A Oração No Martinismo
Christian Rebisse
Os leitores
atentos de Louis-Claude de Saint-Martin conhecem a importância que
o Filósofo Desconhecido atribui à prática da oração.
Em geral, temos a tendência de pensar que é isso que o diferencia
das práticas de seu primeiro instrutor, Dom Martinez de Pasqually,
que preconizava um método mais oculto, a teurgia. Todavia, se acharmos
que vale a pena estudar os documentos relativos aos trabalhos dos Elus-Cohen,
rituais e catecismos que já há alguns anos estão à
disposição dos pesquisadores, poderemos constatar que essa
diferença não é tão importante quanto possa
parecer. A oração, na verdade, ocupa um lugar muito importante
na teurgia dos Elus-Cohen.
A prece segundo Dom Martinez de Pasqually
A teurgia de Pasqually é uma santa magia. Seu propósito essencial
é oferecer aos Elus-Coben a purificação mais perfeita
possível do corpo, da alma e do espírito, a fim de fazer deles
"receptáculos' dignos das mais elevadas "comunicações"
angélicas . Os iniciados Cohen, assim purificados, ficavam então
capacitados a entrar em contato com os seres angélicais, intermediários
necessários aos homens desde sua queda, para receberem as diretrizes
divinas. Ao contrário da magia vulgar, a teurgia de Pasqually não
utiliza nenhuma arma "mágica", bordão ou espada,
sendo seu utensílio favorito o incensário. E verdade que ele
utiliza procedimentos teúrgicos habituais da magia cerimonial, traçados
de círculos e palavras de poder (hieróglifos de nomes angélicos),
respeito às fases da lua, mas também faz uso da oração
de uma forma importante.
Sejam provenientes de Dom Martinez ou tiradas da sagrada Escritura, as invocações
ocupam um lugar muito importante nas práticas Elus-Cohen. Num ritual
tão essencial para o progresso de um Elu-Cohen como o intitulado
"Preces e trabalhos para a reconciliação do homem de
desejo com seu ser espiritual" os Salmos ocupam um lugar privilegiado.
Nessa cerimônia, o Cohen utiliza os sete primeiros salmos para as
suas prosternações na direção dos quatro pontos
cardeais. O primeiro é recitado de frente para o Oeste, o segundo
de frente para o Norte, o
terceiro de frente para o Sul, o quinto e o sétimo de frente para
o Leste e o quarto e sexto no centro. A leitura desses textos provavelmente
se destinava a auxiliar o Cohen a alcançar a purificação
necessária para atingir um estado ideal de receptividade espiritual.
Essa técnica não foi inventada por Dom Martinez. Ela tem suas
raízes nas antigas práticas do esoterismo judaico, pois o
Zohar e o Talmud testemunham essa utilização em muitas passagens.
A esse respeito, a salmodia do salmo 118 sempre foi particularmente recomendada
para a manutenção de um laço transcendental com o Divino.
A. Kaplan defende o ponto de vista de que os Salmos eram utilizados como
técnica de meditação, como a dos mantras, para atingir
estados elevados de consciência.
Nos trabalhos diários dos EIus-Cohen, os Salmos ocupam um lugar relativamente
importante. O caminho dos êmulos de Dom Martinez é, com efeito,
pontuado por uma oração, "a prece das seis horas".
Cada Elu-Cohen deve dedicar- se diariamente a esse trabalho, repartido em
quatro fases (uma a cada seis horas). A primeira prece é feita de
manhã às seis horas, a segunda ao meio-dia, a terceira às
dezoito horas e a última à meia-noite. Nessas orações,
os salmos ocupam um lugar importante. As outras preces utilizadas nesses
trabalhos são compostas de numerosas invocações "do
santo nome de Jesus ( Yeschouá - NT) De preces à Virgem e
ao anjo da guarda. O "Pater" e a "Ave Maria" não
estão ausentes dessas práticas. A oração da
meia-noite não encerra a jornada de um EIu-Cohen, que termina com
a belíssima "prece que deve ser rezada quando se está
recolhido, prestes a adormecer"
Os "Catecismos dos Comandantes do Oriente" (ou seja, do grau que
precede o de Réaux-Croix, último da hierarquia Cohen) igualmente
salientam a importância da prece. Indicam que, antes de iniciar seus
trabalhos, o aprendiz Réaux-Croix deve "retirar-se do turbilhão
do mundo; dispor-se pela prece, recitando os sete salmos que ele dividirá
em três partes a cada dia: três salmos de manhã, os dois
seguintes depois do meio-dia, e os dois últimos ao pôr-do-sol".
Dom Martinez recomenda a seus discípulos que rezem todo dia o oficio
do Espírito Santo. Ele também lhes aconselha que recitem toda
quinta-feira o "miserere mei" (prostrados na direção
do Oriente) c o "de Profundis" (com o rosto tocando o chão).
Por suas preces, os Elus-Cohen manifestam o poder do Verbo. Essa prece "deve
ser a expressão da faculdade da palavra que constitui o homem, semelhança
divina Como podem ver, o caminho de um Elu-Cohen nada tinha a invejar de
um beneditino, e provavelmente essa disciplina exigente foi a responsável
pela desistência de muitos discípulos de Dom Martinez.
