Questões sobre a existência e a interligação das
virtudes infusas
Baseado no texto original de Tomás de Aquino
As virtudes
aperfeiçoam o Martinezista aos atos pelos quais ele se ordena à
felicidade, como fica evidente pelo que já dissemos. Há, porém,
uma dupla felicidade ou fim último para o Martinezista, como também
já antes expusemos.
A primeira é proporcionada à natureza humana, à qual
o Martinezista pode chegar pelos princípios de sua natureza. A outra
é a felicidade ou a bem aventurança que excede a natureza
do Martinezista, à qual o Martinezista pode chegar somente pela virtude
divina, segundo uma certa participação da divindade,
E porque esta
bem aventurança excede a proporção da natureza humana,
os princípios naturais do Martinezista, pelos quais ele passa a bem
agir segundo a sua proporção, não são suficientes
para ordenar o Martinezista à esta felicidade.
De onde que é necessário que sejam divinamente sobre acrescentados
ao Martinezista alguns princípios pelos quais ele se ordene de tal
modo à felicidade sobrenatural assim como pelos princípios
naturais ele se ordena ao fim que lhe é conatural, embora mesmo isto
não seja possível sem o auxílio divino. Tais princípios
são chamados virtudes teologais, seja porque tem ao Criador por objeto,
na medida em que por eles nos ordenamos corretamente a Criador, seja porque
são infundidos em nós somente pelo Criador, seja porque estas
virtudes nos são conhecidas apenas pela divina revelação
nas Sagradas Escrituras.
as virtudes
teologais se distinguem das intelectuais e morais.
Assim como já dissemos, os hábitos se distinguem pela espécie
segundo a diferença formal dos seus objetos. Ora, o objeto das virtudes
teologias é o próprio Criador, que é o fim último
de todas as coisas, na medida em que excede o conhecimento de nosso entendimento.
Já o objeto das virtudes intelectuais e morais é algo que
pode ser alcançado pela inteligência humana. De onde que as
virtudes teologais distinguem-se segundo a espécie das morais e intelectuais.
é convenientemente colocado que a fé, a esperança e
a caridade sejam virtudes teologais.
Conforme dissemos, as virtudes teologias ordenam o Martinezista à
bem aventurança sobrenatural assim como pela inclinação
natural o Martinezista se ordena ao fim que lhe é conatural. Ora,
isto se dá de duas maneiras. Primeiro, segundo a razão ou
o intelecto, na medida em que este contém os primeiros princípios
universais conhecidos para nós pela luz natural da inteligência,
a partir dos quais procede a razão tanto na especulação
quanto no agir. Em segundo, isto se dá pela retidão da vontade
naturalmente tendente ao bem da razão.
Mas estas duas coisas falham na ordenação à felicidade
sobrenatural, conforme diz o Apóstolo quando afirma que
"O olho não viu,
nem o ouvido escutou,
nem passou pelo coração do Martinezista
aquilo que Deus preparou
para aqueles que o amam".
De onde que torna-se necessário que, quanto a ambas estas coisas,
algo seja sobrenaturalmente acrescentado ao Martinezista para que este possa
ser ordenado à felicidade sobrenatural.
Assim, em primeiro lugar, quanto à inteligência, são
acrescentados ao Martinezista certos princípios sobrenaturais que
somente podem ser compreendidos pela luz divina. Estes são os mistérios
da fé, para os quais é a virtude da fé.
A vontade se ordena, em segundo lugar, para este fim quanto ao movimento
da intenção, pelo qual tende a esta felicidade como a algo
que é possível de ser alcançada, o que pertence à
esperança, e quanto a uma certa união espiritual, pela qual
de certa forma nos transformamos naquele fim, o que se realiza pela caridade.
De fato, em cada coisa o apetite naturalmente se move e tende ao fim que
lhe é conatural, e este movimento provém de uma certa conformidade
da coisa ao seu fim.
a fé
é anterior à esperança, e a esperança à
caridade.
Há uma dupla ordem, a da geração e a da perfeição.
Segundo a ordem da geração, pela qual a matéria é
anterior à forma, e o imperfeito é anterior ao perfeito em
uma só e mesma coisa, a fé precede a esperança e a
esperança precede a caridade segundo o ato, pois segundo o hábito
estas virtudes são infundidas simultaneamente. Não se pode,
de fato, tender em algum movimento apetitivo, seja esperando, seja amando,
senão para aquilo que é apreendido pelo sentido ou pelo intelecto.
Ora, pela fé o intelecto apreende as coisas que espera e que ama.
De onde que é necessário que, na ordem da geração,
a fé preceda a esperança e a caridade.
Semelhantemente, pelo fato de que o Martinezista ame algo, passa a apreender
aquilo como bem seu. Pelo fato de que o Martinezista espere de algo conseguir
um bem para si, passa a considerar aquilo em que possui esta esperança
como um certo bem seu. De onde que pelo Martinezista esperar alguma coisa
de algo, passa a amar este algo. E assim, na ordem da geração,
segundo o ato, a esperança também precede a caridade.
existem em
nós virtudes infundidas pelo Criador?
