O
Espírito Martinista
J. Bricaud: Notice historique sur le Martinisme.
Nova Edição, 1934, pág. 7.
Saint-Martin foi Franco-Maçom, foi Elu-Cohen e aderiu ao Mesmerismo; prestou-se, de boa mente, aos ritos e aos usos destas sociedades; conduziu-se como membro irrepreensível de fraternidades iniciáticas. Mas este comportamento representa uma época de sua vida. Vimos como o temperamento de Saint-Martin e toda a sua formação o afastavam do caminho exterior. Podemos entender, tanto as operações teúrgicas ou mágicas visando resultados sensíveis, como as associações maçônicas ou ocultistas, nos seios das quais elas são praticadas. Quando Saint-Martin solicitou a sua exclusão dos registros da Franco-Maçonaria, onde, somente figurava nominalmente, exprimiu seu desejo e sua convicção de conservar seus graus Cohen. Mas a idéia que até então fazia dos Elus-Cohen, parece bem próxima de sua concepção pessoal da Ordem iniciática. O verdadeiro elo entre os irmãos, é um elo moral e espiritual.
Também vimos Saint-Martin repudiar a sociedade, desculpar-se de haver
fundado uma: "Minha seita é a Providência; meus prosélitos,
sou eu, meu oculto é a Justiça".(55)
Mas, o Teósofo, sabia também que os seus profundos conhecimentos
lhe impunham uma missão. Sabia auxiliar os homens que o cercavam,
proporcionar-lhes conselhos, tentar insuflar-lhes o Espírito. Por
possuir o "alimento espiritual", os "aspirantes" se
lhe aproximavam.
Assim o círculo íntimo de Saint-Martin se constituiu de discípulos
escolhidos e de amigos fiéis.
Somente o valor intelectual e o zelo pela busca da Verdade, permitiam ingressar
nessa sociedade. Nem a idade, nem a posição social eram levadas
em consideração, as mulheres eram convidadas a participar.
"A alma feminina não sai da mesma fonte que aquela revestida
de um corpo masculino? Não tem ela a mesma tarefa a cumprir, o mesmo
espírito a combater, os mesmos frutos a esperar?" (56) Entretanto,
recomendava Saint-Martin, insisto na opinião de as mulheres devem
ser em pequeno número e, acima de tudo, escrupulosamente examinadas".
(57) Talvez seja necessário procurar aí, a razão deste
aforismo de Portrait: "A mulher me parece ser melhor que o homem, mas,
o homem me parece mais verdadeiro do que a mulher". (58) Finalmente,
colhemos no que diz respeito às mulheres, uma delicada e graciosa
observação de Saint-Martin. Ela ajudará também,
a reconstituir a atmosfera do Martinismo, segundo a vontade de seu fundador.
"As grandes verdades só se ensinam bem no silêncio, enquanto
que toda a necessidade das mulheres é que se fale, e que elas falem;
então tudo se desorganiza como já o provei várias vezes".
A personalidade do Filósofo Desconhecido, tal como se manifesta nas
suas obras e em seus atos, impede atribuir à sua sociedade um aspecto
rígido, solidamente organizado e hierarquizado. Ninguém crê
mais na autenticidade do rito maçônico, dito de Saint-Martin.
E a única ação importante do Teósofo, no seio
da Maçonaria, foi tentar quebrar a armadura das Lojas regulares,
dispersar seus membros e arrastá-los, na sua corrida para o Absoluto,
para fora, dos quadros e dos agrupamentos.
Admitamos, pois, que os discípulos de Saint-Martin, formavam antes
uma espécie de "clube", do que uma verdadeira sociedade
iniciática. Admitamos que o elo que ligava esses discípulos
ao Mestre e entre si, eram de natureza espiritual. Resta saber o que se
fazia nessa escola e como se trabalhava nela; o que transmitia o Mestre
e como se era admitido na cadeia. Estas duas últimas frases nos parecem
resumir a finalidade e o princípio da sociedade de Saint-Martin,
nela instruía, mas também conferia uma iniciação,
no sentido exato do termo.
Sobre a maneira de Saint-Martin instruir, possuímos um testemunho
de primeira mão, são as explicações dadas por
Saint-Martin a um discípulo que o interpela. São as inestimáveis
cartas a Kirchberger, barão de Liebisdorf. A primeira carta de Kirchberger,
solicitava alguns esclarecimentos sobre o autor e o fundamento "Dos
Erros e da Verdade". O Filósofo de Amboise lhe respondeu cortesmente,
e assim nasceu uma troca de idéias que durou quatro anos. Encontramos
ao longo das páginas, um apreciável número de concessões
doutrinárias. A que descobertas convida a belíssima parábola
do jardineiro! E quais revelações, Saint-Martin não
hesita comunicar! O Filósofo Desconhecido, na sua primeira obra,
esboçara alegoricamente o estado do homem antes da queda. O homem
original, nela se lia, tirava todo o seu poder da posse de uma lança
maravilhosa, composta de quatro metais diferentes. Saint-Martin não
oculta até que ponto é importante descobrir a verdadeira natureza
dessa lança simbólica. E responde, assim, a Kirchberger, que
lhe reclama o segredo: "A lança composta de quatro metais não
é outra coisa do que o grande nome de Deus, composto de quatro letras".
