O
que é a Teologia Fontal?
por
Frater Zelator ( SI - SII - MESA)
Introdução
Quando buscamos falar de Teologia podemos remeter-nos a várias referências
que algumas das vezes proporcionam definições bem determinadas,
e em outros casos, especificações bem vagas. É possível
dizer que Teologia é composta de duas palavras gregas: Theos e Logos,
remetendo etimologicamente a "um tratado sobre Deus". Assim, antes
de ter sido usada pelos autores cristãos, tal palavra foi também
usada pelos antigos gregos, segundo Frosini.
Tratar da "Teologia Fontal" deve levar a uma reflexão histórica
da tradição cristã dos autores envolvidos, no intuito
de que haja uma contextualização entre o momento presente
de análise e a época na qual o Novo Testamento estabeleceu-se.
Libanio nos diz que a análise das propostas Teológicas perpassa
pelo sentido de que as mesmas sofreram a verificação de grandes
matrizes ou paradigmas, no sentido de melhor se organizar. Por exemplo:
- A força
do sagrado nas palavras dos homens que a redigiram, mostrando como realidades
terrestres possa ser manifestação de forças divinas.
O sagrado que une os homens, a palavra deixada para a posteridade.
- A gnose sapiencial, onde se pode dizer que ocorre a busca do conhecimento
harmonioso em que se inter-relacionam as dimensões religiosa, ética,
histórica, ontológica, antropológica, cósmica,
em processo gradativo, até a plenitude da sabedoria que se quer atingir.
- A matriz da linguagem, onde vemos uma forma narrativa que é acrescida
por outra argumentativa e analítica (Bruno Forte).
- A matriz histórica que é utilizada para entendermos o passado
em busca de melhor compreensão do presente, visando também
o futuro. A Escritura é o lugar do advento, onde a Palavra de Deus
habita com as palavras dos homens, segundo B. Forte. Os Apóstolos
tiveram que levar ao mundo a missão que aceitaram de coração:
a Boa Nova universal.
A Teologia
originante das primeiras comunidades cristãs
A primeira geração cristã (séc. I D.E.C.) realizou
verdadeira Teologia. Tratou de refletir a sua fé, interpretando o
sentido e evento fundante da vida-morte-ressurreição de Jesus,
bem como a constituição e implementação da Igreja.
Surgiu a importância da Igreja particular, como vemos nos Atos o termo
ekklesía, que parece ser usado no sentido particular ou local. Convém
também recordar que a maioria dos livros do Novo Testamento são
dirigidos às igrejas locais (como nas cartas de S. Paulo). Mas a
igreja particular realiza toda a riqueza da igreja universal. Abre-se em
comunhão com as outras igrejas que surgiram, buscando a unidade.
Essa abertura é para Frosini um dos elementos constitutivos da Igreja
particular, mas que também abrangem o anúncio da Palavra,
a aceitação da mesma por meio da fé e do Batismo, a
fração do pão, a presença de Cristo através
dos Apóstolos, o amor fraterno e verdadeiro (Agapé) e os carismas.
Vemos nos Atos que a localização das igrejas torna-se particular,
ou seja, devem-se levar em conta seus traços culturais, ambientais,
históricos, e por isso essas primeiras comunidades não são
iguais. Apresentam caráter urbano na época apostólica
e com ampla autonomia.
Os escritos do Novo Testamento testemunham o esforço intelectivo
para responder às principais perguntas que as comunidades faziam
(Libanio): "Quem é Jesus para nós?" e "Quem
somos nós a partir de Jesus?". B. Forte acrescenta:
Existe na Escritura, com a ação e a palavra de Deus, também um componente humano, nutrido de pensamento e palavra, que a assinale e lhe determine as formas sob o peso da história? E, se existe, qual é o seu desenvolvimento sob o impacto da revelação de Deus? Quais os caracteres que especificam o pensamento fontal do encontro entre o êxodo e o advento?
