O
MAL-ESTAR DA SECULARIZAÇÃO
Por: Adílio Jorge Marques
A oposição entre a razão científica e religiosidade (não necessariamente religião), para muitos, é o fator maior que leva ao Estado laico. O expoente desse processo é a secularização, ou laicização, e a defesa da liberdade religiosa. Conquistas que propiciaram a efetivação de grandes mudanças no campo religioso contemporâneo. A separação entre Estado e religião desmantela o monopólio religioso, erodindo, senão totalmente, ao menos parcialmente, as prerrogativas que uma religião oficial usufruía de sua aliança política com governantes. Temos como resultado a garantia legal da liberdade e da defesa da tolerância religiosa, levando ao pluralismo e à sua proteção.
Com a secularização a administração pública
passa a garantir liberdade aos indivíduos para escolherem sem pressões
externas qual fé professar. Permite o livre exercício dos
grupos religiosos, concedendo-lhes, ao menos no espaço jurídico,
tratamento de igualdade entre si. Cultos, doutrinas e liturgias das diferentes
religiões adquirem o mesmo estatuto legal perante o direito estatal
e os cidadãos. Nasce o chamado Estado democrático de direito,
que deverá dar proteção à liberdade religiosa
de acordo com as preferências pessoais dos indivíduos, além
de garantir o ingresso e a formação de novos grupos e movimentos
religiosos.
A liberdade religiosa propiciada pela secularização, com a
liberdade individual e institucional assegurada política e juridicamente
tão-somente pelo liberalismo, está na raiz da formação
do pluralismo religioso e do mercado religioso concorrencial. Marca-se um
novo mundo, fundamentado na possibilidade dialógica, racional, da
fraternidade entre os povos.
O nosso tempo, num processo de décadas, evidencia as transformações
ocorridas nos diversos níveis das estruturas sociais. São
modificações das representações coletivas, das
mentalidades. Vivemos um tempo no qual a mudança de eixo do pensamento
concretiza a ação de uma nova visão de mundo. É
a passagem da transcendência à imanência, implícita
na ideia de progresso, como aconteceu com a mudança de visão
em relação à natureza e a entrada da linguagem matemática
e racional.
Contudo, o individualismo tornou-se a expressão básica de
nossos tempos. Assim como, formatou-se, vamos dizer assim, num conceito
político, moral e social, sempre a exprimir a afirmação
e a liberdade dos indivíduos frente ao grupo, à sociedade
e ao Estado.
A exacerbação da laicidade levou ao individualismo, e opõe-se
a toda forma de autoridade, ou controle, sobre os indivíduos, coloca-se
em oposição ao coletivo naquilo que concerne à propriedade.
Gera o individualismo. O individualista pode permanecer dentro da sociedade
e das organizações que tenham o indivíduo
como valor básico, porém, criando uma situação
de permanente tensão entre cada um e as instâncias da vida
social.
O racionalismo atual evidencia a nova posição do homem e da
sociedade, com condições de realizar questionamentos através
da operação mental, discursiva e lógica. Para tal,
abrimos não de muitos dos antigos valores, assim como das religiosidades,
e colocamos o mesmo racionalismo na base do planejamento econômico,
moral e social. A possibilidade de adquirir conhecimento, algo quase que
tornado perene, é constantemente validado com a interpenetração
entre natureza e razão, fator este que levou à
matematização da natureza e ao abandono da preservação
ambiental..
Após tudo o que foi explanado, emerge aqui algumas questões
que virão a ser respondidas posteriormente pelos leitores em seu
íntimo. Após o processo de secularização - pelo
qual ainda passamos, em especial nas últimas décadas - podemos
dizer que estamos vivendo melhor? Somos mais íntegros, mais felizes?
Atingimos a almejada meta de que, quando o homem e o mundo fossem entendidos,
ambos tornar-se-iam partes de uma mesma realidade?
Vivemos de verdade?
