador universal
destas sublimidades positivas.
Devo acrescentar aqui uma importante observação. Nada pode
realmente nos parecer sublime, senão nos comunicar um extrato daquilo
que se passa na região Divina superior, que é a fonte de toda
a sublimidade, a fonte de tudo. Augustus nos cativou ao dizer "Cinna,
vamos ser amigos, sou Eu que te peço": porque esta é
a linguagem positiva e constante da Verdade Eterna para com o Homem; e o
mesmo pode ser deduzido de todos os outros exemplos do sublime, tanto em
palavras como em ações.
Elas nada fazem senão levantar o véu e abrir o inexaurível
foco de todos os sublimes atos e pensamentos onde nosso ser possui suas
raízes. Ora, se despertarmos em relação a esta região
a ponto de ouvir sua linguagem falada, já que esta é a linguagem
da própria natureza do Homem, não é de se surpreender
que ela nos encante.
Sobre este
princípio, que mereceria ser tratado ad hoc e é capaz de ser
estendido ad infinitum, por causa do infinito número de assuntos
que envolve e de testemunhas que depõe a seu favor, podemos compreender
o motivo que levou Malebranche afirmar: "vemos tudo em Deus";
contudo verificamos que sua idéia poderia ser expressada de outra
forma menos gigantesca, que se não simplificasse, ao menos traria
maior riqueza à nossa frágil mente e a faria brilhar com uma
luz mais suave do que aquela chama ofuscante que a cega. Esta forma mais
simples seria: "vemos Deus em todas as coisas". Na verdade não
deveríamos ver nada em qualquer objeto que seja, se o Princípio
de todas as qualidades, ou seja, Deus, não se movimentasse ativamente
nele, tanto por Ele próprio ou por Seus poderes.
Assim, corpos sonoros não têm som algum, se privados de comunicação
com o ar; este deve necessariamente penetrá-los a fim de que emitam
um som. Pela mesma razão, podemos dizer que o som propriamente dito
não seria sensível ou manifesto a nós, se não
houvesse um som gerativo universal em todo som parcial; esta é a
verdadeira razão pela qual a música tem tido, sempre, tanto
poder sobre os homens.
Os diferentes
agentes do sublime; O Cristianismo é o maior deles
Os diferentes
exemplos do sublime, ou a parcial percepção do foco gerativo
universal que nos atinge, nos leva muito além daquilo que nos mostra.
Portanto, de todos os meios oferecidos, a fim de apreciarmos o sublime,
nenhum é mais sublime que o Verbo, ou o verdadeiro Cristianismo;
o Verbo é nada menos do que nossa exata união com o Espírito
e o Coração de Deus; podemos tirar dai uma prova direta de
que o Cristianismo é Divino, já que se conhece a árvore
pelos seus frutos.
Porém, este fruto só pode ser adquirido através da
experiência, ou seja, seu A+B. Este fruto não pode ser garantido
completamente pelo intelectual A+B do raciocínio.
A simples
estimativa do sublime
Ao mesmo tempo,
a admiração que os literários e retóricos demonstram
por aquilo que consideram sublime, me confirma que estes galanteadores espíritos
habitam uma região inferior e que quando se deparam com idéias
ou expressões um pouco mais elevadas que o usual, experienciam uma
impressão que preenche seu vazio usual e parece os elevar ao degrau
mais alto do sublime; isto tudo ocorre por causa da constante privação
em que se encontram nas estéreis regiões que habitam.
Se conhecessem a verdadeira região sublime, para a qual o homem foi
feito, reduziriam ao seu devido valor, todos aqueles exemplos particulares
do sublime, diante dos quais chegam ao êxtases e que consideram como
uma brincadeira de criança; sobre este assunto, basta reportálos
aos profetas.
A inconsciência
dos homens de letras. A literatura humana, uma cilada quando mal aplicada
Sabemos o que
podemos esperar destes homens de gênio com relação a
estas provas positivas e experimentais das quais tenho falado. Colocam num
mesmo nível aqueles que se dizem ateístas e aqueles que, embora
à sua maneira, se tornaram iluminados, profetas, taumaturgistas a
partir da vaidade, orgulho ou curiosidade. Dizem que qualquer paixão
forte pode dar à mente um traço de loucura. Por um acaso,
não sabemos, além disso, o que dizem sobre o espectro de Atenas
e sobre o fantasma de Athenodows, duas narrativas das quais riem ao verem
que são levadas a sério por Pliny? Eles acreditam que estas
narrativas deveriam ser tomadas como originais de estórias de fantasmas,
repetidas e forjadas muitas vezes e de diferentes formas; acreditam que
ninguém mais pode relatar, com tanta fantasia, o que acreditam que
nunca aconteceu.
Oh, eruditos e eloqüentes, que tomaram a posição de governantes
do mundo, estou longe de pretender argumentar com vocês estas questões,
mas diria que, com esta condição de instrutores de nações,
comecem a aprender questões de justiça. Suas afirmações
sobre fatos, a favor e contra, teriam mais peso; até lá veremos
suas afirmações como meras opiniões imaturas, que podem
ser tanto fantásticas como verdadeiros fantasmas; com isto podemos
julgar que progresso podem ter feito no curso da filosofia divina, do verdadeiro
Cristianismo, ou no Ministério do Verbo, que é a mesma coisa.
Vou repetir porque reprovo os literários, em especial os religiosos.
É que se prendendo, como normalmente fazem, pelos seus dons naturais
ou pelos seus esforços, à região da verdade, dissipam
os tesouros que lá encontram na medida em que os aplicam numa região
inferior; eles reduzem os domínios do Verbo à arte de descrever
e escrever graciosamente e com regularidade. Assim, sacrificam continuamente
a substância, que não conhecem, por causa da forma.
Isto é o que me leva a dizer que a literatura humana em geral é
uma armadilha do inimigo; ela é usada por ele com grande propriedade
a fim de atrasar os homens em sua marcha, enquanto os fazem acreditar estarem
bem adiantados como de fato estão, dentro de sua arte, além
dos mortais ordinários.
