Os
diferentes e distintos infernos.
Saint Martin
Infelizmente é verdadeiro afirmar que o Homem pode, por atos impróprios e falsas contemplações, acender em si um fogo prejudicial tanto ao próprio Homem quanto a todas as regiões em que terá que exercer o seu ministério; pois tudo é poder, e é a força respectiva dos diferentes poderes que fabrica todo o perigo, sofrimento e a assustadora oposição de todas as criaturas que combatem umas as outras aqui neste plano.
Primeiro, quando deixamos de viver nossa verdadeira vida, ou seja, tão
logo deixamos de nos apoiar na região fundamental de nosso pacto
primitivo, aprendemos que há uma espécie de inferno passivo,
que pode, contudo, ser chamado de inferno divino, já que, para nós,
é como o esforço da vida real contra a inércia ou o
vazio onde descendemos através da indolência.
Mas se formos além, e ao invés de repousarmos na região
de nosso pacto primitivo, nos apoiarmos ou nos unirmos às regiões
desordenadas ou viciosas, rapidamente chegaremos a um inferno mais ativo,
que possui dois níveis: em um destes níveis, devemos ordenar
todas aquelas paixões que nos liga mais ou menos ao serviço
de nosso inimigo; o outro é a exata porção ou estado
do diabo propriamente dito, e aqueles que se identificam com ele.
O primeiro nível deste inferno ativo envolve, por assim dizer, todo
o gênero humano, e, neste ponto de vista, talvez não há
um único homem que não realize, diariamente, a obra do diabo,
e quem sabe aquela de muitos diabos ao mesmo tempo; apesar que, neste nível,
os Homens realizam tal obra sem ao menos suspeitarem disto, sem conhecimento.
Isto porque ela não mostra a menor correspondência por parte
do demônio, a ponto de manter todos os Homens a seu serviço,
e de fazê-los executar tudo o que é possível, e ainda
ao fingir tão bem e ao se manter atrás das cortinas, ele faz
os homens agirem ao seu bel prazer, e os fazem até mesmo acreditarem
que ele não existe.
Este inimigo, sendo espírito, dirige todo pensamento a um ponto fora
da mente do homem, ao levá-lo de ilusão a ilusão, pois
ele realmente trabalha o Homem no espírito, enquanto parece estar
agindo somente na ordem externa das coisas; isto porque o Homem, que é
espírito, apresenta naturalmente o caráter de sua própria
existência ilimitada a tudo o que ele aborda.
O inimigo, a quem o Homem serve cegamente, o conduz por este caminho até
o túmulo, com projeções e paixões sem fim, ludibriando-o
tanto na sua existência transitória como em sua real existência;
está é também a razão pela qual a Sabedoria
Eterna com, a qual devemos sempre residir, é obrigada a se afastar
da morada infectada do Homem.
Como, de fato, a Sabedoria Eterna poderia habitar entre os Homens? vendo
como servem um mestre que não conhecem, e em quem não acreditam;
e vendo que, em sua cegueira, julgam uns aos outros, corrompem uns aos outros,
roubam uns aos outros, lutam e matam uns aos outros. Todos estes movimentos
turbulentos A enchem de medo, Ela que fora ordenada a observar e habitar
exclusivamente a paz, a ordem e a harmonia.
No segundo nível deste inferno ativo, os homens também servem
o diabo, mas não inconscientemente, como antes; eles não mais
estão na dúvida ou na ignorância de sua existência;
eles participam, consciente e ativamente, em suas iniquidades. Felizmente,
esta classe de traidores é a minoria, de outro modo o mundo teria
afundado sob o peso das abominações do inimigo.
O divino, ou o inferno passivo, compreende toda região de sofrimento,
exceto aquela da iniqüidade. Ali, portanto, a angústia sucede
a angústia, como as ondas do mar. Mas, ali também, uma onda
engole a outra e nenhuma tem domínio completo. Por esta razão,
a esperança ainda é, de tempos em tempos conhecida neste inferno.
No primeiro nível do inferno ativo, não há, em princípio,
espiritualmente, nem angústia nem esperança; não há
nada além de ilusão; mas sob esta ilusão está
o abismo, que rapidamente faz a veemência de seu remorso amargo ser
sentido.
No segundo nível deste inferno ativo, não há nada além
da iniqüidade, não há nem esperança, nem ilusão;
ali, a unidade do mal é inquebrável.
Embora permanecer nos caminhos dolorosos do inferno divino seja algo desagradável,
está à mercê da Sabedoria Divina permitir que os homens
que se lançaram ali, permaneçam por pouco tempo. Se eles não
fossem mantidos ali, nunca saberiam ou esqueceriam que mesmo lá os
poderes ainda são divinos. Sim, este inferno se torna uma das fontes
de nossa salvação, nos ensinando a tremer diante dos poderes
de Deus, e regozijar, ainda mais, ao compará-los com o Seu amor.
A Sabedoria Suprema permite também que nada sobre este inferno, e
nem sobre os dois níveis do inferno ativo, seja escondido do homem
de desejo; visto que ele deve ser instruído em cada ramo conectado
a seu ministério, já que ele, posteriormente terá que
dar assistência a outros; mesmo àqueles que, apesar de ainda
viverem, possam ter se afundado ou se naturalizado neste abismo ou inferno
ativo.
Pois a existência destes membros ambulantes do demônio é
um dos assustadores delírios que o trabalhador do Senhor deve conhecer;
esta é a parte mais dolorosa de seu ministério. Mas para o
profeta ser investido, ele não deve, como Ezequiel, engolir o livro
escrito por dentro e por fora;? isto significa que ele deve ser preenchido
com lamentações abundantes.
Sim, Deus permite até mesmo que Seus profetas sejam testados pelo
Maléfico, para que aprendam a sentir por seus irmãos no cativeiro
e redobrem seu ardor pela promulgação da lei.
Assim, para o trabalhador do senhor cumprir seu destino, que o conclama
a ser espiritualmente útil a seus semelhantes, acima de todas as
coisas é necessário abster-se de cair no inferno ativo; mas,
além disso, é preciso trabalhar para se livrar do inferno
passivo ou divino, se é que ele o tem abordado, descuidadamente;
pois, enquanto estiver lá, não pode ser empregado na obra
de modo algum.
É somente na medida em que ele se livra deste inferno passivo que
as riquezas do pacto divino entram nele, podendo então vivificar
outros homens, vivos e mortos. Com isto, o homem se torna não só
o órgão de louvor (admiração), mas, até
mesmo, de algum modo, seu objeto, quando manifesta aquelas maravilhas inexauríveis
com as quais seu coração pode se expandir abundantemente;
as quais, de fato, podem sair dele, assim como vemos toda espécie
de maravilhas brilhantes que se desprendem ou surgem da luz no instante
em que se acendem de sua fonte de fogo