Os dogmas cabalísticos.
(Extraídos
da coleção dos Cabalistas de Pistorius)
Eliphas Levy
1 Novem sunt
hierarchioe. Nove é o número hierárquico. É
o que explicamos no capítulo precedente.
2 Schema misericordiam dicit, sed et jtidicium. O nome divino significa
misericórdia porque quer dizer julgamento. O infinito, exercendo
seu poder sobre o finito, deve necessariamente punir para corrigir, e não
para se vingar. As forças do pecado não excedem as do pecador,
e se o castigo era maior que a ofensa, o punidor tornado algoz seria o verdadeiro
criminoso, completamente indesculpável e ele mesmo digno apenas de
um eterno suplício. O desmedidamente torturado, engrandecido pelo
infinito da pena, tornar-se-ia Deus, e é o que os antigos representaram
por Prometeu, que, imortalizando as mordeduras de seu abutre, deve destronar
Júpiter.
3 Peccatum Adoe fuit truncatio Malchub ab arbore sephirotica. O pecado de
Adão é Malchuth caído da árvore sefirótica.
Para ter uma existência pessoal e independente, o homem teve que se
separar de Deus. É o que acontece no nascimento. Uma criança
que vem ao mundo é um espírito que se separa do seio de Deus
para vir gozar o fruto da árvore da ciência e desfrutar da
liberdade. É por isso que Deus lhe dá uma túnica de
carne. Ela é condenada à morte pelo próprio nascimento,
27 que é seu pecado; mas, por esse pecado que a emancipa, ela força
Deus a resgatá-la e se torna o conquistador da verdadeira vida que
não existe sem a liberdade. 4 Cum arbore peccati Deus creavit seculum.
A árvore do pecado foi o instrumento da criação do
mundo. As paixões do homem o estimulam ao combate da vida; mas o
arrastariam à sua ruína se ele não tivesse razão
para vencê-las e dominá-las. É dessa forma que se criou
nele a virtude que é a força moral, e as tentações
são necessárias para isso. Porque a força só
se produz em razão da resistência. É assim que, segundo
o Zohar, Deus para criar o relativo abriu um buraco no absoluto. O tempo
parece uma lacuna na eternidade e está dito na Bíblia que
Deus arrependeu-se de ter feito o homem. Ora, só nos arrependemos
de um erro, e a criação é, por assim dizer, o pecado
do próprio Deus.
5 Magnus aquilo fons est animarum. O grande aquilão é a fonte
das almas. A vida tem necessidade de calor. Os povos emigram do norte para
o sul e as almas inertes têm sede de atividade. É para encontrar
essa atividade que vêm ao mundo. Elas têm frio em sua inação
primitiva, porque sua criação está inacabada. O homem
deve cooperar com sua criação. Deus o inicia, mas ele próprio
deve se terminar. Se não tivesse que nascer e nem morrer, ele dormiria
absorvido na eternidade de Deus e jamais seria o conquistador de sua própria
imortalidade. 6 Coelum est Keter. O céu é Kether (a Coroa).
Os cabalistas não têm nome para designar o monarca supremo,
só falam da coroa que prova a existência do rei e dizem aqui
que esta coroa é o céu. 7 Animoe e tertio lumine ad quartam
descendunt, inde ad quintam ascendunt. Dies unus. Post mortem noctem subintrant.
As almas filhas da terceira luz descem até a quarta, depois se elevam
até a quinta, e é um dia. Quando a morte chega é a
noite. Em Deus, como na humanidade, o número três exprime a
geração, o amor; é a terceira pessoa ou concepção
divina, é o que o cabalista pretende exprimir por essa terceira luz,
de onde descem as almas para chegar à quarta, que é a vida
natural e elementar. De lá elas devem se elevar à quinta,
que é a estrela pentagramática, o símbolo da quintessência,
o símbolo da vontade que dirige os elementos. Em seguida ele compara
uma existência a um dia seguido de uma noite para fazer pressentir
um despertar seguido de uma existência nova.
