O
Espírito
Louis Claude de Saint Martin
Para compreender
a sublimidade de nossos direitos, devemos voltar a nossas origens. Mas antes
de considerar a natureza do Homem Espírito, vamos investigar, de
forma geral, o que pode ser chamado Espírito, em qualquer ou todas
as classes e ordens; iremos descobrir as fontes fundamentais de onde se
deriva tal expressão, e iniciaremos tomando a palavra Espírito
sob os diferentes significados encontrados em nossas línguas.
O espírito de alguma coisa pode ser considerado como sendo o real
engendramento (Geração), parcial ou completo, dos poderes
de sua ordem.
Assim, a música nos é conhecida tal como é somente
pela emissão dos sons, através dos quais alcança nossos
ouvidos, e que nada são além de expressão efetiva,
ou espírito ativo do plano ou imagem que ela representa.
Desta forma, o vento é a real emissão do ar, comprimido pelas
nuvens ou poderes atmosféricos. E na ordem elementar, tão
logo cesse a compressão, não há mais vento: ora, sabemos
que as línguas antigas usavam a mesma palavra para expressar o vento,
a respiração e o espírito.
Portanto a respiração do Homem, e de outros animais, é
a real emissão do resultado, em seu interior, da união entre
o ar e seus poderes vitais; quando esses poderes vitais cessam, a respiração,
o espírito, ou a expressão da vida, também cessa.
Assim, a propulsão (aprisionamento) de nossos pensamentos, e o que
o mundo chama de razão (espírito) no Homem, é a real
emissão daquilo que é desenvolvido por uma fermentação
secreta dos poderes de nossa compressão, e esta propulsão
é, conseqüentemente, o fruto do real engendramento destes poderes:
quando esta fermentação secreta é suspensa em nós,
ficamos como se não tivéssemos mais razão (espírito),
embora ainda tenhamos em nós todos os germens que podem produzi-lo.
Espírito, uma emissão dos Poderes Eternos.
De acordo com esta exposição, podemos, sem temor, considerar
o Espírito como sendo o fruto que procede perpetuamente dos Poderes
Eternos Supremos, ou da Unidade Universal destes poderes, uma vez que o
real engendramento, que produz este fruto, sem interrupção,
deve, acima de todas as outras emissões, receber o nome de Espírito,
o qual atribuímos a tudo aquilo que tenha o caráter de uma
emissão ou expressão real.
E aqui, devemos lembrar que os Poderes Gerativos Eternos deste Ser Universal,
repousam, como tudo o que existe, sobre duas bases fundamentais que, na
obra "O Espírito das Coisas", indicamos sob os nomes de
força e resistência; Jacob Boehme, aplicando estas duas bases
à Divindade, apresenta sob o nome de um duplo desejo, o de permanecer
em seu próprio centro e o de desenvolver ali seus esplendores universais;
também, sob os nomes de aridez e brandura; luz e trevas; e ainda
sob os nomes de angústia e deleite, fúria e amor; embora ele
afirme continuamente que, em Deus, não há aridez, trevas,
angústia ou fúria, e que usa tais expressões somente
para designar poderes distintos, mas que atuando simultaneamente, apresentam
e apresentarão eternamente, a mais perfeita unidade não só
neles e com eles próprios mas também com aquele Espírito
Eterno e Universal, que nunca deixam e nunca deixarão de engendrar.
A emissão perpétua da Unidade Universal, o Ser Divino.
Além do mais, me parece, não ser infrutífera ou indiferente
a noção que obtemos aqui do caráter deste Fruto Perpétuo
do real engendramento da Unidade Universal, cujos Poderes são, contínua,
necessária e exclusivamente dependentes de si próprios; e
se os observadores assim tivessem considerado esta unidade produtiva, dentro
deste caráter de emissão necessária e real, teriam
tirado grande proveito de suas pesquisas sobre o Ser Divino e Universal,
e como resultado, não teriam tentado examinar, no princípio,
a natureza deste Ser, sem observarem Sua Ação; pois que Sua
Ação é provavelmente Sua total Natureza; a conseqüência
de suas táticas errôneas tem sido que, não só
não encontraram o Ser Divino que buscaram de forma imprópria,
mas foram longe demais ao enganarem a si próprios afirmando que aquilo
que não encontraram, não existe.
Se tivéssemos considerado o Ser Universal, como o fruto real, espiritual
e divino dos poderes da Unidade Eterna, em Seu verdadeiro caráter,
teríamos extraído dali os grandes benefícios que se
seguem.
Espírito, o fruto de todos os poderes da Unidade.
Como o fruto de toda geração que temos conhecimento, reproduz
e representa tudo o que constitui os poderes que o engendrou, assim, o que
chamamos Espírito, no ato gerativo da Unidade Eterna, nada mais pode
ser do que a expressão real e manifesta de tudo aquilo, sem exceção,
que pertença a esta Unidade Eterna: desta forma, cabe ao Espírito
Universal nos tornar tal Unidade conhecida, descrevendo-a inteiramente,
assim como o Homem reproduz, temporariamente, todas as propriedades de seu
pai e mãe, de quem é uma imagem viva completa.
Sim, se observarmos atentamente com nossa compreensão, este real
e perpétuo fruto da Unidade Eterna, veremos que, desde que os poderes
desta Unidade são perpétuos, necessários e exclusivamente
dependentes uns dos outros, e o fruto da união destes poderes é
um real engendramento, tão ilimitado quanto infinito, este fruto
deve realmente ser a expressão real e completa desta mútua
união; ele deve conter em si, tudo o que pode servir como fundamento
para a atração mútua destes poderes, uns em direção
aos outros, de forma real e universal.
Assim, é necessário que o fruto deste engendramento e este
Ser Divino, se revele e se apresente a nós, sem cessar, em todos
os pontos, tamanha a abundância e continuidade de amor, vida, força,
poder, beleza, justiça, harmonia, proporção, ordem
e todas e quaisquer outras qualidades das quais, nosso pensamento deve,
em todo lugar, encontrar o efeito vivo de sua plenitude, e nunca deixar
de reconhecer a supremacia de sua unidade universal; acima de tudo, se faz
necessário, que este fruto engendrado pela Essência Divina,
da mesma forma, se torne um, já que deve ter e ser tudo aquilo que
esta Unidade contém e que não se pode admitir nenhum intervalo
ou alguma diversidade de graus, entre o amor destes poderes e o ato de seu
engendramento, como também não é possível perceber
qualquer diferença entre a existência essencial e a natureza
constituinte deste fruto.