A
Oração
Annie Bresan
O que é
algumas vezes chamado de "o espírito moderno" é
excessivamente antagônico à oração, falhando
em ver qualquer nexo causal entre a petição e a ocorrência
de um evento, ao contrário do espírito religioso, fortemente
ligado a ela, e que encontra sua própria vida na oração.
Mas mesmo o homem religioso às vezes se sente desconfortável
a respeito do mecanismo da oração; estaria ele ensinando ao
Todo-sábio, estaria solicitando benefícios do Todo-bondade,
estaria ele alterando a Vontade d'Aquele "em quem não há
variação, nem sombra de desvio"? (Tiago, I, 17). Embora
ele encontre em sua própria experiência e na de outros a "resposta
às preces" - uma seqüência definida de pedido e atendimento.
Muitas pessoas não se referem a experiências subjetivas, mas
a fatos concretos do chamado mundo objetivo. Um homem reza por dinheiro,
e no correio lhe vem a quantia requerida; uma mulher reza por comida, e
alguma comida lhe é entregue na porta. Em conexão a atos de
caridade, existe uma pletora de evidências de ajuda conseguida em
casos de necessidades urgentes quando solicitada em preces, e da pronta
e generosa resposta. Por outro lado, também há uma abundância
de evidência de preces deixadas sem atendimento; de famintos definhando
de fome até a morte, de crianças roubadas dos braços
de suas mães pelas doenças, a despeito dos mais passionais
apelos a Deus.
E não é tudo. Há muitos fatos nesta experiência
que são estranhos e confusos. Uma prece que talvez seja trivial encontra
uma resposta, enquanto que outra a respeito de um assunto importante falha;
um pequeno problema é aliviado, enquanto que uma oração
proferida para salvar um ser apaixonadamente amado não tem resposta.
Parece quase impossível para o estudante comum descobrir a lei de
acordo com a qual uma oração é ou não eficaz.
A primeira coisa necessária ao buscarmos entender esta lei é
analisar a própria oração, pois a palavra empregada
para abranger várias atividades da consciência, e as orações
não podem ser abordadas como se formassem um todo simples. Existem
preces que são pedidos para vantagens definidamente mundanas, para
o suprimento de necessidades físicas - orações por
comida, roupa, dinheiro, emprego, sucesso nos negócios, recuperação
de doenças, etc. Estas podem ser agrupadas como Classe A. Depois
temos as preces por ajuda em dificuldades morais ou intelectuais e para
o crescimento espiritual - para a superação de tentações,
para fortalecimento, para discernimento, por iluminação. estas
podem ser agrupadas como Classe B. Enfim, há as preces que não
pedem nada, que consistem em meditação e adoração
da perfeição divina, na intensa aspiração de
união com deus - o êxtase do místico, a meditação
do sábio, o rapto alado do santo. Esta é a verdadeira "comunhão
entre o Divino e o humano", quando o homem derrama-se em amor e veneração
por AQUILO que é inerentemente atraente, que compele o amor do coração.
Estas chamaremos de Classe C.
Nos mundos invisíveis existem muitos tipos de inteligências
que entram em relacionamento com o homem, uma verdadeira escada de Jacó,
por onde os Anjos sobem e descem, e acima de todos fica o próprio
Senhor (Gênesis, XXVIII, 12-13). Algumas destas Inteligências
são grandes Poderes espirituais, outras são seres excessivamente
limitados, inferiores ao homem em consciência. Este lado oculto da
natureza - sobre o qual logo falaremos no Capítulo XII - é
um fato reconhecido por todas as religiões. O mundo está todo
cheio de coisas vivas, invisíveis aos olhos de carne. Os mundos invisíveis
interpenetram o visível, e multidões de seres inteligentes
se amontoam à nossa volta de todos os lados. Alguns deles são
acessíveis a solicitações humanas, e outras são
submissíveis à vontade humana. O Cristianismo reconhece a
existência das classes superiores de Inteligências sob o nome
genérico de Anjos, e ensina que eles são espíritos
ministrantes, "enviados para ministra" (Hebreus, I 14), mas qual
é seu ministério, qual a natureza de seu trabalho, qual sua
relação com os seres humanos, tudo isto fazia parte das instruções
dadas nos Mistérios Menores, assim como a verdadeira comunicação
com eles era efetuada nos Maiores, mas nos dias modernos estas verdades
caíram na obscuridade, exceto o pouco que é ensinado nas comunhões
Grega e Romana. Pois para a Protestante o "Ministério dos Anjos"
é pouco mais que uma frase. Além disso, o próprio homem
é um constante criador de seres invisíveis, pois as vibrações
de seus pensamentos e desejos cria formas de matéria sutil cuja única
vida é o pensamento ou desejo que as anima; assim ele cria um exército
de servos invisíveis, que se movem nos mundos invisíveis procurando
atender à sua vontade. Ainda, naqueles mundos existem auxiliares
humanos, que enquanto seus corpos físicos estão dormindo trabalham
em seus corpos sutis, cujo ouvido atento pode ouvir um grito por socorro.