Os pensamentos e as palavras do homem são espadas afiadas e sucos
corrosivos, dados a ele para quebrar e dissolver as substâncias infectadas
à sua volta. Quando o homem falha em usar estas armas para este específico
propósito, elas o corroem e o destroem, já que não
podem permanecer inativas. Desta forma a ação é vital
para o homem; esta ação lhe traz muitos benefícios
se aplicada na obra ativa do Verbo, que é o verdadeiro Cristianismo.
Vamos agora nos remeter àqueles que por terem sido chamados, são
especialmente encarregados do Ministério do Verbo.
O que tem
feito os Ministros do Verbo? Tem, por um acaso, assegurada a chave do conhecimento?
Vocês
ministros do Verbo, pensam que estão livres de reprovação?
Vocês, que colocaram o Verbo sob tutela e que enfraqueceram sua vigilância
e não enriqueceram a si próprios; não caberia aqui
dizer que, se nada obténs do Verbo é porque o reivindicaram
para nada? Se o reivindicou para nada é porque pensam que já
têm tudo.
Será que vocês não tem degradado o Verbo, ao reduzirem
a sua administração a instituições simbólicas,
sermões e pompas exteriores; ao não nos oferecerem nenhum
dos maravilhosos frutos de Seus férteis domínios; e ainda
ao nos ensinarem que o tempo das maravilhas do Verbo já passou? Como
se este Verbo fosse decrépito e como se a sua necessidade de Seus
frutos não fosse tão urgente desde seu preceito, assim como
era antes e como será até o fim de todas as coisas.
Não teriam vocês feito a este Verbo aquilo com que o Salvador
reprovou os judeus, a saber, tomar a chave do conhecimento e não
só não penetrá-lo, mas impedir aqueles que poderiam
fazê-lo? Vocês nunca paralisaram a obra de Deus ao reprimirem
homens de fé e de desejo, que, através de seus dons e sua
luz, deveriam ter se tornado servos do Senhor?
Podemos ver o que a indústria humana produz com as matérias
primas da natureza, através das esplêndidas descobertas da
Ciência.
Nunca te surpreenderam o grande número de prodígios que o
homem poderia ter esperado de sua alma se, ao invés de contrair seus
movimentos e mantê-la amordaçada, ele tivesse seguido suas
Divinas aspirações e aberto a ela as sublimes regiões
da liberdade onde nasceu?
Vocês nunca forçaram, através de suas instituições,
o Redentor a voltar ao templo, cuja destruição ele havia proclamado
anteriormente, e onde ele nunca mais voltou depois de sua ressurreição,
embora, após este evento, tenha aparecido freqüentemente aos
seus discípulos?
Será que vocês nunca anularam os meios de cura para a alma
humana, ao dizerem ao homem que destrua o velho homem de dentro de si, sem
ensiná-lo como fazer para que o novo homem nasça? isto nada
mais é do que a renovação do pacto Divino; renovação
que se deve seguir efetivamente por todos os meios que estiverem em seu
poder .
A razão
mundana e a razão correta não devem ser prescritas da mesma
forma
Vocês
nunca agiram como aqueles pobres, místicos e espiritualizados instrutores,
que nos proíbem de caminhar de acordo com a razão?
Mas por que nos proíbem de agirmos de acordo com a razão?
É porque não perceberam que, se há uma razão
humana contrária à Verdade, há uma razão humana
a Seu favor; Eles são sábios e prudentes ao proibirem a primeira;
de fato, é inimiga de toda Verdade; isto é facilmente verificado
pelas injúrias cometidas contra a Verdade, pelos doutores nas ciências
materiais; tudo isto é, ao mesmo tempo, os objetos e os resultados
de uma mera razão mundana. A principal propriedade deste tipo de
razão é, temer o erro e desconfiar da verdade: sempre preocupada
em examinar provas, ela não dá tempo à mente de saborear
as doçuras da vida e está sempre desconfiada, o que evita
provar a verdade e jamais a alcança.
Isto é o que leva sociedades instruídas a desacreditarem,
após terem sido mantidas por tanto tempo na dúvida.
Contudo, estes doutores deixam de ser sábios e prudentes quando nos
proíbem de usar o segundo tipo de razão, pois esta, ao contrário
é a defensora da Verdade. É o olho penetrante que a descobre
continuamente e busca unicamente desvendar suas riquezas; seria um crime
não seguí-la, já que este dom tem sido apresentado
a todos os homens, com uma única intenção, que é
a de que façam uso dela; o Senhor sabe que apresentar esta razão,
humildemente, ao foco universal de Luz, seria o suficiente para nos instruir
e nos levar a todas as coisas.
A luz da
Verdade é a própria evidência. A convicção
em si é irrefutável. A fé cega
Como poderia
o Regente Supremo esperar que acreditássemos Nele e em todas Suas
maravilhas, se não tivéssemos, essencialmente, os meios necessários
para descobrir estes poderes?
Sim, a Verdade seria injusta se não fosse escrita clara e abertamente
diante dos olhos da mente do homem. Se a Verdade Eterna deseja que acreditemos
Nela, é porque nos é dada a fim de que tenhamos segurança,
a cada passo de nossa existência; não se deve acreditar simplesmente
por testemunhar as declarações dos homens, inclusive dos ministros
desta mesma Verdade, mas através da evidência direta, positiva
e irrefutável.
É possível, às vezes, inserir a fé nas mentes
dos prosélitos, contudo, o quão útil ela será
para eles, esta muito longe da certeza que repousa sobre a evidência.
Não é incomum encontrar homens de fé, sobre a qual
podemos exercer algum domínio; não é difícil,
até mesmo, dizerem por este mundo, que nada é mais fácil
do que crer; alguns homens até fingem poderem acreditar no que quiserem.
Chamo isto de fé cega, porque consiste em descartar o universal e
considerar apenas um ponto. A fé cega dispensa qualquer comparação
e para este tipo de crença, quanto mais entrarmos em minúcias
mais prontas as pessoas estão a acreditar; isto explica o fanatismo
do supersticioso, que está na exata proporção de sua
ignorância.
