A Instituição da Eucaristia.
Louis Claude de Saint Martin
Embora o sacrifício
do Redentor tenha colocado os homens numa posição de cumprir,
quanto mais possível, aqui embaixo a sublime tarefa da regeneração,
servindo e se unindo ao espírito e à verdade, Ele deixou também,
quando partiu da Terra, um sinal da aliança, que poderia trazer sua
presença e devoção aos nossos olhos diariamente; temos
visto sinais e testemunhas após as várias manifestações
das leis da justiça, os rituais Levíticos e as revelações
proféticas que tem sido promulgadas desde o início do mundo.
Ele pretendeu que este sinal de aliança fosse como um desenvolvimento
daquela semente divina que veio semear em nossa estéril e corrupta
terra; e como somos seres compostos, Ele compôs este sinal de várias
substâncias operativas, a fim de que todas as substâncias que
nos compõem possam ser nutridas, preservadas e sustentadas, cada
uma de acordo com sua classe e necessidade. Mas pretendeu, sobretudo, que
esta instituição extraísse todo seu valor do Espírito,
de onde tudo procede e pelo qual tudo é santificado; neste aspecto
devemos observar quantas vantagens tal instituição pode nos
oferecer quando nos elevamos ao sublime sentido que seu criador lhe deu.
Não há mistério para o Homem Espírito.
Se está escrito que devemos ser santos, abordemos o que é
santo; devemos também ser espírito, então abordemos
o que é Espírito; esta é a razão pela qual o
Homem terrestre só enxerga com os olhos de trevas e profanação,
enquanto que o Homem Espírito responde por tudo o que lhe é
dado para seu uso e oferecido à sua reflexão.
Os ministros das coisas santas têm feito com que a mente humana reflita
sobre estes assuntos relativos à Eucaristia inserindo, no que chamam
de cerimônias sacramentais, as palavras mysterium fidei (Mistérios
santos), que não aparecem no Evangelho e estavam longe da mente do
Senhor; se nos empenhássemos em nossa verdadeira regeneração,
como Ele nunca deixou de nos advertir, não haveria mistérios
para nós, já que, ao contrário, fomos feitos para trazer
à luz todos os mistérios, na condição de ministros
da Fonte Eterna de Luz.
Como o espírito trabalha no símbolo.
Vamos lembrar que o Espírito repousava no cordeiro por ocasião
da libertação do Egito e isto é o que deu todo valor
ao sacrifício. Assim, vamos lembrar que a vida divina repousava,
e ainda repousa, nas substâncias do sacrifício no novo pacto;
uma vez que o Espírito da Verdade não foi espalhado em vão
e não pode ser confundido em seus planos e efeitos; desde o início
do novo pacto (e talvez desde o princípio) podemos nos referir ao
pão e ao vinho como sendo marcados pelo espírito da vida que
tem sido derramado sobre eles.
Não devemos nunca, em tempo algum, comer o nosso pão e beber
nosso vinho sem trazer à mente o sagrado sinal com o qual têm
sido investidos, não permitindo, assim, que caiam diretamente sob
os poderes elementares que não são santos.
Estas substâncias estão unidas ao elemento puro, este está
unido ao Espírito, que por sua vez, está unido ao Verbo e
o Verbo está unido à primeira Fonte Eterna; através
desta ordem harmônica, a instituição da nova aliança
trabalha para o benefício de todos os princípios que nos compõem;
de fato, ela trabalha em espírito e em verdade em todo o nosso ser;
o pão sem fermento purifica nossa matéria; o vinho purifica
nosso princípio de vida animal; o corpo glorioso ou elemento puro
restaura em nós aquele revestimento primitivo que perdemos através
do pecado; o Espírito trabalha nossa compreensão; o Verbo
trabalha na raiz de nossas palavras; a vida trabalha em nossa essência
divina; estes trabalhos consistem na elevação de cada ordem
do ser até um grau além do ponto em que se estende sua ação.
Mais que nada, a instituição do nosso pacto tem como sinais
quatro grandes e eficazes unidades, a saber:
A dupla relação elementar, que é comunicada a nós
nas duas substâncias; a correspondência de todos os eleitos
que tenham auxiliado o sacrifício, desde o início do mundo,
eles estão sentados à mesa santa de onde fazem fluir em nossos
corações, as palavras sagradas que ouvem, superiores talvez,
àquelas conhecidas na consagração; O elemento puro
ou o verdadeiro sangue e carne, que fortalecem todas as nossas faculdades
de inteligência, e nossa atividade no trabalho; e, finalmente, o próprio
Agente Divino que, sob os olhos do Pai, espalha a santificação,
o selo e caráter do que tem recebido; sendo ao mesmo tempo o autor,
ministro e fundador do sinal de sua aliança, restaura nosso peso,
número e medida.