E coroando tudo há a onipresente e onisciente Vida do próprio
Deus, potente e responsiva em todos os pontos de Seu reino, Ele, sem cujo
conhecimento nem um pardal cai ao solo (Mateus, X, 29), nem uma criatura
muda freme de alegria ou dor, nem uma criança ri ou soluça
- esta Vida e Amor todo-penetrante, todo-abrangente, todo-sustentadora,
na qual vivemos e nos movemos (Atos, XVII, 28). Assim como nada que pode
dar prazer ou dor pode afetar o corpo humano sem que nervos sensórios
levem a mensagem de seu impacto até os centros cerebrais, e assim
como lá daqueles centros vibra uma resposta que acolhe ou repele,
do mesmo modo, toda vibração no universo, que é Seu
corpo, toca a consciência de Deus, e provoca uma ação
responsiva. Células nervosas, feixes nervosos e fibras musculares
podem ser os agentes da sensação e do movimento, mas é
o homem que sente e age; igualmente miríades de inteligências
podem ser os agentes, mas é Deus que as conhece e responde. Nada
pode ser pequeno o bastante para não afetar aquela delicada consciência
onipresente, e nada pode ser vasto o bastante para transcendê-la.
Somos tão limitados que a própria idéia de uma consciência
todo-abrangente assim nos dá vertigem e confunde; talvez uma mosca
pudesse ficar igualmente perplexa se tentasse avaliar a consciência
de Pitágoras. O Professor Huxley, em uma passagem notável,
imaginou a possibilidade da existência de seres ascendendo tão
alto em inteligência, a consciência sempre em expansão,
e atingindo um estágio tão acima do humano como o humano está
acima do besouro (T.H.Huxley, Essays on Some Controverted Questions, p.
36). Isto não é um vôo de imaginação científica,
mas a descrição de um fato. Existe um Ser cuja consciência
está presente em cada ponto de Seu universo, e portanto pode ser
afetado de todos os pontos. Esta consciência não é apenas
vasta em seu campo, mas é ainda inconcebivelmente aguda, não
diminuída em sua capacidade de responder por que se estende em uma
vasta área em todas as direções, mas sendo mais responsiva
do que uma consciência mais limitada, mais perfeita em entendimento
do que uma mais restrita. Longe de ser o caso de que quanto mais exaltado
Ser mais difícil seria alcançar Sua consciência, mas
o exato inverso é a verdade. Quanto mais exaltado o Ser, mais facilmente
Sua consciência é afetada.
Mas esta Vida todo-penetrante está em toda parte usando como canais
todas as vidas corporificadas a que deu origem, e qualquer uma delas pode
ser usada como um agente daquela Vontade onisciente. A fim de que esta Vontade
possa se expressar no mundo externo, deve ser encontrado um meio de expressão,
e estes seres, em proporção à sua receptividade, oferecem
os canais necessários, e se tornam os obreiros intermediários
entre um ponto e outro do cosmos. Eles agem como os nervos motores de Seu
corpo, e executam a ação requerida.
Analisemos as classes em que dividimos as orações, e vejamos
os métodos pelos quais elas podem ser atendidas.
