Louis Claude de Saint-Martin
Homem: Sua verdadeira Natureza e Ministério
Sobre o verbo

  1. Os metafísicos e especuladores da Divindade. Religião Política
  2. Analogia entre faltas e punições:
  3. Nosso confinamento em um mundo mudo mostra que nossa ofensa foi contra o Verbo
  4. O Verbo ou a verdadeira palavra, requer uma prática assim como outras habilidades; O silêncio
  5. O Verbo mostra a aliança de Deus com o Homem e a Natureza
  6. A necessidade de uma linguagem espiritual
  7. O Verbo na angústia; todas as coisas nascem na angústia, até mesmo a própria vida
  8. Como manter vivo o fogo da vida Espiritual
  9. A verdadeira Cruz
  10. A mão do Senhor sobre o homem
  11. Busca e encontrarás a mão do Senhor sobre ti
  12. O homem é um administrador e não um legislador, tanto na política como nas coisas divinas
  13. Alegrias espirituais, como recebê-las para a extensão do Reino de Deus
  14. Como os homens menosprezam o Verbo que tudo governa: a conversação morta
  15. A substância das palavras dos homens se levantarão em julgamento contra eles
  16. Leis essenciais para a administração da fala
  17. O Verbo irá dirigir seu próprio ministério
  18. A fala é o fruto de um contrato ou aliança; e nada somos sem algum tipo de contrato
  19. Os frutos Divinos comparados com os naturais
  20. O poder do inimigo durante a noite, na ausência da fala. Homens bravos temem as trevas
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Se não houvesse nenhum poder de harmonia e de ordem, poder este que se engendrou a partir de toda eternidade, nunca veríamos a ordem surgir e vencer a corrupção que ocorre em tudo o que constitui o círculo universal, como vemos, a cada momento, diante de nossos olhos. Sim, proclamemos, em alta voz, que há um Verbo Eterno, depositário da Luz Eterna, da vida e da medida que equilibram, por causa do homem, a desordem, a angústia e a infeção em que ele se afunda aqui neste plano. Se o homem não se mantém constantemente em elevação onde este suporte habita, ele cai novamente no abismo do mal e do sofrimento, no extremo oposto. Não há meio termo para ele: se não usa a força de Hércules, permanece esmagado sob o peso de Atlas.

Sim, toda a Luz Divina é necessária para dissipar as trevas intensas que circundam o homem. Ele precisa de toda virtude divina para equilibrar a região do crime a qual está amarrado; em resumo, se o homem não consegue manter a santidade, permanece afundado na abominação.

É em vão que o homem tenta obter este triunfo através de meias medidas e de frágeis especulações da sua mente e de sua razão. Estes supostos esforços só o enganam, pois são ilusórios.

As distrações fúteis e artificiais as quais o homem prende sua existência diariamente o engana ainda mais; o caminho vivo é o único caminho proveitoso; este caminho vivo só pode ser a própria mão do Altíssimo pois, somente Ele pode manter e governar todas as coisas; Ele criou uma compensação para todas as deficiências.

Quando foi dito que o Dirigente Supremo mantinha todas as coisas pelo poder de seu Verbo, isto não era uma expressão mística planejada para deixar nossa mente em suspense, era positiva e fisicamente verdade, em qualquer ordem que possamos imaginar.

Se o Verbo não sustentasse o Universo em sua existência, dirigindo-o em todos seus movimentos, seu progresso teria um fim imediato e ele retornaria à não manifestação:
É verdade que, se o Verbo não sustentasse as plantas e os animais, eles reintegrariam imediatamente seus próprios germes, que seriam absorvidos pelo espírito temporal do universo.

É verdade que, se o Verbo não sustentasse sua ação e execução, todos os fenômenos do Universo cessariam de se manifestar aos nossos olhos.

Também é verdade, na ordem espiritual, que, se o Verbo não sustentasse o pensamento e a alma do homem, assim como sustenta, diariamente, todas as coisas no Universo, nossas mentes recuariam, de imediato nas trevas e nossas almas no abismo, sobre o qual somos capazes de nos sobrepor, apesar de nossos crimes, unicamente através do inestimável e mais misericordioso poder do Verbo: assim, a menos que sejamos voluntariamente insanos e coincidentemente nossos piores inimigos, não cessaríamos nem pôr um momento a busca pelo Princípio de todas as coisas e pela inclinação ao Verbo; não agir assim eqüivale a negar nossa existência e renunciar a tudo o que é útil nas regiões onde o auxílio advém do Ministério Espiritual do Homem.

Os metafísicos e especuladores da Divindade. Religião Política

Ai de Vós, metafísicos insensíveis, que fizeram do Ser Divino e de tudo o que dele emana um mero tema para suas dicertações e raciocínio! Ai, de vós especuladores que não deram fundamento à religião, mas à política. O fundamento essencial da religião é o Verbo, sem o qual nada pode ser sustentado!

Vós, sem dúvida, nada vêem na religião senão suas formas obscuras, que se tornaram ainda mais tenebrosas pelos abusos que as desfiguraram; como eu digo, vós olhais para a religião e suas correntes misteriosas, apenas como um meio de relacionar o que é elementar e pensais que ela não serve para mais nada.

Por isto posso te desculpar, tão espessas são as trevas que cobrem a terra! Mas, não te perdôo quando fazes do Verbo uma reverência aos seus propósitos políticos. Deus, o Verbo, e as reverências que lhe são devidas, não são resultados do cálculo e da reflexão; ainda é pouco relacionar esta reverência apenas com um dever de acreditar neste Deus Soberano e seu Verbo Eterno, que possui o direito à veneração de suas criaturas. Esta crença é mais que uma conseqüência filosófica; é mais que um direito e uma obrigação; é uma necessidade constituinte radical de nosso ser; e sua presente situação é uma prova disto; a destituição universal em que vive é suficiente para que sintas esta necessidade a cada instante de sua vida e a partir do momento em que deixas de sustentá-la, cais novamente no abismo.

Analogia entre faltas e punições:

Como descobrir a nossa ofensa
Vamos nos dirigir agora à brilhante luz universal com relação as faltas e punições em geral e aos princípios aos quais estas faltas tem ofendido.

