ORÍGENS
E DEFINIÇÃO DA KABALA
Introdução ao estudo da Kabala mística e prática,
e a operatividade de suas Tradições
e seus Símbolos, visando a Teurgia
Robert Ambelain
Robert Ambelain nasceu no dia 2 de setembro de 1907, na cidade
de Paris. No mundo profano, foi historiador, membro da Academia Nacional
de História e da Associação dos Escritores de Língua
Francesa.´ Foi iniciado nos Augustos Mistérios da Maçonaria
em 26 de março (o Dictionnaire des Franc-Maçons Français,
de Michel Gaudart de Soulages e de Hubert Lamant, não diz o ano da
iniciação, apenas o dia e o mês), na Loja La Jérusalem
des Vallés Égyptiennes, do Rito de Memphis-Misraïm. Em
24 de junho de 1941, Robert Ambelain foi elevado ao Grau de Companheiro
e, em seguida, exaltado ao de Mestre. Logo depois, com outros maçons
pertencentes à Resistência, funda a Loja Alexandria do Egito
e o Capítulo respectivo. Para que pudesse manter a Maçonaria
trabalhando durante a Ocupação, Robert Ambelain recebeu todos
os graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, até o 33º, todos
os graus do Rito Escocês Retificado, incluindo o de Cavaleiro Benfeitor
da Cidade Santa e o de Professo, todos os graus do Rito de Memphis-Misraïm
e todos os graus do Rito Sueco, incluindo o de Cavaleiro do Templo. Robert
Ambelain foi, também, Grão-Mestre ad vitam para a França
e Grão-Mestre substituto mundial do Rito de Memphis-Misraïm,
entre os anos de 1942 e 1944. Em 1962, foi alçado ao Grão-Mestrado
mundial do Rito de Memphis-Misraïm. Em 1985, foi promovido a Grão-Mestre
Mundial de Honra do Rito de Memphis-Misraïm. Foi agraciado, ainda,
com os títulos de Grão-Mestre de Honra do Grande Oriente Misto
do Brasil, Grão-Mestre de Honra do antigo Grande Oriente do Chile,
Presidente do Supremo Conselho dos Ritos Confederados para a França,
Grão-Mestre da França - do Rito Escocês Primitivo e
Companheiro ymagier do Tour de France - da Union Compagnonnique dês
Devoirs Unis, onde recebeu o nome de Parisien-la-Liberté.
A. - Sua Gênese
Seria pois
em vão supor por um só instante que a religião judaica
de antes de nossa Era se caracterizou por um monoteísmo absoluto,
por um lado, e por uma ortodoxia rigorosa do conjunto do conjunto dos fiéis,
de outro lado.
Se os jovens anos do cristianismo nascente apresentaram esse aspecto de
incessante fervilhar de seitas e crenças particulares, cada uma mais
estranha que a outra, para a nação judaica, é o fenômeno
inverso que se desenvolve. Quando da saída do Egito, o culto de Deus
de Israel é um todo. Sem dúvida, sobrevivências de cultos
mais antigos e mais primitivos [em especial aquele dos Balim, dos Ephod,
dos Teraphin, etc...] se manifestam ainda no seio das famílias e
dos clãs, mas de uma maneira privada, e geralmente clandestina. Depois,
com o tempo, o contato com as filosofias estrangeiras, as estadas na Babilônia
[conduzidos pela catividade e as deportações de população]
o estudo de seus doutores, a troca de idéias, a ruptura intelectual
e mística do povo judeu se estira e se fraciona em diferentes ramos.
Uns vivem e prosperam de maneira absolutamente oficial, e se conhece entre
estas seitas as principais: os fariseus, os saduceus, os essênios,
os terapeutas. Mas na massa popular se ignora a existência de escolas
mais herméticas, seitas diversas, as vezes de espírito muito
oposto.
Seria, certamente, um erro histórico dos mais graves imaginar um
judaismo formando um bloco único, não dando nascimento a nenhuma
variação teológica, a nenhum esoterismo, a nenhuma
heresia.
Vimos em sua obra sobre a formação do cristianismo, Drews
conclui que antes da Era cristã, já existia entre os judeus,
uma representação do Messias, que mais tarde será aquela
do Cristianismo. Depois, os discípulos de Jesus procurarão
justamente apresentá-lo como tendo reunido em sua vida todas as circunstâncias,
abundantemente descritas pelos profetas, e isso, afim de provar sua legitimidade
para o cumprimento de sua missão.