Isto não pode ser dito com relação àquela certeza,
oposta à fé cega, porque podemos chegar a esta certeza apenas
na proporção em que nos elevemos em direção
ao universal ou a totalidade das coisas; quando comparamos coisas em sua
totalidade, e lá descobrimos a unidade ou universalidade da lei,
se torna impossível não ter a certeza. De fato, esta certeza
é oposta à fé cega, porque está na proporção
direta de nossa elevação e conhecimento.
Assim, admito que nada é mais fácil do que acreditar, mas
não é tão fácil ter a certeza! Homens do mundo,
de tempos em tempos, lançam propósitos especiais que acreditam
serem decisivos, porque ninguém pode respondê-los. São
como reações químicas que introduzem em nome da verdade
e através dos quais tentam precipitá-la ao fundo do recipiente.
Contudo, vemos que não é impossível que seus subterfúgios
escapem.
Em geral, os homens mergulham na fé cega, na dúvida ou até
no ceticismo, apenas porque não vão além das imperiosas
e obscuras opiniões dos homens, de seus sistemas incoerentes e paixões;
em uma palavra, porque olham apenas para os homens onde tudo está
em oposição e é diverso. Se considerassem o homem,
lá encontrariam a raiz de todas as virtudes, toda luz e harmonia;
lá, veriam o próprio sistema Divino e se encontrariam em tal
uniformidade de princípios e certezas, que logo se tornariam uma
única mente. De nossas duas razões humanas, portanto, não
descartemos aquela que tem o poder de reter a Verdade.
A estimativa
das Escrituras sobre a compreensão: Os Místicos.
Aqueles que
lerem as Escrituras verão como valorizam a compreensão; como
ameaçam negar esta compreensão àqueles que se desviam
do caminho correto, prometendo esta luz somente aos que amam a verdade.
É nas Escrituras que irão ver como os eleitos de Deus, encarregados
de proclamar a Sua Palavra, reprovaram o povo, os ministros da religião
e indivíduos que, da mesma forma, negligenciaram de fazer uso da
compreensão, razão Divina ou discernimento que nos é
concedido apenas para separarmos, continuamente, a luz das trevas, assim
como faz o Próprio Espírito de Deus.
Aqui então, você vê, oh ministros das coisas santas,
o que é a obra, cuja Verdade tem o direito de esperar de vocês.
Leve em conta, se quiser, o caminho que respeitáveis místicos
tem tomado. Mas não seja um daqueles tímidos beatos que nos
proíbe o uso da luz que o homem tem recebido através de sua
natureza. Não é difícil encontrar alguns destes místicos,
homens e mulheres, que descrevem, maravilhosamente, o mais perfeito estado
das almas e até mesmo as exatas regiões ou impressões
através das quais o verdadeiro servo do Senhor têm que passar.
Estes místicos parecem ser chamados a estas regiões apenas
para descrevê-las, sem terem a vocação ativa de verdadeiros
administradores; eles vêm a terra prometida mas não a cultivam;
outros a cultivam sem vê-la; estes deveriam temer o risco de distraírem
suas mentes ao parar de contemplá-la; tal é a ânsia
de tornar esta terra frutífera. O posto destes místicos não
está em regiões parciais ou particulares. Isto se comprova
levando-se em conta a natureza do desejo.
A natureza
do desejo: o princípio do movimento
O Desejo resulta
unicamente da separação, distinção entre duas
substâncias, análogas em suas essências e propriedades;
o ditado "não devemos desejar o que não conhecemos"
é prova de que quando desejamos algo, é necessário
que haja em nós uma porção deste algo, que portanto
não pode ser considerado como desconhecido de nós. Também
é certo, como sempre digo, que todo desejo se empenhe em manter aquilo
que o atrai, como se pode verificar em qualquer coisa que tomemos como exemplo;
o desejo, ao mesmo tempo, reprova nossa idolatria, revive nossa coragem
e condena aqueles que o reprimem.
Posso acrescentar, que o desejo é o princípio de todo movimento
e consequentemente é incontestável o fato de que movimento
e desejo possuem uma relação de proporção; desde
o Primeiro Ser, que é o primeiro desejo, o Divino Um ou desejo Universal,
é também o motivo do próprio movimento. A pedra não
tem movimento pois não tem desejo.
A alma do
homem receptáculo e envoltório do desejo de Deus. A alma pode
conhecer todos os desejos de Deus
Devo dizer
também, que cada desejo atua em seu próprio envoltório
ou domínio, para se manifestar; quanto mais elevado o plano mais
suscetível estará o envoltório de sentir e participar
do desejo, ali contido; o motivo pelo qual o homem pode ser admitido ao
sentimento e conhecimento de todas as maravilhas Divinas é que sua
alma é o próprio receptáculo e envoltório do
desejo de Deus.
O esplêndido e natural destino do homem é somente desejar aquilo
que real e radicalmente produz todas as coisas. Este é o desejo de
Deus: qualquer outra coisa que atraia o homem o tornará seu joguete
ou escravo, não é isto que o homem deseja. Então, a
máxima de seu ministério é não agir real e radicalmente,
exceto sob a autoridade que seja equilibrada, boa, consistente, efetiva,
esteja em conformidade com o Desejo Eterno e que é positivamente
comunicada a ele a cada momento. Todo e qualquer outro comando que receba
diariamente, é provocado por ele mesmo a partir de interesses próprios
e, às vezes, a partir do orgulho, muito mais como soberano do que
como servo. Desta forma quase que em todo o mundo, os servos se colocam
no lugar de seus mestres.
Não posso negar aqui que o desejo Divino que se faz sentir na alma
do homem, tenha por objetivo estabelecer o equilíbrio entre a alma
e Deus, já que o desejo surge da separação de substâncias
análogas que querem estar unidas. Este equilíbrio não
é uma morte ou efeito inerte, mas um desenvolvimento ativo das propriedades
Divinas que constituem a alma humana, visto que é um extrato Divino
universal.
Mas se estas noções foram extintas da alma humana, cabia a
vocês, ministros das coisas santas, revivê-las nestas almas:
se este desejo foi enfraquecido, cabia a vocês fortalecê-lo,
mostrando ao homem todas as suas vantagens.
