Análise
do Andrógino de Henry Khunrath
Stanislas de Guaita
O Grande Andrógino
de meio corpo constitui, visivelmente, um pantáculo hermético
ou de Crisopeu.
Este é, evidentemente, o sentido imediato e capital do emblema. É
fácil convencer-se disso através do exame dos acessórios
agrupados em torno da figura central, e, ainda que restasse alguma dúvida,
bastaria a leitura dos textos latinos muito detalhados que revestem a gravura
para dirimir qualquer incerteza, traindo a preocupação constante
do teósofo, que é, antes de mais nada, a alquimia.
Mas, em Magia, as correspondências analógicas sendo absolutas,
de um mundo para o outro, resulta que todo verbo oculto proferido em alguma
das três esferas desperta, naturalmente, um eco nas outras duas: trata-se
sempre da mesma nota, uma oitava acima ou abaixo. O sentido dos símbolos
é, assim, múltiplo e pode estabelecer-se sobre uma escala
rigorosamente determinável a priori.
A explicação hermética de nossa prancha corresponde
ao sentido natural ou positivo. O sentido moral ou comparativo requer uma
explicação psicológica, e o sentido espiritual ou superlativo,
uma explicação de ordem metafísica.
Em nosso comentário sobre a Rosa-Cruz de Khunrath, propuséramos
fazer, de certa forma, um amálgama das três significações.
Nesta oportunidade tentaremos indicá-las à parte.
Aqui, além disso, o interesse concentra-se principalmente na interpretação
alquímica, uma vez que, evidentemente, ela domina as duas outras
no pensamento do autor.
Parece-nos lógico expor, em primeiro lugar, a interpretação
alquímica - e pensamos surpreender agradavelmente nosso público
dando a palavra, aqui, a um colega não só bem conhecido como
também muito apreciado por ele. Papus, que bem antes de nós
se lançou ao estudo prático da espagiria (até alcançar
êxito em diversas experiências de ordem bastante particular).
Papus nos brindará com algumas dessas páginas em que talvez
seja o único a saber casar, de um modo primoroso, a profundidade
das idéias com a limpidez de estilo.
Sentido positivo ou natural do emblema
por Papus
Atendendo ao desejo de nosso amigo e irmão Stanislas de Guaita, iremos
expor, em algumas linhas, o sentido puramente alquímico da figura
pantacular de Khunrath. Assim, o esquema que traçamos é estritamente
limitado e devemos restringir-nos à exposição das grandes
generalidades reveladas por esta magnífica síntese simbólica.
A Pedra Filosofal ofereceu provas irrefutáveis de sua existência,
fato que outrora já nos esforçamos por demonstrar, com a história
na mão(98).
Meu Deus, sim, cético leitor, sorris em vão ante o relato
de todas essas legendas de velhos alquimistas usando sua vida e dilapidando
sua fortuna na procura da Grande Obra. Não se trata de brilhantes
quimeras. No fundo de tudo isso oculta-se um reverberante raio de verdade
e os dez mil volumes que tratam dessas matérias não constituem
obra de malabaristas indignos ou de impudentes falsários.
Os livros de alquimia são escritos de tal forma, que podereis, de
maneira mais fácil, dar-vos conta de todos os fenômenos que
se sucedem na preparação da Pedra Filosofal, sem jamais chegardes,
vós mesmos, a prepará-la.
A razão disto é bastante simples. Os mestres escondem o nome
da matéria-prima necessária à obra e o meio de elaborar
e de preparar esta matéria-prima pelo emprego do Fogo Filosófico
ou Luz Astral humanizada. Ora, é indispensável dizer duas
palavras acerca dos fenômenos que assinalam a preparação
da Pedra Filosofal, sob pena de jamais se chegar à compreensão
do que iremos explicar com referência à figura simbólica
de Khunrath considerada alquimicamente.
Quando colocais os dois produtos, sobre cuja origem os alquimistas silenciam
prudentemente, no ovo de vidro do athanor e fazeis agir o fogo secreto sobre
esta mistura, diversos fenômenos muito interessantes surgem aos vossos
olhos.
A matéria contida no athanor torna-se, de início, absolutamente
negra. Ela parece putrefata e completamente perdida, mas é neste
momento que o alquimista se rejubila, uma vez que reconhece, aí,
o primeiro estágio da evolução da Grande Obra, estágio
designado pelos nomes de Cabeça de Corvo e Caos.