Igualmente, notamos que Drews, junto com B. Smith, afirma que ao lado do
judaismo ortodoxo, existia em Israel, ou em seus confins, seitas que tinham
organizado os elementos essenciais da lenda cristã e isso bem antes
do nascimento do Cristianismo, ao redor de um Deus que eles chamavam Iesoushouah[1].Nesse
nome Drews reencontra o nome de Jesus. A ortografia hebraica era idêntica.
Esse fato é significativo: É o primeiro sinal [traços]
da existência da Kabala, sendo Iesoushouah um dos "Nomes Divinos"
da Sephirah Geburah.
Essa religião sincretista se dá por uma revelação esotérica, uma "gnose" [manda é sinônimo de gnose], trazida por um Deus chamado Ado ["Senhor"]. Nesse nome reencontramos o radical tendo presidido a formação de numerosos nomes divinos dessas regiões: Ado, Ada, Adonai, Adonis, Adam, Atem, Atoum. Na realidade, essa tradição esotérica é feita de pedaços e fragmentos, e ela está sempre em estado de parturição teológica!
Todos os povos
semitas, e todas as seitas pré-gnósticos de antes de nossa
Era: os Ofitas, os Naasênios, os Cainitas, os Essênios, os Ebionitas,
os Parateens, os Sethianos, Heliognósticos, esperam o Ser misterioso
que descerá do Céu e se encarnará sob uma forma humana
para dispensar os Demônios, purificar a Terra e os Homens, e conduzir
estes ao lugar das Almas Bem-aventuradas, na "Morada do Pai".
Pois bem, as pesquisas históricas nos mostram numerosos doutores
judeus palestinos, em relação de simpatia com as idéias
dessas seitas, estrangeiras para Israel.
Não deixemo-nos pois derrotar pelo erro histórico do monoteismo judeu estritamente fiel, confinado em vasos fechados, sem nenhuma evolução intelectual e dogmática! Existiram, antes de nosso Era, seitas mandeistas de fundo judeu, e são elas - B. Smith o prova - que dão justamente o nome de Ishu, Ieshouah, Iesoushouah, ao Deus Salvador que elas esperam. Iesh, em hebraico, significa fogo, ao mesmo tempo, designa a filiação, a genealogia. Seu Deus Salvador é pois um Deus de Luz e de Fogo. O que nos diz Moisés? "Deus é um fogo que queima...". Quais são os nomes dessas seitas? Iessênios, Nazarenos, Nazirenos...
Sabemos que as seitas esotéricas judaicas veneravam um Deus Salvador, que chamavam Ieshu, ou Ieshouah, ou Iehoushouah, e um papiro conservado na Biblioteca Nacional de Paris [n° 174, suplemento do fundo grego] contém fórmulas de conjurações tais como estas: "Eu te adjuro, pelo Ieshouah Nazireno..." e mais longe: "Eu te adjuro, pelo Deus dos Hebreus: Ieoushuh...".
Pois bem, repitamo-lo,
essas seitas são anteriores ao Cristianismo...
Com a vinda deste, com o fervilhar místico que o seguirá,
com a dispersão do povo judeu, seus contatos com os Árabes
da África do Norte, depois aqueles da Espanha e de Portugal, com
suas estreitas relações com as populações gregas,
turcas, balcânicas [contatos conseqüentes dessa dispersão],
toda essa doutrina secreta vai se refundir, borbulhar, fermentar, e finalmente,
diante do perigo de uma tal efervescência, os doutores de Israel,
de posse do verdadeiro esoterismo doutrinal do Thorah, vão se decidir
a revelar por fim o essencial desse ensinamento secreto, e vamos ver como...
Sobre a Sinagoga galiléia de Cafernaun, recentemente trazida à luz do dia, no frontão do Templo, brilha uma Estrela de Cinco Ramos, o "Escudo de Davi", o Pentagrama pitagórico, símbolo de Saber e de Conhecimento.
Pois bem, o emblema nacional do povo judeu é o "Selo de Salomão",
a Estrela de Seis Ramos, o Hexagrama da Magia medieval, símbolo da
tradição salomônica. O que significa essa diferença?
Porque esses paradigmas diferentes?