8 Sex dies geneseos sunt sex litteroe Bereschith. Os seis dias da Gênese
são as seis letras da palavra. t y c a d b 9 Paradisus est arbor
Sephiricus. In medio magnus Adam est Tiphereth. O paraíso é
a árvore Sefirótica; o grande Adão que está
no meio é Tiphereth.
10 Quatuor flumina ex uno fonte. In medio unius sunt sex et dat decem. As
quatro fontes do Éden saem de uma fonte no meio da qual há
seis, e ao todo somam dez. Esses três artigos significam que a história
do paraíso terrestre é uma alegoria. O paraíso terrestre
é a verdade sobre a terra. A descrição que a Bíblia
faz desse jardim contém os números sagrados da Cabala. A história
da criação de mundo, que precede a descrição
do Éden, é menos uma narração do que um símbolo
que exprime as leis eternas da criação, cujo resumo está
contido nas seis letras hieroglíficas da palavra t y c a d b 11 Factum
fatum quia fatum verbum est. Um fato é uma fatalidade porque uma
fatalidade é uma razão. Uma razão suprema dirige tudo
e não há fatalidade: tudo o que é devia ser. Tudo o
que acontece deve acontecer. Um fato concluído é irrevogável
como o destino; mas o destino é a razão da inteligência
suprema.
12 Portoe jubiloeum sunt. As portas são um jubileu. Há cinqüenta
portas da ciência segundo os cabalistas, isto é, uma classificação
geral em cinco séries de dez ciências particulares que formam
juntas a ciência geral e universal. Depois de percorrer todas essas
séries, entra-se na jubilação do verdadeiro saber,
representada pelo grande jubileu que ocorre a cada cinqüenta anos.
13 Abraham semper vertitur ad austrum. Abraão volta-se sempre em
direção ao vento do sul. Isto é, em direção
ao vento que traz a chuva. As doutrinas de Abraão, ou seja, da Cabala,
são doutrinas sempre fecundas. Israel é o povo das idéias
reais e do trabalho produtivo. Conservando o depósito da verdade
sofrida com uma admirável paciência, trabalhando com uma rara
sagacidade e uma incansável atividade, o povo de Deus deve conquistar
o mundo. 14 Per additionem He Abraham genuit. É pela adição
de He que Abraão tornou-se pai. Abraão se chamava primeiramente
Abram. Deus acrescenta, diz a Bíblia, um He a seu nome anunciando-lhe
que ele seria pai da multidão. O He é a letra feminina do
tetragrama divino. Representa o verbo e sua fecundidade, é o signo
hieroglífico da realização. O dogma de Abraão
é absoluto e seu princípio é essencialmente realizador.
Os judeus em religião não sonham, eles pensam, e sua ação
tende sempre à multiplicação, tanto da família
como de riquezas que mantêm a família e lhe permitem crescer.
15 Omnes ante Mosem per unicornem prophetaverunt. Todos os profetas que
antecederam Moisés só juraram pelo unicórnio. Entende-se
por isso que só viram um lado da verdade. O chifre, no simbolismo
hebreu, significa o poder, e sobretudo o poder do pensamento. O unicórnio,
animal fabuloso que só tem um chifre no meio da fronte, é
a figura do ideal; o touro ao contrário ou o querube é o símbolo
da força que está na realidade. É por isso que Júpiter,
Ammon, Osíris, Ísis, são representados com dois chifres
na fronte; é por esse motivo que Moisés também é
representado com dois chifres, dos quais um é a trombeta do Verbo
e o outro o chifre da abundância.
