O Homem Espírito pode atingir sua regeneração ainda neste
mundo.
Louis Claude de Saint Martin
Não
é de se surpreender que uma revelação como esta abolisse
todos os outros sacrifícios e vítimas, uma vez que agora o
Homem é colocado exatamente na sua posição: assim,
de agora em diante, o Homem Espírito é elevado à posição
de um verdadeiro sacrificador e aguarda o momento de reentrar nos caminhos
da regeneração e atingir, pelo menos através de sua
compreensão, sua plena realização ainda neste mundo,
basta unir a si mesmo em coração, mente e obra com aquele
que abriu o caminho e atingiu o objetivo antes dele.
Revelação do Homem-Deus comparada com tudo o que
veio antes dele.
Aqui também não há surpresas; como todas as revelações
anteriores esta também deveria chegar até nós através
de um homem, já que o Homem era seu objetivo; mas o que eminentemente
a distingue das outras é que esta foi pregada, provada e inteiramente
realizada no Deus-Homem e no Homem-Deus, enquanto que, dentre as outras,
nenhuma teve este caráter universal.
A morte de Abel não foi voluntária: ela pode ter sido útil
para a elevação de Adão, na transposição
das influências desordenadas aderidas ao pai culpado da humanidade,
efetivadas através deste sangue que fora derramado; mas isto não
cumpriu a obra da aliança com Deus, pois Abel nada mais era do que
um homem concebido no pecado; seu irmão Seth foi escolhido, em seu
lugar, para transmitir ao Homem a continuação e o curso das
graças espirituais, aprisionadas pela sua morte.
A revelação da justiça feita a Noé e derramada,
diante de seus olhos, sobre a posteridade do Homem, o colocou, sem dúvida,
na primeira posição daqueles escolhidos pelo Senhor, para
a execução dos planos de sua Sabedoria divina; mas Noé
aparece, nesta grande catástrofe, mais como um anjo exterminador,
do que como um libertador da humanidade, além do mais, as vítimas
que ele oferece em sacrifício eram de uma natureza diferente da sua
e poderiam buscar auxílios para o Homem somente após ajudarem
sua própria espécie.
Abraão derrama seu sangue em circuncisão, como um sinal de
sua aliança com Deus e evidência de sua eleição:
mas ele não derramou o princípio, propriamente dito, de seu
sangue, onde residia sua vida animal; não é preciso acrescentarmos
mais nada além do que já foi dito sobre este patriarca.
Seu filho Isaac chegou bem perto, mas não consumou o sacrifício,
porque o Homem ainda estava no tempo das formas, e a fé de seu pai
foi suficiente para consolidar a aliança, sem manchá-la pelas
atrocidades do infanticídio.
Moisés serviu como órgão para a eleição
do povo Hebreu, foi até mesmo, como Homem, ministro deste povo; é
ainda como Homem que foi escolhido para operar sobre o Homem ou seus representantes
(os Hebreus); mas como agia somente sobre os representantes do Homem em
geral, era chamado apenas a empregar sacrifícios externos e vítimas
figurativas, por causa da permanente razão de que como o Homem estava
ainda apenas na era dos símbolos e imagens, a lei das transposições
só poderia operar sobre ele desta forma, não podendo se elevar.
Os profetas vieram, para dar seu sangue e sua palavra cooperando assim,
na libertação do Homem. Se houvesse a necessidade de que os
próprios homens viessem executar os decretos da justiça, e
traçar figurativamente os caminhos da regeneração,
seria ainda mais necessário que os homens viessem para abrir as entradas
dos verdadeiros caminhos do Espírito; os profetas eram o órgão,
a língua e a exata expressão do Espírito, enquanto
que Moisés recebeu a lei e a transmitiu unicamente sobre pedras;
em resumo, Moisés, diante dos mágicos do Faraó, só
tomou a serpente pela cauda; é preciso um poder maior do que Moisés
para pegá-la pela cabeça, de outra forma a vitória
não seria completa.
