SILÊNCIO
Frater Zelator ( SI - SII)
Verbete sobre o silêncio no Dicionário de Símbolos do
Jean Chevalier:
O silêncio e o mutismo têm uma significação muito
diferente. O silêncio é um prelúdio de abertura à
revelação, o mutismo, o impedimento à revelação,
seja pela recusa de recebê-la ou de transmiti-la, seja por castigo
de tê-la misturado à confusão dos gestos e das paixões.
O silêncio abre uma passagem, o mutismo a obstrui. Segundo as tradições,
houve um silêncio antes da criação; haverá um
silêncio no final dos tempos. O silêncio envolve os grandes
acontecimentos, o mutismo os oculta. Um dá às coisas grandeza
e majestade; o outro as deprecia e degrada. Um marca um progresso; o outro,
uma regressão. O silêncio, dizem as regras monásticas,
é uma grande cerimônia. Deus chega à alma que faz reinar
em si o silêncio, torna mudo aquele que se dissipa em tagarelice e
não penetra naquele que se fecha e se bloqueia no mutismo.
O silêncio
é uma abertura à revelação,
o mutismo, o impedimento à revelação.
O silêncio dá às coisas grandeza e majestade,
o mutismo as deprecia e degrada.
Ensinamento oral? E o silêncio? Bem próprio dos símbolos:
eles realizam a conjunção dos opostos.
O tema do Silêncio aparece diversas vezes no Corpus Hermeticum grego
e nos escritos gnósticos de Nag Hammadi. Mas sua origem é
bem mais recuada. O Hermes Trismegisto alexandrino teve sua origem no deus
Thot egípcio. E o silêncio aparece freqüuentemente na
teologia egípcia arcaica.
Amon, por exemplo, era chamado de O Grande Silencioso. Em uma antiga fórmula
de oferenda a este deus gravada numa estela, cerca de 2000 a.C., está
escrito:
Seja feliz aquele que repousa no braço de Amon,
O protetor dos silenciosos, [...]
Que concede seu Sopro àqueles a quem ama [...] [1]
Aqui, a palavra
"silenciosos" de acordo com a antiga teologia egípcia,
servindo para designar sacerdotes e escribas, sábios e iniciados
nos Mistérios. Mas não é somente a Amon, Senhor dos
Silenciosos, que dirigem hinos aqueles que aprenderam a se afastar um pouco
do burburinho profano.
Thot, Senhor das Palavras Faladas e Escritas, também é associado
ao silêncio, como nesta prece de um escriba da Casa da Vida:
Ó, Thot, coloca-me em Hermópolis,
A cidade onde é doce viver [...]
E que possas guardar a minha boca quando falo. [...]
Ó, tu, que levas a água [da vida] a locais afastados,
Vem e salva-me, pois eu sou um silencioso.
Ó, tu, fonte doce para o homem alterado no deserto!
Ela [a fonte] encontra-se selada para os tagarelas,
Mas aberta para o silencioso.
Ele vem, o silencioso, e encontra a fonte! [2]
Irineu foi
um Padre da Igreja, ou seja, um daqueles primeiros intelectuais cristãos
que ajudaram na formação do Cristianismo que então
engatinhava. Irineu nasceu no ano 130 na Ásia Menor e morreu em 200
na Gália (atual França). Sua obra mais conhecida é
Adversus haeresis (Contra as heresias), é um livro escrito por ele
para defender ferozmente a Igreja contra os hereges da época, na
sua maioria gnósticos.
Nesta obra Irineu descreve um mito dos gnósticos da seguinte maneira:
[Deus é] uma entidade perfeita pré-existente, profunda, invisível
e não-gerada, em grande imobilidade e silêncio. Com ela coexistiu
o pensamento, que eles [os gnósticos] também chamam de Encanto
e Silêncio. E o profundo pensou em emitir a origem da completude.
E depositou sua emanação como esperma, no ventre do silêncio,
o que então gerou o Intelecto. [1]
Esse ínfimo instante vazio da sua meditação é
o espaço imediatamente anterior ao processo criativo.