Essa cor persiste durante vários dias ou várias horas, conforme
a habilidade do artista, e, em seguida, quase sem transição,
a matéria assume uma coloração branca muito cintilante.
Esta cor indica que a combinação entre os dois produtos colocados
no athanor está efetuada, a metade do trabalho realizada.
A esta cor branca seguem-se cores variadas, segundo uma progressão
ascendente relacionada com o espectro solar, ou seja, começando pelo
violeta para elevar-se, passando por uma diversidade de nuanças,
ao vermelho púrpura, que indica o fim da Obra.
A esses fenômenos de coloração, estão ligados
outros fatos puramente físicos: alternativas de volatilização
e de fixação, de solidificação e de semiliqüefação
da matéria; fatos que levaram os alquimistas a comparar a criação
da Pedra Filosofal pelo homem com a criação do Universo por
Deus (fenomenalmente falando). A grande lei da Ciência Oculta, a Analogia,
dá a razão de ser de todas as deduções, mas
sairíamos do esquema que traçamos se nos detivéssemos
mais nesse ponto.
Guardemos simplesmente os três grandes estados por que passa a matéria:
o negro, o branco, o vermelho, e, munidos desses dados, vamos à explicação
de nossa imagem.
No primeiro relance, aparecem três grandes círculos, cada um
deles subdivididos em três outros. O círculo inferior traz,
ao centro, escrita em letras maiúsculas e em língua grega,
a palavra (Caos).
O círculo médio deixa sobressair sobretudo a palavra REBIS.
Enfim, o círculo superior apresenta a palavra AZOTH.
Caos, Rebis, Azoth são, portanto, os três termos que nos darão
o sentido geral de nossa figura.
CAOS (1° Círculo)
O círculo inferior indica a criação da Matéria-prima
e nos mostra a imagem do Universo. Ele simboliza particularmente a COR NEGRA
da obra, ou a Cabeça de Corvo.
Não nos cabe entrar em todos os detalhes da preparação,
revelados pelas palavras contidas no círculo; mostremos simplesmente
a verdade de nossa explicação através de um excerto
do Dicionário mitohermético de Pernety:
"Desenvolvendo-se este caos pela volatização, este abismo
de água deixa ver pouco a pouco a terra, à medida que a unidade
se sublima no alto do vaso. Eis porque os químicos herméticos
acreditaram que pudessem comparar sua obra, ou o que se passa durante as
operações, com o desenvolvimento do Universo quando da criação"
(Pernety).
REBIS (2° Círculo)
O segundo círculo apresenta-nos a figura misteriosa do Andrógino
hermético (o Sol e a Lua). Nosso sábio irmão Guaita
exporá o sentido cabalístico dessa importante figura. Quanto
a nós, basta que digamos que ela exprime alquimicamente a COR BRANCA
da obra, resultante da união dos dois princípios, positivo
e negativo.
O adágio Etiam Mundus Renovabitur Igne, que corresponde ao famoso
Igne Natura Renovatur Integra INRI da Franco-Maçonaria Oculta, indica
que é nesse momento que começa a aplicação do
fogo filosófico sobre a matéria. O quadrado dos elementos
(Ignis, Aqua, Terra, Aer), compreendendo o triângulo da constituição
de todo ser (Anima, Spiritus, Corpus), indica a teoria do 2° grau da
Obra.
O triângulo Separa, Dissolve, Depura, dominado pelo quaternário
Solve, Fige, Coagula, Compone, indica a prática deste segundo grau
da obra hermética. Enfim, todas essas operações redundam
na criação de uma única e mesma coisa, REBIS, conforme
define Pernety:
"O espírito mineral, crescendo como que da água, diz
o bom Trévisan, mistura-se com seu corpo, na primeira decocção,
dissolvendo-o. Eis porque se dá a ele o nome de REBIS, pois é
feito de duas coisas, a saber, do macho e da fêmea, isto é,
do dissolvente e do corpo dissolúvel, embora no fundo se trate de
uma mesma coisa e de uma mesma matéria" (Pernety).
AZOTH (3° Círculo)
É a fênix alquímica que simboliza o terceiro círculo.