Na estrita justiça, assim como na estrita verdade, deve haver uma perfeita analogia entre punições e faltas. Examinando cuidadosamente a infeliz condição do homem neste plano, veremos claramente a natureza de seu erro e crime pois, a punição e o crime são moldados um pelo outro.

Nesta mesma estrita justiça, deve haver também uma repulsiva conexão, igualmente marcante, entre a falta e o princípio que ofendeu, já que a falta só pode ser, em todos os sentidos, o universo e o contrário do princípio; vamos ser bem entendidos quando dizemos que a falta pode consistir apenas numa direção oposta àquela do princípio. consequentemente, ao retroceder na linha do crime, não deixaremos de chegar ao princípio; da mesma forma, ao examinar a natureza da penalidade não deixaremos de reconhecer a natureza da ofensa, da qual são os resultados.

Devemos começar com a punição, já que serve para nos ensinar qual foi a ofensa. O passo seguinte deve ser o de voltar ao longo da linha desta ofensa, a fim de chegar ao princípio. Assim, nosso primeiro dever é acabar com as reclamações e passar pôr todos os níveis de nossa punição com resignação, se é que realmente queremos chegar ao verdadeiro conhecimento de nossa desordem.

Nosso segundo dever consiste numa atividade viva e ardente sem olhar para a mão direita ou esquerda; só isso pode dissipar nossas trevas e nos trazer de volta à vida da qual a ofensa nos separou.

Nosso confinamento em um mundo mudo mostra que nossa ofensa foi contra o Verbo

Quando examinamos nossa punição, notamos que seu mais proeminente caráter é de que somos mantidos calados e amarrados a um universo que, embora sustentado pelo Verbo, está sem fala; isto representa para nós uma dupla punição que nos faz sentir, por um lado, a vergonhosa desproporção que há entre nós e as criaturas mudas à nossa volta; e de outro lado quão desgastante este universo deve ser para o próprio Verbo, já que deveria ser manifestado em todos os lugares e corresponder livremente com tudo o que existe.

Ora, a primeira destas punições é demonstrada não só pelo atual estado das coisas, mas também pela conduta do homem com relação ao seu semelhante.

Apesar de a conversação dos homens estar muito longe do verdadeiro Verbo, não obstante, quando estão juntos, se não estimularem a atmosfera com seus discursos (uma frágil sombra do Verbo), se não animam um pouco a sepultura em que se encontram, não conhecerão nada além do frio tédio da morte.

A segunda punição também nos mostra uma fonte viva, que busca incessantemente reviver todas as coisas por meio da palavra individual; pois, sem esta fonte, o homem não desfrutaria desta palavra individual, da qual faz uso diário de forma tão pueril e da qual pode tirar pouco proveito enquanto não estiver regenerado.

Assim, podemos dizer, que estamos devidamente esclarecidos sobre as punições que chegam até nós. Contudo, observando a necessária analogia que subsiste entre punição e ofensa, podemos concluir que, se somos punidos com a privação do verdadeiro Verbo, com certeza é ao Verbo que temos ofendido.

Pela segunda lei, ou, como conseqüência da analogia entre a ofensa e o princípio, o resultado é que, se, em nossa palavra deveríamos agir numa direção inversa àquela que tomamos por ocasião da sua corrupção, onde caminhamos todos os dias, chegamos mais uma vez ao grande, fixo e luminoso Verbo, com o qual sentimos que devemos habitar na alegria ao invés dos sofrimentos que nos atormentam.

O Verbo ou a verdadeira palavra, requer uma prática assim como outras habilidades; O silêncio

Como podem os homens manterem a satisfação ativa deste instrumento universal, este Verbo, que embora tenha tão grande importância e seja tão desejado, é, ainda, a única habilidade ou, pôr assim dizer, a única prática que se pode exercer sem a preparação de um longo aprendizado, como ocorre ao cultivarem outras habilidades? Pois, repito, qual homem que fala em todo lugar, o dia todo, não deve estar enganado com relação ao Verbo (palavra, verdadeira fala)? Com certeza ele é fútil e ignorante o bastante para não perceber isto.

De fato, o Verbo só é conhecido no silêncio de todas as coisas deste mundo; só assim pode ser ouvido; quando falamos, seja com os outros ou com nós mesmos, sobre qualquer coisa que pertença a este mundo, é certo que agimos contra o verdadeiro Verbo e não a seu favor; pois, só nos degradamos e nos naturalizamos com o mundo que, como já dissemos, sendo mudo é, ao mesmo tempo o modo e o instrumento de nossa punição.

Não vamos esquecer de um outro fato, igualmente verdadeiro, e muito mais confortante: o sentimento de que se o pecado nos priva de todas as coisas e nos deixa num estado de absoluta destituição, é necessário para nossa cura, que tudo nos seja dado novamente pelo Infinito Amor Universal; de outra forma nossa cura nunca será absoluta.

Ora, este auxílio universal, em que o Amor novamente se presta ao mundo, é comprimido nas maravilhas do Verbo; a perda dessas riquezas é que nos coloca em privação.

Mas agora, podemos conhecer esta palavra (Verbo) do Espírito, apenas de forma lenta, assim como vemos as crianças aprenderem a linguagem humana. Devemos também, aprender de forma natural, de forma insensível, como as crianças. Assim diz o preceito do Evangelho: "A menos que sejais como as criancinhas, não entrarás no reino dos céus".

O Verbo mostra a aliança de Deus com o Homem e a Natureza

Vamos olhar com admiração, dentro desse espírito, tudo o que o Verbo trouxe ao nosso conhecimento; segue-se um extrato daquilo que devemos apreender:
Foi através do Verbo que Deus fez Seu pacto divino da aliança universal, com tudo o que existe na imensidão.

Foi através do Verbo que Deus, em Seu processo restaurador, formou sua aliança espiritual temporal geral, nas diferentes épocas de sua obra graciosa, manifestada na origem e criação da natureza, na promessa feita ao pecador Adão, em seus diferentes lideres eleitos que proclamaram suas leis e mandamentos sobre a terra, tanto antes da idade média e a partir dela e naqueles que irá enviar até o final dos tempos e no fim de tudo.