28
16 Mas et foemina sunt Tiphereth et Malchuth. O homem e a mulher são
a beleza de Deus e seu reino. A beleza revela Deus. A natureza se mostra
filha de Deus porque é bela. Diz-se que o belo é o esplendor
da verdade e esse esplendor ilumina o mundo, ele tem sua razão de
ser. Esse belo é o ideal, mas esse ideal só é verdadeiro
quando se realiza. O ideal divino é como o marido da natureza, é
ele que a torna amorosa e que a faz tornar-se mãe. 17 Copula cum
Tiphereth et generatio tua benedicetur. Despose a suprema beleza e tua geração
será abençoada. Se o casamento é santo, a posteridade
será santa. Os filhos nascem viciosos quando são concebidos
no pecado. É necessário apurar e enobrecer o amor para santificar
o casamento, Se os seres humanos ao se aproximarem cederem a um instinto
que têm em comum com os animais gerarão animais em forma humana.
O verdadeiro casamento une ao mesmo tempo as almas, os espíritos
e os corpos, e os filhos que provêm serão abençoados.
18 Doemon est Deus inversus. O diabo é Deus invertido. O diabo não
é senão a antítese de Deus, e se pudesse ter uma existência
real, Deus certamente não existiria. O diabo é mentiroso como
seu pai, disse Jesus. Ora, qual é o pai do diabo? O pai do diabo
é a mentira. O diabo nega o que Deus afirma. A conseqüência
disso é que Deus nega o que o diabo ousa afirmar. O diabo afirma
sua própria existência, e Deus, fazendo sempre triunfar o bem,
dá a Satã um desmentido eterno. 19 Duo erunt unum. Quod intra
est fiet extra e nox sicut dies illuminabitur. Dois farão apenas
um. O que está dentro se produzirá fora e a noite será
iluminada como o dia. Deus e a natureza, a autoridade e a liberdade, a fé
e a razão, a religião e a ciência, são princípios
eternos que ainda não estão conciliados. Eles existem, no
entanto, e como não se podem destruir mutuamente, é necessário
que se conciliem. O modo de conciliá-los é tentar distingui-los
bem e equilibrar um pelo outro. A sombra é necessária à
luz. São as noites que marcam e medem os dias. Que a mulher não
procure mais se fazer homem e que o homem jamais usurpe o império
da mulher, mas que ambos se unam para se completar. Quanto mais a mulher
é mulher, mais ela merece o amor do homem; quanto mais o homem é
homem, mais ele inspira confiança à mulher. A razão
é o homem; a fé é a mulher. O homem deve deixar à
mulher seus mistérios, a mulher deve deixar ao homem essa independência
que ele ama a ponto de sacrificar-se por ela. Que o pai jamais discuta os
direitos da mãe no seu domínio maternal; mas que a mãe
jamais atente à soberania paternal do homem. Quanto mais se respeitarem
um ao outro, mais estreitamente se unirão. Eis a solução
do problema. 20 Poenitentia non est verbum. Arrepender-se não é
agir. A verdadeira penitência não consiste nem nos lamentos
nem nas lágrimas. Quando se percebe que se faz mal é preciso
voltar-se imediatamente a fazer bem. De que adianta, se me coloquei num
caminho errado, bater no peito e começar a chorar como uma criança
ou como um covarde? É preciso voltar sobre meus passos e correr para
recuperar o tempo perdido.
21 Excelsi sunt aqua australis et ignis septemtrionalis et proefecti eorum.
Sile. A água é a rainha no Sul e o fogo no Norte. Guarda silêncio
sobre esse arcano. Guardemos silêncio, visto que os mestres o ordenam.
Acrescentemos somente à sua fórmula estas palavras que podem
servir para explicá-la: A harmonia resulta da analogia dos contrários;
Os contrários são governados pelos contrários através
da harmonia; O rei das harmonias é o mestre da natureza. 22 In principio,
id est in Chocmah. No começo, isto é, pela sabedoria. A sabedoria
é o princípio de tudo o que existe eternamente, tudo começa
e termina por ela, e quando a Escritura sagrada fala de um começo,
designa a sabedoria eterna. No começo era o Verbo, isto é,
na sabedoria eterna estava o Verbo. Supor que Deus decidiu criar após
uma eternidade de inércia, é supor dois enormes absurdos:
1.º uma eternidade que acaba; 2.º um Deus que muda. A palavra
Bereschit que começa a Gênese significa literalmente na cabeça,
ou pela cabeça, isto é, no pensamento, que em Deus está
a sabedoria eterna.