Que papel magnífico é este de vocês, trabalhar a fim
de realizar, neste plano elevado, a reunião do que está separado
e desejoso de si mesmo! Pode-se ver que até um mero desejo animal,
como a fome, tem por objetivo estabelecer o equilíbrio entre nossos
corpos elementares e a Natureza; tudo para que sejam capazes de manifestar
e cumprir todas as maravilhas elementares ou propriedades corporais com
os quais a natureza os fez, visto que são um extrato da Natureza.
O que então não poderíamos esperar deste desejo, num
outro plano, e daquela vontade sagrada da qual o Altíssimo compôs
nossa essência?
Ouça, oh Homem! Seu corpo é uma contínua expressão
do desejo da natureza, e sua alma é uma contínua expressão
do desejo de Deus. Deus não pode estar um só instante sem
desejar algo, Ele não pode ter um só desejo que você
não possa conhecer, já que você é quem deve manifestá-los.
Tente, então, estudar continuamente os desejos de Deus, para que
um dia não seja tratado como um servo improdutivo.
As dificuldades
de nossa reunião com Deus
Há uma
razão mais elevada, para que nossa reunião com Deus, de quem
estamos separados, se faça tão trabalhosa; esta razão,
explica porque somos obrigados a agir de forma vigorosa e perseverante,
a fim de alcançar a Deus, ela se baseia em duas dificuldades:
A primeira é que, desde a grande Queda estamos em uma verdadeira
prisão, nosso próprio corpo, o qual deveria ter servido como
proteção; além disto, a maioria dos homens ao invés
de aliviarem o peso de seus impedimentos, a fim de fazer uso do melhor de
suas habilidades e mecanismos, colabora para que suas almas se tornem da
mesma natureza de suas prisões; para isto basta se materializarem
como fazem a cada dia. Assim, se a alma humana está transformada
numa prisão, podemos fazer uma idéia de sua lamentável
condição.
A segunda dificuldade, possui um peso enorme, pois Deus, como todos os outros
seres, se concentra em Si próprio; através de Sua própria
atração central Ele tende, continuamente, a dirigir-se para
Si próprio e a se separar de tudo o que não seja Ele; através
deste mecanismo, Ele faz de Si próprio um mundo aparte, fechado em
Seu próprio Envoltório Esférico Universal; vemos esta
forma ser tomada por todos os mundos particulares e todos os corpos abaixo
dos glóbulos de água e mercúrio, que também
tomam esta forma de envoltório.
Mundos a
serem conquistados: o específico para tal realização
Ora, como estamos
confinados pelo pecado, num mundo que não é Divino; como,
além do mais, através de nossas profanações,
ilusões e ignorância, criamos para nós mesmos um mundo
ainda menos Divino, podemos fazer uma idéia que esforços não
serão necessários para cancelar estes mundos falsos, pesados
e de trevas que nos circundam, para conseguir uma abertura no mundo Divino;
penetrar o mundo Divino é tão maravilhoso quanto necessário.
Os grandes esforços exigidos de nós para este trabalho podem
ser imaginados, se pensarmos que todos estes mundos, concentrando-se em
si mesmos, cada um em si próprio, tendem a se separarem um do outro
continuamente.
Ainda assim, não devemos perder a coragem, pois este mundo Divino,
que tende a se concentrar em si próprio, também tende a se
universalizar, porque é tudo, ou ao menos, deveria ser tudo; este
é o seu direito. Desta forma, nosso trabalho, bem compreendido, deveria
ter por objetivo atenuar todos estes falsos mundos com os quais nos rodeamos
incessantemente e permitir que se dissolvam; o universal ou o mundo Divino,
tomaria então, naturalmente o lugar deles, já que todos os
lugares a ele pertence; estes resultados seriam tanto imediatos como simples,
já que estaríamos em conformidade com o próprio Mundo
Universal.
Ora, o que seria específico para realizar esta obra maravilhosa de
atenuar os falsos mundos que nos rodeiam ou que criamos para nós
dia a dia e abrir o mundo Divino que de bom grado tomaria seu lugar? Pergunto
mais uma vez. Não cabia a vocês, ministros das coisas sagradas,
nos ensinar e provar que aquilo que é específico consiste
nas virtudes do Verbo? Sim, o Verbo Eterno ergue sua voz e atua apenas para
exterminar estes mundos de ilusões, estes Titãs que atacam
o céu diariamente e para fazer com que o mundo real e Divino reine
sobre tudo, já que o Verbo é o órgão e o princípio
deste mundo real e Divino.
Auxílios
dados ao homem: a grande eficácia destes auxílios
Eu sei que
os obstáculos são inúmeros, as dificuldades imensas
e os perigos quase que incessantes; contudo, os auxílios existem
e são de todos os tipos, garantidos universalmente ao homem, a fim
de que se defenda em qualquer lugar, alcance a vitória e cumpra toda
a intenção de seu ser, sem que o inimigo consiga coisa alguma
além da vergonha.
Embora desperdicemos nossas palavras diariamente em inúmeras ocupações
secundárias e com questões inferiores que estão longe
de contribuírem para nosso avanço no verdadeiro Ministério
Espiritual do Homem, ainda assim, se não excedemos a medida de nossas
vontades ou não nos afastamos da justiça, estas ocupações
podem ser úteis a nós como protetoras.
De fato, as numerosas diversões, afeições e atrações
que se apresentam diariamente na vida, seja física, social ou política,
são muitos auxílios que se apresentam, a fim de nos deter
à beira de nossos precipícios; sem eles nossos espíritos
poderiam ali mergulharem a qualquer momento. Há tantas barreiras
e estacas ao longo da margem destes precipícios, perto das quais
caminhamos durante nossa passagem através deste mundo inferior.
Não há um momento da existência que não recebamos
tal apoio, a fim de nos tornar capazes de atravessar as trevas infectadas
sem passar pelo terrível desgosto e intolerante amargura que ela
nos reserva. Assim, quando o homem se permite cair no crime, ou em meros
atos de fraqueza é porque, com certeza, não fez uso adequado
destes auxílios; pois na verdade, ele estava rodeado de tudo o que
era necessário, se não para avançar, ao menos para
não cair.