É também através do Verbo, que Deus faz uma aliança espiritual especial com o homem individual, plantando nele os germes dos diferentes dons e virtudes que se atraem uns aos outros e se agregam através desta atração até adquirirem, pôr sua força e atividade harmônica, tamanha afinidade com a Unidade, que esta Unidade vem e se junta a elas concentrando-as com sua aprovação.

Pelo Verbo, Deus rege o curso de sua aliança espiritual temporal geral: quando esta aliança adquirir força suficiente, pela atração de seus poderosos elementos divinos, o Verbo permite que exploda e Ele próprio passe na torrente desta explosão, a fim de que suas substâncias salutares possam ser melhor infiltradas nas regiões que as esperam; esta é uma das maravilhas dos números ativos que, embora não sejam nada em si, como já foi dito anteriormente, representa fielmente o curso oculto do Verbo, e suas inestimáveis propriedades. É pelo Verbo, também, que Deus faz uma aliança contínua e particular com a vegetação e a natureza terrestre, onde cada produção é sempre precedida pelas gradações da atividade, germinação e crescimento, atraindo umas as outras reciprocamente, até culminar na explosão, seja pela florescência ou pelo nascimento, quando o botão, ou o centro da vida em cada uma, tenha dissipado os obstáculos que as circundam, sendo capaz de tomar posse de seus direitos.

A necessidade de uma linguagem espiritual

Assim como estes níveis de ação estão disseminados pela Natureza, os germes da ciência estão disseminados pôr todos os homens: só precisamos de uma linguagem análoga ou palavras para comunicar uma com a outra. Se cultivássemos estes germes cuidadosamente, produziriam uma linguagem capaz de transmitir seus frutos a nós; mas somos levados pela impaciência; ao invés de esperar pela frutificação desta linguagem, temos pressa em compor diferentes linguagens para nós mesmos, de acordo com as ciências que praticamos.

Ao mesmo tempo, como estas linguagens são estéreis, diferentes daquela cujo lugar usurparam, não trazem nenhum proveito a nós; elas não tocam os germes dos quais o fruto pode brotar.

Os resultados científicos dos homens terminam, na maior parte, em nossas linguagens faccionais compostas; as ciências humanas geralmente residem na forma externa, não na virtude das palavras; as linguagens científicas não tendo vida em si mesmas, não podem vivificar umas as outras e como não podem vivificar, dão início a disputa e a oposição e acabam destruindo umas as outras.

Desta forma, as ciências propagam a morte que, desde a queda, tem espalhado seu império pôr todos os lados; ao invés disto, deveriam dar continuidade a vida, ou ao Verbo, que desde a grande transformação, não pode dar um passo sem ter que lutar pôr isso. De fato, toda geração, toda vegetação, todo ato restaurador ou operação e até mesmo todo pensamento em direção a região da luz, formam muitas ressurreições e reais conquistas sobre a morte. Aquele que for capaz de penetrar tão longe quanto possível de conceber e sentir a contínua ressurreição do Grande Verbo, irá dar graças, e ficarei surpreso se não se esternecer e perder a fala de tanta admiração. Portanto, qual não será a alegria dos poderes divino, espiritual e celeste, quando conseguirem gerar, no mundo da Verdade e da Luz, um homem semelhante a eles próprios, seu Filho bem-amado!

O Verbo na angústia; todas as coisas nascem na angústia, até mesmo a própria vida

O verdadeiro Verbo esta universalmente na angústia; não podemos realizar ou receber coisa alguma senão através da angústia; tudo o que existe de forma visível é uma perpétua demonstração física do Verbo na angústia; portanto, não se deve evitar a angústia interna; portanto, só as palavras da angústia podem beneficiar; elas semeiam a si próprias e geram, porque são a expressão da vida e do amor.

Oh, homem! esta lei severa é evidente no pranto de sua mãe quando te dá à luz e nas tuas próprias lágrimas quando a recebe. Imagine, então, o quanto não custou, à Fonte de todo repouso, se reproduzir em tua forma espiritual corrupta e se tornar semelhante a ti. Compara tua vida temporal, livre e ativa, com aquela que tinhas no ventre de tua mãe e vê se as alegrias de tua existência não te fazem esquecer suas primeiras lágrimas; imagina, então, o que podes esperar das menores impressões que a angústia real pode fazer nascer em ti.

Prepara, portanto, teus olhos para ver e tua compreensão para admirar, aquilo que vem diariamente da angústia particular do Reparador ou do Verbo e que irá, daqui para frente, proceder de sua angústia geral; pois, o resultado de todas estas angústias são tão certas quanto imensuráveis.

Acontece que, como nenhuma palavra viva e salutar pode nascer em nós, senão na angústia; com certeza os homens a quem ouvimos diariamente não pronunciam nenhuma palavra e mesmo assim nos convencem quando fingem proclamar a verdade; eles falam sem o poder e a intervenção da angústia.

Além do mais, as palavras de angústia são sempre novas, já que nesse ponto reside o princípio da linguagem. Ora, as palavras daqueles que ouvimos todos os dias não são novas e não dizem nada além de reminiscências e repetições que já foram ditas várias vezes.

É possível perceber qual é o sublime objetivo desta angústia do Verbo? Quando o homem escuta atentamente, a Verdade parece lhe dizer: Oh, homem, não posso dar vazão as minhas lágrimas em lugar algum senão em teu seio".

Assim, então, o coração do Homem é escolhido para ser o depositário da angústia de Deus, o amigo de sua escolha, o confidente de todos os seus segredos e desejos, visto que nenhum deles pode ter expansão ou ser emitido exceto através da angústia. Depois disto, tão doce e amigável proclamação é feita ao Homem, ele percebe e pôr sua vez exclama: "Torrentes de dor inundem minhas veias e todo meu ser se elevará com amargor".

Da graças então, pois neste momento a vida tem início.

Como manter vivo o fogo da vida Espiritual

A seguir um caminho seguro para evitar que estes primeiros elementos de tua vida sejam extintos. Tem cuidado ao te afastar, mesmo pôr um instante, do fogo central fundamental, no qual repousas e nunca deves deixar de te exercitar na dor, a fim de que esta dor se estenda a todas as suas faculdades e façam sair seus frutos.

