A
Morte Espiritual
Saint-Yves
O Renascimento
e a Vitória do Paganismo sobre o Humanismo Moderno
Nascimento do Humanismo no Século XIV. - Seu Espírito. - Sua
Ação sobre o Estado Social Cristão. - Suas Conseqüências.
- Papas e Igreja Educadora em Face do Humanismo. - Perigos dos Estudos Pagãos.
- Utilidade da Catequização. - O Clero Poderia Evitar o Perigo;
seu Ponto Vulnerável. - O Renascimento Pagão Acolhido sem
Temor pelos Regulares. - Os Estudos Pagãos e a Instrução.
- Eclosão Infernal entre os Eruditos do Renascimento. - Os Secretários
Apostólicos: Petrarca, Eoccaccio, Coluccio Salutati, Poooé,
Laurent Valla, l'Arétin, etc. - Sua Influência sobre os Séculos
Seguintes. - Resultado Pagão do Humanismo; é Inevitável?
Quem o Fez Assim? - Os Papas Deveriam Receber os Orientais? - O Verdadeiro
Humanismo. - Os Dois ESPÍRITOS da História. - Os Fatos e as
Leis. - O Princípio da Sociologia; sua Chave - Leis Reguladoras do
Humanismo. - As Três Ordens Sociais e os Três Graus de Ensinamento.
É no século XIV, na Corte pontifícia, que nasce o Humanismo.
Da Itália para a França, e depois de Avignon para Roma, elogiado
pelos eruditos laicos que já o antecipavam, explorando-o e fazendo
com que fosse celebrado por príncipes temporais e espirituais, o
Renascimento se surpreendeu, deslumbrando, subornando a Igreja educadora,
na sua mais alta representação humana: papas e cardeais.
Qual Renascimento? Pois temos dois deles: a forma e o fundo, a carne e o
espírito. O do espírito, e este espírito é mortal
a todo estado sintético e vivente, religioso e social. É chamado
de razão mental e governamental pagã. Na sua origem, no seu
ovo, é, já o dissemos, a razão individual erguendo-se
exclusivamente em princípio, em lei, em critério do espírito
humano; e o último vai para o diabo sem o primeiro. É a Soudra
semi-alfabetizada renegada que desmembrou a Igreja e o Estado social dos
patriarcas, faz cinco mil anos; foi a apóstata Soudra moderna que
matou há mais de um século a verdadeira burguesia e a economia
social de nossa nação.
Ela desmembrou também a Igreja e os Estados gerais de Nosso Senhor
Jesus Cristo; pois, em todos os tempos, sua marcha é a mesma: desestruturar
para ocupar tudo; fazer-se de intermediário ilegítimo, parasitário
de toda á economia pública para subjugá-la à
sua venal voracidade. Seu verdadeiro nome é: a anarquia, o individualismo,
a inveja e a cupidez, até a loucura coletiva do homicídio
e da esmola. O pensamento deles vem sempre do ventre, até mesmo quando
parece que emana do cérebro.
Marca todas as coisas com esse sinal de "gulodice" que faz com
que seja reconhecido onde quer que vá e em todas as coisas. Pensando
com o estômago, atua com os olhos e o cólon, e tudo aquilo
que usurpa e toca fica irreparavelmente maculado, assim: ensinamentos, justiça,
economia, fé, leis, costumes, ciência, arte, vida. Monstro
humano, que se fez por ele mesmo à imagem de Satanás, rendendo-se
cegamente aos vícios, encobrindo todos os raios da luz de Deus.
E a Senhora: "Afaste-se daí, para que eu possa instalar-me".
E ainda: "Ela corta a sua cabeça", em caso de necessidade;
a Senhora é uma "Cesta" sempre disposta a receber tudo
para ela e o seu bando. Essa mãe de todos os "colapsos"
e dos sete pecados capitais não é a Eva, mas a Lililh* do
Espírito humano. Também é a Senhora Jourdain,** louca
pela cobra, sua professora de lógica, que matou seu marido, nobre
homem que poderia torná-la baronesa e arrendatária geral de
seus bens, como de tantas outras coisas. Depois de ter medido o pano com
uma falsa medida, submete tudo à mesma fraude, tudo, até para
os tambores*** e os calvários;31 chama a esta Exegese32 feita com
as prebendas33 dela à nossa custa. Hoje em dia, seu clericalismo
de instrução nos custa milhares de moedas por ano, tal como
nos custa o clero em dez séculos.