O Fogo astral com todos os seus mistérios é claramente indicado
nesta maravilhosa figura. As penas de pavão simbolizam as cores variadas
que toma a matéria sob a influência deste fogo filosófico
que chamusca sem arder, este fogo úmido e sutil representado pelas
asas da Fênix. De resto, o vocábulo Azoth, indica por si mesmo,
o sentido de toda a imagem.
"Azoth, segundo Planiscampi, significa meio de união, de conservação
ou medicina universal. Observa também que o termo Azoth deve ser
visto como o princípio e o fim de todo corpo e que encerra todas
as propriedades cabalísticas, já que contém a primeira
e a última letra das três línguas mães, o Aleph
e o Thau dos hebreus, o Alpha e o Ômega dos gregos, o A e o Z dos
latinos" (Pernety).
ELOIM
Acima desses três círculos, resplandece no triângulo
místico o nome sagrado ELE-OS-DEUSES, Eloim, símbolo da Pedra
Filosofal perfeita. Entramos aqui, inteiramente, no domínio da cabala.
Assim, julgamos conveniente limitar aqui esta exposição já
longa demais que o leitor mesmo poderá desenvolver a seu modo, com
o auxílio de alguns elementos que lhe fornecemos.
PAPUS
Acrescentaremos pouca coisa a esta explicação hermética,
tão ampla quanto precisa. Nós nos limitaremos a esboçar,
em linhas o mais concisas possível, os dois sentidos cabalísticos
da figura central.
Sentido comparativo ou psicológico
do emblema
O ANDRÓGlNO constitui a mais cativante imagem do Reino Hominal reconduzido
ao seu princípio inteligível. Trata-se, em linguagem puramente
hieroglífica, do símbolo absoluto do Ser Virtual que se exterioriza
por meio daquilo que Fabre d'Olivet denomina "faculdade volitiva eficiente";
- do Ser Universal que se particulariza por sua submultiplicação
indefinida através do espaço e do tempo; - do Ser Espiritual,
enfim, que se corporifica e cai na matéria, por haver pretendido
tornar-se centro e por se ter afastado da Unidade Divina, princípio
central e fonte essencial de toda espiritualidade.
Segundo Moisés esotericamente interpretado(99), são as seguintes
as etapas da queda; o Universal Adão FI} desdobra Aishah UV} ; desde
então, ele próprio torna-se Aish VY} ; é o Intelecto
Potencial do homem que se Realiza desenvolvendo a Vontade. Porém,
o mau emprego dessa vontade faz com que ambos, homem e mulher, Intelecto
e Vontade, caiam no mundo elementar: Aishah metamorfoseia-se em HEVAH UYU,
a Vida Materializada, de que Adão se converte em esposo.
Voltemos à explicação que demos, em outra parte, sobre
Hevah ou Heve UYU. Para não complicar mais ainda a nota, já
bastante extensa, a respeito de I-eve e de Adam-eve(100), deixamos de assinalar,
naquela oportunidade, a conversão em U Heth do primeiro U He de UYU
(Hevah), que se torna UYR (Havah). Esse endurecimento da vogal inicial marca
hieroglificamente a queda de Adão e sua conseqüência:
a materialização, nele, da vida universal.
Ora, o Andrógino de Khunrath representa Adam-Eve ou o Homem Universal
destroçado na matéria e naufragado no devir. Isso é
expresso pelo globo elementar de Hilé (gLH)(101) que o Andrógino
sustenta em suas mãos. Nesse globo acha-se inscrito o quadrado dos
elementos, e no quadrado, por sua vez, o triângulo adâmico:
corpo, alma, espírito.
Este esquema geométrico equivale e corresponde estritamente ao hieróglifo
que os alquimistas usam como emblema da obra hermética realizada,
da pedra filosofal obtida. A Grande Obra consiste, com efeito, em comprimir
o Espírito (simbolizado pelo triângulo) sob a pressão
da matéria (simbolizada pela cruz dos 4 elementos). O enxofre dos
alquimistas, pelo contrário, é a Matéria dominada pelo
Espírito. Também os adeptos, que são lógicos,
exprimem-no pelo mesmo signo invertido.(102)
Para voltar ao triângulo aprisionado por um quadrado inscrito em um
círculo, seria possível representar melhor a decadência
do homem, encarcerado entre as quatro paredes de sua masmorra sinistra?...