É este fogo que deve te preparar incessantemente e mantê-lo no medo; sem esta preparação contínua o Verbo vivo da angústia não irá te penetrar; irás te tornar um objeto repulsivo e quando o Verbo vier te envolver terás que virar sua cabeça pôr causa de teu hálito infectado; pois, se o Homem Espírito é ofendido tão freqüentemente pelo hálito que sai da boca do homem, como Deus poderia suportá-lo?

Permanece, então, constantemente neste fogo central fundamental, como uma criança permanece no ventre de sua mãe, até ficar forte o bastante para suportar a Luz do dia, ou, se é que uma comparação menos digna pode ser feita, como um alimento que permanece no fogo até estar pronto.

Atrás de tudo isto há grandes verdades e princípios experimentais. O mais importante é que deveríamos saber e sentir qual é a grande angústia de Deus. É aquela que se origina de sua contínua tentativa de se revelar através do coração do Homem, e dos tenebrosos obstáculos que o coração do Homem opõe a Ele.

Por esta razão, todo fogo abismal que é aceso abaixo de nós através da vida, não é o bastante para dissolver as espessas coagulações que sufocam.

Se este fogo abismal não preparar o caminho, os Verbos da angústia divina nunca irão penetrar em nós; se o Verbo da angústia não nos penetrar, nunca compreenderemos a angústia universal de todas as coisas e nunca poderemos ser aquele que irá confortá-las. Sim, se não tivermos a substância da vida em atividade dentro de nós, como seremos capazes de julgar, ou mesmo de ser sensíveis ao que está morto à nossa volta?

Assim, não é apenas o sabat da natureza ou aquele da alma humana que requerem nossos cuidados urgentemente, temos também de fazer com que o Verbo propriamente dito, desfrute de seu sabat, já que não se pode negar, em nome do uso falso, fútil ou perverso que o homem faz do Verbo Divino, que o Verbo esteja em seu leito de sofrimento, para não dizer em seu leito de morte; o homem não pode trazer-lhe alívio algum até que sinta cada angústia do Verbo nascer em seu interior.

A verdadeira Cruz

Vemos os homens darem o nome de "cruzes de expiação" aos desapontamentos da vida temporal, as aflições mundanas, as enfermidades humanas, etc.; este nome em seu verdadeiro significado se aplica unicamente as dores espirituais dos homens devotados à obra do senhor, chamados a trabalharem nesta obra, segundo suas habilidades e dons.

Esta classe de homens é geralmente presa a circunstâncias bem opostas a obra divina a qual almejam, para a qual foram feitos e da qual são tão pouco capazes de falar, pois freqüentemente permitem serem cobertos de escárnio e desdém para então abrirem suas bocas sobre tal obra. É para estes homens que o preceito Evangélico se aplica: "Aquele que não me seguir, não é digno de mim". Pois, se eles não tomarem a determinação de suportar a cruz que lhes é mostrada e irem em frente, apesar da angústia que lhes esperam correm o risco de perderem sua obra e serem tratados como maus servos.

O espírito do mundo mascarou os mais belos significados das Escrituras ao dar-lhes as aplicações mais ordinárias e vulgares. Não temo em dizer que, até mesmo muitos grandes santos falharam em dar a esta grande passagem todo o significado que lhe pertence; a famosa frase de Santa Teresa "Deixe-me sofrer ou morrer" nos dá apenas metade do verdadeiro significado. A cruz é de longe anterior ao mal e quando se faz sentir em nós, atuando no confinamento de nossos presentes obstáculos espirituais, é para nos conduzir à sua própria ação livre e nos instruir, em sua própria generosidade infinita, apesar de nossa obscuridade, o que é a cruz anterior ao mal.

Não, não! a cruz não é um sofrimento; é a Raiz Eterna da Luz Eterna. Não é menos verdade que se o eleito deve suportar, corajosamente os esforços dolorosos que esta cruz realizam nele, a fim de chegar à região da liberdade, com muito mais razão devemos todos suportar as tribulações deste mundo, tanto corporais como espirituais, as quais damos o nome de cruzes; esta resignação será a mais meritória, pois mesmo no estado de desordem e discordância em que a queda nos lançou, não somos todos impedidos de sentir, ao menos no mesmo nível, a angústia da cruz superior.

Não diria que os homens não podem tirar proveito de sua maneira inferior de ver os preceitos evangélicos com referência à cruz; gostaria apenas que os homens de desejo soubessem que podem tirar muito mais vantagens disto de outra forma; pois, é em seus desapontamentos e contrariedades, nas coisas divinas, que sua fé é ao mesmo tempo testada e alimentada; é aqui que começa, pela primeira vez a apreender o que é o sofrimento do Verbo e é daqui que tiram conforto e se sentem satisfeitos ao invés de reclamarem; porque o Verbo não avança em suas dores, sem avançar também rumo à grande época de sua libertação.

Ao avançar, sua angústia e tribulação aumentam cada vez mais; os Salmos seriam bem diferentes do que são, se fossem escritos agora. Pois, o Verbo é o desejo divino, personificado e em ação no homem. Na medida em que ele penetra e se descobre na atmosfera humana se vê obrigado a alimentar a amargura e o desespero. Mas qual não será sua satisfação quando encontrar uma alma cheia de fé e desejo que realmente procura se regenerar de acordo com a nova lei do espírito e da verdade!

Considere, então, oh homem de Deus, que nenhum sofrimento vale a pena senão aquele que tem o bem comum como objetivo. Pode o soldado que adoece por intemperança ou por sua própria negligência, ser considerado como servidor do estado quando segue precisamente as prescrições do médico? Não, ele serve unicamente a si próprio, busca sua própria recuperação; ele só irá servir novamente seu país quando voltar à luta.

Esta é nossa situação aqui neste plano: estamos todos sob tratamento médico, pôr conseqüência da grande desordem ou de nossos próprios erros; quando observarmos e seguirmos tudo o que é prescrito para nossa saúde espiritual, seremos úteis somente a nós mesmos. É errado chamar isto de servir a Deus, pois isto não é servir a Deus.