De acordo com os tempos, às vezes é a tecedora, outras é
a gulosa guilhotina. Esse era o seu sonho de tornar-se de sua maneira a
princesa do sangue. Essa mentalidade começa e termina com dois pronomes;
confirmados pela sua compreensão: Eu e a minha vontade. Eu, com maiúscula,
no estilo inglês. Nascida "Pickpocket", procura sempre "biscatear",
procurando uma carteira qualquer para apoderar-se do seu conteúdo
e, de acordo com as circunstâncias, torna-se: ateia, filósofa,
filantropa, teósofa, teofílantropa, humanista concordatária,
tudo aquilo que quiser, menos cristã. Tem horror das relíquias
dos santos, dos altares consagrados e, quando na presença de um crucifixo,
é possuída pelos piores demônios, espumando pela boca.
Acaba de atirar um no Monte Pelado e a resposta do fogo central não
acabou ainda.
A revolução babilônica, que provocou um segundo dilúvio
de sangue e de lama, havia-lhe conferido honradas, não só
imperiais mas também divinas, sob o nome de Senhora Nemrod: a razão
do mais forte. Sem Moisés que o reconstituiu, teria aniquilado o
testamento dos patriarcas, pois, uivando contra o Verbo Criador, gritava:
"Morte ao infame!".
A sua revolução antifrancesa, que trouxe de Roma, também
fez dela um ídolo de sangue vermelho, lançando a mesma blasfêmia,
porém contra o Verbo sob todos os seus aspectos: Criador, Encarnado,
Ressuscitado, pontífice e Rei da Vida Eterna. Na pessoa de uma prostituta,
a Camarilha filosófica a fez sentar no altar maior da Catedral de
"Notre Dame" sob o nome de Deusa Razão, tal como na Babilônia.
Lutero, como homem do Norte, tinha conservado mais moderação
e mesura. Havia-se limitado a preparar sua apoteose dizendo: "Todo
o homem dotado de razão é intérprete nato das Escrituras".
A interpretação da harpia consistiu em pousar-se sobre as
Escrituras e sobre Lutero.
Essa razão tem, pois, como última palavra: Sitpro ralione
voluntas Mea!, entendamos bem! É o facínora dos Estudos Clássicos.
De lá, suas conchas de ostra que proscrevem todas as pérolas,
seus odiosos ostracismos, esse amontoado infernal de condenados, patriotas
necropolitanos, fanáticos, pagãos, mediocratas rancorosos
calçando alpargatas ou coturnos, sandálias de tiras de Roma
e de Atenas, sofistas do Agora, retóricos do Fórum, que pagam
à sua clientela eleitoral com novidades "circenses" à
sua custa, para depois retomar as despesas sob forma de impostos. Disso
derivam todos esses monastérios violados e vazios, todas essas escolas
abandonadas e viúvas, todos esses asilos sagrados profanados e desertos.
Daí, provém essa multidão lamentável e inúmeros
exilados, mulheres e homens, irmãos celestes das pessoas pobres,
Anjos da verdadeira democracia, religiosos de todas as ordens que insuflarão
sobre este Ocidente o espírito militante da vida cristã, a
responsabilidade dos grandes para os pequenos, a disciplina sempre pronta
à dedicação, ao sacrifício de si mesmo. Adiantam
ao estrangeiro da Igreja episcopal da França e ao último de
seus fiéis, nesta execrável expatriação que
expulsa novamente com eles a alma deste corpo nacional. Não ficarão
para guiá-la mais que as legiões de Satanás que já
a possuíam. Acredita em vão escapar assim do terrível
castigo que a aguarda; porém a guerra social, como nos tempos da
Roma pagã, devora-la-á, pois sua política a desencadeia,
assim como abre a porta à invasão estrangeira.
A razão ruim é, com efeito e ao mesmo tempo, a má vontade,
que não terá jamais a paz, nem dentro, nem fora. Nunca a terá
porque não a deixa com ninguém, desde Caim até a Torre
de Babel, do sabá filosófico e político dos gregos
e dos romanos a favor da escravidão, até a enciclopédia
e a anarquia dos ensinos atuais.
Como os papas e cardeais se deixaram levar até a vertigem na beira
do abismo do qual hoje tocamos seu fundo? Suas santidades não percebiam
o mal; sua fé acreditava que a fé do mundo laico fosse tão
sólida quanto a deles, outros motivos não menos nobres os
animavam.