O "Selo de Salomão" vê sua significação
parcial revelada, se sabemos que em hebreu Salem, significa Beatitude, e
Shlom: Rigor, Justiça, Equilíbrio. O Hexagrama, emblema da
Lei geral, se liga ao Deus Justo, a doutrina que se apoia sobre o conceito
metafísico de Justiça Retributiva. É a "Lei do
Karma" das filosofias extremo-orientais, é aquela do talião
judaico.
Ao contrário, em hebraico, Davi significa: e a personagem histórica desse nome, é o Amor Divino. A segunda escola, da qual a Sinagoga de Cafernaun foi um dos Templos, se ligava a tradição esotérica da "Liberação pelo Amor", pondo em ação a misteriosa Lei do Perdão - que é o arcano reitor do Cristianismo.
Com a destruição do Templo, a dispersão das tribos proletárias judaicas, a destruição sistemáticas das tribos militares [Judá, Benjamim], ou sacerdotal [Levi], a elite de Israel desapareceu mais ou menos totalmente. Roma sabe golpear... . E em nossos dias, um fato permanece mais ou menos ignorado, é o de que o povo judeu não tem mais sacrificadores, legítimos saídos de Araão, e os rabinos são simples doutores da Lei...,
Mas nós sabemos, no que nos diz respeito, que essa destruição
foi incompleta, e que existe, mais ou menos ignorados, descendentes legítimos
desse sacerdócio esotérico que vamos estudar, em que se uniam
por um lado o sacerdócio sangrento de Moisés e de Araão,
e aquele não sangrento, de Melkissedek, "Rei de Salem"
confiado a Abraham. E Martinez de Pasqualis e após ele seus raros
Real Cruz, foram desses...
Pois é um fato histórico, ignorado do grande público,
que consagra a união definitiva do Sacerdócio de Israel e
da Maçonaria Operativa, ou Companheirismo judaico [1].
Com a morte de Nero, Vespasiano tinha retornado para Roma. Titus, sucedendo a seu pai no comando das tropas romanas, se apodera de Giskhala, de Gamala, e do Thabor. É uma matança, um massacre geral, nos diz A. Séché. Johanan se refugia em Jerusalém, onde Farizeus e Zelotas, aristocratas e plebeus, se opõem em uma guerra fratricida. O sangue corre em Jerusalém, e Titus está em suas portas...
É então que Simeon Bar Jockai, o santo doutor depositário
dos arcanos secretos da Thora, deixa secretamente Jerusalém e se
refugia em Jabhé... . A Kabala estava salva!
E ao azar dos grandes redemoinhos ideológicos e das grandes perseguições
que agitaram a Idade Média, esse sacerdócio, puramente judaico
em sua origem, deixando o seio dos guetos pelos grandes caminhos e os cenáculos
rosacrucianos, pode penetrar nos meios que já não eram mais
essencialmente judaicos, mas simplesmente filosóficos.
Aqui fazemos alusão as grandes sociedades secretas que nasceram nessa
época[2].
Mas voltemos atrás.
Sabemos pois que a margem do Thorah, ou versão oficial da Lei se
desenvolve uma versão secreta, esotérica, alma e razão
de ser das seitas encontradas durante nossas
[1] - É fato que antes da queda de Jerusalém, o Grão-Mestre
dos Talhadores de pedras foi proclamado Pontífice.
[2] - Ver nossa obra "O Martinismo", Pg. 47 e seguintes
buscas. O Antigo Testamento insiste frequentemente, pela voz dos profetas,
sobre o fato de que são as influências exteriores, o contato
com os outros povos, as religiões diferentes, que se introduziram.
Para dizer a verdade, que ele chama "corrupção"
levaria mais justamente o nome de "evolução", de
"interpretação", de "retificação"
superior, para uso exclusivo de uma elite intelectual mais avançada
do que a massa popular.
A Lei primitiva não era somente um livro sagrado, onde o fiel encontrava, com os elementos de sua religião, prescrições religiosas rituais e morais. Ela era ao mesmo tempo um código civil e criminal de onde os legisladores de Israel extraíram as máximas e os decretos reguladores das relações dos membros da comunidade profana.
Após o Cativeiro da Babilônia, a vida do povo mudou, evoluiu. Esdras acaba de "renovar" os textos sagrados, e se constata, sem ousar confessar, que esses textos, tomados em seu sentido literário, que era bom para uma vida pastoril, primitiva, não é mais suficiente para reger a vida inteira, sobretudo espiritual, do povo judeu.