Sem atingir, aqui, estes sublimes princípios da moralidade, cujo
ensinamento é, antes de nos render as ilusões devemos olhar
para nós mesmos e encontrar uma obra útil a qual possamos
nos dedicar; vemos, ao menos, que aquilo que advém da moralidade
nos ensina a afastar a inércia, seja do corpo ou da mente; compreendemos
porque geralmente há menos corrupção entre homens que
trabalham do que entre os que vivem na preguiça e inatividade; vemos
também, porque há menos insanos entre aqueles que se preocupam
do que entre os negligentes; menos entre aqueles ocupados com assuntos materiais
e naturais do que entre aqueles empregados em obras da pura imaginação;
e porque, finalmente, há menos dedicados as ciências demoníacas
entre os simples e trabalhadores do que entre os grandes e inativos.
Cada auxílio e suprimento além de ser uma defesa contra o
inimigo, pode, ser usado zelosamente, com uma intenção pura
de nos conectar, de acordo com nossa proporção, com aquele
deleitável magismo que a Verdade carrega consigo e que Seu Verbo
filtra em todo lugar, embora não tenhamos conhecimento disto; desta
forma, ao nos impregnar com seus sumos vivificantes, por um lado, e proporcionar
invisibilidade e distância do inimigo, por outro, estes auxílios
nos transmitem segurança e felicidade em todo lugar, neutralizando
a amargura, sempre pronta a quebrar nossas alegrias.
Não há estado ou situação na vida a que esta
doutrina não se aplique. Situações dolorosas e prazeirosas
podem, da mesma forma, encontrar aqui suas prescrições e o
regime adequado a cada caso; pois os estados agradáveis possuem suas
desvantagens, assim como os dolorosos; diria que são ainda maiores
e portanto têm maior necessidade destes suprimentos e possuem maior
necessidade de estar sob vigilância.
O próprio
Verbo está com estes auxílios
O Verbo está,
sempre unido secretamente a estes auxílios, todos devem manter uma
participação em sua ação vivificante. Portanto,
ao nos preservarmos da inatividade do espírito durante os estados
agradáveis e da preguiça do corpo nos estados dolorosos, é
provável que consigamos nos conectar com o Verbo e quem sabe nos
tornarmos, naturalmente, seus ministros.
O Verbo Eterno passa incessantemente da morte à vida, para nós.
De fato, este é seu modo de existência; Ele é em si,
um prodígio contínuo, sempre nascendo sob nova forma; isto
porque o Verbo age em todo lugar e continuamente, desta maneira e com este
caráter; Ele difunde, em todo lugar, a mesma impressão ativa
e característica em tudo o que faz e em tudo o que é, seja
visível ou invisível.
Esta é nossa bússola, receptáculo, porto, nossa cidade
de refúgio. Deixemos que Ele nos guie, em espírito e em ato;
vamos nos unir a Ele e Ele nos fará nascer da morte para a vida,
em todo lugar, através Dele e com Ele; o Verbo nos fará participar
em Sua propriedade de ser um contínuo prodígio; então,
o inimigo será obrigado a nos deixar passar sem impor nenhuma taxa,
nem a nós e nem à nossa felicidade presente ou futura.
Os auxílios
sensíveis do Verbo levam ao "melhor estado possível"
aqui embaixo
Não
precisamos mais indagar o que aguarda o homem bom, mesmo aqui na terra,
quando cumpre pontualmente e com resignação os decretos que
o condenam a lutar para conquistar. O que o espera é nada menos do
que os auxílios do Verbo, já que isto é o que teria
desfrutado se fosse fiel ao pacto Divino. É verdade que, se a conduta
do homem fosse sábia não haveria dúvida da existência
de um estado anterior de perfeita ordem, que poderia ser chamado de um primitivo
"melhor estado possível" (otimismo). Contudo, o homem ainda
pode descobrir à sua volta um "melhor estado possível"
de uma ordem secundária, que o preencheria de consolo durante provas
e sentimentos de dor.
Porém, se normalmente a base fundamental de nosso ser nos inclina
ao desejo de crer, seja por necessidade ou convicção, num
otimismo primitivo, onde tudo era bom, fica difícil acreditar num
otimismo secundário, quando vemos tanto mal à nossa volta.
Para que questionar sobre o que aguarda o homem bom se basta abrir os olhos
para a fonte da vida e do amor que sempre nos busca em nosso abismo; somos
obrigados a confessar que, se não aprendermos a conhecer este otimismo
secundário nunca iremos conhecer aquele que é primitivo.
Com o desejo de distinguir entre estes dois tipos de otimismo, os racionais
ou melhor, irracionais, têm-se especulado demais sobre o bem e o mal.
Todos nós descendemos do otimismo primitivo; temos a tendência
de voltar a ele, mas não nos damos tempo para a jornada; apesar da
inconsistência, persistimos em pensar que já chegamos enquanto
que na verdade estamos apenas a caminho. Apesar de termos desviado enormemente
do otimismo primitivo, ainda é possível percebê-lo e
vê-lo vir à luz em todo lugar, através do otimismo secundário.
Acontece que o Verbo Divino ainda abre em nós o portão da
Divindade, ou seja, da santidade, da Luz e da verdade. O inimigo também
tem uma palavra, mas ao pronunciá-la, ele abre apenas o portão
em si próprio. Quanto mais ele fala, mais se infecta e como está
sempre pronunciando as palavras da falsidade está sempre se infectando.
Ele nada mais faz do que derramar seu próprio sangue venenoso e bebê-lo.
Este é seu trabalho perpétuo.
Os três
graus do Verbo que são dados ao Homem.
Uma palavra
pura foi restaurada ao primeiro homem depois do crime; uma ainda mais gloriosa
e triunfante foi restaurada no curso dos tempos; qual será então
aquela a ser restaurada no final dos tempos, quando o próprio Verbo
se manifestará na plenitude eterna de sua ação?