Temos que reconhecer, por outro lado, que seus estudos pagãos ofereciam
um perigo muito menor para o clero que para a clerezia, em razão
da concordata intelectual firmada em 313, sob o nome de Teologia Escolástica.
Esse tratado bilateral não era certamente o mais perfeito. Deixava
subsistir o Paganismo ao lado do Cristianismo: os ensinamentos cristãos
de uma parte; a filosofia pagã da outra. Rebaixava a Teologia, instituindo
uma inevitável confusão entre as raças, e é
por isso que vemos perpetuamente a tendência da concordata para o
Paganismo; mas, da mesma maneira que era, manteve e ainda mantém
uma disciplina mental, que era afirmada pela catequização
primária e pela teologia secundária. Assim, pois, repetindo,
é a esta raça concordatária, que apesar do seu desfalecimento
e imperfeições, vão ainda os nossos cumprimentos.
Esses estudos poderiam inclusive não conter nenhum perigo para o
clero, sob a condição de que o Secular recrutasse na Regular
toda a Igreja ensinante, a episcopal, e molhasse periodicamente com um banho
de vida intelectual, moral e espiritual, absolutamente puro de toda mistura
mundana. Nessas condições de ambiente, o sacerdote de Nosso
Senhor Jesus Cristo tinha para defender seu domínio todas as armas
diretas e indiretas do Evangelho: uma sólida educação
cristã lhe asseguraria a invulnerabilidade do coração
e da vida; uma poderosa instrução, não somente teológica,
mas teológica e científica, saturando a inteligência,
tornando-a soberana e sintética de todas as análises; o controle
mútuo e hierárquico da caridade cenobítica; a disciplina,
não da obrigação, mas da obediência voluntária,
ao Fiat voluntas tua em todas as coisas; a independência econômica,
territorial e mobiliária, frente a todo poder político e civil;
a segurança de viver longe do indivíduo e de todas as suas
sugestões do ventre; a renúncia ao mundo rejeitando do ser
todos os requerimentos dos sentidos, todos os de parecer e prosperar.
As Ordens gregas e latinas, viveiros do clero secular, juntaram a maioria
dessas condições; mas todas ofereciam um duplo ponto fraco,
universitário e social. O primeiro teve como causa a Teologia, concordatária
mental de interpretação entre a Teológica objetiva
e a Filosofia subjetiva dos gentis, a razão individual e a subjetividade
metafísica e dialética. Tal era o primeiro lado vulnerável,
inclinando a compreensão sacerdotal a conformar-se com a mentalidade
pagã, em vez de submetê-la em todas as coisas à invencível
intelectualidade cristã, armada, como mostraremos em outra parte,
dos dois critérios objetivos da tradição sagrada: a
vida e a ciência. Tudo isso é remediável e os remédios
são atualmente: ciência despojada de toda sua interpretação
filosófica e os textos teológicos tomados nas mesmas condições.
Desde o ponto de vista social, isto é, da aplicação
da Tradição à boa vontade coletiva, faltava a certeza
relativa às condições orgânicas do Estado político
e as do Estado social; de onde vem a tendência para sofrer dos pagãos
escravistas.
Essas duas lacunas dependem uma da outra, e o corretivo da primeira envolve
forçosamente a segunda. À parte disso, as Ordens gregas e
latinas, além de serem viveiros episcopais do clero regular, realizavam
muito mais coisas do que Pitágoras tinha tentado em vão realizar
para a reforma do Paganismo, depois de ter consultado toda a Tradição
Patriarcal.
É assim que vemos, desde o século XIV, os Regulares, cujos
chefes têm o nível de bispos e tomam parte da Igreja educadora,
e com eles a hierarquia dos príncipes seculares dessa igreja acolhe
sem medo o Renascimento pagão e o alenta com uma liberalidade de
inteligência e uma pródiga hospitalidade sem rival.
Foi Bento XII que, em 1335, nomeou Petrarca, que se constitui no verdadeiro
padrinho do Renascimento e do Humanismo, canônico de Lombez; é
Clemente VI quem confia a este mesmo Petrarca a embaixada de Nápoles,
em 1343, que em 1346 foi protonotário e secretário apostólico,
depois arcebispo de Parma, em 1348, e finalmente canônico de Pádua,
em 1349. Inocêncio VI, de espírito bem mais austero que seu
antecessor Clemente VI, nomeia Zanobi como secretário apostólico.
