O Agente Incógnito
C. Rebisse


Agente Incógnito! Eis um título que faz sonhar, em especial os Martinistas. O que já não foi dito sobre esse título eivado de mistérios! Mas quem é esse enigmático agente? Será, como disseram, aquele que se ocultava por trás de Louis-Claude de Saint-Martin e do qual o Filósofo Desconhecido seria apenas intérprete? Esse enigma, que deu motivo às interpretações mais exóticas na época de Papus, foi resolvido em 1938 por Alice Joly Não obstante, muitos martinistas continuam ignorando esse episódio da história do martinismo e por isto achamos que é conveniente lembrá-lo.
Situemo-nos inicialmente na origem da polêmica. Quando, em 1782, foi publicado o livro de Saint-Martin, "O Quadro Natural", o editor julgou que se ria interessante acrescentar, como introdução, uma breve nota chamando a atenção dos leitores. Segundo ele, o estilo e a caligrafia do manuscrito desse texto que um desconhecido lhe havia confiado, faziam pensar que o livro tinha sido escrito por dois autores, dos quais um parecia comentar, com textos escritos nas margens, o texto principal. Para diferenciar os dois textos, o editor colocou entre aspas o que considerava comentários. Será que devemos concluir disso que Saint-Martin era apenas o comentarista de um texto que lhe tinha sido confiado? O mistério sobre a origem dos escritos do Filósofo Desconhecido estava lançado e os sucessivos editores desse livro reproduziram essa nota. Papus fez o mesmo quando re-publicou esse livro em 1900.
Papus foi mais longe nessa história e deu origem a uma verdadeira lenda sobre a fonte dos primeiros escritos de Saint-Martin, atribuindo-os ao "Agente Incógnito". Em seu livro "Martinismo, Willermosismo e Franco-Maçonaria", Papus declara: "Sabemos formalmente, por documentos atualmente colocados sob a guarda do Supremo Conselho Martinista e por palavras provindas diretamente de Willermoz, que as sessões reservadas aos Membros capa zes de justificar seus títulos de iluminados eram voltadas para a prece coletiva e para as operações que permitiam a comunicação direta com o Invisível [ .] O que devemos revelar e que lançará uma grande luz sobre muitos pontos é que os iniciados chamavam de "Filósofo Desconhecido" o ser invisível que se comunicava com eles; que foi ele que transmitiu, em parte, o livro "Dos Erros e da Verdade", e que Saint-Manin só tomou para si esse pseudônimo mais tarde por isso lhe ter sido ordenado O "Agente ou Filósofo Incógnito" teria ditado 166 cadernos de instrução, dos quais Louis-Claude de Saint-Martin tinha tomado conhecimento, copiando alguns de próprio punho" Temos aí a lenda explicada, mas as provas, pretensamente detidas por Papus, eram bem frágeis, como veremos.
O Mesmerismo
O título de "O Agente Incógnito" foi efetivamente utilizado na época de Saint-Martin a partir de 1785, ou seja, quinze anos antes da edição de seu primeiro livro, em condições que Papus aparentemente ignorava. Para compreender o que significa a noção de "Agente Incógnito" devemos evocar rapidamente o contexto em que ela evoluiu. No final de 1783, o Mesmerismo começa a se expandir em Lyon. A virtude terapêutica do fluido magnético divulgado por Mesmer, apaixona. Inevitavelmente, todos que se inclinam para as ciências do invisível, em primeiro plano os Elus-Cohen, ficam rapidamente seduzidos pelo lado espetacular dessa prática. Jean Willermoz não escapa ao entusiasmo geral e participa a partir de 1784 na sociedade magnética "La Concorde", fundada em Lyon pelo Dr. Dutrech. O próprio Saint-Martin, em fevereiro de 1784, é recebido no "Harmonia" de Mesmer, em Paris. Mas o mesmerismo vai rapidamente assumir uma nova orientação graças às descobertas do Marquês de Puysegur. Este havia constatado que um sujeito mergulhado num sono magnético tomava-se dotado de uma clarividência surpreendente e em capaz de responder perguntas que tocavam as coisas do invisível. Esse método que permitia interrogar um sujeito sobre os problemas mais diversos seduziu rapidamente os membros do "La Concorde" que viam nele um meio novo de dialogar com o invisível.
