Teoria da vontade

Eliphas Levi



A vida humana e suas dificuldades incontáveis têm por finalidade, na ordem da sabedoria eterna, a educação da vontade do homem.
A dignidade do homem consiste em fazer o que quer e em querer o bem, em conformidade com a ciência do verdadeiro.
O bem conforme ao verdadeiro é o justo.
A justiça é a prática da razão.
A razão é o verbo da realidade.
A realidade é a ciência da verdade.
A verdade é a história idêntica ao ser.
O homem chega à idéia absoluta do ser por duas vias, a experiência e a hipótese. A hipótese é provável quando é solicitada pelos ensinamentos da experiência; é improvável ou absurda quando é rejeitada por esse ensinamento.
A experiência é a ciência, e a hipótese é a fé.

A verdadeira ciência admite necessariamente a fé; a verdadeira fé conta necessariamente com a ciência.
Pascal blasfemava contra a ciência quando disse que, pela razão, o homem não pode chegar ao conhecimento de nenhuma verdade.
Assim, Pascal morreu louco.
Mas Voltaire não blasfemava menos contra a ciência, quando declarava absurda toda hipótese da fé e admitia por regra da razão apenas o testemunho dos sentidos.
Assim, as últimas palavras de Voltaire foram esta fórmula contraditória:
Deus e a Liberdade
Deus, isto é, um mestre supremo: o que exclui toda idéia de liberdade, como a entendia a escola de Voltaire.
E a liberdade, isto é, uma independência absoluta de todo mestre; o que exclui toda idéia de Deus. A palavra DEUS exprime a personificação suprema da lei e, por conseguinte, do dever; e, se pela palavra LIBERDADE se quiser entender conosco O DIREITO DE FAZER O DEVER, tomaremos, de nossa parte, por divisa e repetiremos sem contradição e sem erro:
Deus e a Liberdade
Como só há liberdade para o homem na ordem que resulta do verdadeiro e do bem, pode-se dizer que a conquista da liberdade é o grande trabalho da alma humana. O homem, libertando-se das más paixões e de sua servidão, de certo modo cria-se a si próprio uma segunda vez. A natureza fizera-o vivo e sofredor, ele se faz feliz e imortal; torna-se, assim, o representante da divindade na terra e exerce relativamente sua onipotência.
AXIOMA I
Nada resiste à vontade do homem quando ele sabe o verdadeiro e quer o bem.
AXIOMA II
Querer o mal é querer a morte. Uma vontade perversa é um começo de suicídio.
AXIOMA III
Querer o bem com violência é querer o mal; pois a violência produz a desordem, e a desordem produz o mal.
AXIOMA IV
Pode-se e deve-se aceitar o mal como meio para o bem; mas é preciso nunca querê-lo ou fazê-lo, do contrário destruir-se-ia com uma mão o que se edificasse com a outra. A boa fé nunca justifica os maus meios; corrige-os quando são suportados e condena-os quando deles se lança mão.
AXIOMA V
Para se ter direito de possuir, sempre é preciso querer pacientemente e por muito tempo.
AXIOMA VI
Passar a vida querendo o que é impossível possuir, sempre é abdicar da vida e aceitar a eternidade da morte.
AXIOMA VII
Quanto mais a vontade supera obstáculos, mais se fortalece. É por isso que Cristo glorificou a pobreza e a dor.
AXIOMA VIII
Quando a vontade é consagrada ao absurdo, é reprovada pela eterna razão.
AXIOMA IX
A vontade do homem justo é a vontade do próprio Deus, e é a lei da natureza.
AXIOMA X
É pela vontade que a inteligência vê. Se a, vontade é sã, a visão é justa. Deus disse: Que seja a luz! e a luz é; a vontade disse: Que o mundo seja como eu o quero ver! e a inteligência o vê como a vontade quis. É o que significa a expressão assim seja, que confirma os atos de fé.
AXIOMA XI
Quando alguém cria fantasmas, põe no mundo vampiros, e será preciso alimentar esses filhos de um pesadelo voluntário com seu sangue, sua vida, sua inteligência e sua razão, sem nunca saciá-los.
AXIOMA XII
Afirmar e querer o que deve ser é criar; afirmar e querer o que não deve ser é destruir.
AXIOMA XIII
A luz é um fogo elétrico colocado pela natureza a serviço da vontade: ilumina os que dela sabem servir-se, queima os que dela abusam.
AXIOMA XIV
O império do mundo é o império da luz.
AXIOMA XV
As grandes inteligências cuja vontade equilibra-se mal assemelham-se aos cometas, que são sóis abortados.
AXIOMA XVI
Nada fazer é tão funesto quanto fazer o mal, mas é mais covarde. O mais imperdoável dos pecados mortais é a inércia.
AXIOMA XVII
Sofrer é trabalhar. Uma grande dor sofrida é um progresso realizado. Os que sofrem muito vivem mais do que os que não sofrem.
AXIOMA XVIII
A morte voluntária por abnegação não é um suicídio; é a apoteose da vontade.
AXIOMA XIX
O medo é apenas uma preguiça da vontade, e é por isso que a opinião desencoraja os covardes.
AXIOMA XX
Consegui não temer o leão, e o leão vos temerá. Dizei à dor: Quero que tu sejas um prazer, e ela se tornará até mais do que um prazer, uma felicidade.
AXIOMA XXI
Uma corrente de ferro é mais fácil de quebrar que uma corrente de flores.
AXIOMA XXII
Antes de declarar um homem feliz ou infeliz, sabei como o fez a direção de sua vontade: Tibério morria todos os dias em Capri, enquanto Jesus provava sua imortalidade e sua divindade no Calvário e na cruz.