Urbano V continua as mesmas tradições e, sob seu mandato,
nós podemos assinalar entre os secretários os humanistas Coluccio
Salutati e Francesco Bruni, cujo sobrinho Leonardo, diz l'Arétin,
foi secretário apostólico, chefe de serviço e de certo
modo da Chancelaria pontifícia, no começo do século
XV.
Sob Martinho V, que voltou de Avignon para Roma, é nomeado Poggé
como chefe do Colégio dos Secretários, modelo de Academia
que não tinha nada além de humanistas. Nesse Colégio,
os cristãos, como Ambrosio Traversari, o Camaldulense, e Mafféo
Vegio, confraternizavam com pagãos corruptos e de hábitos
ruins como Poggé e l'Arétin, Beccadelli, o Panormita, e Filelfo.
Finalmente, com Nicolau V, o Renascimento toma conta, por assim dizer, do
trono pontífice. Piedoso e devoto, distribuiu, sem distinção,
seus favores a todos os humanistas, tanto os pagãos como os cristãos.
Dá a Teodoro Gaza a cátedra de língua e filosofia gregas
na Universidade romana. Sob o seu mandato, Marsílio Ficino é
o oráculo da Academia de Florença, e é por sua inspiração
que Gianozzo Manetti empreende a erudita edição trilíngüe
da Bíblia, seguindo o texto direto.
Não podíamos, sem estendermos indefinidamente este estudo,
deixar de enumerar todos os membros do Sacro Colégio que, seguindo
o exemplo dos Papas, interessaram-se pelo movimento do Renascimento. Entre
o mais destacados, podemos citar: Louis Alaman, arcebispo de Aries; Nicolau
Albergati, bispo da Bolonha; Hugues de Lusignan; Próspero Colonna;
Dominico Capranica; Julián Cesarini.
É Cesarini quem descobre e protege a esse humanista destinado a tornar-se
uma glória da Igreja e das Letras: o alemão Nicolau de Cuso.
Por outro lado, o cardeal de Saintange, ponderando o valor moral e a cultura
intelectual de Bessarion, o ilustre metropolita de Nicéia, toma-o
responsável pelo Helenismo na Itália, e é a Cesarini
que este erudito humanista deve seu capelo de cardeal.
Dominico Capranica foi promovido a cardeal ao mesmo tempo que Cesarini,
tornando-se, como este último, o mecenas dos estudantes, dos artistas
e dos eruditos. Manda construir um palácio em Roma para jovens pobres
e institui 30 bolsas de estudo para os alunos de Teologia e Literatura.
É deste colégio que surgiu Aeneas Sylvius Piccolomini, que
foi secretário de Capranica. Ele era pobre, mas muito inteligente
e enérgico, de forma que mais tarde chegou a ser papa, adotando o
nome de Pio II. Desse mesmo colégio saíram também Santiago
Ammanati, futuro cardeal-bispo de Pavía; Agnili e Blondus.
Entre esses protetores e promotores do Humanismo, não podemos nos
esquecer do cardeal Pedro Barbo, artista, colecionador e arqueólogo,
que manda construir um esplêndido palácio para abrigar suas
ricas coleções; nem de Gérard d'Estouteville, parente
dos reis da França, o qual compete com Barbo em luxo e em liberalidade.
Essas poucas citações farão entender com que liberalidade,
com que ardor e com que espírito livre de todo temor ou perigo para
o entendimento e a fé do clero se lançou a Igreja ao renascimento
dos estudos pagãos.
Mas esses mesmos estudos pagãos, se não são um perigo
real para o clero tanto regular como secular, explodem desde o começo
como um perigo social sem precedentes para todo o sistema de ensinamento
cristão, começando pelos seus professores, mestres, eruditos,
filósofos ou juristas do mesmo gênero.
Uma fraca educação cristã, muito mais forte, porém,
que a de nossos dias; uma débil instrução religiosa
limitada ao grau primário, à catequização e,
assim mesmo, muito mais extensa que a dos nossos dias; uma disciplina relaxada
e, entretanto, conservada por uma série de organismos sociais e familiares,
totalmente quebrados desde mais de um século; um controle mútuo
hierárquico impregnado ainda de espírito cristão, porém
corrompido já no alto pela Corte, no meio pela moda e nela opinião
dessa mesma Corte; a preocupação por viver é menor
que em nosso tempo, graças às corporações e
à garantia que ofereciam aos indivíduos; as sugestões
do ventre entre os eruditos seculares laicos em ruptura com a sua Ordem,
que são forçados a passar do diletantismo para o parasitismo;
os requerimentos em todos os sentidos para o naturalismo e para o espírito
do mundo, ambos pagãos; a sede de parecer para prosperar; o aborrecimento
instintivo contra toda obrigação social neste desprendimento
da anarquia individual: tais eram as condições do meio no
qual o Paganismo deveria acordar como se fosse na sua própria casa,
sob todas as formas possíveis, porém infinitamente piores
que seus modelos, pois o espírito de imitação exagera
os defeitos e nunca as qualidades.