23 Vioe oeternitatis sunt triginta duo. Há trinta e duas vias que
conduzem ao Eterno. As trinta e duas vias são os dez números
e as vinte e duas letras. Aos dez números se unem idéias absolutas,
como a unidade ao ser; a dois, o equilíbrio; a três, a geração,
etc. As letras representam os números em hebreu, e as combinações
de letras dão combinações de números e também
de idéias que seguem com exatidão as evoluções
dos números; isso faz da filosofia oculta uma ciência exata
que se poderia chamar a aritmética do pensamento. O livro oculto
que serve a essas combinações é o Tarô, composto
de vinte e duas figuras alegóricas das letras e dos números
e de quatro séries de dez contendo os símbolos análogos
às quatro letras do nome divino, o Schema tetragramático.
Essas séries podem reduzir-se cada uma a nove, visto que só
há, com efeito, nove algarismos, e que o número dez é
a repetição da unidade. Quatro vezes nove são trinta
e seis, número dos talismãs de Salomão, e sobre cada
talismã havia dez nomes misteriosos, o que dá os setenta e
dois nomes do Schema hamphorasch. Mirville pergunta a quem persuadiremos
dizendo que o Tarô com suas figuras pagãs é o Schema
hamphorasch dos rabinos. Não queremos persuadir ninguém. Estamos
em condições de prová-lo a quem quiser ter o trabalho
de estudá-lo conosco. É verdade que as figuras pagãs,
egípcias, etc., não pertencem ao judaísmo ortodoxo.
O Tarô existia na Índia, no Egito e mesmo na China, no mesmo
tempo que entre os hebreus. Aquele que chegou até nós é
o Tarô samaritano. As idéias são judaicas, mas os símbolos
são profanos e se aproximam muito dos hieróglifos do Egito
e do misticismo da Índia.
24 Justi aquoe, Deus mare. Os justos são as águas. Deus é
o mar. Todas as águas vão para o mar e todas voltam, mas todas
as águas não são o mar. Assim, os espíritos
vêm de Deus e retornam a 29 Deus, mas não são Deus.
O espírito universal, o universo vivo, o ídolo do panteísmo,
não é Deus. O ser infinito animado de uma vida infinita revela
Deus e não é Deus. Como princípio do ser e dos seres,
Deus não poderia ser assimilado nem a um ser nem a nenhum dos seres.
O que é então Deus? É o incompreensível sem
o qual não se compreende nada. É aquele que a fé afirma
sem vê-lo para dar uma base à ciência. É a luz
invisível da qual toda luz visível é a sombra. É
aquilo com que o gênio humano sonha eternamente sentindo que ele próprio
não é senão o sonho de seu sonho. O homem faz Deus
à sua imagem e semelhança e exclama: É assim que Deus
me fez. É assim que Deus se fez homem. É assim que Deus se
fez Deus. Procuremos Deus na humanidade e encontraremos a humanidade em
Deus.
25 Angeli apparentiarum sunt volatiles coeli et animantia. Os pássaros
do céu e os animais da terra são os anjos da forma exterior.
Os animais são inocentes e vivem de uma vida fatal; são os
escravos da natureza exterior e inferior, como os anjos são os servos
da natureza divina e superior; portam as figuras analíticas do pensamento
que se sintetiza no homem; representam as forças específicas
da natureza; vieram ao mundo antes do homem para anunciar ao mundo a vinda
próxima do homem e são os auxiliares de seu corpo como os
anjos do céu são os auxiliares de sua alma. O que está
em cima é como o que está embaixo e o que está embaixo
é como o que está em cima. A série distribui a harmonia
e a harmonia resulta da analogia dos contrários. 26 Litteroe nominis
sunt Danielis regna. As letras do tetragrama são os reinos de Daniel.
