A
Fé E A Vida São Distintas Entre Si
Emanuel Swedenborg
42. A fé e a vida são distintas entre si da mesma maneira
que pensar e fazer; e como pensar pertence ao entendimento e fazer pertence
à vontade, resulta que a fé e a vida são distintas
entre si como o entendimento e a vontade. Quem sabe fazer a distinção
destas, sabe também fazer a distinção daqueles; e quem
conhece a conjunção de umas, conhece também a conjunção
dos outros. Por isso vai-se antecipar alguma coisa sobre o entendimento
e a vontade.
43. Há no homem duas faculdades, das quais uma se chama vontade e
a outro entendimento. São distintas entre si, mas criadas de maneira
que sejam uma; e quando são uma, são chamadas mente; estas
faculdades são, pois, a mente humana, e toda a vida do homem aí
está. Da mesma maneira que no universo todas as coisas que são
conformes à Ordem Divina se referem ao bem e ao vero, assim também
no homem todas as coisas se referem à vontade e ao entendimento,
pois o bem no homem pertence à sua vontade e o vero pertence ao seu
entendimento. Com efeito, essas duas faculdades são os seus receptáculos
e sujeitos; a vontade é o receptáculo e o sujeito de todas
as coisas do bem, e o entendimento é o receptáculo e o sujeito
de todas as coisas do vero. Os bens e os veros, no homem, não se
acham em outra parte; assim, o amor e a fé não se acham em
outra parte, pois que o amor pertence ao bem e o bem ao amor, assim como
a fé pertence ao vero e o vero à fé. Nada interessa
mais do que saber como a vontade e o entendimento fazem uma só mente:
fazem uma só mente da mesma maneira que o bem e o vero fazem um,
porque entre a vontade e o entendimento há um casamento semelhante
ao casamento entre o bem e o vero. No artigo precedente se disse alguma
coisa sobre a qualidade desse casamento; será acrescentado isto,
que, do mesmo modo que o bem é o ser mesmo da coisa e o vero é
o seu existir, assim também a vontade no homem é o ser mesmo
de sua vida e o entendimento é o seu existir, pois que o bem, que
pertence à vontade, forma-se no entendimento e se faz ver de determinada
maneira.
44. Que o homem possa saber, pensar e compreender muitas coisas e, todavia,
não ser sábio, mostrou-se acima, ns. 27 e 28. E como pertence
à fé saber e pensar, e ainda mais compreender que uma coisa
é de tal ou tal modo, o homem pode assim crer que tem a fé,
e todavia não a ter. O que faz que não a tenha é que
ele está no mal da vida, e o mal da vida e o vero da fé nunca
podem agir juntamente. O mal da vida destrói o vero da fé,
porque o mal da vida pertence à vontade e o vero da fé ao
entendimento, e a vontade conduz o entendimento e faz que aja juntamente
consigo; por isso, se no entendimento há alguma coisa que não
concorde com a vontade, quando o homem está entregue a si mesmo e
pensa segundo o seu mal e segundo o amor desse mal, ou ele repele o vero
que está no entendimento, ou o força a ser um por falsificação.
Sucede de outro modo naqueles que estão no bem da vida; estes, entregues
a si mesmos, pensam pelo bem e amam o vero que está no entendimento,
porque está em concordância. Assim, a conjunção
da fé e da vida se faz como a conjunção do vero e do
bem, sendo que essas duas conjunções são como a conjunção
do entendimento e da vontade.
45. Daí agora se segue que, da mesma maneira que o homem foge dos
males como pecados, na mesma proporção tem fé, porque
assim está no bem, como foi mostrado acima. Isso também é
confirmado por seu contrário: aquele que não foge dos males
como pecados não tem fé, porque está no mal e o mal
interiormente odeia o vero; exteriormente pode mesmo agir como amigo, tolerá-lo,
até mesmo estimar que esteja no entendimento; quando porém
o exterior é retirado B o que acontece depois da morte B então
ele primeiro rejeita o vero como seu amigo no mundo, depois nega que seja
vero e enfim o tem em aversão.
46. A fé do homem mau é uma fé intelectual, que nada
tem do bem procedente da vontade; assim, é uma fé morta que
é como a respiração pulmonar sem sua alma procedente
do coração. O entendimento também corresponde ao pulmão,
e a vontade ao coração. É também como uma meretriz
bela, até adornada de púrpura e ouro, que interiormente está
corrompida de doenças malignas; a meretriz também corresponde
à falsificação do vero e, por conseqüência,
na Palavra, tem tal significação. É ainda como uma
árvore luxuriante de folhas e que não dá frutos, que
o jardineiro arranca; a árvore também significa o homem, as
"folhas" e "flores", seus veros da fé, e o "fruto"
o bem do amor. Mas diferente é a fé num entendimento onde
está o bem procedente da vontade: essa fé é viva; e
é como a respiração pulmonar cuja alma provém
do coração; e é como uma bela esposa, que a castidade
torna amável para o marido, e como uma árvore frutífera.