Quando formos regenerados e capazes de cumprir os diferentes ministérios de nosso Mestre, então poderemos realmente servir a Deus; então poderemos, pôr meio de nossas próprias penas, sentir e conhecer pôr experiência própria, as dores do Verbo: até então, sentimos apenas as nossas. Vamos então, fechar os portões do mal e da futilidade em nós, a fim de que as regiões da vida possam entrar.

A mão do Senhor sobre o homem

Quando a mão do Senhor está sobre o homem, a fim de puni-lo, este fica preso com relação as suas faculdades. Ele é atormentado pela inquietação, pela necessidade de ação e movimento, além da intolerante tortura (Geena, inferno) que mantém todo o seu ser numa violenta contração; o homem permanece inativo, tudo é incerteza.

Quando a mão do Senhor está sobre o Homem a fim de acelerar a obra e o progresso do Verbo, o peso da mão de Deus também o atormenta, mas com a ânsia do reino de justiça; a geena que ele experimenta o faz avançar diariamente na região da vida, iluminado pela atividade espiritual.

O traiçoeiro prestígio da região das aparências o circunda com suas ilusões; ele passa pôr elas e não lhes dá atenção. As trevas e as paixões terrestres o perseguem em vão, ele passa pôr elas e deixa tudo para trás.

Pode-se preparar a ele qualquer armadilha dos desejos desta vida, a mão do Senhor o atrai e sua ânsia de justiça é mais forte que seus desejos. Pode-se martirizá-lo ele irá aceitar, não irá sentir nada senão o peso da mão do Senhor que o atormenta com a ânsia de justiça.

Quando uma veia estoura pode algum débil laço evitar seu declínio? Ela estoura e mergulha no oculto. Poderão alguns pequenos obstáculos impedir seu caminho? ela os reduz a pó, ou os arremessa ao fogo e mergulha no oculto.

Isto é o que o homem deve se tornar quando for feliz o bastante para sentir o peso da mão do Senhor e se sentir atormentado pela ânsia de justiça.

Busca e encontrarás a mão do Senhor sobre ti

Oh, Homem de Desejo! como conseguirás sentir o peso da mão do Senhor e ser atormentado pela ânsia de justiça? Fazendo um compromisso contigo mesmo, dizendo "nunca vou parar de orar até sentir que Deus propriamente dito ore em mim".

"Se for fiel a este compromisso, não terei que esperar pela lentidão de minha própria oração para que Deus possa orar comigo, pois Ele irá orar comigo desde o início de minha oração".

"Ele logo irá até mesmo orar comigo quando eu não orar!" "Não se fatigarão inutilmente, nem gerarão filhos para a desgraça; porque constituirão a raça dos benditos de Iahveh, juntamente com seus descendentes".

Acontecerá então que antes de me invocarem, já lhes terei respondido; enquanto ainda estiveres falando, já os terei atendido". (Is. LXV. 23, 24).

"Sim, toda minha vida será a partir de então uma oração ininterrupta; já que não será mais eu quem busca Deus, com súplicas isoladas, proveniente da fraqueza humana, mas será Deus a me buscar, na continuidade de sua ação infalível".

"Não devemos um dia nos tornar como tantas torrentes flamejantes, disparando sem cessar, de cada ponto de todas nossas substâncias constituintes, luzes vivas e ardentes?"

Então poderás dizer: "minha alma encontrou o amigo de sua vida, eles se beijaram e não irão mais se separar. Ela não foi ao mercado ou aos subúrbios da cidade, buscar este amigo; ela não precisou perguntar-lhe sobre os vigias de Jerusalém;

"Este amigo veio pessoalmente encontrá-la num acesso de seu amor; eles se beijaram e não irão mais se separar".

"Estas são as riquezas que ele me trouxe e que emanaram em meu coração, no acesso de seu amor".

"Eu era uma alma curvada com o peso de sua própria miséria; o desespero quase tomou conta de mim mas quando vi a abordagem do Consolador, ouvi estas doces palavras saírem de sua boca: Por que estais deprimido? Não disse o teu Deus para perdoar teu irmão sete vezes setenta? Se Deus te julga capaz de tanta clemência para com teu irmão, O crês incapaz da mesma clemência com relação a ti?"

Portanto, suplica para que te perdoe, não somente sete vezes setenta, mas de acordo com o número eterno de sua infinidade; não descanses até sentires que Ele tenha selado teu perdão e que Ele próprio tenha tomado a lei, o preceito e o mandamento que te deu.

Quando Ele assim tiver te perdoado, diga-lhe: "Senhor, a cidade não mais será destruída; tu exigistes ao menos dez equidades para impedir o fogo que aproximava-se de Sodoma e Gomorra e estas dez equidades não foram encontradas.

"Tu exigistes não mais que uma equidade para salvar Jerusalém, nos dias de Jeremias, e nem uma foi encontrada (vi 13)".

"Mas agora a cidade não será destruída, se tu exigires esta única equidade, pois ela é encontrada; esta única equidade entrou na cidade; foi ela própria que fez uma aliança comigo".

"Esta única equidade irá salvar a cidade e todos os seus habitantes, porque esta única equidade é tua divina Unidade que irá se espalhar pôr todos os habitantes de Jerusalém".

"Dissestes ao profeta Jeremias: mesmo que Moisés e Samuel estivessem diante de mim, eu não teria piedade deste povo (XV 1)".

"Mas eles não eram sacerdotes da ordem de Melquisedek, eram apenas ministros da lei simbólica e desta forma, não podiam abrir o portão sagrado da misericórdia eterna".
"Agora este portão vivo está aberto, este portão és tu mesmo; portanto, tu não podes mais ajudar a salvar o homem que os segue; tu és o profeta que estás diante de ti mesmo, a quem deves implorar auxílio a este povo e tu tens sido levado a libertar minha alma quando ela derrama sua desgraça e miséria diante de mim".
Contudo, o homem de Desejo ainda irá estremecer: Por que choras, Oh! minha alma? Por que choras? Qual é o novo motivo de dor?

"Se estremeço, é porque o homem se tornou o assassino do Verbo e da Verdade; é porque as regiões vitais não encontram nada nele senão a morte, e são obrigadas a se retirarem; é porque seus próprios infortúnios, negligências, dores e ainda suas próprias ilusões impedem que sinta as dores do Verbo".