Os animais de Ezequiel representam as forças celestes e os de Daniel
representam os poderes da terra. Há quatro animais, segundo o número
de elementos e de pontos cardiais. O Éden de Moisés, jardim
circular dividido em quatro por quatro rios que correm de uma fonte central,
o plano circular de Ezequiel (circum duxit me in gyro) vivificado pelos
quatro ventos e o oceano de Daniel cujo horizonte circular é dividido
por quatro animais, são símbolos análogos uns aos outros
e estão contidos nas quatro letras hieroglíficas que compõem
o nome de Jeovah. 27 Angelus sex alas habens non ttransformatur. O anjo
que tem seis asas jamais se transforma. O espírito perfeitamente
equilibrado não muda. Os céus simbólicos são
em número de três: o céu divino, o céu filosófico
e o céu natural. As asas da verdadeira contemplação,
as do pensamento iluminado e as da ciência conforme o ser, eis as
seis asas que dão a estabilidade aos espíritos e que os impedem
de se transformar.
28 Litteroe sunt hieroglyphicoe in omnibus. As letras sagradas são
hieróglifos completos que exprimem todas as idéias. De modo
que pelas combinações dessas letras, que são também
números, obtêm-se combinações de idéias
sempre novas e rigorosamente exatas como operações aritméticas,
o que é a maior maravilha e a suprema potência da ciência
cabalística. 29 Absconde faciem tuam et ora. Cobre tua face para
orar. É costume dos judeus, para orar com mais recolhimento, envolver
suas cabeças com um véu, a que chamam thalith. Esse véu
é originário do Egito e assemelha-se ao de Ísis. Ele
significa que as coisas santas devem ser ocultas aos profanos e que cada
um deve contar somente a Deus pensamentos secretos de seu coração.
30 Nulla res spiritualis descendit sine indumento. O espírito jamais
desce sem vestimenta. As vestimentas do espírito têm relação
com os meios que ele atravessa. Como a beleza ou o peso dos corpos os faz
subir ou descer, assim o espírito veste-se para descer e se despe
para subir. Não saberíamos viver na água e os espíritos
desvencilhados dos corpos terrestres não saberiam viver na nossa
atmosfera, como dissemos e repetimos em outro lugar. 31 Extrinsecus timor
est inferior amore, sed intrinsecus superior. Exteriormente o medo é
inferior ao amor, mas interiormente é superior. Há dois temores,
o temor interessado e o temor desinteressado, o temor do castigo e o do
mal. Ora, o temor do mal, sendo o amor da justiça totalmente puro
e desinteressado, é mais nobre que o amor interessado daqueles que
só fazem o bem atraídos pelas recompensas.
32 Nasus discernit proprietates. O nariz discerne as propriedades. No simbolismo
do Zohar, a generosidade divina está representada pelo comprimento
do nariz que se atribui à imagem alegórica de Deus. A humanidade,
ao contrário, é representada com um nariz curto, porque ela
compreende pouco e se irrita facilmente. Em estilo vulgar, ter nariz significa
ter sutileza no julgamento e tato na condução da vida. O olfato
do cão é um modo de adivinhação. Pressentir
é, de alguma maneira, adivinhar.