Muitas pessoas que abrem mão de suas características internas de bem viver e acabam por optar pela mais pura neutralidade nas relações com o mundo. Eis algo que chama constantemente a minha atenção. Sempre achei que racionalidade era, ainda, característica que precisava estar presente no comando das nossas vidas, independentemente da ação tomada. Claro, desde que fossem mantidos os objetivos, tais como o de atender aos interesses da vida que cada um leva. Afinal, qual é o sentido desta nossa vida? Apenas o de pagar as contas e as muitas dívidas que nos são impostas?
Vivemos de verdade? Ou somos personagens locais, nacionais, internacionais?
Afiguramos-nos de várias personas para que tenhamos a capacidade
de enfrentar, quando preciso, o que nos é colocado no caminho diário?
Crianças, jovens, adultos, idosos, todos, sem exceção,
parecem dogmatizados por essa vida hodierna de consumo, informação
e deveres para com o sistema financeiro vigente. Condições
de vida que teimam em propagandear que nos une.
A vida está a gerar fraternidades passageiras, salvo
casos isolados. Temos inimigos virtuais, mas, amigos digitais. Nos dois
casos, não se pode demonstrar fraquezas como opiniões,
ideias, etc. Conflitos internos passam a ser desligados do mundo externo
e, muitas vezes, surgem como terremotos nas vidas daqueles desconhecidos
que, com o noticiário policialesco, passa a ser a vedete
do dia. Assim como as políticas feitas no Brasil e em outros países,
e que rapidamente surgem e crescem na pressa, na velocidade com que os dados
trafegam na rede, mas, sem raízes que levem à sua consolidação.
Como as políticas não possuem qualquer base, partidos, personalidades,
cargos, são extintos nas primeiras tormentas.
Não há a necessidade, muitas vezes, da qualidade. Basta depender
do que a sorte destina aos novos famosos. Pessoas, aos milhares, preparam-se
para conservar o que a fortuna lhes concedeu para lançar, depois,
alicerces que construam uma vida na qual possam ser os governantes. A fortuna
era uma deusa que, em outros tempos, possuía os bens que o homem
desejava: honra, riqueza, glória, poder.
A virtude é a energia, ou vontade, dirigida para um objetivo. Maquiavel,
na sua obra O Príncipe, montou um cenário para
comprovar que era possível estabelecer aliança com a virtu.
O poder que nasce da própria natureza humana encontra sua base na
força, na imposição das ideias, mas o importante está
na sabedoria no uso da força. Vamos transcrever força como
vontade. Logo, se quisermos manter o governo da nossa vida, o poder sobre
ela, não basta ser simplesmente o que possui mais sorte, ou aquele
que mais se relaciona. Deve possuir conhecimento e vontade para adquirir
as condições necessárias a manter suas idéias
sem interferências externas e o domínio do que foi adquirido.
A sorte, boa ou má, acaso ou oportunidade (propícia ou desfavorável),
pode ser fugaz ou estar na sua mão. Cada um pode decidir o momento
certo, antecipadamente calculado. Saber o momento do êxito garantido,
agora, não pela roleta da vida, nem pelo que dizem a
você o que deve ou não ser feito. Mas pela perspicácia
aprendida para manter em ordem a sua vida. . A crença na predestinação,
ou fatalidade, domina apenas os que não possuem vontade.
Se isso serve para a política, como nos exemplos citados antes, acho
que sim. A atividade política foi, um dia, prática de homens
livres, quando o homem era sujeito da história limpa.
Enfim, aqueles que conjugarem virtude serão agraciados com a sorte
(fortuna). Esta, sinônimo de algo transcendental e, como tal, não
controlável pelo homem, caracteriza-se como um dogma a ser superado.
Aliados, estes dois elementos formam o senso de organização
do homem moderno. Algo que o ajudará a transmutar sua própria
natureza, a fim de manter sua posição de vontade independente
das condições de sua sorte.