Assim, foi a infernal eclosão entre todos os eruditos dessa época
e particularmente entre os imundos secretários apostólicos.
O primeiro desses humanistas, Petrarca, permanece não obstante cristão
e se esforça para conciliar a instrução pagã
com a educação cristã. Respeita a Igreja e seus dogmas,
visita os santuários e as tumbas dos Apóstolos e dos Mártires,
porém é amigo de Boccaccio e de Leontius Pilatus.
Se Santo Agostinho é o inspirador de sua consciência, Cícero
e Virgílio são seus mestres literários, dos quais é
um sincero devoto. Possui um amor desenfreado pela glória que chega
a ser até monomania; uma vaidade sem limites o impele a invejar e
odiar seus rivais, e ele mesmo lamenta este amor pagão pela fama
do qual não pode corrigir-se.
E já, desde o século XIV, faz o tipo de Poggé e de
Maquiavel. Seu patriotismo antiquado o faz saudar o sucesso de Rienzi, e
se estende em amargas críticas contra os papas; pois imbuído
das idéias políticas que circulam entre a maioria do humanistas
do Renascimento, sonha com uma Roma rainha das nações, mais
do que uma vila pontífice, porém pagã e arcaica: República
romana ou Império Universal. Mais tarde, Valia e Maquiavel denunciarão
da mesma forma o papa como inimigo de Roma e da Itália.
O Paganismo ainda se mostra timidamente em Petrarca, exemplar da raça
concordatária, que tardaria em impor-se como indiscutível
mestre do Humanismo. Desde o começo do século XV, escreveu
Coluccio Salutati, o professor de Poggé, em seus Trabalhos de Hércules,
que "o céu pertence aos homens fortes". Isso era proclamar
que o homem tira de si mesmo e de seus esforços sua meta final e
sua perfeição. Já era o Humanismo pagão, a quarta
raça mental, a negação radical do Cristianismo. O Colégio
dos Secretários Apostólicos, emparelhando seus passos, desenvolveu
esta tese: "A natureza humana é boa por si mesma", e, no
século seguinte, compartilhando esse otimismo, Rabelais escreverá
a respeito dos thelemistas: "Em suas regras não havia mais que
esta cláusula: 'faça o que você quer', porque os bem-nascidos,
muito bem educados, convivera em companhias honestas, têm por natureza
um instinto 'agulhão' que os impulsiona sempre a realizar fatos virtuosos".
É a moral submetida à satisfação de todos os
instintos.
Cada vez mais pagão, o Renascimento, sob o pretexto de seguir a Natureza,
dá a preferência ao desfrutar dos prazeres em todas as suas
formas. O futuro favorito de Nicolau V, Laurent Valia, é sensual.
Em 1431, publica seu tratado, De Voluptaie, no qual afirma que o prazer
é o verdadeiro bem, e dedica a Eugênio IV sua obra De vero
bono, que desenvolve a mesma doutrina: o desfrute do prazer sem freios.
Não podemos nos surpreender se tal teoria levou ao desenvolvimento
dessa literatura obscena apresentada na corte dos papas por tantos ilustres
humanistas. Para memória dos mais notáveis, mencionamos: Leonardo
Bruni l'Arétin, que, em seu discurso de Heliogábalo, discute
com as cortesãs de Roma sobre as diferentes formas de voluptuosidade;
livros como esse deliciam os secretários apostólicos. Ao mesmo
tempo, Panormita escreve o infame livro O Hermafrodita; Poggé publica
uma coleção de piadas licenciosas. Sob o comando de Nicolau
V, Pedro Niceto e Aeneas Sylvius Piccolomini, futuro Pio II, trocam uma
correspondência sobre o matrimônio e a união livres.
Os costumes dos Secretários correspondem à sua literatura:
Poggé, que recebeu as Ordens menores, reconhece catorze filhos bastardos.
