Por
que Cristo se encarnou na terra?
Paul Le Cour
Temos o direito
de pesquisar as razões pelas quais o nosso demiurgo ( Yeschouá
NT) veio passar três anos sobre a terra. Esse é o mistério
da Encarnação, que deu motivo a múltiplas interpretações.
A idéia de que Cristo veio à terra para nos redimir do pecado
original é uma concepção judaica que passou para o
cristianismo; porque, na realidade, o paraíso perdido é a
tradição perdida (em grego, a palavra paradosis significa
"tradição").
Cristo não veio para apagar os pecados do mundo, mas para dar a vida
e para que os que crêem nele não pereçam, mas tenham
a vida eterna (João II 15 e 17).
Não é justo tornar toda a humanidade responsável por
uma falta que teria sido cometida no dealbar da humanidade pensante.
O Evangelho de João não nos dará, de uma forma explícita,
os motivos da Encarnação de Cristo, mas elas resultam do conjunto
dos ensinamentos dele decorrentes. Ora, de acordo com os teólogos,
Crista veio resgatar, por sua morte, a ofensa feita a Deus pelo primeiro
homem, ao colher os frutos da árvore da ciência do Bem e do
Mal. Este teria sido o pecado original, cujas conseqüências todos
os homens sofrem.
É do Génesis hebraico que foi tirada essa doutrina, de que
os Evangelhos não falam e que foi estabelecida muito depois.
Anatole France, em La Revolte des Anges, se insurge contra essa fábula
do cristianismo judaizado, que vê no Cristo o Filho de Deus enviado
à Terra para resgatar com seu sangue a dívida dos homens.
"Não é incrível, diz ele, que a dor resgate a
falta, e é menos crível ainda que o inocente possa pagar pelo
culpado."
A idéia do sacrifício redentor do Cristo desaparece. Como
escreveu, com justeza, o padre Alta, em seu livro Saint Paul:
"Ë de fato uma blasfêmia supor que Deus possa exigir, ou
mesmo aceitar, em expiação dos pecados do mundo, um crime
mais abominável que todos os crimes: a crucificação
do Cristo."
Fazer da vinda do Cristo à Terra um sacrifício expiatório
leva a pensar que o próprio Deus, para apagar os pecados dos homens,
deixou-se condenar à morte por eles. O que justificaria a frase irônica
de Voltaire:
"Deus matou Deus para honrar a Deus."
O sacrifício feito por parte do Cristo não é a sua
morte, pois ele não podia sofrer nem morrer; é a sua vida
durante esses três anos passa dos na Terra, onde conheceu todos os
abandonos, onde foi escarnecido, perseguido, incompreendido, até
por seus discípulos e pelos que lhe estavam mais próximos,
pois vimos os parentes de Jesus dizer, ao vê-lo pregar: "Ele
perdeu a razão" (Marc III, 21).
O motivo da encarnação do Logos solar nos é dado nas
doutrinas hindus, tiradas, por sua vez, do cristianismo nestoriano e adaptadas
ao bramanismo. Com efeito, Vichnou, que corresponde ao Cristo, encarna-
se sobre a Terra, dizem os hindus, toda vez que se faz sentir a necessidade
de levar de volta os homens ao caminho do bem. Ele já teria se encarnado
nove vezes; em sua última encarnação, usava o nome
de Krishna, e espera- se pela sua décima encarnação.
Na realidade, o Logos solar só desceu uma única vez à
Terra, e isso a fim de levar os homens a conhecer o verdadeiro Deus e ensinar-lhes
uma moral altruísta, que não existia nem entre os judeus nem
entre os gregos.
O Deus solar havia sido objeto do culto dos homens desde o início
das civilizações; mas a existência de um Deus universal
era ignorada. Tornara-se indispensável revelá-la aos homens.
Houve o Buda, mas o Budismo era uma religião sem Deus; houve o judaísmo,
mas ele honrava um Deus particularista, que só se interessava pelas
tribos de Israel. Quanto aos gregos, se Pitágoras ensinou a existência
do Deus supremo e se se construiu em Atenas um Templo "ao Deus desconhecido",
o povo, tendo perdido o significado profundo dos mitos e das lendas, tomando
ao pé da letra o que não passava de um símbolo, caíra
nas superstições grosseiras ou no ateísmo trocista
de um Aristófanes.
Vê-se, portanto, que Crista veio para o meio dos homens:
1º ) Para trazer uma mensagem de amor e lembrar-lhes a existência
desse Deus que eles haviam esquecido.
2º ) Para nos ensinar uma moral superior à moral dos judeus
e dos gregos. A lei de Moisés declarava: "Não matarás."
No entanto, todo o Antigo Testamento está repleto de ordens dadas
por Jehovah para mas massacrar os inimigos de Israel. Entre os judeus, a
mulher adúltera era apedrejada e havia a lei de talião: olho
por olho, dente por dente. Entre os gregos, havia a escravidão e
o politeísmo. Cristo veio ensinar-nos a igualdade de todos os homens,
a fraternidade universal, o perdão das ofensas, a unidade de Deus.
3º ) Cristo veio trazer-nos um Conhecimento religioso, uma gnose.
4º ) Cristo veio instaurar um rito de fraternidade com a partilha do
pão e do vinho, que são a sua carne e o seu sangue, raios
materializados do sol. Esse rito transformou-se na comunhão cristã.
5º ) Cristo veio ensinar-nos a rezar, em todos os lugares, e não
em lugares determinados, e isso em espírito, e não através
de preces maquinais, estereotipadas e vazias de qualquer significado. Além
do mais, ele nos diz que tudo o que pedirmos a seu Pai, o Deus supremo,
em seu nome, ele nos concederia (se se tratar de pedidos desinteressados).
Nunca o mundo havia conhecido semelhante doutrina. Buda, que veio 500 anos
antes, não trouxera nada mais do que uma moral, ele jamais falou
num Deus exterior ao mundo, e proclamava a necessidade de nos libertarmos
da existência, pois a vida era um sofrimento, para atingir o nirvana
ou a existência inconsciente.
Cristo, pelo contrário, veio proclamar a necessidade de nos elevarmos
cada vez mais, pelo Conhecimento e pelo Amor, de modo a nos tornarmos, nós
mesmos, deuses. Com ele, o futuro não tem fim, numa ale cada vez
maior de conhecer e de amar.
Para tanto, ele nos faia da necessidade de um novo nascimento para a vida
do espírito, depois do primeiro nascimento na vida corporal. Por
esse novo nascimento, atingimos a posse de riquezas espirituais, que nos
servirão através de nossas sucessivas existências.