Vemos aqui que tudo é amor; o Verbo é o contínuo e
universal hino do amor, preenche todos os caminhos do homem com progressões
suaves, apropriadas a cada grau de sua existência. É por isto
que, para a alma humana, tudo começa pelo sentimento e afeição,
é assim que tudo deve terminar também.
A compreensão ou inteligência só se abre depois que
o ser interno tenha experimentado os primeiros sentimentos de sua própria
existência. Isto ocorre na época em que o homem começa
a pensar e sente que um novo centro nasce nele; esta é uma sensação
moral que não se conhecia antes. A inteligência não
dá muitos sinais de sua presença antes da abertura do centro
moral.
Numa idade mais avançada, o fluído vital se eleva à
região da compreensão, é quando o homem mais tem a
necessidade de guardiões que orientem seu curso e o preserve dos
perigos de sua impetuosidade; sem tomar os devidos cuidados, o centro moral
pode ser rapidamente obscurecido ou deteriorado. Isto ocorre com aqueles
que colocam idéias antes da moral, idéias estas dependentes
totalmente deles, ou de sensações e objetos externos.
Por outro lado, se este centro moral de sentimento e afeição
adquire prioridade, por direito natural, é certo que tudo deverá
retornar a ele afinal. Veja como o alimento cumpre seu objetivo e como nos
é útil apenas enquanto seus sumos e propriedades são
conduzidos ao sangue, foco da vida.
É preciso reconhecer que todos os flashes de inteligência que
o homem adquire pelo raciocínio, podem ser usados apenas até
que ele penetre o foco moral, para onde traz todas as propriedades que possuí.
É um tributo e uma reverência que o homem deve render à
sua fonte, chegando assim, a ser a testemunha da natureza de suas relações
com a fonte. Em resumo, a compreensão pode nos auxiliar a reconhecer
os frutos do otimismo secundário que nos rodeiam abundantemente,
mas o princípio moral nos permite alimentar os princípios
do otimismo primitivo: tais são os serviços que os administradores
do Verbo devem nos prestar.
Os pensadores,
que acreditam na fonte universal do amor, podem assim, conceber como todas
as coisas devem terminar para o Homem de Desejo: no Amor e no Verbo. Verão
também porquê este mundo material não pode durar para
sempre: porque é apenas uma imagem, ativa, sem dúvida, mas
sem amor, sem fala ou palavra; isto significa que ele um dia deve retornar
ao Amor e ao Verbo, dos quais está separado pelo crime.
Se estendermos isto ao inimigo de toda verdade, a própria causa do
desvio do universo e de seu ser, ficando exilado do Amor e do Verbo, é
preciso observar que, infelizmente, este inimigo não está
sem fala; esta é a razão pela qual ele produz seus próprios
desvios e exílio.
Além disso, aqueles que pregam o retorno final deste ser culpado,
não refletem sobre o quão impossível é ter alguma
idéia positiva sobre estas grandes questões aqui na terra.
De fato, por mais maravilhoso e profundo que seja o conhecimento que adquira
a respeito das regiões Divina e infernal, ainda assim, enquanto o
homem estiver sob a forma material, ele pode aderir tanto ao Princípio
de Deus, ou ao que chamamos o céu dos céus, ou ao capeta,
ou ao que chamamos o inferno dos demônios. O objetivo de nossos corpos
é ao mesmo tempo, o de nos manter privados de Deus, e de servir como
defesa contra o mal.
A verdadeira base de julgamento do homem é que, sem ser Deus ele
é, no entanto, um ser universal; como conseqüência o homem
não pode sentir um único ponto de seu ser sem se encontrar,
como imagem e semelhança, num universal bem ou mal. Pode-se dizer
também, que é esta idéia de universalidade que o induz
a salvar tão prontamente todos os pecadores; o homem não percebe
que, mesmo se houvesse apenas um homem salvo, a idéia de misericórdia
que ele venera, ainda seria válida, porque não há um
só homem que não seja uma universalidade.
Por outro lado,
o homem tem mergulhado em emaranhados labirintos quando o assunto é
predestinação. Mas, vocês administradores das coisas
sagradas, não deveriam salvá-lo disto, mostrando-lhe a diferença
entre destino e predestinação?
Parece que o destino só é tomado num bom sentido, enquanto
que predestinação tem duas faces. Deus sempre dá um
destino aos homens e, neste sentido, tem havido eleitos de todos os tipos;
contudo Ele não dá predestinação alguma porque,
em sua aceitação mais favorável, esta palavra implica
numa espécie de coação que prejudicaria a liberdade;
em um sentido oposto, a palavra implica numa espécie de fatalismo,
o que pareceria contrário à justiça.
Esta palavra é um abuso. Deus pode ter dito a muitos: "Eu te
escolhi do ventre de tua mãe" e "antes que o mundo existisse",
mas foi o espírito do homem que revestiu esta eleição
com a palavra predestinação; a fraqueza alterou ainda mais
o seu significado e o fanatismo a adulterou.
O Homem, desde sua origem, deveria ter afirmado estar predestinado a manifestar
o Ser Divino; ele ainda não o manifestou. Desde sua queda, quando
é chamado à obra, ele apenas retorna seu destino original;
neste caso ele está, comparativamente, num nível mais elevado
que seus semelhantes, apesar disto ele volta apenas à linha primitiva
da qual nunca deveria ter se desviado; portanto não aparece sob o
nome de predestinado, no sentido que normalmente sustenta, pois está
muito abaixo do que estaria se permanecesse em sua glória e muito
abaixo do que estará no fim dos tempos, se chegar lá regenerado.
Ao invés
deste desencorajador sistema de predestinação, será
que vocês não poderiam ensinar que o homem pode, através
de seu amor, de certa forma, governar a Deus?
O impetuoso não percebe que Deus é guiado, não só
por nossas vontades, mas também por nossos desejos. Deus não
é apenas como um médico astuto que segue, passo a passo, o
curso de uma doença, regulando medicamentos de acordo com cada momento;
é também como uma suave e atenciosa mãe, que estuda
todos os nossos gostos; se nos preocuparmos em agradá-la, não
haverá nada que ele seja caro demais para nós e seremos sempre
o estimado objeto de sua clemência. Que mãe não é
inteiramente dominada e governada por seu filho, quando este age com relação
a ela, da forma que deveria?