Passando do geral para o particular, os iniciados porventura não
o entreverão, neste ternário vivo que comprime e retém
cativo o quaternário dos elementos, o emblema de um temível
arcano? Não lhes virá à mente a alma adâmica
individual, primeiramente arrastada ao vertiginoso vórtice das gerações,
depois se debatendo, presa das quatro torrentes elementares que a disputam?
Pobre alma, aquartelada entre essas quatro potências de perdição,
luta desesperadamente para atingir e conquistar o ponto central, equilibrado;
a intersecção crucial, única; o lugar salvador em que
sua encarnação poderá efetuar-se pelo menos sob a forma
harmoniosa, ponderada e sintética do homem!
Se, por desventura, ela se deixar levar à deriva de uma das correntes,
qual será sua sorte? Que se tornará? Algum elementar na natureza
ou, caso se encarne, uma pobre inconsciência, centelha divina obscurecida
por longo tempo e cativa sob uma das formas analíticas desmensuradas,
anárquicas da animalidade.(103)
Reportemo-nos à figura mágica, à esfera substancial
do Hyle, elaborada e renovada perpetuamente pela Luz secreta do universo:
Etiam mundus renovabitur igne... Do princípio da encarnação,
correspondente à mencionada esfera, passemos à realização,
à efetivação desse princípio. Isso significa
descer à esfera inferior em que Khunrath delineou continentes e mares;
significa fixar nossos olhos no globo terrestre, considerado como tipo de
todos os centros de condensaçao material, em que o universal Adam-Eve
dispersa seus submúltiplos.
É lá o reino desse XLOS, a substância primeira criada:
desse Tohou w'bohou YUPY YUZ ; desse abismo potencial (Thom JYUZ), gerador
dessas duplas águas (Maim JWK) sobre cuja face o sopro gerador (Rouach
Elohim JWUL} RYB) exerce seu poder Fecundante. O teósofo de Lípsia
revela, aqui, para aqueles que sabem compreendê-lo, diversos arcanos
relacionados à gênese material dos mundos. As fórmulas
gravadas são, aliás, límpidas, e é proveitoso
consultá-las atentamente...
O universal Adão, desintegrando-se, rolou até os confins;
precipitou-se na cloaca da substância diferenciada, produzida por
sua própria queda; disseminou-se, inexaurivelmente, semeando em profusão
almas de vida cada vez menos inteligentes, cada vez menos morais e conscientes,
até nas formas mais humildes da existência e do devir. Mas
isso não é tudo. Uma vez dividido ao infinito, seu destino
quer que ele se reconstitua em sua unidade ontológica; depois de
ele ter descido, seu destino quer que ele ascenda, que ele evolua, enfim,
depois de ter involuído.
Não abordaremos o problema - tão perturbador em sua profundidade
oculta - das redenções mineral, vegetal e animal: esse mistério
jamais será totalmente desvendado(104). Porém, tomando o ser
adâmico nos dois terços de sua viagem de retorno, enquanto
ele, já parcialmente livre dos estreitos e despóticos entraves
com que a natureza física o sobrecarregou, pôde evoluir até
a condição de homem. Permitimo-nos examinar, em linhas gerais,
seu retorno à sua síntese verbal, o Adão celeste.
Por que esforços pode o homem carnal trabalhar para a reconquista
do éden de sua divindade coletiva? Antes de tudo, pelo estabelecimento,
desde esta esfera inferior, de um Estado Social hierárquico.
Em que se funda tal Estado Social? Antes de tudo, na Família.
Em que repousa a Família? Antes de tudo, no Amor.
O Amor aparece-nos, sob suas diversas formas, como sendo o princípio
essencial da redenção e o instrumento primordial da reintegração.
Com relação aos indivíduos, o Amor é, com efeito,
o elo moral que liga o homem à mulher; com relação
às almas, ele é, ainda, o apelo magnético à
vida objetiva; é ele que, infundindo nelas uma perturbação
deliciosa, concita-as a encarnar-se e as faz rolar, vencidas, no turbilhão
fatal das gerações. Com relação ao Estado Social,
o Amor é, enfim, o irresistível procurador das raças:
obseda, possui e cativa os amantes. Instilando neles um furor apenas saciável
pela união dos sexos, ele abre incessantemente às pobres almas
a porta estreita da existência física e terrestre.