Jean-Baptiste Willennoz, convencido de que tinha encontrado um novo instrumento para levar a bom termo sua busca, utilizou como médium Mile Rochette. Ele anotou cuidadosamente os resultados desses sonos magnéticos em cadernos que chegaram às mãos de Papus e que hoje se encontram nos arquivos da biblioteca de Lyon
Após o entusiasmo inicial, essa prática toma-se limitada. Alice Joly constata: os processos verbais dos primeiros sonos magnéticos nos parecem bem monótonos. As mensagens dessas almas que deveriam trazer pela boca da vi dente proposições edificantes, são de uma banalidade espantosa. Precisamos dizer que estamos decepcionados ?" 4
A Sociedade dos Iniciados
Para Jean-Baptiste Willennoz, tudo mudou quando o dia 5 de abril de 1785 lhe trouxe uma série de cadernos escritos, psicografados em sua intenção. Os textos tinham sido escritos por um médium que, mergulhado no sono magnético, escrevia guiado por uma mão invisível. Bem antes de AlIan Kardec, Willermoz fazia a experiência da escrita mediúnica. As misteriosas mensagens transmitidas a Willermoz lhe ordenavam que fundasse um grupo secreto: a "Sociedade dos Iniciados" com a finalidade de tomar-se o "centro geral da luz dos últimos tempos e da perfeita e primitiva iniciação" Era a partir desse no vo centro que a luz devia ser propagada para todos aqueles que se mostrassem dignos. O Agente Incógnito impôs uma condição ao recrutamento de membros da Sociedade dos Iniciados: todos deviam ser C.B.C.S. (Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa- o Mais alto Grau da maçonaria do Regime Escocês Retificado - NT); além disso, o próprio Agente Incógnito comunicava os nomes dos eleitos para essa sociedade. A doutrina consignada aos cadernos escritos por um médium logo seduziu Wíllermoz, pois confirmava e retomava a que fora exposta por Dom Martinêz de Pasqually. Rapidamente ele organizou uma loja dessa nova sociedade, com o título de "Loja Eleita e Amada da Beneficência". Esse grupo parecia verdadeiramente ser "uma sociedade voltada para o poder invisível de um Superior Incógnito" Saint-Martin estava em Paris. Já havia algum tempo ele tinha se afastado de toda atividade maçônica e não compartilhava das idéias de seu amigo Willermoz quanto à maneira de continuar o trabalho iniciado com os Elus-Cohen. Não obstante, após ter sido informado da situação, decidiu ir a Lyon para ver quem seria o misterioso Agente. Para satisfazer as exigências do Agente Incógnito, aceitou receber a iniciação como C.B.C.S. em julho de 1785, para poder tornar-se membro da Sociedade dos Iniciados.
