O Fogo Dos Filósofos: A Prece
Por Robert Ambelain


"Este Fogo...é um espírito ígneo, introduzido em um objeto de mesma natureza que a Pedra,
e sendo mediocremente excitado pelo fogo exterior, calcina-se, dissolve-se, sublima-se,
e se reduz à água seca, tal como diz o Cosmopolita..."
(Limojon de Saint-Didier. "O Triunfo Hermético").
O sentido do divino se expressa sobretudo pela emotividade religiosa, e por meio dos ritos, cerimônias e sacrifícios. Ele toma sua expressão mais alta na Prece, que acompanha este conjunto necessariamente. "Os homens santos de Deus, nos diz a tradição cabalística, quando desejam caminhar sobre os Trinta e dois Caminhos da Sabedoria, começam por meditar sobre os versículos sagrados, e se preparam convenientemente por meio de santas Orações..."( ).
(R.P.Kircher, "Oedipus Aegyptiacus").

Mas a Prece, com o sentido do Sagrado que ela exprime, é com toda a evidência um fenômeno espiritual. E, como nota judiciosamente o doutor Carrel em seu estudo, o Mundo Espiritual se acha fora do alcance de nossas técnicas experimentais modernas. Como então adquirir um conhecimento positivo da Prece? O domínio científico compreende, felizmente, a totalidade do observável. E este domínio pode, por intermédio da psicologia, estender-se até as manifestações do Espiritual. È então pela observação sistemática do Homem orando que nós aprendemos em que consiste o fenômeno da Oração, a técnica de sua produção e seus efeitos ( ).

De fato, a Prece representa o esforço do Homem para se comunicar com toda a Entidade incorpórea ou metafísica: ancestrais, guias, santos, arquétipos, deuses, etc..., ou com a Causa Primeira, ápice da pirâmide precedente. Longe de consistir em uma vã e monótona recitação de fórmulas, a verdadeira Prece representa um estado místico para o homem, um estado onde a consciência dele aborda o Absoluto. Este estado não é de natureza intelectual. Tão inacessível quanto incompreensível ao filósofo racionalista e ao sábio ordinário. Para orar, faz-se necessário o esforço de voltar-se para a Divindade. "Pense em Deus mais seguidamente que tu respiras...", nos diz Epictète. E curtas, mas freqüentes invocações mentais, podem manter o homem em presença de Deus.

" A Prece verdadeira é filha do Amor. Ela é o sal da Ciência; faz germinar a Ciência no
coração do homem, como em seu terreno natural. Ela transforma todos os infortúnios em
delícias; porque é filha do Amor, e é preciso amar para orar, e ser sublime e virtuoso para amar..."
"Mas esta Prece tão eficaz, pode ela jamais advir de nós? Não é necessário que ela nos seja
sugerida? Devemos somente escutá-la com atenção e repeti-la com exatidão...Quem nos
dera ser como uma criança, a espera da voz que nos fala?...".
(L. C. de Saint-Martin: "O Homem de Desejo").
Veremos mais tarde o que se deve entender aqui, por essa voz interior que fala em nós, e que vincula-se ao Fogo "introduzido em um objeto", do qual fala Limojon de Saint-Didier no epígrafe citado no início deste capítulo.

A Prece tem ainda uma outra função, é o seu papel construtivo, desempenhado em "regiões espirituais" que permanecem desconhecidas ou inexploradas: "Or et Labor...", diz a velha divisa hermética, "Ore e trabalhe...". E o adágio popular acrescenta: "Trabalhar é orar...". Concluímos que, talvez pela mesma ordem de idéias, orar eqüivale a trabalhar, ou seja, obrar. Pois nos diz São Paulo: "a Fé é a substância das coisas esperadas...".
Tudo depende do que se entende por esse termo. Talvez o homem que ora, o orador, construa em um outro mundo esta forma gloriosa, este "corpo de luz" do qual falavam os Maniqueus, e que é a sua Jerusalém Celeste, verdadeira "Cidade Celeste", nascida de seu "templo interior" (que lhe serviu de berço e protótipo inicial), em troca dos influxos celestes originais, por uma espécie de reversibilidade, de operação da obra terrestre no plano celeste.
A partir daí, podemos admitir que o homem que não ora, não tece sua própria imortalidade; ele se priva assim de um precioso tesouro. Neste caso, cada um de nós encontrará, depois da morte, aquilo que em sua vida carnal, tiver esperado aí encontrar. O ateu vai em direção ao nada, e aquele que crê, em direção a uma outra vida.