Por outro lado, o caráter especial da vida nacional leva Israel a se isolar, a reduzir tanto quanto possível o contato e as relações com os povos estrangeiros. Israel é, antes de tudo, um povo orgulhoso e confiado, que não quer se abaixar pedindo a seus vizinhos o que ele estima poder encontrar só. Pelo menos, ele adota sem dúvida doutrinas de origem estrangeiras, por esse mesmo fato, impuras segundo o Thorah, mas ele cuidará de o reconhecer, e as classificará de muito antigas e puramente judaicas, e o torno será movimentado!... [ A Haggadah do Talmud, assim como os Midraschin, admitem no entanto que o povo hebreu trouxe da Babilônia os nomes dos meses do ano, os dos anjos, e em geral toda a Kabala...].
Levados pelo espírito nacional, sutil, trapaceiro, os doutores da
Lei, que acumulam as funções de legistas, de teólogos
e de casuístas, vão se entregar com o coração
alegre. E entre eles, algumas altas e belas inteligências vão
sair a luz, construindo com materiais estrangeiros por ossamenta e interpretações
particulares como enchimento, o mais prodigioso templo metafísico
que saiu do pensamento humano...
De suas especulações metafísicas nascerá primeiro a Mishna, interpretação complementar dos cinco livros do Pentateuco ou Thorah, interpretação perseguida em seus menores detalhes. O ensinamento será dado pelos Tanaim, ou doutores da Lei, que de 150 A.C. a 220 de nossa Era, ou seja durante aproximadamente quatro séculos, comentarão com um zelo infatigável o Thorah.
A partir do terceiro século de nossa Era, a Mishna é fragmentada quando a bagagem metafísica transmitida pelos Tanaim se torna tal, que sua amplitude necessita uma divisão. O rabino Iehudah, chamado Ha Nazi [o "Patriarca"], compila em uma espécie de manual os elementos das primeiras coletâneas.
A Mishna de Iehudah é então considerada como um Canon ao qual se atribui mais valor que ao próprio Pentateuco. É assim que o tratado Sopherim nos diz que: "O Thorah é como a água, mas a Mishna é como o vinho...". Isto tem um duplo sentido, é uma alegoria, subentendendo assim a embriaguez que traz o beber vinho, e o frio racionalismo que é o apanágio do beber água, mas também esotérica e cabalisticamente, pois a palavra vinho, em hebraico yain, é numeralmente equivalente a palavra sod, significando mistérios! Se adivinha por esta sutilidade proposital que a Mishna detém o "espírito" da Tradição, o Thorah não possui mais que a "letra", uma é esotérica, o outro é exotérico.
Então, da mesma maneira que o Thorah tinha sido comentado e esclarecido,
a Mishna, por sua vez, é comentada e esclarecida no seio das escolas
místicas. Os sucessores dos Tanain, chamados Amoraim ou "comentaristas",
rabinos das Sinagogas de Iabhné, Séphoris, Lidda Palestina,
de Sira, Nehardea, Pumbeditha, Uscha, na Babilônia, a tomam durante
três séculos como texto de suas controvérsias apaixonadas.
A conclusão dessa discussão secular é denominada a
Gemarah, ou "complemento" [subentendido: da Misnha]. Uma compilação
mais vasta reunindo as decisões dos Amoraim e dos Tanain é
então estabelecida, se lhe dará o nome de Talmud, palavra
hebraica significando "ritual".
Isso nos mostra já, que, se o Talmud é o resumo da Gemarah,
que a Gemarah é o comentário e o complemento da Mishna, que
a Mishna é o texto esotérico da Thorah, o Talmud é
ainda mais esotérico e mais alegórico que a Mishna, pois que
ele visa revelar de maneira mais clara os mistérios desta! Pois bem,
sabemos por experiência, cada vez que se revela o sentido secreto
de um texto religioso, é sob uma alegoria nova...
Concluímos que: Tomar o Talmud ao pé da letra, aplicar seus
ensinamentos a Israel, povo judeu, e seus anátemas aos goim, povos
incircuncisos , é recair no exoterismo do Thorah e nada revelar do
todo... Bem ao contrário, o Talmud e todos seus ensinamentos somente
se aplicam a um povo eleito e a reprovados desse mundo... E isso, uma outra
obra capital nos ensina muito claramente, falamos do Sepher-hah-Zohar, o
"Livro do Esplendor".