Como laico diz: "Eu tenho filhos"; como diácono diz: "Passo
pelas mulheres". Filelfo, Porcello, Vallas, Poggé são
também sodomitas, e quando Pomponius é reprovado por seus
hábitos ruins e ignóbeis, ele alega o exemplo de Sócrates.
Mas, por que mexer por mais tempo nesse lodo? Pessoas eruditas capazes de
tudo, crápulas do espírito humano, pornográficos, panfletários,
mestres cantores, cúpidos, vaidosos, de costumes podres, convencidos,
venais como as moças públicas, desavergonhados maculadores
de tudo aquilo que merece respeito, eis o que foram os secretários
apostólicos, os humanistas do Renascimento pagão, os representantes
da quarta raça mental; e, graças a eles e aos seus sucessores,
desse Renascimento ao Protestantismo, deste para a Apostasia completa da
Instrução Enciclopédica, o abismo foi aberto o suficiente
para que o fogo do Inferno saia dele com todos os seus demônios. Descreveremos
em outra parte essa possessão mental e a influência anti-social
sobre a Revolução Francesa.
Essa é a razão mental pagã: Agripina, mãe de
Nero, ou Frinéia, soberana do Areópago. E eis o porquê,
desde o Renascimento, a Igreja sacerdotal, como a boa galinha do Evangelho,
choca a sua ninhada de tantos pagãos, como bacharéis diplomados
pelo Estado usurpador da instrução pública. A incubação
é cristã, a instrução é pagã e
pior que seu modelo, o Paganismo jônico. Da Igreja para a anti-Igreja,
do mar para o Charco,* está o Humanismo concordatário da Universidade
que dirige todos os patinhos, da água pura do Batismo para a água
salgada da inundação.
Alma Mater!... Alma é muito dizer, e Mater mais ainda depois que
o Estado político, novo Caim, aniquilou o Estado social, Abel, seus
Estados gerais, o povo em corpo vivente, e escravizou seus três Poderes:
o Ensino, a Justiça e a Economia públicas.
Essa desumanidade pagã, cujo Juízo Final segue seu curso,
é o resultado do Humanismo. Ela é um resultado necessário
dele? Admitir isso seria ser pagão como ela. Seria ignorar o Evangelho
e as suas chaves, sua ciência, sua sabedoria velada, sua síntese
divina e humana, sua religião una e universal. E aí, e tão-somente
aí, está a soberania suprema de todos os humanismos; como
ela é espírito e vida, quer que todos ressuscitem, lavados
em sua luz, purificados em seu amor, transfigurados em sua glória.
Que são todas as Igrejas étnicas da Terra senão, os
corpos espirituais de todos os povos mortos pela Roma pagã e devolvidos
à vida, como outros tantos Lázaros, pela Igreja de Jesus Cristo?
Esses corpos glorificados são os anjos guardiões dessas nações
e de toda a sua História, passada, presente e futura. Porém,
ai dos que expulsam esses Anjos! Pois os demônios exorcizados entram
novamente nelas, tão pior do que antes, que acabam morrendo por sua
causa.
O resultado do Humanismo não era fatalmente o pagão. O que
o teria tomado assim? A vontade, a livre decisão dos eruditos tanto
do clero como da instrução, sendo responsabilidade completa
e plena desta última, principalmente com as sanções
penais das leis em função dos fatos e princípios contidos
nessas Leis.
Podemos por acaso repreender os pontífices romanos por terem aberto
seus braços, seu coração, seu espírito, seus
palácios, seus tesouros, toda nossa Igreja a seus santos e venerados
irmãos do Oriente, aos monges e aos abades dos conventos orientais,
fugitivos de Bizâncio, sobre os quais se abatia a cimitarra dos Turcos?
Eles haviam apelado em vão, demandado, rogado, implorado, suplicado
por uma Cruzada à incorrigível e anárquica Europa,
a batalhadora, que atravessava ela mesma por problemas, permanecendo surda
às suas vozes. Como, nessas condições, repreender os
papas por terem ajudado os patriarcas bizantinos a salvar do ferro e do
fogo dos sectários muçulmanos os monges eruditos, que traziam,
confusamente, de todos os conventos das terras eslavo-gregas e jônicas,
não só os manuscritos dos seus ancestrais pagãos mas
também os dos padres de suas Igrejas? Como lamentar que esses pastores
dos povos europeus tenham abraçado com entusiasmo, consolando-os
ante o triunfo insolente dos invasores asiáticos anticristãos,
toda essa solidariedade cronológica de nosso continente, que compreendia
a idolatria mediterrânea dominada pela Cruz!