Não é surpresa então, se longe de ser impulsivo e injusto,
Deus buscasse apenas nos introduzir a todas as coisas; para tanto é
preciso ser sábio; é preciso fazer com que o nosso amor impregne
sobre Ele um governo poderoso e que possua uma atração mágica
pela qual estará sempre disposto a fazer qualquer sacrifício,
até mesmo aquele de Sua própria supremacia e glória.
Sim, esta é uma verdade positiva; poderíamos governar, Deus
pelo nosso amor; Deus lamenta atribuirmos a Ele tanta autoridade, quando
poderia usar, com relação ao homem, nada além do que
uma amigável complacência e benevolência.
Lê Isaias XLI, a partir do 8º verso, e verás que Deus
não só chama Abraão de "meu amigo" mas, por
conta desta amizade derrama sobre ele todo tipo de atenção
e benevolência.
Lê 2º Crônicas XX.7 e verás, na oração
de Josafá, que Abraão era considerado por seu povo como o
amigo de Deus. (Veja também, sobre este assunto, São Tiago
II 23).
Lê o Livro da Sabedoria de Salomão (VII 27) e verás
Deus fazer uso da palavra amigos ao falar das almas santas. Por fim, no
Evangelho de São João XV., onde o Senhor chama seus discípulos
de amigos.
Oh, ministros das coisas santas! não é seu trabalho mostrar
estas verdades à mente humana?
Tudo o que
é sensível é uma expressão do Ser.
A Essência
Primária pode realmente habitar em nós e com satisfação,
quando realmente nos tornamos Seus amigos; por esta razão, quando
regenerado o homem é uma cópia, verdadeira e viva do Ser dos
seres, já que é o caráter deste Ser que o afirma em
nós.
Toda sensibilidade espiritual, que nada mais são do que Operações
Divinas, tem por objetivo notificar Sua existência e presença;
de outra forma as regiões poderiam esquecê-lo; nós também
o esqueceríamos, por causa da sublimidade de Sua existência;
esta verdade se aplica as sensibilidades físicas e à existência
de nosso ser corporal, assim como à existência de toda Natureza,
uma vez que toda sensibilidade que vemos, ouvimos e provamos são
notificações e expressões do Ser. Se isto não
ocorresse, poderíamos adormecer perto Dele, estar como se estivéssemos
sem Ele, tão separado e distinto, embora não distante, Deus
está de nós.
Que o homem não se surpreenda então, quando regenerado, ao
sentir os sete princípios ou poderes, os pilares fundamentais, nascerem
novamente nele; ou os sete órgãos do Espírito ali se
formarem e se movimentarem; pois o Espírito deseja ser conhecido
e fomos escolhidos para ser suas testemunhas vivas. Se as sensibilidades
espirituais são apenas indícios das operações
eternas da Essência Primária, precisamos estar espiritualmente
sensibilizados antes de conhecermos esta essência.
O homem espiritualmente sensibilizado, à este nível, se cala;
não tem mais nada a dizer; não há necessidade de falar,
já que o Próprio Ser atua em si, por si e com tal proporção,
sabedoria e poder que supera toda linguagem humana.
Neste quadro vemos como o Homem prova Deus e pode ser útil a Ele
na qualidade de testemunha universal. Vemos também o quão
querido deve ser o homem a Deus, já que têm um destino tão
sublime. Como tenho sempre mostrado, é certo que, se não houvesse
Deus algum, não teríamos nada a admirar; mas que, se não
houvesse uma alma espiritual imortal, Deus não teria um objetivo
permanente que pudesse ser o foco e o completo receptáculo de Seu
amor.
Sucessivos
nomes; estados e processos na representação da Divindade
Quanto aos
diferentes nomes do Homem, já vimos que seu nome atual é dor
ou sofrimento: este nome deve ressonar por todo o ser, antes que possa atingir
os portões do Verbo e da Vida. Porém, o segundo nome, que
o Homem encontrará nos portões da Vida é santidade,
a raiz Hebraica do que significa renovar. Quando o homem tem a felicidade
de fazer com que este nome nasça nele, pode então ter a esperança
de entrar no Ministério Espiritual do Homem; o que o Verbo mais deseja
é ter seus servos; aquele que compreender a dignidade deste nome,
a pureza de seus efeitos, os deleitosos e esplêndidos serviços
que permitem ao homem render à universalidade das coisas, conhecerá
o que é a felicidade e a glória de ser um homem. A partir
de então, ele não descansará até que esteja
em condições de ser empregado: pois, para ser universal, não
basta chegar a um sentimento vivo e permanente com relação
à sua posição como espírito, é preciso
ser empregado com tal nas regiões terrestre, celeste, espiritual
e Divina. É também o caso da gramática-viva (grammatical-vil)
Israelita de campos patriarcais, proféticos, etc., contra o mal,
a vaidade e as trevas. O homem não irá desistir, por vergonha,
de ser obrigado a ensinar as suas essências e órgãos
espirituais este elemento da linguagem universal, visto que espera algum
dia ensinar a todas as coisas que não o conheça, ainda que
tremam por tal conhecimento.
A obra de
santidade dentro do homem
Este segundo
nome, santidade, engendra no homem, todos os outros nomes parciais, a necessidade
e as propriedades que irá encontrar nas aptidões ocultas e
empregos que o aguardam em seu caminho, de acordo com as várias funções
e melhoramentos que possa vir a fazer. Quando o Homem Espírito se
aplica corajosamente à sua obra de regeneração, desenvolvendo
suas faculdades, agrupam-se ao redor de sua cabeça vapores ativos
e vivos que surgem de diferentes pontos do horizonte espiritual, a fim de
estabelecer abundantes e fertilizantes nascentes sobre ele. O fervor destas
nuvens de fermentação explode, a nascente se abre e milhares
de arroios de orvalho celeste descem sobre o homem e o inundam; estes arroios
vivificantes penetram e saturam o homem, como faz a chuva nos campos da
natureza. O ardor e o desejo são os primeiros centros e focos destas
nuvens salutares; é o homem quem atrai e fixa os vapores Divinos
e espirituais, pois tem o poder de convocar e comandá-los, por assim
dizer, de todas as regiões onde Deus atua e dá universalidade
a todas as coisas. Este é um dos mais altos privilégios do
homem e o que lhe mostra, de forma mais convincente, como foi investido
do direito de ser a imagem e o representante da Divindade.