Tudo num profeta mostra o que eles queriam a fim de introduzirem o Homem
na revelação de sua própria grandeza; podemos acrescentar
uma razão simples e notável ao que já dissemos, a de
que estes homens altamente favorecidos não eram um Princípio
do Homem.
Podemos aqui encontrar uma explicação parcial da passagem
de São João (X.8): "Todos aqueles que vieram antes de
mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não lhes
deram ouvidos", embora esta passagem se aplique muito mais diretamente
aos grandes sacerdotes do que aos profetas, mostra claramente que todos
aqueles superiores e enviados eram incapazes de fazer com que o povo adentrasse
ao reino, já que caminhavam somente no espírito e o reino
é divino; mas esta passagem mostra também que eles não
eram verdadeiros pastores, uma vez que não ofereciam suas vidas voluntariamente
para o povo, e ao invés de protegê-lo do inimigo, freqüentemente
eram os primeiros a entregá-lo à sua própria ira.
Isto é o que Deus combateu de forma tão forte em Ezequiel
(XXII. 24-31), onde após marcar os crimes dos princípios e
os pecados dos profetas diz: "Tenho procurado entre eles alguém
que construísse o muro e se detivesse sobre a brecha diante de mim,
em favor da Terra, a fim de prevenir a sua destruição, mas
não encontrei ninguém".
As condições necessárias de um verdadeiro libertador
se completaram em Cristo. "Está feito".
Estava reservado a Ele, o Princípio do Homem, reunir todas estas
condições para o Homem. Nada senão este criativo, vital
e vivificante Princípio poderia ser o verdadeiro libertador, porque
o derramamento voluntário de seu sangue, ao qual nenhum sangue sobre
a terra pode ser comparado, foi capaz, por si só, de realizar o completo
deslocamento das substâncias estranhas mergulhadas no sangue do Homem.
Nada, senão este divino princípio poderia extrair a alma humana
de seu abismo, e identificá-la com sigo próprio, a fim de
que a alma fosse capaz de experimentar os prazeres de sua verdadeira natureza;
só Ele, sendo o depósito da chave de Davi, poderia por um
lado fechar o abismo e, por outro, abrir o Reino da Luz, restaurando o Homem
ao posto que sempre deveria ter ocupado.
Observá-lo somente de um ponto de vista externo e temporal, é
não saber nada sobre o Redentor, é não se elevar, através
de um desenvolvimento da compreensão, ao centro divino a que pertenceu.
Vamos, então, traçar, a partir da diversidade de características
com as quais foi revestido, alguns meios de adequar sua homificação
(Antropomorfização) espiritual as nossas débeis faculdades,
o que precedeu seu advento corporal.
Sendo o Eterno Princípio do Amor, era necessário, antes de
mais nada, que ele tomasse o caráter de Homem imaterial, seu Filho;
e para cumprir tal tarefa, foi suficiente olhar a si próprio no espelho
da Virgem Eterna, ou SOPHIA, no qual sua mente havia gravado, por toda Eternidade,
o modelo de todas as coisas.
Após se tornar Homem imaterial, pelo simples ato de contemplação
de sua mente no espelho da Virgem Eterna ou SOPHIA, era preciso se revestir
com o puro elemento, aquele corpo glorioso que está absorvido em
nossa matéria desde a Queda.
Após se revestir com puro elemento, ele tinha que se constituir de
princípio da vida corporal, unindo-se com o Espírito do Grande
Mundo ou Universo. Depois de se tornar o princípio da vida corporal,
era preciso se tornar elemento terrestre, unindo-se com a região
elementar; para tanto, teve que se fazer carne, no ventre de uma virgem
terrestre, revestindo-se com a carne procedente do pecado do primeiro Homem,
já que foi da carne, elementos e espírito do Universo (Grand
Monde) que veio nos libertar. Sobre isto, tenho que reportar o leitor a
Jacob Boehme que tem emitido tão grande e profunda luz sobre este
assunto.
