Introdução
do Umbral do Mistério
Guaita
Está
em voga indignar-se à simples menção das palavras Hermetismo
ou Cabala,diante delas trocam-se olhares marcados por uma ironia benevolente,
e sorrisos mordazes acentuam a expressão de desdém dos perfis.
Na verdade, esses escárnios costumeiros só se propagam em
todos os tempos e entre os
melhores espíritos por força de um mal-entendido. A Alta Magia
não constitui um compêndio de divagações mais
ou menos espíritas, arbitrariamente erigidas em dogma absoluto. Trata-se
de uma síntese geral - hipotética, porém racional duplamente
respaldada na observação positiva e na indução
por analogia. Através da infinita diversidade dos modos transitórios
e das formas efêmeras, a Cabala distingue e proclama a Unidade do
Ser, remonta à sua causa essencial e encontra a lei de suas harmonias
no antagonismo relativamente equilibrado das forças contrárias.
Chamados ao equilíbrio, os poderes naturais jamais o realizam integralmente.
O equilíbrio absoluto seria o repouso estéril e a verdadeira
morte. Ora, de fato, não se pode negar a Vida, não se pode
negar o movimento. Preponderância alternada de duas forças
aparentemente hostis e que, tendendo ao equilíbrio, oscilam incessantemente
de um lado para outro: esta é a causa eficiente do Movimento e da
Vida. Ação e reação! A luta dos contrários
tem a fecundidade de um estreitamento sexual - o amor também é
um combate.
A Magia admite três mundos ou esferas de atividade: o Mundo Divino, das causas; o Mundo Intelectual, dos pensamentos; o Mundo Sensível, dos fenômenos(23). Uno em sua essência, tríplice em suas manifestações, o Ser é lógico e as coisas do alto são análogas e proporcionais às coisas que estão embaixo tanto que uma mesma causa gera, em cada um dos três mundos, uma pluralidade de efeitos correspondentes e rigorosamente determináveis por cálculos analógicos. Eis, assim, o ponto de partida da Alta Magia, essa álgebra das idéias. Todo axioma, marcado por seu número genérico, é representado, cabalisticamente, por uma letra do alfabeto hebraico, de acordo com esse número. Assim, os conceitos classificam-se na medida em que geram; desenvolvem-se em cadeias intermináveis, na ordem de sua filiação. Causas primeiras com os mais remotos efeitos, princípios os mais simples e claros com inúmeros resultados deles derivados; que maravilhoso processo desenrolado em todos os domínios do contingente, remontando até aquele Inefável que Herbert Spencer denomina Incognoscível!
"De omni re scibili et quibusdam aliis..." Ciências conhecidas
e ciências ocultas, a síntese hierática abarca, de uma
só vez, todos os ramos do saber universal, cuja raiz é comum.
É em virtude de um princípio idêntico que o molusco
segrega nácar e o coração humano, amor. E a mesma lei
rege a comunhão dos sexos e a gravitação dos sóis.
Porém, ressuscitar a Ciência integral é uma tarefa que
ultrapassa nossas forças: não esmiuçando os resultados
por demais indiscutíveis e as teorias já bastante universalizadas,
cumpre-nos limitar estes Ensaios ao exame de fenômenos ainda misteriosos
e ao estudo de problemas especiais que a ciência oficial ignora, despreza
ou desfigura. Tentaremos, sobretudo, nesta série de opúsculos
esotéricos, reatar questões perturbadoras, diante das quais
o ceticismo moderno se sobressalta, aos grandes princípios invariavelmente
professados pelos adeptos de todos os tempos. Um dia talvez nos seja dado
sublimar, em um corpo de doutrina coeso, esta alta filosofia dos mestres.Aquilo
que, aos olhos do leitor, não é mais do que uma hipótese
- extravagante, sem dúvida - é, para nós outros, um
dogma incontestável. Assim, pedimos desculpas por falarmos com a
firme segurança de quem crê. Baseamo-nos notadamente na Iniciação
hermética e cabalística. Contudo, sabemos que nos santuários
da Índia, nos tempos da Pérsia, da Hélade e da Etrúria,
bem como entre os Egípcios e os Hebreus, a mesma síntese revestiu
múltiplas formas e os simbolismos aparentemente discrepantes, contraditórios,
traduzem, para o Eleito, a Verdade sempre Una, na língua fundamentalmente
invariável dos Mitos e dos Emblemas.
Desde o cisma dos gnósticos até o século XVIII, a vida
dos adeptos apresentase
como um constante martírio: veneráveis excomungados, patriarcas
do exílio, noivos da potência e da fogueira, conservaram na
provação a serenidade heróica que o Ideal confere aos
seus seguidores fervorosos; viveram sua agonia, pois assumiram o Dever de
transmitir aos herdeiros de sua fé proscrita o tesouro da ciência
sagrada; escreveram seus símbolos que hoje deciframos... É
finda a era do fanatismo oficial e das superstições populares,
mas não a era do juízo temerário e da parvoíce:
se os Iniciados não são queimados, são, de qualquer
forma, objeto de escárnio e de calúnias. Mas eles já
se resignaram à injúria, como seus pais, os mártires.
Talvez se chegue a suspeitar, algum dia, de que os antigos hierofantes não
eram nem charlatões, nem sandeus... - Então, ó Cristo,
teus servidores lembrar-se-ão de que os Magos se prosternaram diante
de teu berço real. E assim, espargida por toda parte, a Caridade
testemunhará excelsamente que adveio o teu reino: Adveniat regnum
tuum!... Aguardando que soe esta hora de Justiça e de Gnose, entregamos
ao escárnio ruidoso da maioria, submetemos ao imperfeito juízo
de alguns, estes Ensaios De Ciências Malditas.
Stanislas de Guaita