Pode-se exigir algo mais claro? Compreendemos a fecundidade das relações
do Mestre e dos discípulos, quando uma tal vontade de ensinar, anima
aquele que sabe. A seqüência da revelação feita
a Kirchberger sobre a significação metafísica da lança,
mostrará ainda, Saint-Martin orientando aqueles que o solicitam.
Liebisdorf, com efeito, tirou desse símbolo, conclusões demasiado
arbitrárias. Comparou, por exemplo, a liga dos quatro metais com
os quatro evangelistas. Saint-Martin taxou tais conclusões de "convencionais"
e, escreveu a Kirchberger "que os quatro evangelistas são, talvez,
cinqüenta"
Assim se exerce o primeiro ministério do Filósofo Desconhecido
entre os membros de sua Ordem; repara e enriquece sua inteligência.
Ele lhes expõe sua verdadeira doutrina. Acrescentemos, também,
a essas demonstrações, as técnicas místicas,
as chaves cabalísticas de meditação, de respirações
que Saint-Martin ensinava a seu grupo. O barão de Turkhein, acreditava
que várias passagens dos "Erros e da Verdade", "eram
tiradas literalmente" das Parthes, obra clássica dos Cabalistas.
Não existe uma parte da Cabala que pode ser intitulada "a yoga
do Ocidente"? Tais eram alguns ensinamentos transmitidos por Saint-Martin
aos membros de sua Sociedade. O que dissemos da concepção
Martinista da "Ordem iniciática", deixa bem entendido a
possibilidade de ser Martinista, sem estar materialmente, socialmente, ligado
a Saint-Martin. Certamente é fácil se mostrar Martinista,
como esses homens superficiais que Mercier descreve no seu "Tableau
de Paris" e que fazem do Filósofo Desconhecido, uma moda. Não
há nenhuma necessidade de ligar-se à "Ordem Martinista".
Pode-se ter aderido à doutrina instaurada pelo Teósofo de
Amboise, colocá-la em prática, esforçar-se em seguir
o caminho que ele indica, sem ter recebido a iniciação por
meio de outro iniciado. Ou por outra, extrapolemos a noção
da Ordem Martinista. A religião cristã julga salvos todos
que se incorporam a ela pelo "batismo do desejo". Será
preciso ver o Martinismo recusar a iniciação do Homem Espírito
a todo "Homem de Desejo"? Reconheçamos, todavia, que a
iniciação ritual é o meio mais comum e o mais fácil
de ingressar na "Ordem Martinista". Ela proporciona a todo aquele
que a recebe, uma poderosa ajuda. Um auxílio místico, em primeiro
lugar, dos Irmãos passados ou presentes na comunhão dos quais,
nos permite entrar, mais facilmente. Ajuda moral e também material
dos membros contemporâneos. Auxílio intelectual pelo socorro
que solicita no estudo da doutrina, seja por trabalhos em comum, seja pela
voz dos adeptos mais adiantados, seja, principalmente, pelas tradições
dos quais esses adeptos são o reflexo e que dormem no seio da Ordem,
não esperando senão um Príncipe, cujo amor virá
despertá-los. Mas, a iniciação possui em si mesma um
valor exato. Saint-Martin instruía os membros de sua sociedade, dessa
sociedade que a história confirmou-nos a sobrevivência através
dos séculos. Mas, o Filósofo Desconhecido lhes dava também,
um misterioso viático, uma chave mais estranha do que as clavículas:
a iniciação. Extraordinário encanto do influxo Divino
que emana de suas mãos, que faz o sacerdote ou o adepto, que dá
o poder ou a facilidade das ciências. Virtude mágica ao limite
extremo do natural e do sobrenatural. Prodigioso e impalpável auxiliar
que se dá sem dividir-se, que se transmite de homem a homem; guarda
seu efeito próprio e infalível, mas não desenvolve
inteiramente seu poder, senão no espírito pronto a conservá-lo.
Singular fascinação dessa corrente sutil, desse fluído
vital que anima o membro do corpo místico.
Saint-Martin soube discernir o papel da iniciação e entendeu
que seu mecanismo não ultrapassava "as leis da natureza corporal".
"Vós tendes razão, escrevia a Willermoz, de crer que
a nossa sorte depende de nossas disposições pessoais, tendes
ainda razão de crer que o grau... dá ao iniciado um caráter,
nada é mais verdadeiro que a perfeita harmonia dessas duas coisas
e não deve ter um efeito real que, sem dúvida, aumenta com
o tempo, pelas instruções e pelos cuidados que cada um pode
acrescentar-lhe".
Louis Claude de Saint-Martin transmitiu a seus discípulos o depósito
da iniciação, a fim de que germine naquele que é digno
de recebê-lo e que purifique aquele que ainda não o é.
"Se o poder da iniciação não opera sensivelmente
pela visão, opera, não obstante, infalivelmente, como preservativo
e prepara a forma daquele que se mantém puro, para receber instruções
salutares quando o espírito o julga conveniente".
Assim, sem aventais e sem fitas, sem vaidade e sem orgulho, a iniciação
que Saint-Martin confere à sua Ordem, será a primeira etapa
da única iniciação, da iniciação última,
"a santa aliança que só se pode contrair após
uma perfeita purificação".