Tais questões ainda atuais norteiam a questão de que houve uma Teologia Fontal, própria do Novo Testamento; fontal da história da fé e da reflexão cristã.
A fonte de
toda Teologia
Existe o questionamento de como é possível a Sagrada Escritura
ser a fonte, manancial teológica dela mesma? Segundo Libanio, o erro
consiste em analisar a fonte com os olhos de hoje, o que, aliás,
é um erro comum em análises históricas, no caso aqui
na interrogação da fé primitiva. Se para Libanio o
Novo Testamento é Teologia Fontal, paradigmática e estimuladora
de tudo mais que se seguiu teologicamente, para B. Forte, citando K. Rahner,
a "Teologia do princípio e o princípio da Teologia"
se encontram para o entendimento do que hoje se estuda em termos cristãos.
O processo formativo resume um esforço de passar da Teologia da Palavra
às palavras que fielmente a veiculem, "para que destas palavras
se possa passar sempre de novo, sob a ação do Espírito,
à experiência vivificante do encontro com a Palavra do advento
Divino" (B. Forte).
Em 1 Jo 1, 1-4 temos uma forte caracterização do exposto acima:
O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e nossas mãos apalparam da Palavra da vida, porque a Vida manifestou-se: nós a vimos e lhe damos testemunho e vos anunciamos esta Vida eterna, que estava voltada para o Pai e que nos apareceu, o que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos para que estejais em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. E isto vos escrevemos para que nossa alegria seja completa.
O autor e protagonista
da reflexão da fé acima se dirige a uma comunidade ou grupo
de comunidades. Fica claro que os Escritos são também para
quem está fora de uma comunidade. O testemunho sugere que basta o
querer, a disposição de fé, para que cada um seja participante
daquele magno evento da odisséia humana. Logo, são palavras
que fundamentam a fé universal, que a alimentam, a mantém
viva na dualidade corpo-essência de todos os ouvintes e/ou leitores.
Ainda segundo Libanio, diferentes estilos surgem com essa reflexão,
para que lentamente a comunidade de fé liberte-se de qualquer tipo
de "amarra" intelectiva, porém mantendo e respeitando as
origens particulares de cada indivíduo. Nota-se uma Teologia narrativa
dos Evangelhos e Atos, uma literatura epistolar e também apocalíptica.
Como em Rm 10,14, é uma Teologia consciente e reflexiva da fé
que nasce da escuta, pois é serva da palavra, depende dela. O Deus
de todas as nações suscita que se abram pela fé ao
Seu advento, em resposta às suas necessidades.
O Evangelho deixa de ser pensado apenas como letra, mas como espírito.
A inspiração requer que seja compreendida de modo respeitoso,
seja do vir de Deus ao homem, seja do abrir-se da história humana
à ação divina. Também baseado em B. Forte, podemos
distinguir dois níveis fundamentais da Teologia Fontal:
1 - A experiência: os primeiros foram testemunhas vivas, viveram a experiência da Palavra. É um caráter transformante. O Advento marcou-os para sempre. A Palavra surge de fora, característica do Advento. Caso contrário, seriam palavras humanas, um êxodo. "Então seus olhos se abriram e o reconheceram" (Lc 24,31).
2 - Ocorre
uma necessidade de ANUNCIAR a experiência, para que outros também
a conheçam. Essa é a Missão. Ela não é
individualista, mas é urgente de amor. Em 1 Cor 9, 16 surge: "Ai
de mim, se eu não anunciar o evangelho!". Nessa formulação
da experiência fontal acaba por ocorrer o processo de formação
dos textos do Novo Testamento. A narração predomina na exigência
do primeiro anúncio como formas querigmáticas e de catequese
de estilo antigo, porém compreensível analisando-se à
luz do contexto histórico e cultural da época. Por isso a
palavra grega kérygma ou querigma, que significa "proclamação".