Quando um homem faz uma prece da Classe A existem vários meios pelos
quais sua prece pode ser atendida. Um tal homem é simples em sua
natureza, com uma concepção de Deus natural, o que é
inevitável em seu grau de evolução; ele considera Deus
como provedor de suas próprias necessidades, em contato íntimo
e imediato com suas necessidades diárias, e ele se volta para Ele
por seu pão diário tão naturalmente como uma criança
se voltaria para seu pai ou mãe. Um exemplo típico é
o caso de George Müller, de Bristol, antes de ser conhecido pelo mundo
como filantropo, quando estava começando seu trabalho caritativo,
e estava sem amigos e sem dinheiro. Ele orava por comida para as crianças
que não tinham recursos exceto sua bondade, e sempre vinha dinheiro
suficiente para as necessidades imediatas. O que acontecia? Sua prece era
um desejo forte e enérgico, e aquele desejo criava uma forma, da
qual ele era a vida e a energia dirigente. esta criatura viva a vibrante
só possuía uma idéia, a idéia que a animava
- é preciso ajuda, é preciso comida - e ela vasculha o mundo
invisível, procurando. Um homem caridoso deseja dar ajuda aos necessitados,
está à procura de uma oportunidade de dar. Assim como o ímã
atrai o ferro, igualmente assim uma pessoa funciona para uma forma de desejo
como aquela, e a forma é atraída para ela. Ela desperta no
cérebro da pessoa uma vibração idêntica à
sua - George Müller, seu orfanato, suas necessidades - e ela vê
o canal para seu impulso caridoso, assina um cheque, e o envia. Muito naturalmente,
George Müller diria que Deus inspirou ao coração daquele
indivíduo dar a ajuda necessária. No sentido mais profundo
das palavras, assim é, uma vez que não existe vida ou energia
em Seu universo que não provenha de Deus; mas o agente intermediário,
de acordo com as leis divinas, é a forma de desejo criada pela oração.
O resultado poderia ser obtido igualmente bem através de um deliberado
exercício da vontade, sem qualquer oração, por uma
pessoa que entende o mecanismo envolvido e o modo de colocá-lo em
operação. Um homem destes pensaria claramente no que necessita,
atrairia para si o tipo de matéria sutil mais adequada ao seu propósito,
para revestir o pensamento, e por um deliberado exercício da vontade
a enviaria ou para uma pessoa definida para apresentar sua vontade, ou para
vasculhar as redondezas e ser atraída por uma pessoa caritativamente
disposta. Aqui não existe prece, mas um exercício consciente
da vontade e do conhecimento.
No caso da maioria das pessoas, contudo, ignorante das forças dos
mundos invisíveis e desabituadas a exercitar suas vontades, e sem
a concentração da mente e o ardente desejo que são
necessários para uma ação bem-sucedida, são
muito mais facilmente atraídas pela oração do que por
um deliberado esforço mental para aplicar sua própria força.
Elas duvidariam de seu poder, mesmo se entendessem a teoria, e a dúvida
é fatal ao exercício da vontade. Que a pessoa não entenda
o mecanismo que aciona não afeta em nada o resultado. Uma criança
que estende sua mão e pega um objeto não precisa entender
nada do trabalho dos músculos, nem das alterações elétricas
e químicas desencadeadas nos músculos e nervos pelo movimento,
nem precisa calcular elaboradamente a distância do objeto medindo
o ângulo feito pelos eixos ópticos; ela quer pegar a coisa
que deseja, e o aparato do seu corpo obedece sua vontade embora ela sequer
saiba de sua existência. Assim se passa com o homem que reza, desconhecedor
da força criativa de seu pensamento, da criatura viva que enviou
para cumprir sua ordem. Ele age inconscientemente como a criança,
e como a criança obtém o que quer. Em ambos os casos Deus
é igualmente o Agente primordial, vindo d'Ele todo o poder; em ambos
os casos o verdadeiro trabalho é feito pelo aparato provido por Suas
leis.
Mas este não é o único modo pelo qual uma prece desta
classe é respondida. Alguém temporariamente fora do corpo
físico e trabalhando nos mundos invisíveis, ou um Anjo que
passa, podem ouvir o grito por socorro, e podem então colocar no
cérebro de alguma pessoa caridosa o pensamento de enviar a ajuda
requerida. "pensei em Fulano esta manhã", dirá uma
pessoa assim. "Arrisco dizer que um cheque lhe seria útil".
Muitas preces são atendidas desta forma, e o elo entre a necessidade
e o ser que a atende é alguma inteligência invisível.
Isto é parte do ministério dos Anjos inferiores, e assim eles
suprirão necessidades pessoais, e igualmente levarão ajuda
a empreendimentos caridosos.
A falha na prece desta classe é devida a uma outra causa oculta.