O Fim do Mistério
Jean-Baptiste Willermoz, verdadeiramente missionado pelo Agente Incógnito recebia os estranhos cadernos contendo os ensinamentos transmitidos pelo Agente. Em 1785, quarenta e seis cadernos já lhe tinham chegado às mãos. O entusiasmo inicial esmoreceu após um ano. As mensagens eram freqüentemente incompreensíveis, cheias de contradições, e as promessas do Agente não se cumpriam. Willermoz acabou suspeitando da autenticidade das mensagens, pois duvidou que "um intermediário do ser celeste fosse tão ignorante a ponto de se preocupar com questões maçônicas e mesmo com pequenos problemas das lojas" Ele nada sabia sobre a qualidade daquele ou daquela que, por meio da escrita automática, recebia as mensagens. A fim de se esclarecer sobre a atitude que devia tomar, consultou M Rochette. Esta ultima, feliz por constatar que não tinha sido esquecida, propôs a Willermoz colaborar com o Agente para ajudar a canalizar melhor a sua inspiração. Segundo Alice Joly, é provável que, com essa confrontação, Mille Rochette tentasse eliminar um rival e retomar o lugar que o Agente lhe havia tirado. O Agente, que desejava manter-se incógnito, após muitas reticências aceitou revelar-se e, em abril de 1787, o mistério se esclareceu, o Agente se apresentou a Willermoz. Tratava-se de uma mulher, Mme de Valliàre, Marie-Louise de Monspey, cônega de Remiremont. Ela era irmã de Alexandre de Monspey, um magnetizador muito conhecido em Lyon e que além disso era Elu-Cohen. A máscara tinha sido retirada e Jean-Baptiste Willermoz, provavelmente desapontado, aceitou os conselhos de Mile Rochette para canalizar melhor o Agente.
Alguns meses mais tarde, em outubro de 1788, Willermoz, provavelmente sentindo que estava a caminho de um impasse, convocou uma reunião dos membros da Sociedade dos Iniciados. Expôs suas dúvidas e preferiu retirar-se da direção do grupo. Quanto a Saint-Martin, não se tendo deixado enganar por muito tempo, partiu em busca de novos horizontes, confortado pela idéia de que a inclinação pelo maravilhoso e espetacular não costuma combinar com o verdadeiro trabalho místico. Seja como for, o episódio durante o qual os martinistas lioneses se iludiram com o magnetismo foi prejudicial para os projetos de Willermoz e provavelmente contribuiu para desorganizar os C.B.C.S., que mal tinha sido formada. Quanto ao Agente Incógnito, continuou seu trabalho mesmo sob o regime do terror, mas a Sociedade dos Iniciados foi se dispersando progressivamente. Após a morte de Paganucci em 1797, foi Jean-Luc Périssc-Duluc quem se tornou depositário dos cadernos do Agente. Em 1800, após a morte deste último, os documentos reverteram à posse de Jean-Baptiste Willernioz, que os classificou cuidadosamente, assegurando-se de que em nenhuma parte aparecesse o nome da que tinha servido como Agente Incógnito. O próprio Papus ignorava todos os detalhes desses fatos, pois foi só em 1938 que Alice Joly descobriu o nome que se ocultava por trás do Agente Incógnito, Madame dc Vallièrc de Monspey. O livro que Alice Joly publicou em 1939, "Um Mistico Lionês e os Segredos da Franco-Maçonaria", contém numerosos detalhes sobre esse episódio.
1 Alice Joly "Um Místico Uonôs e os segredos da Franco-Maçonaria, Jean-Baptiste Willermoz". Ed. de Mâcon 1938, depois Ed. Déméter 1986. Ver também "Do Agente Incógnito ou Filósofo Desconhecido": (em colaboração com Robert Amadou), Denoel 1961.
2 "Martinesismo, Willermosismo e Franco-Maçonaria". Paris 1899, Chainuel pág. 14.
3 Biblioteca municipal de Lyon ms 5526 e 5478. Emíle Dermenghen publicou uma parte desses textos em "Sonos", Paris 1926, ed. La ConuSsance. Paul Vuuiaud também in cluiu extratos desses textos em seu livro "Os Rosacruzes Lioneses", ed. Emile Nourry, 1929.
4 Alice Joly "Um místico Lionês e os segredos da Franco-Maçonaria, Jean-Baptiste Wil lermoz", Mâcon 1938, pág. 228.
5 Carta de Willermoz ao Duque Ferdinand de Brunswick, de 30 de julho de 1785, em "Episódios da Vida Esotérica", 1780-1824, opus citado, pág. 63.
6 Alice Joly, opus citado, pág. 232.
7 Alice Joly, opus cilado, pág. 243