A criação da Ordem
do Templo e o policiamento das estradas
Também
a fundação da Ordem comporta muitas zonas obscuras. Analisemos,
em primeiro lugar, a versão oficial tal como nos foi transmitida
pelos cronistas da época. Guilherme de Tiro, nascido na Palestina
em 1130, bispo de Tiro em 1175, não pôde assistir ao início
da Ordem e, portanto, falava dele em função do que lhe fora
contado.
Jacques de Vitry era mais preciso, embora tenha escrito um século
mais tarde. Devia estar de posse de alguns pormenores "oficiais"
sobre os primórdios da Ordem, porque estava muito ligado aos Templários.
Poderemos, pois, pensar que o que se segue lhe foi contado diretamente por
dignitários do Templo:
Alguns cavaleiros, amados por Deus e ordenados para o seu serviço,
renunciaram ao mundo e consagraram-se a Cristo. Mediante votos solenes pronunciados
perante o patriarca de Jerusalém, dedicaram-se a defender os peregrinos
dos arruaceiros e ladrões, a proteger os caminhos e a servir de cavaleiros
ao soberano rei. Observaram a pobreza, a castidade e a obediência,
segundo a Regra dos Cônegos Regulares. Os seus chefes eram dois homens
veneráveis, Hugues de Payns e Geoffroy de Saint-Omer. Inicialmente,
só houve nove que tomaram uma decisão tão santa e,
durante nove anos, serviram com vestes seculares e cobriram-se com aquilo
que os fiéis lhes deram como esmola. O rei, os seus cavaleiros e
o senhor patriarca encheram-se de compaixão por esses nobres homens
que tudo haviam abandonado por Cristo e deram-lhes algumas propriedades
e benefícios para proverem às suas necessidades e pelas almas
dos doadores. E porque não tinham igreja ou casa que lhes pertencesse,
o rei instalou-os no seu palácio, perto do Templo do Senhor. O abade
e os cônegos regulares do Templo deram-lhes, para as necessidades
do seu serviço, um terreno que não ficava distante do palácio
e, por essa razão, foram mais tarde chamados Templários.
No ano da graça de 1128, depois de terem ficado nove anos no palácio,
vivendo todos juntos em santa pobreza, de acordo com a sua profissão,
receberam uma Regra por intervenção do papa Honório
e de Estêvão, patriarca de Jerusalém, e foi-lhes atribuído
um hábito branco. Isso foi feito no concilio realizado em Troyes,
sob a presidência do senhor bispo de Albano, legado apostólico,
e na presença dos arcebispos de Reims e de Sens, dos abades de Cister
e de muitos outros prelados. Mais tarde, no tempo do papa Eugenio (1145-1153),
puseram a cruz vermelha nos seus hábitos , usando o branco como emblema
de inocência e o vermelho pelo martírio. [ ... ]. O seu número
aumentou tão rapidamente que em breve havia mais de trezentos cavaleiros
nas suas assembléias, todos envergando mantos brancos, sem contar
os inúmeros servidores. Adquiriram também bens imensos deste
e do outro lado do mar. Possuíam [ ... cidades e palácios,
de cujos rendimentos entregavam, todos os anos, uma determinada soma para
a defesa da Terra Santa, nas mãos do seu soberano mestre, cuja residência
principal é em Jerusalém. Jacques de Vitry dava também
algumas indicações sobre a disciplina que reinava no interior
da Ordem. Poderíamos recorrer também a Guilherme de Nangis
ou pedir alguma ajuda à versão latina da sua Regra, que afirma
no preâmbulo: "pelas orações de mestre Hugues de
Payns, sob cuja direção a referida cavalaria teve início
pela graça do Espírito Santo". Que deveremos concluir?
Que alguns cavaleiros renunciaram ao mundo sob o comando de Hugues de Payns
para se colocarem ao serviço dos peregrinos e que assim nasceu a
Ordem do Templo. Podemos dizer também que os Templários foram
apenas nove, durante nove anos, e esse número já foi muito
glosado. Mas, quem eram esses nove paladinos. Para além de Hugues
de Payns, encontramos Geoffroy de Saint-Omer, um flamengo; André
de Montbard, nascido em 1095 e tio de São Bernardo pela sua meia-irmã,
Aleth. Havia também Archambaud de Saint-Aignan e Payen de Montdidier
(por vezes designado pelo nome de Nivard de Montdidier), ambos flamengos.
E, depois, Geoffroy Bissol, sem dúvida originário do Languedoque
e Gondomar, que talvez fosse português. Por fim, um tal Roral, ou
Rossal, ou Roland, ou ainda Rossel, de quem nada mais sabemos, e um hipotético
Hugues Rigaud, que teria sido originário do Languedoque.
Uma vez mais, as informações fiáveis são muito
tênues. Por que razão se juntaram estes homens? Jacques de
Vitry já no-lo disse: para defenderem os peregrinos dos arruaceiros,
protegerem os caminhos e servirem de cavalaria ao seu soberano-rei. Na verdade,
os exércitos de cruzados que haviam permanecido no local não
tinham meios para dominarem todo o território, tanto mais que muitos
homens haviam regressado ao Ocidente. As cidades estavam bem controladas
mas a maior parte do país continuava sob domínio muçulmano.
Algumas pequenas cidades nem sequer tinham guarnição cristã.
Os Francos contentavam-se com vagos pactos de não agressão
e obrigavam-nas a pagar um tributo. Alguns senhores árabes aproveitavam-se
desta situação para efetuarem golpes de mão e assaltarem
as caravanas de peregrinos. Os camponeses muçulmanos, para resistirem
ao invasor, não hesitavam em organizar o bloqueio econômico
das cidades a fim de as reduzirem à fome ou capturavam cristãos
isolados e vendiam-nos como escravos. Nas próprias cidades ocorriam
atentados. Em resumo, a segurança era uma palavra vã.
Havia uma estrada que era especialmente considerada exposta e pouco segura.
Ligava Jafa a Jerusalém, e os egípcios de Ascalon faziam amiúde
incursões contra ela. Os peregrinos só podiam circular por
ela agrupados em pequenas hostes, melhor armados que fosse possível.
Hugues de Payns teria decidido remediar essa situação constituindo
uma equipa "para que guardassem os caminhos, lá por onde os
peregrinos passavam, dos ladrões e salteadores que grandes males
aí soíam fazer", como dizia Guilherme de Tiro.