Todos os homens contraíram débitos que devem ser pagos; seus
pensamentos errôneos, seus desejos impróprios e ações
erradas construíram obstáculos em seu caminho, e ás
vezes até mesmo o tolhem como se estivesse dentro dos muros de uma
prisão. Um débito de mal é pago com sofrimento, um
homem deve suportar as conseqüências dos erros que fez. Um homem
condenado a morrer de fome pelas suas próprias más ações
no passado pode bradar suas preces contra este destino em vão. A
forma de desejo que ele criou irá procriar mas não vai encontrar,
ela será bloqueada e desfeita pela corrente do mal passado. Aqui,
como em tudo, estamos vivendo em um reino de lei, e forças podem
ser modificadas ou inteiramente frustradas pela atuação de
outras forças com que entram em contato. Duas forças exatamente
similares poderiam ser aplicadas para duas bolas exatamente iguais; em um
dos casos, uma força poderia ser aplicada na bola, e ela poderia
alcançar a marca desejada; no outro, uma segunda força poderia
atingir a bola e deixá-la completamente fora de curso. Do mesmo modo
com duas preces similares; uma pode ir até seu objetivo desimpedida
e produzir seu efeito; a outra poderia ser desviada pelas forças
muito mais poderosas de um erro passado. Uma prece é atendida, a
outra, não; mas em ambos os casos o resultado segue a lei.
Consideremos as orações da Classe B, por ajuda em dificuldades
morais e intelectuais têm um resultado duplo; atuam diretamente para
atrair a ajuda, e reincidem na pessoa que ora. Elas atraem a atenção
dos Anjos, ou dos discípulos trabalhando fora do corpo, que estão
sempre procurando ajudar a mente desolada, lançando na consciência
cerebral conselho, encorajamento, iluminação, dando assim
uma resposta à prece do modo mais direto. "E Ele ajoelhou-Se
e rezou... e apareceu um Anjo do céu, confortando-O" (Lucas,
XXII, 42-43). São sugeridas idéias que clareiam uma dificuldade
intelectual, ou lançam luz sobre algum obscuro problema moral, ou
é derramado o mais doce conforto sobre o coração sofrido,
suavizando suas perturbações e acalmando suas ansiedades.
E na verdade, se mesmo nenhum Anjo estiver passando, aquele grito, o grito
do sofredor alcançaria o "Coração Oculto do Céu",
e um mensageiro seria enviado para levar conforto, algum Anjo, sempre pronto
a voar célere ao sentir o impulso, trazendo a vontade divina de ajudar.
Há também o que é chamado às vezes de resposta
subjetiva a tais orações, a reação da prece
sobre quem a profere. Sua oração coloca seu coração
e mente em atitude receptiva, e isso pacifica sua natureza inferior, e assim
permite à força e poder iluminador do superior fluir desimpedida.
As correntes de energia que normalmente fluem para baixo, ou para fora,
do Homem Interno, são, como regra, dirigidas para o mundo externo,
e são usadas nos assuntos comuns da vida pela consciência cerebral,
para o desempenho de suas atividades diárias. Mas quando esta consciência
cerebral afasta-se do mundo externo, e fechando suas portas externas, dirige
seu olhar para dentro, quando deliberadamente fecha-se para o externo e
abre-se para o interno, então se torna um vaso capaz de receber e
guardar, em vez de ser apenas um canal entre os mundos interior e exterior.
No silêncio obtido pela cessação dos ruídos das
atividades externas, a "voz ainda fraca" do Espírito pode
se fazer ouvir. e a atenção concentrada da mente expectante
lhe permite captar o suave sussurro do seu Eu Interno.
A ajuda vem ainda mais nítida de fora e de dentro quando a prece
é por iluminação espiritual, por crescimento espiritual.
Não apenas todos os auxiliares, angélicos e humanos, avidamente
procuram estimular o progresso espiritual, colhendo cada oportunidade oferecida
pela alma aspirante, mas o anelo por tal crescimento libera energia de um
tipo elevado, e o anelo espiritual suscita uma resposta do reino espiritual.
Mais uma vez a lei de vibração simpática se impõe,
e a nota de elevada aspiração é respondida por uma
nota de seu próprio tipo, pela liberação de energia
de seu próprio tipo, por uma vibração sincrônica
consigo mesma. A Vida divina está sempre pressionando de cima contra
os limites que a tolhem, e quando a força ascendente encontra aqueles
limites a partir de baixo, a parede de separação é
derrubada, e a Vida divina enche a Alma. Quando um homem sente o influxo
de vida espiritual, ele grita: "Minha prece foi atendida, e Deus mandou
Seu Espírito ao meu coração". Assim é em
verdade, embora ele raramente entenda que aquele Espírito está
sempre procurando entrar, mas aquele que O procura não O recebe (João,
I, 11). "Ouvi, eu estou à porta e bato: se algum homem ouve
minha voz e abre a porta, eu entro" (Apocalipse, III, 20).