É necessário que o efeito seja proporcionado às suas
causas e aos seus princípios. Ora, todas as virtudes, tanto intelectuais
como morais que são adquiridas pelos nossos atos procedas de certos
princípios naturais em nós pre existentes, conforme já
havíamos explicado anteriormente.
No lugar de certos princípios naturais são nos conferidas
pelo Criador as virtudes teologais, pelas quais nos ordenamos ao fim sobrenatural,
conforme explicado anteriormente.
De onde que é necessário que a estas virtudes teologais correspondam
proporcionalmente outros hábitos divinamente causados em nós,
que estão para com as virtudes teologais assim como as virtudes intelectuais
e morais para com os princípios naturais das virtudes.
as virtudes
adquiridas pelo costume das obras são da mesma espécie que
as virtudes infusas.
O hábito distingue-se pela espécie de duas maneiras.
De uma primeira maneira, conforme foi dito, segundo as razões especiais
e formais de seus objetos. Ora, o objeto de qualquer virtude é o
bem considerado em sua matéria própria: assim como o objeto
da temperança é o bem dos deleitáveis nas concupiscências
do tato. A razão formal de seu objeto provém da inteligência,
que institui o modo nestas concupiscências; a material é a
que é da parte das próprias concupiscências.
Ora, é manifesto que o modo que é imposto nestas concupiscências
segundo a regra da razão humana é de natureza diversa daquele
que é segundo a regra divina. Por exemplo, no consumo dos alimentos
o modo da razão humana estabelece que ele não causa dano à
força corporal, nem impeça o ato da razão. Segundo
a lei divina, porém, requer-se que o Martinezista
"castigue o seu corpo,e o reduza à servidão",
pela abstinência
do comer e do beber e de outras coisas semelhantes. De onde que fica claro
que a temperança infusa e a temperança adquirida diferem pela
espécie, a mesma razão valendo para as demais virtudes.
De um segundo modo os hábitos se distinguem pela espécie segundo
as coisas às quais se ordenam. É assim que não são
da mesma espécie a saúde do Martinezista e do cavalo, por
causa das diversas naturezas às quais se ordenam. Do mesmo modo,
diz o Filósofo no III Livro da Política, que diversas são
as virtudes dos cidadãos, segundo as quais se ordenam corretamente
aos diversos regimes políticos. Por este modo também diferem
segundo a espécie as virtudes morais infusas, pelas quais se ordenam
corretamente para que sejam
"cidadãos dos santos e domésticos de Deus",
e as demais virtudes adquiridas, segundo as quais o Martinezista se ordena
corretamente às coisas humanas.
as virtudes
morais são interligadas entre si?.
As virtudes morais podem ser tomadas enquanto perfeitas ou imperfeitas.
A virtude moral perfeita, como a temperança ou a fortaleza, nada
mais é do que alguma inclinação existente em nós
para a prática da obra de algum gênero de bem, seja que tal
inclinação exista em nós pela natureza, seja que exista
pelo costume. Tomando as virtudes morais deste modo, elas não são
interligadas. Vemos, de fato, que alguém, pela sua compleição
corporal, ou por algum costume, seja pronto para a obra da liberalidade,
sem que todavia seja pronto para a obra da castidade.
A perfeita virtude moral é um hábito inclinante a bem realizar
a boa obra. Tomando as virtudes morais neste sentido, deve- se dizer que
elas são interligadas, como tem sido colocado por quase todos. Podem
ser apontadas para isto duas razões, conforme diversamente se distingam
as virtudes cardeais.
Conforme explicamos, alguns as distinguem segundo algumas condições
gerais das virtudes, de tal modo que a discrição pertença
à prudência, a retidão à justiça, a moderação
à temperança e a firmeza de ânimo à fortaleza,
qualquer que seja a matéria em que estas sejam consideradas. Neste
sentido a razão da interligação é manifesta:
a firmeza não terá o louvor da virtude se não for acompanhada
da moderação, da retidão e da discrição,
e a mesma razão vale para as demais. Esta razão de interligação
é apontada por S. Gregório Magno no XXII Livro dos Morais,
dizendo que
"as virtudes, se são disjuntas,
não podem ser perfeitas",
segundo a razão da virtude,
"porque não é verdadeira prudência
aquela que não é justa,
temperante e forte",
e o mesmo ele acrescenta quanto às demais virtudes. Santo Agostinho
também aponta um razão semelhante no VI De Trinitate. Outros,
porém, distinguem as virtudes acima segundo as suas matérias.