"O que posso fazer senão Chorar! Já que as dores do Verbo estão sempre diante de meus olhos e toda minha substância é aflição!"

"Além do homem, correntes de infeção correm dele como rios de água lamacentas; desta forma, minha única tarefa deve ser a de impedir que se aproximem do Verbo para que não transmitam sua infeção!"

"Vou me dedicar inteiramente a esta tarefa; vou me devotar a isto com um ardor intermitente. É a única coisa recomendada como necessária; tudo o que não se refira a este santo e indispensável dever vou fazer como se não fizesse".

"E tu, oh! Espírito de Oração, serás o companheiro de meu trabalho, ou melhor, serás o mestre, o agente e o princípio; irás me ensinar a ser como tu, o mestre, o agente e o princípio de minha obra, porque irás me ajudar a ser um orador como tu".

"Como não poderia me tornar um orador, já que o Verbo fora invocado sobre mim, afugentando todos os inimigos da Verdade, a fim de que todos os homens de Deus se originem de mim e ali celebrem a alegria de ter encontrado uma morada de paz?"

"Oh! como irão regozijar-se quando encontrarem esta morada de paz! Irão realizar festivais de júbilo e cantar hinos sagrados de vida, levantarão suas vozes, para que seus companheiros possam ouvi-los e se apressem para compartilhar desta felicidade".

O homem é um administrador e não um legislador, tanto na política como nas coisas divinas

Há alguns anos, quando falava de política, disse que o homem não deve ser um legislador e sim um administrador no posto confiado a ele. Mostrei que, estritamente falando, um homem legislador é contrário a razão; que não é um bom exemplo enviar uma criatura a um lugar onde ela tenha que fazer leis para ela própria seguir; disse ainda, que como conseqüência deste princípio fundamental e inquestionável, o poder administrativo tinha absorvido o legislativo, em todos os governos do mundo; isto pode ser facilmente verificado com referência aos fatos, especialmente na história religiosa.

Agora, posso estender este princípio ao Homem considerado em seu posto divino, onde, longe de ter que estabelecer qualquer lei, não tem outra função senão a de ser, sem intermissão, o órgão e ministro de seu Mestre. É pôr conta da urgência da obra do Mestre e da vigilância e atividade universal que ela requer, que os homens que alcançaram a ser nela empregados não tem tempo de falar sobre seus próprios direitos.

Por esta razão, o conhecimento espiritual deve ser o único pagamento da ação constante; a luz brilhante comunicada através dos escolhidos, como Jacob Böehme parece pertencer a próxima era; que se segue a este mundo e de ser o preço único da ação universal (influência) que irá nos conclamar, na qualidade de administradores, a fim de renovarmos a face do mundo atraindo os novos céus e a nova terra, onde devemos contemplar as maravilhas do Verbo natural, espiritual e divino.

Não penses então, oh!, Homem de Desejo, que tens algum dia, qualquer lei a promulgar, a não ser aquelas de teu Mestre.

Alegrias espirituais, como recebê-las para a extensão do Reino de Deus

Quando as alegrias descerem sobre ti durante os exercícios espirituais, não penses que te são enviadas apenas pôr tua causa. Não, elas não tem outro objetivo senão a obra de teu Mestre, nutrir suas forças e sustentar sua coragem. Quando o próprio Verbo descer sobre ti não esqueças a importante intimação que acabas de ler e diz:
É pôr minha causa que tu me visitas? Eu que nada tenho feito para que tu chegues perto de mim, mas, ao contrário, tenho feito tudo para mantê-lo afastado?

"Não irei me entregar a esta alegria até sentir aquele desejo universal que anima e cria a ti eternamente".

"Não irei me entregar a ela, até que perceba o objetivo particular que tu tens e o tipo de tarefa que queres que eu faça, na obra do progresso geral".

"Sem esta precaução não só a minha alegria seria vã, como meu curso seria incerto, como aquele do neófito. Eu ainda posso, a qualquer momento, cair novamente na obscura região dos homens da torrente".

Assim então, Oh, Homem de Desejo, quando o Verbo Divino descer sobre ti, pense apenas em permitir que ele penetre todo o seu ser e faça com que os gérmens que lá estão depositados, frutifiquem, ao visitá-los com o poder de sua própria geração eterna.

O Verbo Divino é tão poderoso, que uma mera lembrança dos auxílios que tu deves ter recebido dele, irá capacitá-lo a afugentar o inimigo, assim como a mera sombra dos Apóstolos curava os doentes; pois este Verbo Divino não pode aparecer em lugar algum sem deixar sinais indeléveis: só temos que observar estes sinais mais cuidadosamente e seguí-los com mais segurança; nada mais é exigido dos homens além de que façam todo esforço para serem constantes numa oração eficiente para a recuperação universal; ou seja, constante no estado de exercitar o Ministério Espiritual do Homem.

Quando o Verbo ordena ao homem que esteja pronto, isto significa que deve estar sempre preparado para responder ao impulso, quando quer que ele o convide para a obra de recuperação; pois o Verbo é a própria medida correta; ele tende a restaurar os homens as suas próprias proporções originais, a fim de que possa, mais tarde, fazer com que as medidas divinas revivam, em todas as regiões onde se perderam; esta é a verdadeira extensão do reino de Deus; o reino de Deus existe primeiro para ele e depois para nós.

Como os homens menosprezam o Verbo que tudo governa: a conversação morta

Se tivermos a felicidade de conhecer, experimentalmente, uma parte do imenso poder do Verbo, a exclusiva universalidade de seu governo, a vivacidade de sua ação e a suavidade de seu espírito isto nos afetará profundamente; não só pôr ver o homem privado de seu suporte inefável durante sua jornada diária, mas principalmente de nem ao menos suspeitar de sua existência eterna e imortal, silenciando a natureza, que está vazia (néant).

Este doloroso sentimento é seguido pela surpresa pois, vendo que este Verbo é o único suporte de toda ordem, de tudo o que vive, de toda harmonia e vendo o homem dispensar, todos os dias, seu suporte indispensável, ou até mesmo se declarar seu inimigo, só podemos ficar atônitos de que os homens não sejam ainda piores do que são e que devem, no mínimo, manter algum traço, mesmo que só em pensamento, ou alguma idéia de justiça e perfeição.

