Este
E O Outro Mundo
Louis-Claude de Saint-Martin
De tudo isto veremos nascer uma claridade que poderá parecer extraordinária,
mas que não será menos real: é que se o homem é
um meio seguro e direto de demonstrar a essência divina; se as provas
que extraímos da ordem externa deste mundo são defeituosas
e incompletas; enfim, se as suposições e as verdades abstratas
que emprestamos a este mundo são tomadas na ordem metafísica,
e não têm mais existência na natureza, resulta daí,
evidentemente, que nada compreendemos neste mundo onde estamos, senão
pelas luzes do mundo onde não estamos; que é bem mais fácil
atingir as luzes e as certezas que brilham no mundo onde não estamos,
que nos adaptarmos com as obscuridades e as trevas que cercam o mundo aonde
estamos; que, enfim - porque é necessário dizê-lo -
estamos bem mais perto daquilo que chamamos o outro mundo, do que estamos
deste.
Não é inclusive muito difícil convir que é por
abuso que chamamos o outro mundo, o mundo onde não estamos, e que
é este que é verdadeiramente o outro mundo para nós.
Porque se, com rigor, duas coisas podem ser outras respectivamente, uma
pela outra, existe, no entanto, entre elas, uma prioridade, seja de fato,
seja de convenção, que força a olhar-se a segunda como
outra em relação à primeira, e não a primeira
como outra em relação à segunda; porque o que é
primeiro é um e não pode oferecer diferença, como não
tendo ponto de comparação anterior a si; ao passo que o que
é segundo encontra antes de si este ponto de comparação.
Tal é o caso dos dois mundos em questão. Deixo ao leitor comparar
as luzes e as certezas que encontramos na ordem metafísica, ou no
que chamamos o outro mundo, com as obscuridades, as aproximações
e as incertezas que encontramos naquele em que habitamos; e eu o deixarei
igualmente pronunciar se o mundo onde não estamos não tem
alguns direitos à prioridade sobre este cm que estamos, tanto pelas
perfeições e pelos conhecimentos que ele nos oferece, quanto
pelo conceito de antiguidade que ele parece ter sobre este mundo de ttn
dia onde nos encontramos aprisionados.
Porque somente os escravos da ignorância e dos julgamentos precipitados,
poderiam imaginar fazer descer o espírito da matéria e, por
conseqüência, o que chamamos o outro mundo deste, enquanto que
este pareceria, ao contrário, derivar do outro, e só vir depois
dele.
Assim, pois, se o mundo onde não estamos, enfim, se este que nós
chamamos o outro mundo tem, em todos os gêneros, a prioridade sobre
este, é verdadeiramente este mundo aqui, ou o mundo onde estamos
q é o outro mundo, porque ele te antes dele uni termo de comparação
do qual ele é-a diferença; e aquilo que chamamos o outro mundo
sendo um ou o primeiro arrasta necessariamente consigo todas essas relações,
e só pode ser um mundo modelo e não um outro mundo.
Isto nos mostra igualmente quanto o Homem-Espírito deve encontrar-se
extra alinhado enquanto aprisionado pelos elementos materiais, e quanto
esses elementos materiais ou este mundo aqui é insuficiente para
assinalar a divindade: falando mais rigorosamente, não saímos
jamais do outro mundo ou do mundo do Espírito, apesar de tão
poucas pessoas acreditarem em sua existência. Não podemos duvidar
desta verdade, já que mesmo para fazer valer as provas que extraímos
da matéria ou deste mundo aqui, somos obrigados a emprestar-lhe as
quantidades do espírito ou do outro mundo. A razão de fato
é que tudo está ligado ao espírito, e que tudo corresponde
ao espírito.
Assim, a única diferença que existiria entre os homens é
que uns estão no outro mundo tendo consciência disto, e que
os outros nele estão sem o saberem.