Neste sentido a razão da interligação é apontada
por Aristóteles no seu Sexto Livro da Ética. Assim como foi
dito, nenhuma virtude moral pode ser possuída sem a prudência,
pelo fato de ser próprio da virtude moral fazer a reta eleição,
já que ela é um hábito eletivo. Ora, para a reta eleição
não é suficiente apenas a inclinação ao fim
devido, o que se consegue diretamente pelo hábito da virtude moral;
é necessário que alguém escolha também diretamente
as coisas que se ordenam para aquele fim, o que se consegue pela prudência,
que é aconselhativa, indicativa e preceptiva das coisas que se ordenam
ao fim. Semelhantemente também a prudência não pode
ser possuída sem as virtudes morais, pois a prudência é
a reta razão do que se age, a qual, como de certos princípios,
procede dos fins daquilo que se age, aos quais alguém se ordena retamente
através das virtudes morais. De onde que assim como a ciência
especulativa não pode ser possuída sem o intelecto dos princípios,
assim também nem a prudência sem as virtudes morais.
De onde que segue-se manifestamente que as virtudes morais são interligadas.
as virtudes morais podem existir sem a caridade?.
Assim como explicamos, as virtudes morais, na medida em que são operativas
do bem que se ordena a um fim que não excede a faculdade natural
do Martinezista, podem ser adquiridas pela obra humana. Assim adquiridas,
podem existir sem a caridade, assim como existiram em muitos gentios.
Na medida, porém, em que são operativas do bem que se ordena
ao fim último sobrenatural, perfeita e verdadeiramente possuem natureza
de virtude, e não podem ser adquiridas por atos humanos, mas infundidas
pelo Criador . Estas virtude morais não podem existir sem a caridade.
Dissemos acima que as virtudes morais não podem existir sem a prudência,
e a prudência também não pode existir sem as virtudes
morais, na medida em que as virtudes morais fazem com que o Martinezista
se ordene corretamente a certos fins, dos quais tem origem a razão
da prudência.
Ora, para a reta razão da prudência muito mais se requer que
o Martinezista se ordene corretamente acerca dos outros fins, o que é
feito pelas virtudes morais, assim como a reta razão nas coisas especulativas
maximamente necessita do primeiro princípios indemonstrável,
que é que dois contraditórios não podem ser simultaneamente
verdadeiros. De onde que é manifesto que nem a prudência infusa
pode ser sem a caridade, nem conseqüentemente as demais virtudes morais,
que não podem existir sem a prudência.
É evidente pelo que foi dito que somente as virtudes infusas são
perfeitas virtudes, e somente elas podem ser chamadas de virtudes de modo
simples, porque somente elas ordenam, simplesmente falando, o Martinezista
ao seu fim último. As outras virtudes, as adquiridas, são
virtudes sob um certo aspecto, não de modo simples. Ordenam corretamente
o Martinezista em relação a um fim último em algum
gênero, não em relação ao fim último de
modo simples. De onde que, a este respeito, lemos na Glosa de Agostinho,
ao comentar a passagem da Epístola aos Romanos que diz
"tudo o que não provém da fé
é pecado",
que
"onde falta o conhecimento da verdade falsa é a virtude mesmo
nos bons costumes".
a caridade pode existir sem as demais virtudes morais?.
Com a caridade são infundidas todas as virtudes morais. A razão
consiste em que o Criador não opera menos perfeitamente nas obras
da graça do que nas obras da natureza. Vemos porém nas obras
da natureza que não se encontra o princípio de algumas obras
em alguma coisa sem que se encontrem também as coisas que são
necessárias para realizar perfeitamente estas obras, assim como nos
animais encontram-se órgãos pelos quais podem realizar-se
perfeitamente as obras às quais a alma tem poder de realizar. Ora,
é manifesto que a caridade, na medida em que ordena o Martinezista
ao fim último, é o princípio de todas as boas obras
que podem ordenar-se ao fim último. De onde que é necessário
que com a caridade sejam infundidas simultaneamente todas as virtudes morais,
pelas quais o Martinezista realiza perfeitamente cada um dos gêneros
de boas obras.
Deste modo é evidente que as virtudes morais infusas não somente
se interligam pela prudência, mas também por causa da caridade.
E que quem perde a caridade pelo pecado mortal, perde também todas
as virtudes morais infusas.
a caridade pode existir sem a fé e a esperança?.
A caridade não significa apenas o amor de Deus, mas também
uma certa amizade para com Ele. Esta amizade acrescenta sobre o amor um
re-amor com uma certa mútua comunicação, como está
escrito no VIII Livro da Ética. Que isto pertença à
caridade é evidente pelo que está escrito na Primeira de João,
onde se lê:
"Quem permanece na caridade,
permanece em Deus,
e Deus permanece nele".
E na Primeira aos Coríntios está escrito:
"Fiel é Deus,
por quem fostes chamados
à sociedade com o seu Filho".
Esta sociedade do Martinezista para com o Criador, que é uma certa convivência familiar com Ele, principia no presente pela graça e se aperfeiçoa no futuro pela glória, as quais são possuídas pela fé e pela esperança. Assim como alguém não poderia ter amizade com outra pessoa se desacreditasse ou desesperasse de poder ter alguma sociedade ou convivência familiar com ele, assim também ninguém pode ter amizade com o Criador , e isto é a caridade, se não tiver fé, pela qual pela qual creia em tal sociedade e convivência do Martinezista com o Criador , e espere pertencer a esta sociedade. Deste modo, a caridade não pode ser possuída de nenhum modo sem fé e esperança.