Agora vemos porque o sacrifício feito pelo Redentor a cada passo,
descendo das alturas de onde caímos, era necessariamente apropriado
a todas as nossas misérias e todos os nossos sofrimentos. Este foi
o único sacrifício que culminou com aquelas confortantes,
ainda que terríveis palavras, "Está feito"; confortantes
pela certeza que nos dá de que a obra está realizada, e de
que nossos inimigos serão colocados sob nossos pés, sempre
que seguirmos os passos daquele que os subjugou; terríveis porque
se permitirmos que se tornem vãs através de nossa ingratidão
e indiferença, nenhum recurso, então, nos restará,
porque não podemos contar com nenhum outro Deus, e não há
nenhum outro libertador a esperar.
Agora não é hora de expiar nossas faltas e limpar nossas manchas
através do sacrifício de animais, já que Ele próprio
expulsou as ovelhas, bois e pombos do Templo. Não é tempo
em que os profetas podem vir e abrir a nós os caminhos do Espírito,
pois já deixariam estes caminhos abertos e o Espírito olha
por nós continuamente.
Finalmente, não é mais tempo de esperar que o Salvador das
nações venha até nós, Ele já veio; sendo
o princípio e o fim de todas as coisas, não podemos agir como
se houvesse outro Deus depois dele, e nem lhe negar uma fé sem limites
e uma convicção universal, já que tudo o que sabemos
sobre isto aprendemos com ele, seria uma ofensa; a fé e a convicção
de fato só poderia repousar nele, real e fisicamente, pois só
o Redentor é universalidade. Está feito.
Desta forma, não temos outro trabalho, outra tarefa senão
a de nos empenhar, ao máximo, a fim de participarmos da obra acabada
e banir de nós tudo o que possa evitar nosso progresso.
Origem e natureza do mal moral, uma transposição,
sua retificação.
Se o Redentor, pela virtude da simples mas frutífera lei das transposições,
restaurou todas as nossas essências ao seu lugar e fez com que as
trevas e a desordem desaparecessem para o Homem restabelecendo-o em seu
posto, é fácil reconhecer que o mal não é um
princípio essencial eterno, oposto através da necessidade
de sua natureza ao Princípio de Deus, como acreditavam os maniqueistas;
é fácil perceber que, como a liberdade é o caráter
distintivo que coloca o ser moral entre Deus e a matéria, basta deixá-lo
ao uso desta liberdade, que o Autor de todas as coisas não pode dar
e tirar ao mesmo tempo, para conceber tanto a origem do mal nas criaturas
morais como sua natureza inferior.
De acordo com esta explicação do mal, que se apoia unicamente
nas deslocações (transposições) das substâncias,
fica igualmente fácil perceber as várias propriedades e uso
dos sacrifícios, além do processo e efeitos que procuramos
explicar.
Finalmente, é simples perceber o quão vastamente superior
foi o sacrifício do Redentor em relação a todos os
precedentes, já que o próprio príncipe da iniqüidade
que comanda o Homem, teve que ser transposto no abismo; estava reservado
ao próprio supremo e divino comandante da Luz, Força e Autoridade
obter tal vitória.
Não seria demais observar aqui que, embora os sacrifícios
de sangue de Jesus terem tido continuidade após o grande sacrifício,
chegando até à destruição de cidades, o povo
não apreendeu senão a forma; o espírito foi inteiramente
perdido, uma vez que o sacrifício da vítima divina estava
mais longe deles do que nunca.
Portanto, a partir daí, só restou a degeneração
cada vez maior e o período que culminou com a grande expansão
de vingança sobre este povo culpado, mostra, de uma vez, a retirada
da influência protetora (ação) do Espírito, e
os terríveis efeitos da justiça do Espírito vingador;
foi um julgamento severo, que não poderia ser executado ao mesmo
tempo que a obra do Redentor, pois Ele veio unicamente para realizar a obra
do amor e da misericórdia.