Unidade e solidariedade dos espíritos
por Eliphas Levi
Segundo os cabalistas, Deus cria eternamente o grande Adão, o homem universal e completo, que encerra em um só espírito todos os espíritos e todas as almas. Os espíritos vivem pois duas vidas ao mesmo tempo, uma geral, que é comum a todos, e a outra especial e particular. A solidariedade e a reversibilidade entre os espíritos faz com que vivam realmente uns nos outros, todos iluminados das luzes de um só, afligidos todos por causa das trevas de um só. O grande Adão era representado pela árvore da vida; estendesse em cima e embaixo da terra em galhos e raízes; o tronco é a humanidade, as diversas raças são os galhos e os indivíduos inumeráveis são as folhas. Cada folha tem sua forma, sua vida particular e sua parte de seiva, mas só vive através do galho, como o próprio galho só vive através do tronco. Os maus são as folhas secas e as cascas mortas da árvore. Elas caem, apodrecem e se transformam em estrume que retorna à árvore pelas raízes. Os cabalistas comparam ainda os maus ou os condenados às excreções do grande corpo da humanidade. Essas excreções servem de adubo à terra que dá frutos para alimentar o corpo; assim a morte retorna sempre à vida e o próprio mal serve de renovação e de alimento para o bem. A morte, assim, não existe e o homem não sai jamais da vida universal. Aqueles que chamamos de mortos vivem ainda em nós e nós vivemos neles; eles estão sobre a terra porque nós aqui estamos, e nós estamos no céu porque eles lá estão, Quanto mais vivemos nos outros, menos devemos temer a morte. Nossa vida após a morte, prolonga-se na terra naqueles que amamos, e servimo-nos do céu para lhes dar a serenidade e a paz. A comunhão dos espíritos do céu na terra, e da terra no céu, faz-se naturalmente, sem perturbação e sem prodígios; a inteligência universal é como a luz do sol que repousa ao mesmo tempo sobre todos os astros e que os astros refletem para iluminar uns aos outros durante a noite. Os santos e os anjos não necessitam de palavras nem de sons para se fazer ouvir; eles pensam em nosso pensamento e amam em nosso coração.
O bem que não tiveram tempo de concluir eles o sugerem e nós o fazemos por eles, eles o desfrutam em nós, e repartimos com eles a recompensa, porque a recompensa do espírito se engrandece quando a dividimos, e o que damos ao outro multiplica-se em nós mesmos. Os santos sofrem e trabalham em nós e só serão felizes quando a humanidade inteira for feliz, visto que fazem parte da indivisibilidade humana. A humanidade tem no céu uma cabeça que resplandece e que sorri, na terra um corpo que trabalha e que sofre, e no inferno, que para nossos sábios não é senão um purgatório, pés que estão acorrentados e que queimam. Ora, a cabeça de um corpo cujos pés queimam só pode sorrir à força de coragem, resignação e esperança; a cabeça não pode estar alegre quando os pés queimam. Somos todos membros de um só corpo e o homem que procura suplantar e destruir outro homem é como a mão direita que, por inveja, procuraria cortar a mão esquerda. Aquele que mata, se mata, aquele que injuria, se injuria, aquele que rouba, se rouba, aquele que fere, se fere, porque os outros estão em nós e nós estamos neles. Os ricos se enfadam, odeiam-se uns aos outros e se desgostam da vida; sua própria riqueza os tortura e os abate porque há pobres que carecem de pão. Os aborrecimentos dos ricos são as angústias dos pobres que sofrem neles. Deus exerce justiça por intermédio da natureza e misericórdia pela intervenção de seus eleitos. Se puseres tua mão no fogo, a natureza te queimará sem piedade; mas um homem caridoso poderá tratar e curar tua queimadura. A lei é 24 inflexível, mas a caridade é sem limites. A lei condena, mas a caridade perdoa. Por si mesmo, o inferno nunca rende sua presa, mas pode-se lançar uma corda àquele que se deixou cair.