Psicologicamente, o senso do divino parece ser uma impulsão vinda do mais profundo de nossa natureza, uma atividade fundamental, e que se constata tanto no homem primitivo quanto no civilizado. E suas variações estão ligadas a diversas outras atividades fundamentais: senso moral, senso estético, vontade pessoal, etc...

O inverso é igualmente verdadeiro. E como bem observa A. Carrel, a história mostra que a perda do sentido moral e do sentido sagrado, na maioria dos elementos constitutivos de uma nação, conduz à sua decadência e rápida submissão aos povos vizinhos. Grécia e Roma são tristes exemplos disto. Devemos notar igualmente que o senso do divino levado ao estado de intolerância e fanatismo, conduzem também a tristes resultados.

Por outro lado, o homem é constituído de tecidos e líquidos orgânicos, permeados por um elemento imponderável chamado "consciência". Ora, o corpo vivente, soma dos tecidos e líquidos orgânicos, tem sua existência própria, ligada a uma relação regular com o universo contingente. Não é então permitido supor que a consciência, se ela reside nos órgãos materiais, prolonga-se fora do continuam físico? Nos é proibido acreditar que estamos mergulhados em um "Universo Espiritual" (pelo fato de nossa consciência, acessar a dois mundos diferentes), da mesma forma que nosso corpo carnal, que vive no universo material, donde ele tira os elementos para sua conservação: Oxigênio, Azoto, Hidrogênio, Carbono, e isto para o jogo das funções nutritivas e respiratórias?
Neste universo espiritual, onde nossa consciência extrai os princípios de sua própria conservação e saúde moral, é proibido ver o Ser imanente, a Causa Primeira que as religiões ordinárias chamam Deus? Em caso afirmativo, a Prece poderia, desde então, ser considerada como o agente das relações naturais entre nossa consciência e seu meio próprio, da mesma forma que a respiração e a nutrição para o corpo físico.

Assim, é tão vergonhoso orar quanto respirar, meditar, comer ou beber! Orar é portanto, equivalente a uma atividade biológica dependente de nossa estrutura, e seria uma função natural e normal de nosso espírito. Negligenciá-la é atrofiar nosso próprio "princípio", nossa alma em uma palavra.

E o grande psicanalista Jung nos assegura que, "a maioria das neuroses são causadas pelo fato de que muitas pessoas querem fechar os olhos às suas próprias aspirações religiosas, por força de uma paixão infantil pelas luzes da razão...".

Também é conveniente definir que neste campo, a recitação de fórmulas vagas e maçantes, sem a participação verdadeira do espírito, onde apenas os lábios têm uma atividade real, não é orar. É necessário também que o "Homem interior", aquele que Louis-Claude de Saint-Martin, à semelhança de seu mestre, Martinez de Pasqually, denominava de "Homem de Desejo", esteja atento e dinamize o que os lábios e o cérebro emitem conjuntamente.

Aliado à intuição, ao senso moral, ao senso estético e a inteligência, o "senso do Divino" dá à personalidade humana seu pleno desenvolvimento. Ora, é duvidoso que o sucesso na vida exija o desenvolvimento máximo e integral de cada uma de nossas atividades fisiológicas, intelectuais, afetivas e espirituais. O espírito é, ao mesmo tempo, razão e sentimento, e nós devemos amar a beleza e o conhecimento, tanto quanto a beleza moral. Nisto, Platão tem razão quando declara que, para merecer o nome de Homem, devemos "ter feito um filho, plantado uma árvore, escrito um livro...".

A Prece é pois, o complemento e a ferramenta essencial de toda esta transmutação do Homem. Ela é o Fogo e o Cadinho é o coração onde as austeridades e a ascese são os elementos combustíveis das impurezas iniciais.
A Obra é longa pela via úmida ( ). Ela dura, segundo a palavra da Escritura: "Até que o dia apareça e que a Estrela da manhã se eleve em nossos corações..." (Pedro, II Epistola 1, 19).