47. Há várias coisas que parecem pertencer somente à
fé, por exemplo, que há um Deus; que o Senhor, que é
esse Deus, é o Redentor e o Salvador; que há um céu
e um inferno; que há uma vida depois da morte, e várias outras
coisas, das quais não se diz que devem ser feitas, mas que se deve
crer nelas. Essas coisas da fé são mortas também no
homem que está no mal, porém vivas no homem que está
no bem. A razão é que o homem que está no bem não
só faz o bem pela vontade, mas também pensa bem pelo entendimento,
não só perante o mundo, mas também perante si mesmo,
quando está só. Ocorre diferentemente com quem está
no mal.
48. Foi dito que essas coisas parecem pertencer somente à fé,
mas o pensamento do entendimento tira seu existir do amor da vontade, que
é o ser do pensamento no entendimento, como foi dito acima, n. 43.
Com efeito, o que alguém quer pelo amor, quer fazê-lo, quer
pensar nisso, quer compreendê-lo e quer falar nisso; ou, o que é
a mesma coisa, o que alguém ama pela vontade, ama fazê-lo,
ama pensar nisso, ama compreendê-lo e ama falar nisso. Acrescente-se
a isso que, quando o homem foge do mal como pecado, então está
no Senhor, como foi mostrado acima, e o Senhor opera todas as coisas. Por
isso o Senhor disse àqueles que Lhe perguntavam o que deviam fazer
para praticar as obras de Deus:
"A obra de Deus é esta, que creiais n'Aquele que Ele enviou."
(João 6:28).
"Crer no Senhor" não é somente pensar que Ele é
o Senhor, mas também praticar Suas palavras, conforme Ele o ensina.
49. Que aqueles que estão nos males não tenham a fé,
ainda que pensem tê-la, é o que foi mostrado a tais indivíduos
no mundo espiritual: eles foram conduzidos a uma sociedade celeste, donde
o espiritual da fé dos anjos entrou nos interiores da fé daqueles
que para ali foram conduzidos, pelo que eles perceberam que tinham somente
o natural ou o externo da fé e não seu espiritual ou interno.
Por isso eles mesmos confessaram que nada tinham, absolutamente, da fé,
e se haviam persuadido, no mundo, que pensar que uma coisa é de tal
maneira por uma causa qualquer, é crer ou ter fé. Mas a fé
daqueles que não tinham estado no mal foi percebida diferentemente.
50. Por essas razões, pode-se ver o que é a fé espiritual
e o que é a fé não espiritual; que a fé espiritual
esteja naqueles que não cometem pecados, pois os que não cometem
pecados fazem o bem, não por si mesmos, mas pelo Senhor (vide acima,
ns. 18 a 21); e pela fé eles se tornam espirituais. A fé neles
é a verdade. Isto o Senhor ensina em João:
"Este... é o juízo: Que a Luz veio ao mundo, mas os homens
amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.
Todo aquele que pratica o mal odeia a luz, para que suas obras não
venham para a luz e não sejam argüidas; mas o que pratica a
verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque
são feitas em Deus." (João 3:19-21).
51. As coisas que até aqui têm sido ditas são confirmadas
por estas passagens na Palavra:
"O homem bom do bom tesouro do seu coração tira o bem,
mas o homem mau do mau tesouro do seu coração tira o mal,
porque da abundância do coração fala a boca." (Lucas
6:46; Mateus 12:35);
pelo "coração", na Palavra, entende-se à
vontade do homem; e como pela vontade o homem pensa e fala, diz-se que "pela
abundância do coração fala a boca".
"Não é o que entra na boca o que torna o homem impuro,
mas o que sai do coração, isso é o que torna o homem
impuro." (Mat. 15:11); aqui também, pelo "coração"
entende-se à vontade. Jesus disse sobre a mulher que Lhe lavou os
pés com ungüento "Os pecados lhe são remidos, porque
muito amou". E, depois, disse-lhe: "A tua fé te fez salva."
(Luc. 7:46 a 50).
Por aí é evidente que a fé salva quando os pecados
são remidos, isto é, quando não existem mais. Aqueles
que não estão no próprio da sua vontade, nem por conseqüência
no próprio do seu entendimento, isto é, que não estão
no mal e por conseqüência no falso, são chamados "filhos
de Deus" e "nascidos de Deus." E esses são aqueles
que crêem no Senhor, como Ele mesmo ensina em João 1:12, 13,
passagem que se vê explicada acima (vide n. 17, no fim).
52. Daí se segue esta conclusão: que no homem não há
um grão de verdade a mais do que há de bem, assim como nenhum
grão de fé a mais do que há de vida. Há no entendimento
o pensamento de que uma coisa é assim, mas não o reconhecimento
que é a fé, a não ser que haja consentimento na vontade.
Assim, a fé e a vida andam num passo igual. Agora, segundo isso,
é claro que quanto mais alguém foge dos males como pecados,
mais tem fé e é espiritual.