O kerix grego é o mensageiro, o que traz a boa notícia. Por
isso se dá o nome de kerigma ao anúncio do evangelho (cf.
Mt 12,41; Lc 11,32 ; Rm 16,25; 1Cor 1,21; 2,4; 15,14; 2Tm 4). É a
mensagem, a pregação, a proclamação. Depois
passou a designar a pregação da Cristandade primitiva a respeito
de Jesus. Por exemplo, na expressão "Jesus é o Senhor",
ou em "Jesus é o Cristo", não estão apenas
associando um título a Jesus, mas querem associar a história
do humilde que foi exaltado por Deus e aí sim feito Senhor, o Cristo.
Aqui, história e anúncio se misturam. Uma memória se
desenvolve, consciente do evento pascal, de suma importância humana,
porém também universal. A Teologia dos diversos autores inspirados
são todas alimentadas pela única revelação Divina.
Resume-se, assim, todo o esforço de se passar da experiência
da Palavra às palavras que mais fielmente a veiculem, levando a tradição
ao mundo.
Características
da Teologia Fontal
Uma forma sintética de colocar o que foi acima exposto nos é
dada por Libanio em seis tópicos principais (em * citação
semelhante de B. Forte):
- Pneumática: embebida pelo Espírito Santo que suscita a continuidade dos seguidores de Jesus. O Pentecostes seria o princípio, onde o mistério escondido desde séculos é o objeto.*
- Eclesial: nascida no seio vivo de uma comunidade a caminho e referida a ela.*
- Missionária: destinada a transmitir e recriar a fé cristã.
- Vivencial: repleta de sentimentos, conotações afetivas e força convocatória, proveniente da experiência de seguimento do Ressuscitado.
- Contextualizada: na história da comunidade em que foi elaborada. Não retrata desejo explícito e fazer reflexão única e universal, válida igualmente para todos. Como "reflexão da Palavra", torna presente o dado revelado em diversas situações. Respeita-se as diferentes comunidades. Cria unidade como solidariedade entre os diferentes. O evento do encontro fontal fecunda lugares, tempos e pessoas, mostrando o Ressuscitado que subverte o antigo.*
- Aberta ao futuro: estimula interpretações enriquecedoras, novas releituras da Palavra. O quadro de referência do cristão, ao fazer a leitura do Antigo Testamento, já não é só o livro antigo em si, mas a vida nova em Cristo, iluminando o antigo livro. Como dito acima, a comunidade de FÉ oferece a garantia de exatidão da interpretação. O novo e o antigo convivendo na memória do povo para a garantia da presença de Deus entre os homens. A Teologia do Novo Testamento pode ser então profecia, que abre novos caminhos.*
Conclusão
A Teologia Fontal, das origens, nos legou a base de todas as Teologias que
reinaram e ainda nos chegam, após o Concílio Vaticano II.
O evento da salvação, a mostra de que Deus desceu até
nós, mas que podemos retornar a Ele por Aquele que é Luz,
Vida e Amor, estão sempre presentes. A Palavra se fez eterna em palavras.
Reverberam as antigas tradições dos grandes Mestres.
Se, como diz B. Forte, existe uma suposta "pobreza" da forma teológica
do Novo Testamento, ela se torna a sua maior riqueza. A Boa Nova nos remete
para além de si, de nós mesmos, para Deus através de
um grande sinal, como resposta a uma necessidade intrínseca humana:
voltar ao seio do Pai, recuperar a Criação.
Referências
1 - Frosini, G. A Teologia Hoje - Uma síntese completa e actualizada;
EPS; Porto; 2001.
2 - Libanio, J. B. Murad, A.; Introdução à Teologia;
Edições Loyola; São Pulo; 1996.
3 - Forte, B. A teologia como companhia, memória e profecia; São
Paulo; Paulinas; 1991.
4 - Wicks, J. Introdução ao Método Teológico;
Edições Loyola; São Paulo; 1999.