O
Portão Precioso
Eliphas Levi
7. Precisamos compreender bem a encarnação de Cristo, o Filho de Deus. Ele não tornou-se homem apenas na Virgem Maria, como se sua divindade ou natureza divina permanecesse confinada lá em cima. Assim como Deus habita em um só lugar, mas é considerado como a plenitude de todas as coisas, assim Deus movimentou-se unicamente em uma parte separada; pois ele não é divisível, mas inteiro em toda parte, e onde quer que ele se manifeste, manifesta-se completamente. Da mesma maneira, Deus não é mensurado, nem se encontra lugar algum para ele, a menos que ele faça um lugar para si numa criatura; mas assim ele estaria, ao mesmo tempo, com a criatura e fora da criatura.
8. Quando o Verbo se colocou em movimento para a revelação da vida, ele se revelou na essencialidade divina, na água da vida eterna; ele a penetrou e se tornou súlfur, ou seja, carne e sangue; produziu a tintura celestial, que envolve e preenche a Divindade, onde a sabedoria de Deus permanece eternamente com a magia divina. Compreenda corretamente: A Divindade desejou tornar-se carne e sangue; embora o puro e imaculado Deus permanece espírito, tornou-se o espírito e a vida da carne, operando na carne; assim, quando penetramos, através de nosso desejo, em Deus, nos doando totalmente a ele, podemos dizer que penetramos a carne e sangue de Deus, vivemos em Deus, pois o Verbo se fez homem e Deus é o Verbo.
9. Não abolimos, com isso, a criatura de Cristo, como se ele não fosse considerado uma criatura. Podemos comparar o sol à criatura de Cristo e a profundeza do mundo ao Verbo eterno no Pai. Vemos, contudo, que o sol brilha em toda a profundidade, oferecendo calor e poder; mesmo assim, não podemos dizer que nas profundezas, independente do corpo do sol, o poder e o brilho do sol não existam. Pois, se não existissem, não buscariam o poder e o brilho do sol, já que somente um pode buscar o outro. A profundeza está simplesmente oculta, com relação ao seu brilho; mas se for da vontade de Deus, toda a profundeza poderia ser senão sol. Bastaria acendê-la, a fim de que a água fosse engolida e se tornasse um espírito, então o brilho do sol brilharia em todo lugar; do mesmo modo, o centro do fogo se inflamaria, como no locus do sol.
10. Além disso, saibam que: Compreendemos que o coração de Deus repousava desde a eternidade; mas pelo movimento e penetração das essências, manifestou-se em todos os lugares, embora em Deus não haja lugar ou limite, exceto na criatura de Cristo. Ali, toda a santa Trindade se manifestou numa criatura, e através da criatura em todos os céus da criação. Ele nos preparou o lugar onde veremos na sua luz, viveremos em sua essencialidade e dela provaremos; sua essencialidade preenche os céus e o Paraíso. No princípio, fomos feitos da Essência de Deus, por que não poderíamos nela viver? Assim como o ar e a água preenche este mundo, e todos nós deles desfrutamos, também existe um essencialidade divina oculta, a qual apreciamos, se com extrema honestidade nela imaginarmos e com a vontade nos doarmos a ela. Esta é portanto, a carne e o sangue de Cristo no poder divino; pois o corpo e o sangue da criatura de Cristo são ali encontrados, sendo uma realidade, um poder, um espirito, um Deus, uma plenitude, sem ser separado por lugar algum, ainda que estejam em seu próprio princípio. Um homem egoísta pode dizer: Como poderemos dele nos alimentar? Primeiro, procure alcança-lo, pois não irá dele se alimentar com a boca exterior. Ele é um princípio mais profundo, ainda que tenha se tornado exterior. Ele estava na Virgem Maria e também neste mundo, através do nascimento; no último dia, ele irá aparecer em todos os três Princípios diante de todos os homens e demônios.
11. Ele realmente tomou a natureza terrestre sobre si; mas, em sua morte, quando venceu a morte, a natureza divina absorveu a terrestre e afastou o seu domínio. Não que Cristo tenha colocado alguma coisa de lado, mas a natureza externa foi superada e absorvida; a vida que ele vive hoje, ele vive em Deus. O mesmo deveria ter ocorrido com Adão, mas ele não resistiu. Portanto o Verbo teve que se fazer homem e se doar à substância, a fim de que possamos receber poder e, com isso, sermos capazes de viver em Deus.
12. O Cristo trouxe novamente aquilo que Adão havia perdido, sim e muito mais. Pois o Verbo se fez homem em todo lugar, ou seja, está revelado em todo lugar, na essencialidade divina, onde encontra-se nossa humanidade eterna. Pois, na eternidade, viveremos na mesma essência corporal em que está a Virgem de Deus; devemos nos revestir da Virgem de Deus, pois o Cristo dela se revestiu. Ele tornou-se homem na Virgem eterna e também na virgem terrestre, embora esta última não fosse exatamente uma virgem. Mas a Virgem divina e celeste fez dela uma virgem na benção, ou seja, na revelação do Verbo e do pacto. Aquela parte em Maria, herdada de Adão, da essencialidade celeste, que Adão transformou em terrestre, aquela parte foi abençoada. Assim, o elemento terrestre simplesmente morreu dentro dela, o outro elemento passou a viver eternamente, voltando a ser uma virgem casta, não na morte, mas na benção. Quando Deus revelou a si mesmo dentro dela, ela se revestiu com a bela Virgem de Deus, tornando-se uma virgem viril pela parte celeste.
13. Desta forma,
o Cristo nasceu de uma Virgem correta, pura, casta e celeste, pois no momento
da benção, ela recebeu o limbos de Deus em sua matriz, em
sua semente. Nenhum elemento estranho, mas o próprio limbos de Deus
desabrochou nela, no poder de Deus. Este limbos estava morto em Adão
e foi vivificado pelo movimento de Deus. No Verbo da vida, a essência
de Deus a penetrou, abrindo o centro da alma, a fim de que Maria se tornasse
fecunda com uma alma e com um espírito, tanto de forma celeste como
terrestre. Esta foi uma verdadeira imagem de Deus, uma semelhança
de Deus, fundamentada na Santíssima Trindade, em todos os três
Princípios.