Mas isso não é tudo: a estranha propagação dos
tipos individuais ao longo da cadeia das filiações, esse fenômeno
cujo vago nome de atavismo, na mente de tantos pensadores, designa apenas
um impenetrável mistério - tudo isso só encontra solução
no Amor!... Veremos oportunamente que, sob a forma sublimada da Caridade,
é ainda o Amor que opera, pela ascensão primeiramente individual
das almas, depois, por sua adição nupcial por grupos bissexuados
e complementares, cuja fusão harmoniosa, em progressão matemática,
resume a síntese relativa, que só encontra seu termo absoluto
em Deus.
O Amor é a Terceira pessoa da trindade adâmica, pois, constituindo
a relação comum dos dois esposos, sua relatividade sentimental,
seu meio termo, em uma, procede do homem e da mulher, como o Espírito
Santo procede do Pai e do Filho(105). Não é o Amor também
o verdadeiro agente da encarnação? Aquele de quem o filho
é verdadeiramente concebido? Do mesmo modo, misticamente nos é
ensinado que, embora engendrado pelo Pai, o Cristo é concebido pelo
Espírito Santo. Todas essas analogias são do mais alto rigor.
O Espírito Santo, aliás, é, por sua vez, o Amor-divino,
o Amor exaltado no Mundo Espiritual: como a atração é
apenas o Amor cósmico, o amor refratado no Mundo Elementar.
O que é verdade para os Mundos Divino ou superlativo e Natural ou
positivo não é menos verdade para o Mundo Moral ou comparativo.
O Amor é o terceiro termo da Trindade humana, pois é dele,
como vimos, que é concebido o filho, nascido do Pai e da Mãe;
e eis por que a fênix, que renasce de suas cinzas, irrompe e bate
as asas entre as duas cabeças de mulher e de homem. Emblema da fecundidade
eterna, a fênix simboliza, cabalisticamente, o Amor, no pantáculo
de Khunrath.
Naturalmente, ao se considerar o grande andrógino, a cabeça
de homem figura como solar, enquanto a cabeça de mulher se apresenta
selênica. Do seio direito, marcado pelo signo sulfuroso , e do seio
esquerdo, marcado pelo signo salino , jorram duas fontes perpétuas:
símbolo das duas energias, ativa e passiva, que reagem mutuamente,
para animar e reafirmar a substância prolífica do composto
filosofal. O signo mercurial , colocado sobre o umbigo, indica o fator mediano
de por .
Os dois braços, em que se acham inscritos os dois preceitos misteriosos
- Coagula, Solve - sustentam a esfera dos elementos ocultos. Com isso, Khunrath
nos ensina que o Mago, ou o homem completo, designado pelo Andrógino,
pode dominar inteiramente o mundo elementar e agir sobre a Natureza naturada
com uma espécie de onipotência, projetando ou atraindo para
si a Luz Astral, substrato da quintessência.
Considerada como instrumento das transmutações universais,
de que o homem pode tornar-se mestre e regulador, a Luz Astral revela-se
em toda a extensão de sua ação pela fórmula
dividida em caracteres de sombra sobre o feixe de fogo, tríplice
e sêxtuplo, que se irradia e flameja na base da esfera central.
Porém, tomada como a própria substância da Alma vivente
universal (Nephesh-ha-Haiah UWRU VAH ), que se distingue e se especifica
sob inúmeras formas para gerar os seres dos quatro reinos(106), a
Luz Astral torna-se o Azoth dos Sábios, e Khunrath a exprime pelo
hieróglifo da fênix, instalada como um diadema singular sobre
a dupla fronte do andrógino. A cauda do pavão, de que esse
estranho pássaro ainda se vê bizarramente revestido, é,
em alquimia, como disse Papus, o símbolo da obra, em determinado
ponto de sua evolução espagírica. Uma variedade de
cores cambiantes surgem então aos olhos, reverberando e parecendo
irisar-se de infinitos reflexos enganadores. No sentido comparativo, a cauda
de pavão, rica e multicor, simboliza as inúmeras formas e
nuanças, infinitamente variadas, de que a matéria penetrada,
elaborada, reanimada pelo espírito - reveste-se na progressão
ascendente de todos os seres até o Ser. É o reino de Ionah
(UHYW), a inexaurível fecundidade que, segundo a multiplicação
quaternária, desenvolve a alma de vida distribuída indistintamente
a todas as criaturas do universo(107). A hierografia é precisa nesse
ponto: O Pássaro de Hermes significa o bem-aventurado princípio
da vida vegetativa, que, agindo na profundidade espiritual das coisas corporais,
é a própria alma da Natureza, ou a quintessência apta
a fazer germinar todas as coisas.