Este grito, "o Humanismo!", como era bonito nessa hora crucial
da História e do espírito vivente, dessa crise de vergonha
e de dor! Sobre os lábios dos Santos eruditos significava: caridade.
Essa majestosa Igreja latina foi, realmente, a irmã da caridade de
sua nobre e infeliz irmã oriental. Oh! Essas duas irmãs! Na
prosperidade ficam rivais de beleza, ciumentas de seu poder, até
mesmo hostis; porém se uma dobra os joelhos e cede em face da adversidade,
a outra toma as suas dores, levando a cruz, resplandecendo o amor, e assim
será de século em século.
Esse Humanismo da primeira hora é o nosso em seu primeiro grau; mas
temos mais dois de reserva, no mesmo espírito: lembrança e
esperança. As obras mestras da humanidade inteira testemunham a mesma
cidade de Deus, a mesma civilização anterior e futura. Todas
pertencem à fonte divina de toda a verdade, estando nela somente
as gotas diamantinas recebidas por ela; e os puros raios humano-divinos,
que brilham nessas águas sempre vivas, provêm do mesmo Sol
de onde procedem todas as razões e todos os idiomas humanos: o Verbo
Deus.
Portanto, quem dentre nós não faria a mesma coisa se estivéssemos
nas mesmas condições que esses papas e cardeais? Por esse
motivo se levantaram as vozes dos protestantes contra o papismo e a grande
Babilônia, tornando-se outras tantas ejaculações de
humanista energúmenos e de ébrios bíblicos analfabetos;
arrotos políticos, que merecem ser tratados a pontapés pelo
asno escolar.
Não se trata dos atos dos papas em relação ao Humanismo,
mas do uso que poderia ser feito desse ato. O ato em si mesmo está
acima de qualquer elogio como também de crítica, pois toda
a Europa não tem mais que agradecer com veneração a
Roma pontífice, como uma criança à sua mãe,
por tê-la rendido aos autores gregos. Os jesuítas merecem a
mesma gratidão por ter-nos revelado os Kings chineses, e os anglicanos,
sacerdotes e nobres, fiéis letrados, por ter-nos transmitido os textos
sânscritos, os vedas, as puranas e as interpretações
que fizeram então de acordo com o brâmanes.
Nós levamos longe, bem mais distante do que qualquer um, esse sentido
da Universalidade humana que no fundo é o do infinito celeste. E
imperioso em nós manter a fé na universidade da Palavra Primordial;
mas não menos imperioso falar ao nosso espírito do sentido
da Unidade, do Absoluto ou do Divino, cujo eixo polar é a ação
direta do Verbo, seu Cristianismo eterno, no princípio, no meio e
no fim de todos os Ciclos, não somente na Terra mas no céu
inteiro.
Nós nos faremos ainda entender melhor mais adiante, enquanto isso
descemos do superlativo ao positivo. A história tem dois espíritos
conhecidos, dos quais o menor não é o que nos conduz à
escala evolutiva, é julgado pelo número de seus escritores
modernos e no concerto pouco harmonioso de suas interpretações.
Que esses continuem tocando ao seu bel-prazer esta música de varias
árias, tocadas ao mesmo tempo, mas sem conjunto. Inauguramos para
nós, para nossa melhor compreensão, um terceiro espírito.
Este conserva intacto o primeiro, o dos fatos; afasta de nossa consciência
o que não interessa; um segundo, o das reflexões subjetivas,
substituído por um terceiro, o das Leis.
Das Leis, mas não no sentido individualista, jurista, político
e pagão de Montesquieu, nosso sentido é objetivo, da ciência
pura. Este é inseparável da vida que a sustenta, e essa vida,
a do Verbo legislador, é a própria religião e as três
juntas formam a sabedoria sagrada.
O espírito dos fatos é pura e simplesmente a observação;
no homem, é a experiência humana em todos os seus graus históricos
e sua solidariedade em todos os tempos. É o "Como". E a
continuação vem o "Por que da existência dos povos
e das raças?" Qual a razão de seu nascimento, seu crescimento,
seu apogeu mais ou menos longo, a sua decadência, sua decrepitude,
sua morte? Finalmente, por que sua sobrevivência no Verbo, por sua
palavra? Por que sua ressurreição em um novo corpo glorificado
por Ele? Esses corpos gloriosos são as Igrejas das nações,
sem prejuízo para as das raças e, por fim, da Humanidade inteira.
