A
reintegração universal
"Nada pode repousar em si mesmo, a menos que retorne para o lugar de
onde saiu..."
(Jacob Boehme: "Misterium Magnum", Resumo Final).
Sabemos que a reintegração do Cosmos, de todas as Criaturas
espirituais ou materiais é o fim último da Alquimia verdadeira.
Segundo a tradição rosacruciana autêntica, em efeito,
o Universo todo se degradou com o Homem, seu guardião inicial. Há,
no Gênesis, uma frase à qual se dá pouca atenção
nos meios cristãos ordinários. Hei-la aqui:
"Doravante, o solo ( ) não produzirá nada além de
espinhos e cardos, a Terra será maldita por causa de ti..."
(Gênesis: III, 17, 18).
Esta frase evoca certamente o hylé dos gnósticos, que designavam
a matéria prima do Mundo inferior, do Universo. No Grego antigo, a
palavra hylé era utilizada para designar o bosque, a mata, a floresta,
inexplorada. Este termo se opõe ao Éden Bíblico, palavra
que significa um jardim, e por extensão, oriente a luz. Adão
estava primitivamente no Éden, mas após sua queda moral, tendo
desejado conhecer o Bem e o Mal, o Éden se transformou no Hylé.
Da mesma forma que ele havia se revestido de folhas (sua integração
no plano vegetal), depois de peles de animais (sua integração
no plano animal) (Gênesis: II, 7 e II, 21), assim também o Éden
se cristaliza e se obscurece. Ao jardim de luz, situado num "plano"
superior, sucede um Universo material, tenebroso, no qual todos os elementos
se densificam e se materializam.
Escutemos aqui a Louis-Claude de Saint-Martin:
"Homem, o mal é ainda muito grande. Não diga mais que o
Universo está sobre o seu leito de dores, diga: o Universo está
sobre seu leito de morte, e é a ti que restam os seus últimos
deveres; é a ti que cabe reconciliá-lo com a Fonte Pura de onde
ele caiu, Fonte esta, que não é Deus, mas é um dos eternos
órgãos de Sua Potência, e do qual o Universo jamais deveria
ter se separado. É a ti que cabe reconciliá-lo com ela, purgando-o
de todas as substâncias impuras das quais ele não cessa de se
impregnar desde a Queda, e purificá-lo de haver passado todos seus
dias na vaidade..."
(L. C. de Saint-Martin: "Ministério do Homem Espírito").
"Aprendei aqui um segredo imenso e terrível: Coração
do Homem, tu és o único caminho por onde o Rio da Mentira e
da Morte se introduz diariamente sobre a Terra... Coração do
Homem, quantos séculos levarás para tirar de ti esta estranha
larva que te infecta? Compreendei os esforços dolorosos e lancinantes
que fazem os mortais para vomitar essa semente de morte? Choras, pois o Coração
do Homem, que devia ser o obstáculo das Trevas e do Mal ( ), tornou-se
a luz da abominação e o guia do Erro... Choras, pois o Mal encontra
fechadas todas as saídas, e se reduz a vagar cegamente na espessa noite
de suas tenebrosas Cavernas..."
(L.C. de Saint Martin: "O Homem de Desejo").
Os Mestres misteriosos que suscitaram primeiramente a Martinez de Pasqually,
lhe confiaram as chaves da regeneração universal, como veremos
mais tarde. A seguir, eles suscitaram L.C. de Saint Martin, seu discípulo
mais próximo, e lhe confiaram a chaves da reconciliação
individual. Mas, evidentemente, é inútil ater-se ao problema
da regeneração do Universo e de seus componentes, se nós
não conduzimos uma ação semelhante e paralela dentro
de nós mesmos!
Entretanto, como já foi visto, tudo se acha harmoniosamente neste conjunto.
E nós reencontramos novamente a venerável ciência que
nos guiou nas páginas anteriores, e que se limita à regeneração
no mundo metálico.
A Alquimia tende a reproduzir, nesta miniatura do Universo que é o
matraz, a ação do Artesão Universal, tomando os elementos
desorganizados e corrompidos, harmonizando-os e amalgamando-os, para conduzi-los
até à perfeição final. Assim, por esse ensinamento
experimental, esta Operação de longo cozimento que constitui
a Grande Obra aurífera, coloca seu discípulos na condição
de seguir, e reproduzir todo o processo misterioso pelo qual o Animador Divino
joga seu "jogo de Amor". Tal é, verdadeiramente, o magistério
filosófico por excelência, pois é somente a Alquimia que
pode ensinar ao Homem esses rudimentos experimentais e probatórios
que o conduzirão para a Certeza Absoluta. E é ela também,
a mestra verdadeira que lhe dará, primeiramente uma gnose, depois uma
fé.