Enfim, o triângulo supremo, que representa a pedra filosofal perfeita,
esse triângulo em que Papus lê Elohim (JWUL}, Ele-os-Deuses)
e em que julgamos, antes, decifrar o nome Aourim JWBY}, as Luzes (isto é,
o princípio de todas as luzes: natural, hiperfísica e espiritual),
é a manifestação ternária do fogo divino que
se irradia do alto: V} Esch. Esse fogo dissimula para sempre, sob um véu
de impetrável esplendor, a própria essência da incomunicável
Unidade: princípio final onde, para concluir a evolução
geral dos seres, ele deve, enfim, reintegrar-se e se ocultar.
Sentido superlativo ou metafísico
do emblema
Para a obtenção do significado de nosso pantáculo,
do ponto de vista metafísico, é necessário revelar
todos os mistérios do Tetragrama incomunicável UYUW (iod-he-vau-he),
síntese divina do Universo vivo.
Ora, por um lado, seria desnecessário repetir aqui as explicações
bastante detalhadas e precisas, já fornecidas anteriormente; por
outro lado, o caráter inefável do Absoluto, esse Inominável
manifestado pelo nome de UYUW desafia o esforço de nossas línguas
analíticas e relativas.
Seremos, pois, extremamente sóbrio ao escrever: convém limitar
esta nota a algumas indicações bastante breves.
Que nos baste observar que Esch V} representa o Espírito puro, universal,
principalmente, que tece uma veste de luz inteligível ao místico
Ain-Soph >YJ GW}, o ser-não-ser: Ser absoluto com relação
a si próprio, pois ele é só, no sentido primordial(108),
não-ser em relação a nós, que somos finitos
e contingentes, pois o Relativo não pode compreender o Absoluto.
O triângulo de Aourim JWBY} figura o Verbo, indestrutível conjunção
do Espírito e da Alma Universal: como Adão-princípio
produz Eva-Faculdade, constituindo com ela uma unidade; como o Fogo V} produz
a Luz BY}, constituindo com ela uma unidade; assim, o Espírito Universal
produz a Alma Coletiva, constituindo com ela uma só e única
coisa: o Verbo.
Este arcano parece ainda mais perfeitamente expresso pela figura central
do grande Andrógino. Do macho W, emana a fêmea U. Sua síntese
Iah UW constitui uma assimilação homogênea, coesa: símbolo
eterno do Pai engendrando o Filho (por intermédio da Mãe Celeste
ou Natureza-Naturante) e se reproduzindo na pessoa desse Filho. Quanto ao
pássaro de Hermes, pairando acima do Andrógino, deve-se ver
nele o Espírito Santo, Y, que procede do Pai e do Filho, de Deus
e da Humanidade. Enfim, os globos que figuram abaixo representam o Reino
ZYPLK (Malkuth), esfera de ação do segundo U, onde se exerce
a exaurível fecundidade do Tetragrama no domínio da natureza
naturada, mundo da substância plástica, das formas sensíveis,
das imagens.
Assim como o quaternário Iod-heve UYUW, o quaternário Agla
}LO} pode servir de chave a nosso emblema:
O primeiro Aleph (} = 1) exprime, assim, a Unidade principiante do Universo;
Ghimel (O = 3), o ternário das pessoas em Deus; Lammed (L = 12),
o desenvolvimento do ternário espiritual multiplicado pelo quaternário
sensível (3 x 4 = 12), e a difusão do Ser Universal no Tempo
e no Espaço. Enfim, o último Aleph, a Unidade principiante
e final, ponto de partida e ponto de chegada; a unidade suprema para onde
tudo retorna após o duplo movimento hemicíclico da Descida
e da Ascensão(109), da Desintegração e da Reintegração,
da Queda e da Redenção.
Fazendo um paralelo do que foi dito acima com as noções desenvolvidas
anteriormente, será lícito ao leitor engenhoso desenvolver
e completar para seu próprio benefício o sentido superlativo
ou divino do Grande Andrógino cabalístico.
Nada negligenciamos de essencial; mas, colocando os princípios, não
pretendemos demonstrá-los e, menos ainda, elucidá-los até
as conseqüências que se podem deduzir.