Última conclusão: anti-semitas e israelitas, fanáticos
dos dois campos, estão errados, e o Talmud não se dirige aos
homens aqui de baixo! Israel, é o conjunto dos eleitos, os "abençoados
de meu Pai"!
Existem duas coleções talmúdicas: aquela de Jerusalém,
terminada no quinto século de nossa Era, e aquela da Babilônia,
terminada no início do sexto século. Ambas reproduzem bem
a Mishna, mas a primeira dá a Gemarah palestina, e a segunda a Gemarah
babilônica. É essa última que é muito mais considerável.
O Talmud de Jerusalém é uma pequena brochura, enquanto que
o da Babilônia necessita doze espessos volumes do mesmo formato"
É pois esse últimos que é, ainda em nossos dias, a
verdadeira expressão talmúdica.
Na babilônia, os estudos talmúdicos permaneceram muito tempo
florescentes, e isso até bem depois que toda vida social e intelectual
tinham aparentemente desaparecido da palestina. Essas organizações
teológicas são encontradas, no final do décimo século,
na Espanha e em Portugal. No décimo segundo século, Samuel
Ibn Naggdila publicará em Granada uma notável introdução
ao estudo do Talmud. E Gershem Ben Iehudah fará aparecer em Maience
e em Metz "Comentários" sobre quatorze tratados do Talmud.
Um outro doutor, Salomão Iischaki chamado Rashi, escreverá
em arameu "Comentários" sobre quase todos os tratados,
acompanhados de uma Gemarah. No décimo segundo século, o famoso
Maimonide comporá em árabe um comentário da Mishna,
que permanece ainda em nossos dias, um dos clássicos célebres.
No décimo terceiro século, rabinos alemães e franceses
desenvolverão, em arameu, os comentários de Salomão
Iischaki. Até o décimo sétimo século o Talmud
da Babilônia conservará uma autoridade superior àquela
do Thorah. O que é muito compreensível, pois que ele pretende
dar a chave. E a maior parte dos judeus não conhecerão este
a não ser através das citações do dito Talmud!
A Haggadah do Talmud, a qual fizemos uma primeira alusão anteriormente,
a respeito dos meses e dos Anjos, deu pois nascimento a uma verdadeira "gnose"
judaica, sob o impulso da febre mística dos doutores da Lei. Essa
gnose repousará sobre um comentário esotérico dos relatos
bíblicos. E esse próprio comentário terá por
base inicial uma tradição oral, saída de uma iluminação
intelectual particular e que dará o sentido real dos textos e interpretações
banais que a multidão ignorante conhecerá.
Essa tradição oral, saída de uma iluminação
mística, é a "palavra", ou "tradição
transmitida pela palavra", em hebreu Kabalah, e em português
Cabala!... [em especial ver o Targum de Jerusalém, chamado de Onkelos].
Se vê pois, como para os textos cristãos, é uma longa
fermentação, oficial ou oculta, que sem cessar mistura e retifica
uma "revelação" primitiva obtida pela iluminação,
acrescenta aí comentários as vezes saídos de teorias
estrangeiras, unidas a "práticas" tão heterodoxas
ou tão exteriores quanto sua origem, e que constituirá o esoterismo
judaico, ou Kabala.
Se pode dizer sem temor, é o universal e o eterno fermento iniciático
que, depositado no seio do esoterismo de Israel, como no seio não
importando de qual religião, revelada ou não, suscita o nascimento
da Kabala. A Kabala é pois a Doutrina Eterna, dissimulada sob todos
os símbolos e em todos os Relatos lendários, simplesmente
veiculada por tradições vindas do fundo das idades, e que
jogam suas raízes no mistério originai dos povos de Sumer
e Akad. Ela é o aspecto semítico dessa Doutrina eterna e ela
não faz mais que pegar por empréstimo procedimentos de expressão
aos conceitos raciais, hereditários, ou didáticos, dos povos
do Ocidente, e mais precisamente mediterrâneos. O Cristianismo foi
seu principal mensageiro, ele que repousa antes de mais nada sobre o Antigo
Testamento. E essa Kabala foi o crisol onde, na Idade Média, vieram
se fundir as últimas tradições célticas, herança
particular dos povos de raça branca do Ocidente europeu. Daí
resulta um curioso conjunto metafísico e filosófico onde as
ressurgências pagãs, próprias da Itália e da
Grécia, as tradições pitagóricas levadas pelas
corporações de ofícios, as sobrevivências célticas
no tradicionalismo de feitiçaria popular, e o esoterismo gnóstico-cristão,
constitui esse estranho "clima" de onde nasceu a Magia medieval:
o ciclo faustiano...