Ora, por que só este Regente Divino pode dar o batismo universal?
Por que é o cordeiro que tira o pecado do mundo? Se não é
unicamente a sua presença que restaura todos os princípios
ao devido lugar, não há desordem senão na transposição?
Mas, sendo sujeito à lei do tempo, que tem dividido todas as coisas,
Ele faz com que a sua virtualidade repousasse sobre os sinais materiais
de sua aliança, apenas de maneira passiva, aguardando uma reação
por parte do Homem renovado; assim, durante o curso de sua obra na Terra,
Ele próprio esperou que a reação do verbo de seu Pai
desenvolvesse seus próprios poderes.
Por esta razão é que realizou esta instituição
para os homens regenerados por ele, enquanto ascendia à sua origem,
para beber o novo sumo do vinho celeste e para pronunciar incessantemente,
no reino invisível, palavras de vida correspondentes àquelas
do sacramento. Desta forma, os homens regenerados, que devem administrar
seus sacramentos, estão em relação harmônica
(conformidade) com Ele e sua obra regenerativa, sendo capazes de conectar
com esta obra regenerativa todos aqueles que desejam dela participar, ingressando
em espírito e verdade.
Vamos lembrar que estamos mortos, e que o Redentor teve que penetrar nossa
morte para se tornar como nós; mas como ao entrar em nossa morte
ele não deixou de estar na vida, ao se fazer como nós ele
ainda era nosso princípio único; portanto, ele não
poderia morrer sem se elevar novamente e sem nos elevar com ele; esta ressurreição
foi necessária para que pudéssemos provar, louvar e celebrar
a Vida, que foi e será eternamente, o objetivo da existência
de todo ser espiritual, feito à imagem do Autor Soberano de todos
os seres.
A instituição do Superior tinha, então, o objetivo
de retraçar esta morte e ressurreição em nós,
mesmo antes da dissolução de nossas essências corporais;
isto é, nos ensinar a morrer com o Redentor e com ele nos elevar
novamente. Assim, esta cerimônia religiosa, considerada em toda sua
sublimidade, pode se tornar em nós realmente uma emanação,
criação e regeneração ou uma perpétua
e universal ressurreição; eu diria que pode nos transformar
no reino de Deus, e nos tornar uno com Deus.
A porção do Homem na ceia; confissão e fé.
Ao mesmo tempo, é essencial que o ministro repita incessantemente
aos fiéis as palavras do instituidor: "A carne não traz
benefício algum: minhas palavras são espírito e vida";
pois quantos espíritos tem sido mortos pela letra de outras palavras!
Todo pensamento da carne e do sangue deve ser banido tanto do ministro como
de nós, isto é, devemos ascender, como o Redentor, à
região do puro elemento, nosso corpo primitivo que contém
a Eterna SOPHIA, as duas tinturas, o espírito e o verbo. É
somente a este custo que aquilo que circula no reino de Deus, pode também
circular em nós.
Se não nos elevarmos a esta sublime unidade que abarca todas as coisas,
através de nossos pensamentos, se confundirmos a instituição
com a obra que deve ser realizada internamente e se confundirmos o fim com
os meios, o subsidiário com o essencial, estaremos longe de cumprir
o espírito da instituição. Este espírito requer
que confessemos a morte do Cristo à nossas próprias iniqüidades,
a fim de extraviá-las; confessá-la aos homens de Deus, de
todas as épocas, para que possam estar ativamente presentes em nossa
obra; confessá-la a Deus, para lembrá-lo de que fomos trazidos
à vida desde que Ele selou seu próprio selo e caráter
no libertador que escolheu; finalmente, é necessário que confessemos
esta morte ao inimigo, em todo lugar, a fim de fazê-lo fugir, pois
este foi o objetivo da morte corporal do Redentor.
Ora, a instituição da Ceia foi deixada para nos ajudar a trabalhar
efetivamente nesta obra viva, a qual temos que realizar individualmente.
É nesta obra viva que todas as transposições desaparecem
e tudo retorna à sua própria posição, recuperamos
aquele puro elemento ou corpo primitivo, que só pode ser restaurado
na medida em que sejamos novamente a semelhança de Deus; porque a
verdadeira semelhança de Deus só pode habitar tal corpo.