Como pode o homem avançar, no caminho da regularidade e da vida, com esta imensa massa de conversações tão inúteis, vazias, falsas, terrestres e avarentas que dia a dia preenchem todo o mundo? Desde a grande corrupção, os homens tem caído sob a autoridade de palavras mortas (conversas) que os governam tiranicamente e não permitem que escapem, nem pôr um momento, de seu controle.

Olhe em todas as classes, pegue todas as palavras que pronunciam desde que acordam até quando vão dormir outra vez; irás encontrar uma palavra relacionada ao progresso na verdadeira retidão ou em relação ao destino original do homem?

Não vamos falar aqui do homem de trabalho que, enquanto cultiva a terra em silêncio, faz correr o suor de sua fronte cumprindo a sentença promulgada à família humana; pelo menos, ele realiza, por sua resignação e por aquela espécie de palavra silenciosa, num plano inferior aquilo que nossa palavra virtual deve realizar no plano espiritual; não vamos considerar nem mesmo aquelas palavras extorquidas de nossas carências, misérias terrestres e sofrimentos temporais, mas nos referimos àquela torrente de palavras estúpidas e pestilentas que sacrificamos diariamente à preguiça, à vaidade, as ocupações frívolas, as paixões, à defesa de nossos falsos sistemas, pretensões, fantasias, à injustiça, ao crime e à abominação.

Desde que o Verbo vivo foi retirado do homem, ele tem sido envolvido por uma atmosfera de morte. Ele não é mais ativo o suficiente para unir o seu Verbo com o fogo vivo. Ao invés de agüentar esta privação corajosamente e esperar pacientemente o aparecimento nas alturas, ele substitui a falta do Verbo por aquela enxurrada de palavras destrutivas que emanam do delírio de seus pensamentos. O homem se contaminou neste caminho e ao mesmo tempo, contaminou seus semelhantes e então com toda docilidade e humildade permite que o Verbo infernal atue sobre si, aquele Verbo que procura unicamente vivificar a ele, já que vivifica, continuamente, todas as criaturas as quais deu existência.

A substância das palavras dos homens se levantarão em julgamento contra eles

O homem esquece que, quando a substância de suas palavras se dispersa no ar, ela não é destruída; portanto, não se evapora, formando uma massa que corrompe a atmosfera espiritual, assim como nossas exalações fétidas corrompem a atmosfera em nossas moradas; o homem esquece que cada palavra que sua língua pronuncia será um dia pronunciada novamente diante dele e o ar que nossa boca se utiliza para formar nossas palavras irá restaurá-las assim que as receber, da mesma forma que cada elemento irá restaurar o que está semeado nele, de acordo com o seu modelo; o homem esquece que até mesmo nossa fala silenciosa, pronunciada tacitamente no segredo de nosso ser, irá da mesma maneira reaparecer e ressonar em nossos ouvidos; pois o silêncio também tem seu eco; o homem não pode produzir um só pensamento, uma palavra, um ato, que não seja implantado no espelho eterno no qual todas as coisas estão gravadas, e do qual nada é jamais apagado.

O santo pavor de um juramento se deriva, originalmente, de um profundo sentimento destes princípios pois, quando penetramos o plano de nosso ser, descobrimos que podemos nos unir com a fonte inefável da verdade, através de nosso Verbo; contudo, também podemos nos unir com o terrível abismo de mentiras e trevas, pelo uso criminoso de nosso Verbo.

Há povos incultos, que, embora sem a nossa ciência, tem se perdido menos do que nós, pois consideram enormemente seus juramentos, enquanto que entre as nações civilizadas, o uso de juramentos é somente uma formalidade, conseqüências morais daquilo que parece ser de pouca importância.
Contudo, deixando de lado estes falsos juramentos e perjúrios: quando vemos os grandes males que resultam diariamente, do mal emprego de nossas palavras, isto não é suficiente para nos dar uma lição de sabedoria?

Oh, homem! se o cuidado de tua própria saúde espiritual não é suficiente para te fazer dignar a prestar atenção nas palavras para teu próprio bem, presta atenção pelo menos pelo bem de teus semelhantes; não fique satisfeito ao encher-lhes, como fazes todos os dias, de palavras vazias que não trazem benefício algum, que os levam a todo tipo de dúvidas e ilusões; faça com que suas palavras sejam ao mesmo tempo uma tocha que guia o seu irmão e uma âncora que firme e o segure durante as tempestades.

Leis essenciais para a administração da fala

Quais são, então, as leis para a conduta ou administração de nossa fala, para com nossos semelhantes?

É, pensar de forma elevada sobre a inteligência humana, fazendo com que a conversação seja desta ordem e que possamos apresentar nada além do que seja melhor e possa acrescentar riquezas a inteligência;

É, se convencer que a inteligência do homem deve ser tratada como seres elevados, como ocorre no Oriente, que não podem ser abordados sem que uma oferenda lhes sejam oferecida.

É, tentar sempre acrescentar algo, à luz e as virtudes daqueles que conversam conosco, a fim de que suas palavras possam mostrar sempre um benefício àqueles que as ouvem.

É, conversar somente sobre o que é certo e verdadeiro, sem alimentar os homens com meros recitais e narrativas frias, já que estes são compostos de tempo que possui apenas passado e futuro, enquanto que as grandes verdades são sempre presente, como os axiomas; elas não pertencem ao tempo, mas à permanente região eterna.

É, distribuir suas palavras sobriamente, com moderação; pois somente as más causas necessitam muitas palavras para defendê-las.

É, nunca esquecer que a fala ou o Verbo, é a luz da infinidade, que deve estar sempre crescendo.

É, sempre examinar, antes de falar, se aquilo que irás dizer corresponde a estes importantes objetivos.

Se você se manter apenas no nível daqueles com quem conversa, a obra não irá avançar. Se manter abaixo, a obra retrocede. Se, observares todas estas leis, o avanço da obra será sua principal meta; cada respiração de sua vida deve ser empregada neste trabalho.

