MISTÉRIOS
FILOSÓFICOS
Considerações preliminares
Eliphas Levi
Diz-se que
o belo é o esplendor do verdadeiro.
Ora, a beleza moral é a bondade. É belo ser bom.
Para ser bom com inteligência, é preciso ser justo.
Para ser justo, é preciso agir com razão.
Para agir com razão, é preciso ter a ciência da realidade.
Para ter a ciência da realidade, é preciso ter consciência
da verdade.
Para ter consciência da verdade, é preciso ter uma noção
exata do ser. O ser, a verdade, a razão e a justiça são
os objetos comuns das buscas da ciência e das aspirações
da fé. A concepção de um poder supremo, real ou hipotético,
transforma a justiça em Providência, e a noção
divina, por esse ponto de vista, torna-se acessível à própria
ciência. A ciência estuda o ser em suas manifestações
parciais, a fé o supõe, ou melhor, o admite a priori em sua
generalidade.
A ciência busca a verdade em todas as coisas, a fé relaciona
todas as coisas a uma verdade universal e absoluta.
A ciência verifica realidades no detalhe, a fé explica-as por
uma realidade de conjunto que a ciência não pode verificar,
mas que a própria existência dos detalhes parece forçá-la
a reconhecer e a admitir.
A ciência submete as razões das pessoas e das coisas à
razão matemática e universal; a fé procura, ou melhor,
supõe nas próprias matemáticas e acima das matemáticas
uma razão inteligente e absoluta. A ciência demonstra a justiça
pela justiça; a fé dá justeza absoluta à justiça,
subordinando-a à Providência.
Vê-se aqui tudo o que a fé empresta à ciência
e tudo o que a ciência, por sua vez, deve à fé. Sem
a fé, a ciência está circunscrita por uma dúvida
absoluta e encontra-se eternamente estacionada no empirismo arriscado a
um ceticismo raciocinador; sem a ciência, a fé constrói
suas hipóteses ao acaso e só pode prejulgar cegamente as causas
dos efeitos que ignora. A grande corrente que reúne ciência
e fé é a analogia.
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A ciência está forçada a respeitar uma crença
cujas hipóteses são análogas às verdades demonstradas.
A fé, que atribui tudo a Deus, está forçada a admitir
a ciência como uma revelação natural que, pela manifestação
parcial das leis da razão eterna, dá uma escala de proporções
a todas as aspirações e a todos os ímpetos da alma
no domínio do desconhecido.
É somente a fé, portanto, que pode dar uma solução
aos mistérios da ciência e é, em contrapartida, somente
a ciência que demonstra a razão de ser dos mistérios
da fé. Fora da união e do concurso dessas duas forças
vivas da inteligência, não há para a ciência senão
ceticismo e desespero, para a fé, temeridade e fanatismo.
Se a fé insulta a ciência, blasfema; se a ciência desconhece
a fé, abdica.
Agora, escutemo-las falar de comum acordo.
- O Ser está em todos os lugares, diz a ciência. É múltiplo
e variável em suas formas, único em sua essência e imutável
em suas leis. O relativo demonstra a existência do absoluto. A inteligência
existe no ser. A inteligência anima e modifica a matéria.
- A inteligência está em todos os lugares, diz a fé.
Em nenhum lugar a vida é fatal, uma vez que está regulada.
A regra é a expressão de uma sabedoria suprema. O absoluto
em inteligência, o regulador supremo das formas, o ideal vivo dos
espíritos é Deus.
- Em sua identidade com a idéia, o ser é a verdade, diz a
ciência.
- Em sua identidade com o ideal, a verdade é Deus, retorque a fé.
- Em sua identidade com minhas demonstrações, o ser é
a realidade, diz a ciência.
- Em sua identidade com minhas legítimas aspirações,
a realidade é meu dogma, diz a fé.
- Na sua identidade com o verbo, o ser é a razão, diz a ciência.
- Na sua identidade com o espírito de caridade, a mais elevada razão
é minha obediência, diz a fé - Em sua identidade com
o motivo dos atos racionais, o ser é a justiça, diz a ciência.
- Em sua identidade com o princípio de caridade, a justiça
é a Providência, responde a fé. Acordo sublime de todas
as certezas com todas as esperanças, do absoluto em inteligência
e do absoluto em amor. O Espírito Santo, o espírito de caridade
deve assim tudo conciliar e tudo transformar em sua própria luz.
Não é ele o espírito de inteligência, o espírito
de ciência, o espírito de conselho, o espírito de força?
Ele deve vir, diz a liturgia católica, e isso será como uma
criação nova, e ele mudará a face da terra.
"Rir da filosofia já é filosofar", disse Pascal
ao fazer alusão a esta filosofia cética e duvidosa que não
reconhece a fé. E, se existisse uma fé que pisoteasse a ciência,
não diríamos que rir de semelhante fé seria dar provas
de verdadeira religião, que é toda caridade, que não
tolera o riso, mas ter-se-ia razão em censurar esse amor pela ignorância
e em dizer a essa fé temerária: Já que desconheces
tua irmã, não és a filha de Deus!
Verdade, realidade, razão, justiça, providência, tais
são os cinco raios da estrela flamejante no centro da qual a ciência
escreverá a palavra Ser, a que a fé acrescentará o
nome inefável de Deus.