As técnicas dos Elus-Cohen de Martinez de Pasqually comportam três
elementos distintos:
a) Dos Exorcismos, destinadas a jugular a ação demoníaca
do seio do Cosmo, e a entravar sua ação sobre os homens, a romper
seu poder sobre o Operador e seus discípulos, a obter o fim ou a limitação
de certos flagelos, a aniquilar as Operações de Magia Negra;
b) Das Conjurações, destinadas a estabelecer um contato com
o Mundo Angélico e com a Comunhão dos Santos; Nestes últimos,
o Operador escolhe "patronos" particulares, e no Mundo Angélico,
Guardiães e Guias. Conforme suas Ordenações sucessivas,
o Cohen toma pouco a pouco contato com as Hierarquias cada vez mais elevadas.
O primeiro sendo o dos apelos, para usar de um exemplo utilizado pelo próprio
Pasqually, destinados a permitir ascender a Seres crescentemente mais elevados.
c) Das Preces, dirigidas a Deus, as três Pessoas da Santíssima
Trindade, destinadas a obter Sua Graça e Sua Misericórdia, visando
a Reintegração. Elas são integradas nos rituais conjuratórios,
que precedem, as quais são destinadas a canaliza-las e amplia-las.
O conjunto constitui o que Pasqually nomeava o "culto", sendo, portanto,
uma liturgia.
O conjunto deste "culto" compreende dez tipos de Operações:
1) Culto de Expiação: O Homem manifesta seu arrependimento,
tanto de suas próprias faltas, quanto da Queda do Protótipo
inicial, o Adão Primordial, córrego do coro das Almas Preexistentes.
Derivando uma ascese e um ritual penitencial. (Sephira: Malkut) .
2) Culto da Graça Particular geral: Operações destinadas
a substituir o conjunto da Humanidade terrestre do momento, e fazê-la
participar dos frutos da Operação individual. (Sephira: Yesod).
3) Culto de Operação contra os Demônios: Em torno da degradação
inicial, no princípio dos tempos, estes tendem a manter e agravar seu
jugo sobre a Humanidade total. Pelos Exorcismos (as célebres Operações
de equinócio), o Cohen os combate e os lança fora da aura terrestre.
(Sephira: Hod).
4) Culto de Prevaricação e de Conservação: Continuação
do precedente. Esta Operação consiste em combater e punir os
seguidores da magia negra, da feitiçaria, e, sobretudo, castigar os
Espíritos Decaídos que são seus colaboradores. (Sephira:
Netzah).
5) Culto contra a Guerra: O homicídio é o maior dos crimes,
o homicídio coletivo é evidentemente o mais grave. O Cohen luta
contra as Potências da Raiva entre as Nações e tenta detonar
sua ação. Em caso de impossibilidade, utiliza os recursos de
sua Teurgia na defesa da parte injustamente agredida, ou na qual representa
indiscutivelmente o direito moral superior, fora de qualquer interesse político
ou material. (Sephira: Tiphereth).
6) Culto de Oposição aos Inimigos da Lei Divina: Operação
teúrgica objetivando lutar contra as ações humanas difusoras
do ateísmo, satanismo, luciferismo, sob a forma igualmente humana.
(livros, revistas, propaganda, seitas, etc...). (Sephira: Geburah).
7) Culto para obter a descida do Espírito-Santo: Operação
visando a infusão do Espírito-Santo e de seus Dons. É
mais especificamente a "Via Interior", estudada nestas páginas,
a Alquimia Espiritual. (Sephira: Hesed).
8) Culto de fortalecimento da Fé e da Perseverança na Virtude
Espiritual divina: Operação visando a compreensão dos
Mistérios Divinos, compreensão permitindo ao Emule de afirmar
sua fé de maneira absoluta e definitiva. (Sephira: Binah).
9) Culto para a fixação do Espírito Conciliador Divino
em Si: É a recepção total do Espírito-Santo, a
descida "das línguas de fogo do Pentecostes", a iluminação
final, com os privilégios que ela comporta. Podemos lhe aplicar as
palavras do sacramentário católico romano, na sagração
de bispo: "Dai-lhe, Senhor, de ser o artesão da Reconciliação,
em palavras e obras, pela potência dos Signos e dos prodígios...".
( Sephira : Hocmah)
10) Culto de Consagração anual de todas as Operações
ao Criador: Esta parte compreende o conjunto das consagrações,
benções, etc... Pelas quais o Operador tenta sacralizar o conjunto
das ações humanas suscetíveis de ser [consagrados]. Em
virtude do princípio mesmo da Reintegração Universal,
todo ato deve ser inserido em um quadro visando precisamente este objetivo.
Daí a benção dos frutos da terra, das colheitas, dos
animais domésticos, dos ritos religiosos ou iniciáticos, a constituição
dos sacramentários, etc...
Viu-se por esta exposição sucinta, que as Operações
do Martinezismo (para usar o neologismo criado por Papus), são paralelas
as cerimonias religiosas (1) por possuírem os mesmos objetivos