O Verbo irá dirigir seu próprio ministério

Eu sei que, nas sociedades não operativas, estas leis da fala não podem ser observadas, porque o Verbo não pode exercitar ali seu ministério, de forma conveniente; não é para elas que eu me reporto. Isto é para você que conduz a ti próprio, para quem o Verbo dará um ministério a realizar, onde quer que esteja pois, se tentar fazer isto por si próprio, irá apenas acrescentar extravagâncias à profanação.

A fala é o fruto de um contrato ou aliança; e nada somos sem algum tipo de contrato

Toda fala nada mais pode ser senão o fruto de um pensamento, e todo pensamento é fruto de uma aliança; porém, como as alianças que fazemos são tão diferentes umas das outras, não é de se surpreender que nossa fala tenha, da mesma forma, tantos aspectos variados.

De fato, somente através de nossa aliança ou, se preferir, de nosso contato com Deus é que podemos ter algum pensamento Divino.
O contato com o Espírito nos proporciona pensamentos espirituais; os pensamentos siderais ou astrais surgem de nosso contato com o Espírito astral, que é chamado de Espírito do Grande Mundo; os pensamentos materiais e terrestres surgem de nosso contato com as trevas terrestres; os pensamentos criminosos surgem do contato com o Espírito de mentiras e de fraquezas. Temos o poder e a liberdade de fazer qualquer uma destas alianças, basta escolher.

O que deve nos manter constantemente ativos e atentos é que, de cada natureza de nosso ser, o fogo que não pode ser extinto, somos a cada instante pressionados a contatar uma ou outra destas alianças. E mais: não podemos ficar sem contratar uma, seja de um tipo, seja de outro. Em resumo, nunca ficamos sem engendrar algum tipo de fruto, já que estamos sempre em contato com um destes centros, Divino, espiritual, sideral, terrestre ou infernal que nos rodeiam.

Os frutos Divinos comparados com os naturais

A tarefa do Homem, particularmente do Homem da Verdade, que aspira se tornar um ministro de Deus e um servo do Senhor, consiste em examinar cuidadosamente as palavras que correspondem a estes frutos, pensamentos ou alianças; isto é o que ocorreria ao homem se estivesse restaurado em suas Divinas proporções, através do processo de regeneração:

Nenhum desejo, senão em obediência;
Nenhuma idéia, que não seja uma comunicação sacra;
Nenhuma palavra, que não seja um decreto soberano;
Nenhum ato, que não seja uma extensão e um desenvolvimento da regra vivificante do Verbo.
Ao invés disto, nossos desejos são falsos, pois surgem apenas de nós mesmos.
Nossos pensamentos são vagos e corruptos, pois formamos constantemente alianças adulteras.
Nossa fala ou palavras não tem virtude ou eficácia, pois permitimos que fiquem embotadas, todos os dias, pelo rancor, substâncias heterogêneas que empregamos nas palavras.
Nossos atos são estéreis e insignificantes, pois não podem ser outra coisa senão o resultado de nossas palavras.
Nesta relação melancólica, nada serve para a obra. Não há nada para a glória e a consolidação do Verbo, desde que não há nada para o real Ministério Espiritual do Homem.

O poder do inimigo durante a noite, na ausência da fala. Homens bravos temem as trevas

O poder de expulsar o inimigo, através da virtude de nossa fala, um de nossos direitos primitivos, não só permanece em suspenso, mas por ter caído em desuso há tanto tempo, tem sido considerado algo imaginário; aqui, independentemente da inatividade, que une as pessoas, mundialmente, compreendemos a razão pela qual amam as altas horas, trocando o dia pela noite; eles estão longe de suspeitarem que esta inclinação tem uma profunda raiz.

Se o homem estivesse em sua verdadeira posição de combate, ele teria muito mais cuidado à noite, para afugentar o inimigo, do que de dia: este era o objetivo original das preces noturnas das aflições religiosas; este cuidado ainda é praticado materialmente em nossos acampamentos militares, pois nas duas ordens, é durante a noite que os inimigos cometem seus grandes ataques como, de fato, ocorreu durante o sono do primeiro homem, que se tornou a presa de seu adversário esquecendo o pacto Divino.

O homem não precisaria despertar para esta lei espiritual de combate se estivesse em sua lei natural, pura; poderia dormir pacificamente durante a noite e tirar de seu descanso uma renovação de forças para o seu trabalho. Este é o caso do homem de trabalho pesado e do agricultor; eles são pouco incomodados pelo inimigo durante seu sono.

Porém, o homem do mundo que se alimenta unicamente de estupidez e corrupção e não trabalha, não desfruta de tais noites tranqüilas; enquanto ele seguir aquelas falsas substâncias das quais permite ser continuamente impregnado e sobre as quais se estende os direitos do inimigo, (direitos que são reforçados muito mais durante o dia) as pessoas mundanas que não possuem o Verbo (verdadeira fala) e fogem de si mesmas, ainda buscam uns aos outros tão avidamente, durante a noite, porque assim, inconscientemente, diminuem a força de ataque do inimigo.

Além do mais, sabe-se que alguns homens de coragem que continuamente enfrentam a morte e o perigo com firmeza, não entram numa igreja ou num cemitério sozinhos à noite. Sem dúvida, estes homens bravos não possuem todos os seus princípios racionais desenvolvidos; o desenvolvimento de sua razão, por si só, não o torna capaz de triunfar nestes casos, se houver um traço real de timidez inspirado pelas trevas; além disso, aquilo que os sábios chamam de desenvolvimento da razão, a este respeito, consiste, não na superação de obstáculos, mas no convencer a si mesmo de que isto não existe.

Para falar a verdade, devemos dizer que este temor tem fundamento e o que nos coloca acima dele é nos voltarmos para o ponto de vista luminoso do Verbo ou do Espírito que é desenvolvido e nutrido com toda a luz que lhe pertence. É aprender que a natureza foi dada ao homem para servir como um modelo ou figura da suprema verdade que ele não pode mais ver; quando o homem se encontra privado deste modelo, pelas trevas e não recupera sua fala, ele está duplamente separado da verdade; não tendo nem a cópia nem o original perto de si, ele está em completa privação e repleto de estupidez com todos os seus horrores. Mas esta solução, embora correta, ainda não é a mais profunda. A que se segue é mais profunda e não menos verdadeira.

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