Constantinopla
Chamavam assim
a cidade de Constantino: a Maçã de Prata. Desde 11 de maio
de 330, ela fora a sede máxima do Império Romano do Oriente,
depois simplesmente designado de Império Bizantino. O imperador,
que se convertera ao cristianismo, sentindo a decadência do lado ocidental
dos seus domínios, decidira escolher um outro sítio mais seguro
para servir de sua capital.
Trocou Roma por Bizâncio, abandonou o latim pelo grego e o título
de imperador pelo de basileu. Mudou-se com a corte, a administração
e as legiões, para aquela antiga cidade fundada pelos gregos no século
VII a.C., então um pequeno porto situado no Bósforo - a passagem
que ligava o Mar Negro (Pontus) ao Mediterrâneo (Mare Nostrum).
Nos onze século seguintes à sua refundação,
ela, rebatizada de Constantinopla, foi uma das mais esplendorosas metrópoles
da transição da Época Clássica para a Medieval.
Esquina do mundo de então, vanguarda da cristandade na fronteira
da Ásia Menor, para ela afluiu gente de todos os cantos. Nas suas
ruas apinhadas e cheias de vida, cruzavam gregos, romanos, sérvios,
búlgaros, árabes, venezianos, genoveses, godos, varegos, russos,
tártaros, caucasianos, etc..., formando um burburinho permanente
de vozes, de línguas e de dialetos os mais estranhos e bizarros.
De longe, tratava-se do maior centro financeiro, mercantil e cultural de
toda aquela parte do globo, a referência viva de um império
que no seu apogeu chegou a ter 34,5 milhões de habitantes. Viram-na
como uma Segunda Roma, a Nova Roma, um chamariz para os peregrinos cristãos
que vinham atrás das famosas relíquias que as coleções
locais abrigavam. Por todos os lados encontrava-se uma impressionante oferta
de objetos sagrados que enchiam de espanto os olhos do crente e incendiava
a imaginação dos supersticiosos.
Relíquias
e peregrinações
Espalhadas por catedrais, igrejas, palácios ou museus da cidade,
encontrava-se lascas da Madeira da Cruz, o Sangue Sagrado, a Coroa de Espinhos,
a Túnica Inconsútil, a Santa Lança, os Cravos que pregaram
Cristo e uma série macabra de santos cadáveres (de Santo André,
São Lucas, Santa Ana, Maria Madalena e Lázaro, o ressuscitado,
e tantos outros mais), além das sandálias de Cristo e até
os cabelos de João Batista; tal adoração supersticiosa
culminava com alguns pães que teriam sobrado dos doze cestos, obra
do milagre da multiplicação feita por Jesus (Mateus 14-15),
e que estavam expostos numa coluna.
Desconhecia-se entre os cristãos daquela época, povo mais
preocupado com as coisas da religião do que os bizantinos, assunto
que os levava a travar, tanto os monges, os teólogos, o basileu e
a gente comum, intermináveis discussões, geralmente estéreis
ou inconclusivas, sobre temas bíblicos ou correlatos. Exemplo disso,
foi a exasperante polêmica que ocorreu nos tempos da imperatriz Teodora,
falecida em 548, entre os monofisistas, com quem ela simpatizava, e os ortodoxos
ligados mais ao imperador Justiniano.
As relíquias que foram trazidas da Terra Santa, primeiramente por
Santa Helena, a mãe do imperador Constantino, eram mantidas sob controle
do clero ortodoxo, que fazia às vezes de Segundo Estado dentro do
Império Bizantino. Posse que fazia inveja ao clero de Roma, de quem
a Igreja Cristã Ortodoxa estava totalmente separada desde o Cisma
do Oriente, ocorrido em 1054.
A Nova York
daqueles tempos
De certo modo, Constantinopla foi no seu tempo uma espécie de mistura
de Nova York com Jerusalém. Isto é, uma metrópole que
conciliava perfeitamente os negócios e um intenso comércio
com os assuntos da fé e da religião. Onde o luxo ostensivo
da corte imperial e do patriciado local convivia com a pobreza e mesmo com
a miséria, o ouro e os trapos circulando por perto um do outro.
Ao longo de uns seis século, as moedas bizantinas, o solidus ( antigo
aureus romano) e o numma, foram as primeiras a ser realmente universais,
sendo conhecidas, aceitas e cambiadas na maior parte dos mercados asiáticos
ou europeus, enquanto o grande código jurídico do imperador
Justiniano (Corpus Juris Civilis, 529-533), organizado pelo jurista Triboniano,
criou os fundamentos futuros do Direito europeu e mesmo dos da
Ásia
Menor.
Como símbolo daquela proeminência toda, da magnificência
imperial e teocrática que dela imanava (como sede oficial do autocrata
do oriente e sé do patriarca ecumênico da Igreja Cristã
Ortodoxa, obediente ao imperador), é que construiu-se a Hagia Sofia,
a Igreja da Santa Sabedoria, aprontado em 537, templo imenso de 56 metros
de altura, todo decorado internamente por belos mosaicos e incontáveis
ícones bizantinos, encimada por uma estupenda cúpula redonda,
erigida pelos arquitetos Antêmio de Trales e Isidoro de Mileno.
Ergueram-na bem na ponta da península, na Acrópole da cidade,
local panorâmico, esplendido, que dá vistas para o mar de Mármara
ao sul, e para o Chifre de Ouro ao norte, os dois lençóis
de água que enlaçam Constantinopla e em cujas margens se abrigam
excelentes portos como o de Eleutério, Kontoskalion e Sofía.