Esse por quê, repetido de grau em grau, é o espírito
das Leis sociológicas intrínsecas dos fatos, e essa ciência
é sagrada como toda ciência real. O Princípio da Sociologia
está em todos os Livros Santos, no dos arianos, no dos iranianos,
no dos mongóis, no dos egípcios, nos de Orfeu, no dos druidas,
enfim, em todos, desde os patriarcas até os Evangelhos. Mas, neste
vórtice da universalidade, é necessário que a mão
sustente com força a unidade, o centro absoluto e o eixo polar que
passa por esse centro, sob pena de ser arrastado pelas forças centrífugas.
Esse centro é o Verbo Divino, seu eixo vai do pólo patriarcal
ao do Juízo final, passando por todos os patriarcas, por Moisés,
pelos profetas, pelo Verbo Encarnado, Crucificado e Ressuscitado, pelos
apóstolos e por seus sucessores, passados, presentes e futuros.
E útil voltar a essas coisas, pois a essência pagã da
intelectualidade contemporânea, filha do Renascimento, terá
repetido seu Sabá à custa da Sociologia como de todo o resto.
Cada bacharel terá o seu no bolso, seu socialismo, que para ele é
o oposto da verdadeira sociologia.
Sem a chave, ao mesmo tempo científica e religiosa desta última,
a história é um farol apagado. É a lanterna dos burgueses
que moram no morro à beira do precipício. Graças a
esta chave, o farol se ilumina, e é mais útil aos homens do
Estado e da Igreja que aos eruditos curiosos ou diletantes, sendo muito
útil aos guias conscientes e responsáveis pela marcha da humanidade.
E por isso que sujamos nossos dedos de tinta, vinte anos atrás, para
escrever as nossas Missões; e é pela mesma razão de
caridade que, hoje em dia, numa época em que existem muitas classes
de pessoas que vivem do ofício de escritor, voltamos mais fones do
que nunca, livres para dirigir nosso recado para alertar os fariseus e pagãos
e todos os seus sub-répteis.
Vejamos agora quais são as Leis regulares do Humanismo, entendendo-se
por essa palavra os Estudos Clássicos. As Leis vigentes são
do Cristianismo, soberanas sobre os pagãos, tal como mostraremos
na segunda parte deste livro, tanto a soberania intelectual como a espiritual,
pois que direito temos de separar as duas entre os apóstolos e seus
discípulos desde Pentecostes?
Para que essa soberania sagrada, pelo seu incessante controle sobre o acesso
da ascensão do neopaganismo do Renascimento, pudesse evitar as catástrofes
que já têm alcançado e ainda alcançarão
a Humanidade, teria sido necessária uma dupla intervenção
de sua parte na compreensão laica secular e na sua vontade coletiva.
Na compreensão, os remédios preventivos indicados pela soberania
teológica eram os três graus de ensino do Tri-Reino, correspondentes
às três pessoas da Trindade: Pai, Filho, Espírito Santo;
Essência, Existência e Substância.
Na vontade coletiva, a prevenção evangélica indicava
as três ordens sociais correspondentes aos três graus do ensino.*
Está aqui, de cima para baixo, a relação destes graus
e destas ordens.
1º. À Instrução da Ordem econômica corresponde
o grau primário da catequização, completado solidariamente
com a comunhão e com uma seleção sempre aberta, que
se relacionam a:
2º. Instrução da Ordem Jurídica, a da espada e
da Toga. Corresponde ao grau secundário, que já não
é simples como o anterior, mas iniciático. Relaciona-se por
uma solidariedade de comunhão e de seleção a:
3º. Instrução da Ordem de Ensino Universitário.
Corresponde ao grau superior da Sociedade dos Fiéis, ao grau iniciador,
unido ele mesmo à Igreja ensinante, à abacial mitrada regular
e â episcopal secular para um acoplamento de comunhão e de
seleção: 1° Sacerdócio privado, ad missam; 2°.
Mitrada abacial, Canonnicat; 3º Púrpura cardenalícia.
Em suma, os estudos secundários e greco-latinos superiores, adequados
ao segundo grau, não deveriam conduzir a nada além de estudos
mais profundos ainda, com o Sânscrito como língua ariana protoclássica.
Tudo se tornaria vazio rapidamente e somente ficariam nos bancos escolares
as verdadeiras elites que buscavam a verdade por si mesmas e não
uma banal instrução para tirar proveito dela, um meio anormal
de existência, ou parasitária, ou corruptora.