Os Mestres Escoceses
Robert Ambelain


No dia 24 de junho de 1314, na batalha de Bannockburn, Robert Bruce, rei da Escócia, esmagou as tropas de Eduardo II, rei de Inglaterra, genro de Filipe IV o Bel Para recompor os Cavaleiros do Templo de seu reino, que já não podiam usar esse nome em virtude da condenação expedida pelo Papa Clemente V, o rei constituiu-se na Ordem de Saint-André-du-Chardon, ou seja, a Ordem de Santo André do Cardo, sendo esse cardo o emblema da Escócia, e Santo André o apóstolo que, segundo antiga tradição, teria evangelizado essas paragens.
Na verdade, o santo jamais esteve por lá! Segundo a hagiografia tradicional, o apóstolo desse nome recebeu por missão evangelizar a Macedônia, o Epiro, a Grécia e a Trácia. Na cidade de Palras, no noroeste do Peloponeso, ousou afrontar o procônsul Egeu, que mantino atá-lo a uma cruz, na qual permaneceu muitos dias, evangelizando os assistentes. Quando o procônsul deu ordens para que o soltassem, o apóstolo implorou a Deus a graça de morrer em seu patíbulo. Foi impossível, para os soldados, desatarem os laços que o prendiam à cruz. A Igreja Católica fixou o dia 30 de novembro como a festa desse santo, pelo calendário da época, o Juliano. Mas, se avançarmos em onze dias essa data, para situá-la no calendário Gregoriano (exato), a tradição astrológica tebana confere a esse dia (vigésimo primeiro grau do Sagitário) um símbolo: "Um mago, de tiara na testa e um cetro na mão direita." E a tradição alquimista ressalta a importância desse grau para suas operações.
Mas, nos Evangelhos, quem é Santo André? Um personagem bastante vago (citado em Mateus, IV, 18 e X, 2; Marcos, L, 29; III, 18; XIII, 3; João, 1, 4!; VI, 9; XII, 22; Atos, 1, 13). É, principal mente, aquele que devemos encontrar antes de chegar ao próprio Jesus; é o Introdutor.
Esse nome, André, não é um prenome judeu de circuncisão. Deriva do grego Andros ("homem"), e, mais exatamente, de Alexandros (homem vingador"). Ora, esse prenome grego não seria, em realidade, no dizer de Dom J. Dupont, O.S.B., professor da abadia de Saint- André e tradutor dos Atos dos Apóstolos para a Bíblia de Jerusalém, senão a forma helenizada de Eleazar (cf. Atos dos Apóstolos, Ed. du Cerf, Paris, 1964, página 58, nota a propósito de JV, 17). E Dom J. Dupont, um beneditino, é alguém em quem se pode confiar! Alexandros em grego deu Andreas em latim, e Alexis e Alex em diversas línguas eslavas, permanecendo o grego Andreas.
Ora, Eleazar sempre se nos apresenta, no Novo Testamento, sob a forma contraída de Lázaro, aquele que Jesus teria ressuscitado, muitos dias após sua inumação, e cujo cadáver "já exalava mau odor (João, XI, 39). Segundo esse evangelho, o único que narra o prodígio, Jesus ordena ao morto que saia de seu túmulo. O surpreendente, nisto tudo, é que "o morto saiu, de pés e mãos ainda atados por faixas, e o rosto recoberto por um pano branco. E disse- lhes Jesus: Livrai-o das faixas e deixai-o ir" (João, XI, 44). E ele saiu saltitante, sem nada ver.
Conseqüentemente, primeira constatação, o misterioso André, por trás do qual se esconde um nome hebraico de circuncisão, outro não é senão Lázaro, aliás Eleazar, o ressuscitado. Daí sua participação no corpus dos alquimistas, onde se encontram símbolos como a Fênix, que renasce das próprias cinzas, e, como por acaso, sobre uma fogueira formada unicamente por duas ou quatro achas de madeira, dispostas em cruz de Santo André. Essa é também o X, imagem do desconhecido num problema a ser resolvido. A Epístola de Clemente de Roma (um dos quatro Padres apostólicos, com Ignácio, Barnabé e Hermas), menciona aliás a lenda cia Fênix para simbolizar a ressurreição (ef. Clemente de Roma, Epístola aos Coríntios, XXV).