Deus produz eternamente as essências destes vapores: o homem, como
imagem de Deus, tem o poder de coletá-los, reproduzi-los, conscientemente
e formar regiões de tamanha força que nada pode resistir.
Isto significa repetir sua geração num plano visível
inferior, sendo que o plano superior é reservado unicamente a Deus.
Dilúvios
espirituais sobre a mente do homem. Os Noés espirituais
Quais são
os obstáculos que se opõem a estes direitos do Homem de Desejo?
A que desoladores limites estão confinados! Deus disse, em verdade,
aos homens do tempo de Noé, que não haveriam mais dilúvios
pois, segundo as leis da Natureza e da Justiça, quando o gérmen
do pecado, análogo à água, invadiu as formas materiais,
produziu uma explosão que atraiu a punição correspondente.
Não seria possível reproduzir tal desordem da mesma forma
nem tampouco a punição na forma de dilúvio pela água.
Contudo, Deus não disse que não haveria mais dilúvio
espiritual; de fato, longe de acreditar-mos que este tipo de dilúvio
não possa ocorrer, podemos dizer que é contínuo e universal
quando observamos as enchentes de erros que cobrem a mente humana.
Os diferentes Noés nomeados para presidirem estes dilúvios
precisam resistir e represar as torrentes de sofrimento que surgem sobre
eles atravessando o ser em todas as direções. Eles não
reclamam ao se verem assim assaltados; ficam satisfeitos por estas torrentes
se acumularem sobre eles, levantando e pressionando umas as outras até
provocarem erupções em todas as faculdades de seu ser.
Aguardam com uma fé viva e uma deliciosa esperança que as
águas circulem através dos canais que se abrem no ser; aguardam
que a terra, ao seu redor, recupere a fertilidade, através do aparecimento
do ramo de oliveira, trazido pela pomba, que é o Verbo; a partir
de então, poderão devolver ao deserto e as regiões
estéreis, os animais recolhidos em sua arca santa, as raças
que tanto desejam ver preservadas.
Por que
o mal ainda existe no universo?
Entre as aflições
espirituais que o Homem de Desejo experimenta no curso da obra de regeneração
do seu Ministério, há um que, a princípio, lhe parece
dilacerar o coração e o surpreende ao ver que não pode
diminuir sua duração através da vontade. Esta aflição
é saber se tudo o que pedimos ao Pai, em nome do Redentor, possa
ser obtido; além disso, pelo fato do mundo não ser perfeito,
a iniqüidade humana ainda não está abolida e a natureza
ainda não está redimida.
Algumas vezes, este Homem de Desejo ardente se: satisfaz com o doce propósito
que sua mente lhe apresenta, se convencendo de que esta grande obra é
necessariamente possível segundo a promessa. Algumas vezes, ele até
mesmo sente ser movido por santas aspirações, que o levam
a acreditar que pela fé pode ter sucesso na realização
de alguma parte desta obra sublime, então ele se enche de júbilo.
Porém, quando questiona escrupulosamente este ponto, heis a resposta
que recebe:
Deus tudo
governa com paciência, amor e sabedoria
Todos os caminhos
de Deus são caminhos de amor; os poderes de Deus são, na verdade,
sem limites e podem fazer todas as coisas, exceto o que é contrário
ao amor. Agora, é no amor que Deus temporiza; é porque ama
todas as coisas que deseja que tudo tenha os meios e o tempo necessário
para se preencher com Ele, a fim de que nada retorne a Ele vazio Dele próprio.
Se forçasse violentamente o processo e o tempo Ele iria, com certeza,
causar todas aparências falsas e de trevas que cativam o espírito
a desaparecer; mas poderia fazer com que este espírito cativo desaparecesse,
da mesma forma, se ainda não estivesse saturado com a Divina tintura.
A tintura só pode penetrar aos poucos: se penetrasse de repente e
de uma só vez poderia empurrar o espírito a extremos além
de suas forças, aos quais não resistiria.
Assim, o longo sofrimento de Deus modera até mesmo os projetos que
fazemos para o avanço de Seu reino; assim, o Homem de Desejo, qualquer
que seja o seu ardor, pode trilhar os caminhos da sabedoria, apenas na medida
em que é penetrado pelo sentimento daquele amor universal que dispõe
todas as coisas gentilmente e quando se sente fortemente movido a "trilhar
corretamente os caminhos tortos"; ele deve levar o seu desejo ao seio
do Amor Eterno, pois só este Amor sabe o que é melhor para
o cumprimento de Sua própria vontade Divina que é beneficente
e sábia; deve se recolher ao fundo de seu coração e
lá, como a pomba, desejar ardentemente e em silêncio a extensão
do reino do Verbo e da Vida; deve ali lutar na dor e aguardar pacientemente,
sem esquecer que se, através do homem culpado, o mal inundou o mundo,
somente através do homem justo é que a região da bondade
poderá recuperar seu lugar.
O homem deve, em resumo, tomar cuidado, já que só dá
ouvidos à sua própria imprudência, ligada as suas próprias
trevas, privações e já conhecida impotência,
enquanto fantasia ouvir unicamente a justiça e ter o direito de exigir
de Deus mais do que sua presente missão lhe permite implorar a Deus.
Homem, pense que a contínua ocupação de Deus é
separar o puro do impuro; todo tempo está consagrado a esta grande
obra. Isto é o que Ele faz conosco desde o momento de nosso nascimento,
de nossa incorporação; a partir deste instante busca gradualmente
libertar nossas almas de suas prisões; contudo, Ele só cumpre
esta tarefa ao final de nossas vidas: mesmo assim, isto depende de como
tenhamos vivido.
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