O princípio geral a respeito de todas as preces desta classe é
que a resposta virá, da vida mais vasta de dentro e de fora, na exata
proporção da submissão da personalidade e da intensidade
da aspiração ascendente. Nós separamos a nós
mesmos. Se acabássemos com a separação e nos fizéssemos
unos com o maior, teríamos aquela luz e vida e força fluindo
dentro de nós. Quando a vontade separada é desviada de seus
próprios objetivos e se dispõe a servir os propósitos
divinos, então a força do Divino se derrama. À medida
em que um homem luta contra a corrente, ele faz pequeno progresso; mas quando
nada a favor, é levado com toda a força da correnteza. Em
todo departamento da Natureza as energias divinas estão atuando,
e tudo que um homem faz ele o faz por meio das energias que estão
atuando na linha ao longo da qual ele deseja agir; suas maiores conquistas
são realizadas não por suas próprias energias, mas
pela habilidade com que ele seleciona e combina as forças que o auxiliam,
e neutraliza as que se opõe a ele com aquelas que lhe são
favoráveis. Forças que nos carregariam como folhas no vento
se tornam nossos mais eficazes servidores quando trabalhamos com elas. Então
admira que na prece, assim como em tudo mais, as energias divinas se associem
com o homem que, pela oração, procura trabalhar como parte
do Divino?
A forma mais elevada de prece da Classe B imerge quase imperceptivelmente
na Classe C, onde a prece perde seu caráter peticional e se torna
ou uma meditação sobre, ou uma adoração a Deus.
Meditação é a constante fixação tranqüila
da mente em Deus, por onde a mente inferior é aquietada e logo deixada
vacante, para que o Espírito, escapando dela, erga-se em contemplação
da Perfeição divina, e reflita em si mesmo a imagem divina.
"A meditação é a prece silenciosa ou não
pronunciada, ou como Platão expressou: 'a ardente sintonização
da Alma em direção ao Divino; não para pedir qualquer
bem em particular (como no sentido comum da prece), mas pelo bem em si,
pelo Bem Supremo Universal' " (H.P.Blavatsky, Key to Theosophy, p.
10)
Esta é a oração que, pela liberação do
Espírito, é o meio de união entre homem e Deus. Pela
atuação das leis do pensamento um homem se torna o que ele
pensa, e quando ele medita nas perfeições divinas ele gradualmente
reproduz em si mesmo aquilo onde sua mente se fixa. Uma tal mente, moldada
sobre o superior e não sobre o inferior, não pode prender
o Espírito, e o Espírito livre, ascendendo á sua fonte,
abandona a prece na união e deixa a separatividade para trás.
O culto também, o rapto de adoração de onde está
ausente todo o pedido, e que procura derramar-se em puro amor pelo Perfeito,
embora fracamente percebido, é um meio - o mais fácil - de
unir-se a Deus. Aqui a consciência, limitada pelo cérebro,
contempla em êxtase mudo a imagem que cria d'Aquele que se sabe estar
além da imaginação, e muitas vezes, raptado na intensidade
de seu amor além dos limites do intelecto, o homem como um Espírito
liberto voa para o alto até os reinos onde estes limites são
transcendidos, e sente e sabe muito mais do que em seu retorno ele poderá
contar em palavras ou cingir numa forma.
Assim o Místico contempla a Visão Beatífica; assim
o Sábio descansa na calam da Sabedoria que está além
do conhecimento; assim o Santo alcança a pureza onde Deus é
visto. Tal prece irradia o adorador, e da montanha de tão elevada
comunhão desce até os planos da Terra, com a própria
carne brilhando com a glória superna, translucente à chama
que arde no interior. Feliz daqueles que conhecem a realidade que nenhuma
palavra pode expressar àqueles que não a conhecem. Aqueles
cujos olhos viram "o Rei em Sua formosura" (Isaías, XXXIII,
17) lembrarão, e vão entender.
