O Mundo E A Divina Providência
Por S. Tomás de Aquino
Artigo 2 SE
O MUNDO É REGIDO PELA PROVIDÊNCIA
Respondo dizendo que a providência diz respeito à ordenação
dos meios ao fim e, portanto, quem quer que negue a causa final, necessariamente
negará por conseqüência a providência, conforme
diz o Comentador no II da Física.
1. Dos que negaram na antigüidade a causa final houve duas posições.
Alguns filósofos antiqüíssimos somente colocaram a existência
da causa material de onde que, não negando a existência de
uma causa agente, não puderam colocar também a existência
de um fim, que não é a causa senão na medida em que
move o agente.
Outros filósofos posteriores, porém, colocaram a causa agente,
nada dizendo da causa final.
Segundo ambos estes filósofos, tudo procedia da necessidade imposta
pelas causas assim chamadas precedentes, isto é, da matéria
ou do agente.
2. Mas esta opinião é refutada pelos filósofos da seguinte
maneira.
As causas material e agente, enquanto tais, são apenas causa de ser
para o efeito, mas não são suficientes para causar a bondade
neste efeito, bondade segundo a qual o efeito seja conveniente em relação
a si mesmo, de tal maneira que possa permanecer, e conveniente em relação
a outros, de tal maneira que seja ajudado. Por exemplo, o calor, pela sua
razão, o quanto é de si, tem a propriedade de dissolver; a
dissolução, porém, não é conveniente
e boa senão segundo um certo termo e modo, de onde que, se não
colocássemos uma outra causa além do calor e outros agentes
semelhantes na natureza, não poderíamos assinalar a causa
pela qual as coisas se fazem bem e convenientemente.
Ora, tudo o que não tem causa determinada acontece pelo acaso. De
onde que é necessário que, segundo a posição
anterior, todas as conveniências e utilidades que são encontradas
nas coisas sejam casuais, isto é, por acaso; o que também
Empédocles colocou, dizendo ter acontecido pelo acaso que, por uma
afinidade que haveria entre os diversos elementos, deste modo, isto é,
por acaso, acabaram se reunindo as diversas partes dos animais de tal maneira
que os diversos animais pudessem ter-se conservado, e que este processo
teria acontecido uma grande quantidade de vezes.
Ora, isto não pode ser, porque as coisas que ocorrem pelo acaso ocorrem
em menor parte, enquanto que vemos que tais conveniências e utilidades
ocorrem nas obras da natureza ou sempre ou em sua maior parte, de onde que
não pode ser que aconteçam em virtude do acaso e, assim, é
necessário que procedem a partir da intenção de um
fim.
Aquilo, porém, que carece de inteligência ou conhecimento,
não pode diretamente tender em direção a um fim, a
não ser que por algum conhecimento lhe seja preestabelecido um fim
e a ele seja dirigido. De onde que é necessário, já
que as coisas naturais carecem de conhecimento, que preexista algum intelecto
que ordene as coisas naturais ao seu fim, do modo pelo qual o arqueiro dá
à flexa um certo movimento, para que tenda a um determinado fim.
Daqui procede que assim como o ato de atingir o alvo, que é realizado
pela flexa, não é tanto dito ser obra da flexa como do atirador,
assim também toda obra da natureza é dita pelos filósofos
obra da inteligência.
3. Assim, é necessário que o mundo seja governado pela providência
daquele intelecto que impôs à natureza a ordem referida. E
esta providência pela qual Deus governa o mundo assemelha-se à
providência econômica, pela qual alguém governa a família,
ou à providência política, pela qual alguém governa
uma sociedade ou um reino, em que alguém governa os atos de outros
a um fim. Pois não pode haver em Deus providência em relação
a si mesmo, pois tudo o que há nEle é fim, e não meio
para um fim.