Assim, por ocasião da redação da Epístola (século 1), não se ignorava serem André e Lázaro uma só e mesma personagem, sendo a Fênix a chave da lenda. Não vamos nos deter aqui no parentesco familiar do apóstolo Simão-Pedro com Jesus; remetemos o leitor a nossa obra Les Lourds Secrets du Golgotha, às páginas 92 e seguintes, chegamos então a esse papel curioso que se vai atribuir a André, pseudo-apóstolo da Escócia (onde, de resto, jamais esteve), nos meios maçônicos, com o grau desde há muito secreto: Mestre Escocês de Santo André.
Desde o século XVII, ele existe na maçonaria jacobita, ou seja, stuartista. É único, sucedendo ao Mestre Maçom comum. Mas, no século XVIII, encontramo-lo associado ao novo grau chamado Rosa- Cruz, que comporta diversas designações: "Cavaleiro Rosa-Cruz, aliás o título que melhor lhe assenta; cavaleiro da Águia, cavaleiro do Pelicano, Maçom de Heredom, cavaleiro de Santo André" (cf. Ins truction générale d grade de Chevalier Roze-Croix, manuscrito de Devaux d'Huguevilie, datado de 1746).
Em sua Introdução, Devaux d'Huguevilie lembra que o bijou (jóia) habitual do grau, representando o santo em sua cruz típica, é eventualmente substituído, em certos Estados, por "uma medalha da Ressurreição". A jóia maçônica que orna a ponta do cordão de seda vermelho, distintivo desse grau, representa aliás um compasso coroado, apoiado sobre um quarto de círculo, numa de cujas faces há um pelicano alimentando a ninhada, e, na outra, uma fênix sobre sua fogueira de ressurreição.
No manuscrito, grafa-se Roze-Croix com z, e não Rose-Croix com
s. Uma discreta reminiscência da verdadeira origem do termo. Na verdade, o hebraico rosen koroz significa "príncipe arauto", sendo que rôz (rosah) quer dizer "secreto", e Koroz significa "arauto", formando, pois, "arauto secreto" ou "arauto do segredo". Eis a origem do nome do personagem, puramente imaginário, denominado Rozenkreutz ou Rosenkreutz, batizado Christian para parecer menos semita.
Em 1593, Jacques VI da Escócia constitui a Rose-Croix Royale, com trinta e dois Cavaleiros de Santo-André-do-Cardo. Na época, ele era Grão-Mestre dos Maçons Operativos de Escócia. Tendo caído no esquecimento, por falta de recrutamento legal, ou rarefeita no segredo, a Ordem de Santo André foi re-instaurada em 1687, antes de seu exílio em França, pelo rei Jacques II. E aí veremos aparecer, um dia, essa Ordem maçônica fundada em 1659 (provavelmente pelo general Monck, maçom Aceito), que a denomina a partir de então Ordem dos Mestres Escoceses de Santo André, nome que a ordem jamais abandonará. O ritual, de duplo sentido, evoca a reconstrução do Templo de Jerusalém por Zorobabel e seus companheiros, à volta do exílio na Babilônia. Em segredo, evoca-se aí o retorno à Grã- Bretanha, após o exílio em França, com a restauração dos Stuarts.
Mas, se a Grande Loge de France da época reconhece profunda mente o valor e a regularidade da Franco-Maçonaria jacobita (faria mal se os negasse, pois não possui outra filiação maçônica!), ela, por outro lado, não quer admitir a existência desse quarto grau, superior aos de Aprendiz, Companheiro e Mestre, os únicos por ela reconhecidos em 1743.