Quando a prece é entendida assim, sua perene necessidade para todos
os que acreditam na religião ficará patente, e vemos por quê
esta prática tem sido tão advogada por todos os que estudam
a vida superior. Pois a oração do estudante dos Mistérios
Menores deveria ser dos tipo reunidos na Classe B, e ele deveria tentar
se elevar até à pura meditação e adoração
da última classe, evitando todos os tipos inferiores. É útil
para ele neste ponto o ensinamento de Jâmblico, pois ele diz que a
oração "produz uma sagrada e indissolúvel união
com os Deuses", e então passa a dar alguns detalhes interessantes
sobre a prece, como considerada pelo Ocultista praticante. "Pois é
em si uma coisa digna de ser conhecida, e torna mais perfeita a ciência
a respeito dos Deuses. Digo, portanto, que a primeira espécie de
oração é Coletiva; ela também é a que
guia o contato com e o conhecimento da divindade. A segunda espécie
é o vínculo da Comunhão consensual, desencadeando,
antes que a energia da fala, os dons concedidos pelos Deuses, e aperfeiçoando
o todo de nossas operações antes do que nossas concepções
intelectuais. E a terceira e mais perfeita espécie de oração
é o selo da União inefável com as divindades, em quem
ela estabelece todo o poder e autoridade da prece, e faz com que a alma
repouse nos Deuses, como num porto infalível. Mas destes três
tipos, onde todas as proporções divinas estão incluídas,
a adoração suplicante não só concede a amizade
dos deuses, mas supernamente oferece-nos três frutos, como se fossem
os Pomos de ouro das Hespérides. O primeiro pertence à iluminação;
o segundo à uma comunhão de operações, mas através
da energia do terceiro recebemos um plenitude de fogo divino... Nenhuma
operação, contudo, em assuntos sagrados pode ser bem-sucedida
sem a intervenção da prece. Enfim, o contínuo exercício
da prece nutre o vigor de nosso intelecto, e torna o receptáculo
da alma muito mais capaz para as comunicações dos Deuses.
Do mesmo modo é a chave divina que abre ao homem a intimidade com
os Deuses; acostuma-nos aos esplêndidos rios de luz superna; em breve
espaço de tempo aperfeiçoa nossos mais recônditos recessos,
e os dispõe para o abraço e contato inefáveis dos Deuses;
e não desiste antes que nos leve ao topo de tudo. Gradual e silenciosamente
direciona para cima os modos de nossa alma, desviando-a de tudo o que é
alheio à natureza divina, e reveste-nos das perfeições
dos Deuses. Além disso, produz uma indissolúvel comunhão
e amizade com a divindade, alimenta uma amor divino, e inflama a parte divina
da alma. O que quer que haja de oposto e contrário na natureza da
alma, ele o expia e purifica; expele o que quer que seja inclinado à
geração e não retém nada das escórias
da mortalidade em seu espírito esplêndido e etéreo;
aperfeiçoa uma esperança e fé positivas a respeito
da recepção da luz divina e, em uma palavra, torna aqueles
por quem é empregada os familiares da casa dos Deuses" (On the
Mysteries, seç., V, cap. 26).
Deste estudo e prática surge um resultado inevitável, à
medida em que um homem comece a entender e à medida que um panorama
maior da vida se desdobre diante dele. Ele vê que pelo conhecimento
sua força é muito aumentada, que há forças ao
seu redor que ele pode entender e controlar, e que o seu poder está
na proporção de seu conhecimento. Então ele aprende
que a Divindade está escondida em si mesmo, e que nada que é
passageiro pode satisfazer o Deus interior; que somente a união com
o Uno, o Perfeito, pode aplacar seus desejos, e então gradualmente
nasce dentro dele a vontade de alinhar-se com o Divino; ele cessa de procurar
com veemência as circunstâncias passageiras, e de lançar
causas novas na corrente de efeitos. Ele se reconhece como um agente antes
do que como um ator, um canal antes do que uma fonte, um servo antes do
que um mestre, e procura descobrir o propósito divino e trabalhar
em harmonia com ele.
Quando um homem atingiu este ponto, ele se elevou acima de toda prece, exceto
daquela que é meditação e adoração; ele
já não tem nada pelo que pedir, neste ou em qualquer outro
mundo; ele permanece em uma serenidade constante, procurando apenas servir
a Deus. Este é o estado da Filiação, onde a vontade
do Filho é una à vontade do Pai, onde é feita uma calma
entrega, "Eis, eu venho para cumprir Tua vontade. Agrada-me fazê-lo;
sim, Tua lei está em meu coração" (Salmo XI, 7-8).
Então toda prece é vista como sendo desnecessária;
todo o pedido é sentido como impertinência; nada pode ser desejado
pois ainda não estará nos propósitos daquela Vontade,
e tudo será trazido à manifestação ativa à
medida em que os agentes daquela Vontade se aperfeiçoarem no trabalho.