A prece segundo Louis-Claude de Saint-Martin
Se parece provável que Saint-Martin tinha uma atração
natural pela oração, é bem possível que essa
tendência tivesse sido desenvolvida por seu trabalho de Elu Cohen.
Com efeito, essa preocupação aparece desde os seus primeiros
passos no caminho Cohen e seu "Livro Vermelho" o caderno onde
o jovem iniciado anotava suas reflexões, testemunha isso em numerosas
passagens: "Purifica teu corpo, e em seguida apresenta-o à prece;
o resto se fará naturalmente e este é todo o segredo".
Um outro texto, da época em que Saint-Martin era um Elu-Cohen ativo,
evidencia esse interesse. Saint-Martin explica: "A prece é o
verdadeiro alimento da alma, é quando ela coloca principalmente em
ação todas as suas faculdades; também é dela
que ele retira suas maiores forças e toda evidência da luz
. O estado da alma na oração é um combate em que ela
se despoja de tudo que lhe seja estranho, para se renovar com toda pureza,
claridade e sublimidade de sua natureza".
O interesse pela oração cresce continuamente no espírito
do Filósofo Desconhecido e os textos em que ele se expressa a esse
respeito são muito numerosos. O primeiro a chamar nossa atenção
é o que tem por título "A Prece ". E um pequeno
tratado sobre o que é a oração e o modo de praticá-la.
Saint-Martin salienta que a prece possui um aspecto fundamental. Ela é
"como a consumação ", a vivência de verdades
que o conhecimento e o estudo apenas entremostram. Ela é participação
do conhecimento, ela faz penetrar naquele "magismo divino que é
a vida secreta de todos os seres". Essa participação
no mistério da Criação, Saint Martin a chama "a
admiração ". Essa prece é uma contemplação.
Se a prece propiciava longas invocações com Dom Martinez,
a de Saint-Martin se ocupa pouco com palavras, ela é o silêncio
do ser na presença do Ser. Pouco importam as palavras; é o
coração que deve falar nessa comunhão, não a
cabeça. Não há qualquer necessidade "dessas preces
que somos obrigados a recitar por toda parte, espremendo-as em fórmulas
ou em pueris e escrupulosos hábitos". O trabalho de adoração
que Saint-Martin preconiza consiste em abandonar a vontade humana para permitir
que circule a vontade divina. Abrir o coração para ali deixar
entrar aquele que nada mais deseja senão penetrar em seu santuário,
o coração do homem. Nessa comunhão não é
mais o homem que ora a Deus, mas Deus que ora no homem.
Mas essa comunhão total o discípulo só atinge depois
de certa preparação. Pois "essa obra é tão
importante que deves te guardar de desejá-la antes que tuas substâncias
estejam suficientemente puras e fortes para suportá-la" pois
o puro não se mistura com o impuro. Além disso, Saint-Martin
dá um conselho àquele que deseja conhecer essa inefável
luz: "Purifica-te, roga, recebe, age, toda a obra está contida
nesses quatro tempos ". Segundo Saint-Martin, a prece constitui a chave
fundamental da jornada mística, da iniciação, que,
para ele e Dom Martinez, regenerará o quaternário menor. Essa
prece se parece com a meditação, com a comunhão silenciosa
com Deus. E o meio pelo qual o homem pode atingir as esferas superiores,
de que as esferas visíveis são tão-somente imagens
imperfeitas.
Vimos que para Dom Martinez a prece parecia ser essencialmente vocal, enquanto
que até agora, no que se refere a Saint-Martin, acentuamos o lado
"silencioso". Mas observemos que Saint-Martin vê nos dois
procedimentos virtudes que são ao mesmo tempo diferentes e complementares.
Segundo ele, a prece mental tem uma força igualmente defensiva e
atrativa com relação ao Bem, enquanto que a prece vocalizada
acrescenta a essas mesmas qualidades o poder "de vencer o inimigo,
o que a torna superior". A prece muda é aconselhada pelo Filósofo
Desconhecido para aquecer o coração, quando este está
seco e vazio de Deus. Mas, assim que o coração esteja pleno
dessa Presença, ele aconselha a prece verbal, pois que então
ela é o "ser!,". verbo Para Saint Martin a prece é
um ato, o ato mais puro de que o homem é capaz O pedido do homem
unido ao pensamento de Deus pela vontade se manifesta na ação,
e ao imitar Deus essa ação é Verbo.
Saint-Martin nos deixou um belo testemunho sobre a oração,
as "Dez Preces' ( já publicado no site Hermanubis - NT) Provavelmente
ele compôs esse coletânea de orações já
no fim da vida. Esses textos testemunham que a prática da oração
foi uma constante na vida interior do Filósofo Desconhecido. Deixaremos
que ele conclua com um conselho que resume perfeitamente o propósito
deste trabalho: "O segredo de nosso progresso consiste na oração,
o segredo da prece na preparação, o segredo da preparação
numa conduta pura, o segredo de uma conduta pura no temor a Deus, o segredo
do temor a Deus em seu amor. Assim, o amor é o princípio e
o centro de todos os segredos.