A Chave dos Grandes Mistérios
PREFÁCIO
Eliphas Levi
Os espíritos
humanos têm a vertigem do mistério. O mistério é
o abismo que atrai, sem cessar, nossa curiosidade inquieta por suas formidáveis
profundezas.
O maior mistério do infinito é a existência de Aquele
para quem e somente para Ele - tudo é sem mistério.
Compreendendo o infinito, que é essencialmente incompreensível,
ele próprio é o mistério infinito e externamente insondável,
ou seja, ele é, ao que tudo indica, esse absurdo por excelência,
em que acreditava Tertuliano.
Necessariamente absurdo, uma vez que a razão deve renunciar para
sempre a atingi-lo; necessariamente crível, uma vez que a ciência
e a razão, longe de demonstrar que ele não é, são
fatalmente levadas a deixar acreditar que ele é, e elas próprias
a adorá-lo de olhos fechados. É que esse absurdo é
a fonte infinita da razão, a luz brota eternamente das trevas eternas,
a ciência, essa Babel do espírito, pode torcer e sobrepor suas
espirais subindo sempre; ela poderá fazer oscilar a Terra, nunca
tocará o céu.
Deus é o que aprenderemos eternamente a conhecer. É, por conseguinte,
o que nunca saberemos. O domínio do mistério é um campo
aberto às conquistas da inteligência. Pode-se andar nele com
audácia, nunca se reduzirá sua extensão, mudar-se-á
somente de horizontes. Todo saber é o sonho do impossível,
mas ai de quem não ousa aprender tudo e não sabe que, para
saber alguma coisa, é preciso resignar-se a estudar sempre!
Dizem que para bem aprender é preciso esquecer várias vezes.
O mundo seguiu esse método. Tudo o que se questiona em nossos dias
havia sido resolvido pelos antigos; anteriores a nossos anais, suas soluções
escritas em hieróglifos não tinham mais sentido para nós;
um homem reencontrou sua chave, abriu as necrópoles da ciência
antiga e deu a seu século todo um mundo de teoremas esquecidos, de
sínteses simples e sublimes como a natureza, irradiando sempre unidade
e multiplicando-se como números, com proporções tão
exatas quanto o conhecimento demonstra e revela o desconhecido. Compreender
essa ciência é ver Deus. O autor deste livro, ao terminar sua
obra, acreditará tê-lo demonstrado.
Depois, quando tiverdes visto Deus, o hierofante vos dirá: Virai-vos
e, na sombra que projetais na presença desse sol das inteligências,
ele fará aparecer o Diabo, o fantasma negro que vedes quando não
olhais para Deus e quando acreditais ter preenchido o céu com vossa
sombra, porque os vapores da terra parecem tê-la feito crescer ao
subir.
Pôr de acordo, na ordem religiosa, a ciência com a revelação
e a razão com a fé, demonstrar em filosofia os princípios
absolutos que conciliam todas as antinomias, revelar enfim o equilíbrio
universal das forças naturais, tal é a tripla finalidade desta
obra, que será, por conseguinte, dividida em três partes.
Mostraremos a verdadeira religião com caracteres tais que ninguém,
crente ou não, poderá desconhecê-la, será o absoluto
em matéria de religião. Estabeleceremos, em filosofia, os
caracteres imutáveis dessa verdade, que é, em ciência,
realidade, em julgamento, razão e, em moral, justiça. Enfim,
faremos conhecer estas leis da natureza cujo equilíbrio é
o sustento e mostraremos o quanto são vãs as fantasias de
nossa imaginação diante das realidades fecundas do movimento
e da vida. Convidaremos também os grandes poetas do futuro para refazerem
a divina comédia, não mais de acordo com os sonhos do homem,
mas segundo as matemáticas de Deus.
Mistério dos outros mundos, forças ocultas, revelações
estranhas, doenças misteriosas, faculdades excepcionais, espíritos,
aparições, paradoxos mágicos, arcanos herméticos,
diremos tudo e explicaremos tudo. Quem pois nos deu esse poder? Não
tememos revelá-lo a nossos leitores. Existe um alfabeto oculto e
sagrado que os hebreus atribuem a Henoch, os egípcios a Tot ou a
Mercúrio Trismegistos, os gregos a Cadmo e a Palamédio. Esse
alfabeto, conhecido pelos pitagóricos, compõe-se de idéias
absolutas ligadas a signos e a números e realiza, por suas combinações,
as matemáticas do pensamento. Salomão havia representado esse
alfabeto por setenta e dois nomes escritos em trinta e seis talismãs
e é o que os iniciados do Oriente denominam ainda de as pequenas
chaves ou clavículas de Salomão. Essas chaves são descritas
e seu uso é explicado num livro cujo dogma tradicional remonta ao
patriarca Abraão, é o Sepher Yétsirah, e, com a inteligência
do Sepher Yétsirah, penetra-se o sentido oculto do Zohar, o grande
livro dogmático da Cabala dos hebreus. As clavículas de Salomão,
esquecidas com o tempo e que se dizia estarem perdidas, nós as encontramos,
e abrimos sem dificuldade todas as portas dos antigos santuários,
onde a verdade absoluta parecia dormir, sempre jovem e sempre bela, como
aquela princesa de um conto infantil que espera durante um século
de sono o esposo que deve despertá-la. Depois de nosso livro, ainda
haverá mistérios, mas mais alto e mais longe nas profundezas
infinitas. Esta publicação é uma luz ou uma loucura,
uma mistificação ou um monumento. Lede, refleti e julgai.