O Homem libertado da prisão de seu sangue.
Louis Claude de Saint Martin
Vimos que,
após a queda, o sangue se tornou uma barreira e uma prisão
para o Homem, e que havia a necessidade deste sangue ser purificado a fim
de que o Homem recupere sua liberdade progressivamente, através das
transposições que o derramamento deste sangue forjou a seu
favor. Contudo vimos, ao mesmo tempo, que cada uma das leis fornecidas para
a sua regeneração era apenas uma espécie de iniciação
a uma lei ainda mais elevada; o objetivo de todas estas leis preparatórias
era levar o Homem a fazer um sacrifício livre e voluntário
de si próprio; nenhum sacrifício prévio poderia substituir
a este, uma vez que, sem o derramamento de seu próprio sangue, ele
não pode afirmar que está realmente libertado da prisão
em que seu sangue o enclausurou.
Ora, o que lhe poderia ensinar esta bela e profunda verdade? Que o ideal
não era o sacrifício de animais, já que estes, destituídos
de moralidade, não deu ao Homem idéia alguma de sacrifício
voluntário; e como eles traziam nada mais que seus corpos ao altar,
nada mais podiam conseguir do que liberar suas correntes corporais.
Tampouco o sacrifício e morte dos profetas foi suficiente, já
que estes não morreram voluntariamente, embora possam ter tido resignação;
esta morte foi, para aqueles que a sofreram, apenas uma incerta conseqüência
de suas missões, e não a missão propriamente dita;
eles foram enviados apenas para enunciar a chegada do dia eterno da libertação
do Homem; além disso, desejaram observar este dia eterno, que proclamaram
sem conhecerem, e que avistaram apenas parcialmente, de tempo em tempo,
e através de lampejos do espírito.
As condições necessárias da vítima e do sacrifício
para
libertar a humanidade.
Posto que a palavra e o sangue dos profetas foram mais úteis ao Homem
do que as vítimas da lei Levítica - e de ocorrerem desde a
época de Adão até os dias de hoje; e por Adão,
após sua queda, ter a lembrança de seu crime e do sacrifício
do Amor que a Bondade Suprema havia feito voluntariamente a seu favor a
fim de arrancá-lo do abismo - vemos que desde o primeiro pacto divino
e a partir da região pura onde a verdade habita, uma contínua
corrente de luz e misericórdia se estende ao Homem, através
de todas as épocas, até o fim dos tempos, até retornar
à morada de onde descende, levando consigo todas as almas pacíficas
que terá coletado em seu caminho; que o Homem saiba que foi o Amor
que abriu, dirigiu e fechou o círculo de todas as coisas.
A transição da época profética para aquela das
boas-novas sobre a libertação universal.
O sangue e as palavras dos profetas levou o povo hebreu apenas até
as vias do templo da região divina, porque não havia chegado
o tempo em que o Homem podia adentrar ao templo propriamente dito. Muitos
profetas foram empregados nesta obra preparatória, e a mão
que os guiou no deserto lhes traçou diferentes caminhos pelos quais
nunca haviam passado. Por esta razão, cada profeta, percorrendo seu
próprio caminho particular, nem sempre sabia o termo final para o
qual suas profecias apontavam.
O povo, que não havia reconhecido a lei do Espírito nas cerimônias
Levíticas, apesar de lá estar presente, tampouco reconheceu
a lei divina contida na lei do Espírito, ou as profecias; além
do mais, continuaram a caminhar nas trevas e assim chegaram à época
da libertação universal, que nunca deixou de ser anunciada
pelos profetas, de acordo com o conhecimento de cada um; a época
da libertação universal também é citada nos
livros de Moisés, particularmente nas bênçãos
que Jacó proferiu a seus filhos; se o povo tivesse feito um cuidadoso
estudo destes livros, teria encontrado algo que prenderia suas atenções,
a passagem do poder temporal de Judá para as mãos de Herodes!
A união secreta de todas as leis divinas.
A íntima união de todas estas leis é um dos mais sublimes
segredos da Santa Sabedoria, que se mostra, assim, ser sempre uma, apesar
da diversidade e dos intervalos de suas operações.
O povo judeu era demasiadamente bruto para penetrar esta simples e profunda
verdade. Onerado, sobretudo, por todas as iniqüidades cometidas ao
negligenciar as leis e recomendações de Moisés e pelo
derramamento do sangue dos profetas, o povo judeu viu que a lei da graça,
cujo o tempo havia chegado para toda a humanidade, recaiu sobre este como
reprovação, já que falhou no seu papel de representante
desta lei; ao invés de eliminarem seus crimes através da fé
na nova vítima, que veio para oferecer-se a si próprio, eles
o colocaram ainda mais longe ao libertarem sua mente; não o conduziram
àquela sublime idéia de um sacrifício submisso e voluntário,
encontrado no conhecimento do abismo ao qual nosso sangue nos retém
e na viva esperança de nossa libertação absoluta quando
este sacrifício é feito sob os olhos da Luz e no verdadeiro
movimento de nossa natureza eterna.
Assim, uma outra vítima foi requisitada, alguém que reunisse
em si as propriedades das vítimas precedentes e que ensinasse o Homem,
através do preceito e exemplos, o verdadeiro sacrifício que
ele ainda tinha que fazer para cumprir completamente o espírito da
lei.
Esta vítima deveria ensinar ao Homem que, para alcançar o
objetivo essencial do sacrifício, não é suficiente
que ele morra como carneiros e touros, sem a participação
do espírito de que estavam privados; ensinar que, ainda não
é suficiente que morra corporalmente, como os profetas, mortos injustamente
pelas paixões do povo para o qual pregavam a verdade, pois acreditavam
que pudessem escapar deste erro, assim como Elyah, sem falharem em sua missão.
Era preciso ensinar ao Homem que era necessário, por sua própria
vontade, conscientemente e em perfeita serenidade, entrar em sacrifício
de seu ser físico e animal, assim como o único que poderia
separá-lo do abismo no qual está confinado pelo seu sangue,
que, para o Homem é o órgão e ministro do pecado; em
resumo, é preciso ensinar ao Homem a encontrar a morte como um triunfo,
que o eleva da posição de escravo e criminoso e lhe dá
posse de sua própria herança.
Estas condições se cumpriram no derramar do sangue
do Redentor.
Este era o segredo sublime que o Redentor veio revelar aos mortais; esta
era a luz luminosa que ele permitiu que os homens descobrissem em suas próprias
almas, ao sacrificar-se voluntariamente por eles, deixando-se capturar por
aqueles a quem veio derrotar através do sopro de seu verbo; orando
por aqueles que mataram seu corpo, o derramamento de seu sangue realizou
todas estas maravilhas, porque, ao mergulhar em nosso abismo de trevas,
o Redentor seguiu todas as leis de transposição pelas quais
esta região é constituída e governada.
De fato, o derramar do sangue de uma vítima deve operar de acordo
com a posição e propriedades das vítimas; se o sangue
de animais podia apenas libertar as correntes corporais do pecado no Homem,
que são todas elementares, se o sangue dos profetas libertaram as
correntes do espírito do Homem, ao permitirem que este discernisse
os raios da estrela de Jacó, o derramamento do sangue do Redentor
serviu para libertar as correntes de nossa alma divina, já que o
Redentor era o próprio princípio da alma humana, ele abriu
os olhos desta alma divina o suficiente para ver a exata fonte de sua existência,
e sentir que é unicamente através do sacrifício voluntário
interno de tudo aquilo o que está ou pertence ao nosso sangue, é
que podemos algum dia satisfazer o desejo e a vontade essencial que sentimos
de nos reunir com nossa fonte divina.