33 Anima bona, anima nova filia Orientis. A alma boa é uma alma nova
que vem do Oriente. Há duas bondades: a bondade original que é
a inocência e a bondade adquirida que é a virtude. A alma nova,
filha do Oriente, é pura como o dia que se levanta, mas ela tem que
passar pela prova em que sua candura se apagará e depois ela terá
que se purificar pelo sacrifício. Tudo isso será feito em
uma só ou em várias encarnações? É isso
que nos é difícil de saber. Dissemos por que as encarnações
sucessivas nos parecem impossíveis; acrescentamos que os cabalistas
da primeira ordem nunca as admitiram. Ao invés de reencarnação,
admitem o embrionato, isto é, a união íntima de duas
almas, uma já falecida e a outra ainda viva sobre a terra; aquele
que morreu, tendo ainda deveres a cumprir sobre a terra, cumpre-os por intermédio
do vivo. Desta maneira as personalidades ficam intactas e Elias, sem deixar
de ser Elias, pode reviver em João, o batizador. É assim que
Moisés e Elias aparecem no Thabor como assessores de Jesus Cristo;
mas dizer que Jesus Cristo era uma reencarnação de Moisés,
isso seria destruir ou a personalidade de Moisés ou a de Jesus.
30
34 Anima plena superiori conjungitur. Quando uma alma está completa
ela se une a uma alma superior. As almas se unem pelo pensamento e pelo
amor sem levar em conta espaços. De sol a sol, de universo a universo,
elas podem não somente corresponder, mas tornar-se presentes umas
para as outras. É dessa forma que se unem, segundo os rabinos, os
dois fenômenos, e do embrionato e o do protetorado. Dissemos o que
eles entendem por embrionato; o protetorado é a assistência
de uma alma ivre que auxilia uma alma em castigo, a assunção
de um espírito militante por um espírito glorioso e triunfante;
em outros termos, assistência de um santo que se fez o anjo guardião
de um justo. Essas hipóteses são consoladoras e belas; é
tudo o que podemos dizer; elas se deduzem do dogma da solidariedade das
almas resultante de sua criação e de sua existência
coletivas.
35 Post deos rex verus regnabit super terram. Quando não houver mais
falsos deuses, um verdadeiro rei reinará sobre a terra. A idolatria
é o culto do despotismo arbitrário, e os reis desse mundo
são feitos à imagem dos deuses que a terra adora. Um deus
que pune infinitamente seres finitos após tê-los criado frágeis
e lhes ter imposto uma lei que contraria todas as inclinações
de sua natureza, sem que essa mesma lei seja claramente promulgada por todos,
esse Deus autoriza todas as barbaridades dos autocratas. Quando os homens
conceberam um Deus justo terão reis equitativos. As crenças
fazem a opinião e é a opinião que consagra os poderes.
O direito divino de Luís XI estava bem em relação com
o Deus de Mominique e de Pio V. É ao Deus de Fenelon e de São
Vicente de Paula que devemos a filantropia e a civilização
moderna. Quando o homem progride, Deus caminha; quando ele se levanta, Deus
se engrandece; além disso, o ideal que o homem deseja atua sobre
o mundo. O esplendor do pensamento humano detendo-se sobre o objetivo divino
reflete-se sobre a humanidade, porque esse objetivo não é
outra coisa senão um espelho. Esse reflexo do mundo ideal torna-se
a luz do mundo real. Os costumes formam-se segundo as crenças e a
política é o resultado dos costumes.
36 Linea viridis gyrat universa. A linha verde circula em torno de todas
as coisas. Os cabalistas, em seus pantáculos, representam a coroa
divina por uma linha verde que cerca as outras figuras. O verde é
a aliança das duas cores principais do prisma, o amarelo e o azul:
figuras do Eloim ou grandes potências que se resumem e se unem em
Deus. 37 Amen est influxus numerationum. Amém é a influência
dos números. A palavra amém, que termina as preces, é
uma afirmação do espírito e uma adesão do coração.
É necessário pois, para que essa palavra não seja uma
blasfêmia, que a prece tenha sido razoável. Essa palavra é
como uma assinatura mental; por essa plavra o crente se afirma e se faz
ele próprio à semelhança de sua prece. Amém
é a aceitação de uma conta aberta entre Deus e o homem.
Infeliz daquele que conta mal, porque ele será tratado como um falsário!
Dizer amém após ter formulado o erro é consagrar sua
alma à mentira personificada por Satã. Dizer amém após
haver formulado a verdade, é fazer aliança com Deus.