Foi então que apareceu o Sepher-hah-Zohar ou "Livro do Esplendor".
Não insistiremos sobre o detalhe histórico de suas origens,
elas permanecem incertas. Se atribui sua primeira publicação,
e mesmo toda ou parte de sua redação, a Moisés de Leon,
judeu Espanhol no décimo terceiro século. Mas as doutrinas
ensinadas pelo Zohar se ligam àquelas das obras místicas hebraicas,
anteriores ao décimo terceiro século. Moisés de Leon
o atribui ao célebre Simeon, chamado bem Jockai, discípulo
de Hakibah, mas a melhor legitimação de uma obra, é
seu próprio valor, o autor e a data importam menos que o livro, e
a sublimidade do Zohar permanece incontestável. Concluímos
que o Zohar é o resumo exotérico de trinta séculos
de misticismo judaico.
Seu conjunto
é composto de oito tratados principais, que são:
1°) os "Mistérios da Torah",
2°) a "Criança",
3°) a "Explicação Mística da Lei",
4°) a "Misteriosa Busca",
5°) o "Vens e Vais",
6°) a "Grande Assembléia",
7°) a "Pequena Assembléia",
8°)o "Livro dos Segredos", ou Sepher Dzeniutha.
As edições clássicas são aquelas de: Manthua [1560], Dublin [1623], Constantinopla [1736], Amsterdã [1714] e [1805]. A de 1714 é considerada como a melhor, é sobre essa que Jean de Pauly estabeleceu sua tradução francesa do Zohar, editada por Lafuma.
Assim pois é pela Kabala que o laboratório do Doutor Fausto vê se iluminar as quentes cores de seu vitral, onde o Hexagrama de Salomão e o Pentalfa de Pitágoras se unem e se enlaçam ao redor da Rosa Brava dos discípulos de Hermes, ela mesma irradiando no seio do Tricel céltico! E os sinos da manhã de páscoa, tiram o Doutor de sua mortal melancolia, celebrando também a ressurreição do Templo de Jerusalém, que os construtores de Catedral transpuseram em nossas grandes metrópoles góticas... É nestes últimos que encontramos esse esforço para a Síntese. O Tricel céltico se torna aí a modesta rosácea [florão do teto] trilobada, o Hexagrama e o Pentagrama assinam de suas arcaturas e de suas "sessões" proporcionais as mesmas Rosas Bravas tornadas as "rosas" maravilhosas, banhando [segundo a feliz definição de Grillot de Givry], com uma luz irreal o transepto de nossas Catedrais adormecidas...
E é ainda por essa mesma "Luz" cabalística que se
fará a grande fusão judeo-cristã, anunciada pelos doutores
da Igreja. Possuindo as chaves da Kabala, os cristãos joanitas que
somos, discípulos de Martinez de Pasqualis ou de Claude de Saint
Martin, penetrarão melhor os mistérios dos dois Testamentos.
Sem alterar a ortodoxia, nós os introduziremos no próprio
coração dessa síntese. E, conforme a enigmática
profecia do Gênese: "Japhet habitará os tabernáculos
de Sem..."
Pela exploração da Kabala, o judeus piedosos e sinceros aprenderão
que seus ensinamentos não tem o alcance politeísta que lhes
emprestam erradamente.
Então, talvez, como o disse Albert Jounet em sua "Chave do Zohar",
judeus e cristãos elevarão juntos suas comuns esperanças
para o Verbo Incriado, planando em sua eternidade, e que espera sua reconciliação,
pareceria, para novamente se manifestar sob o aspecto do Christo de Glória.
E assim, segundo a misteriosa promessa kabalística, " O Messias
virá no Mundo, pelos méritos dos Sepher-hah-Zohar...".
[1]- "Deus de Salvação".
O que entrevemos da doutrina dessas seitas, as coloca em relação
com uma religião sincretista, espalhada por toda a Ásia Ocidental,
séculos antes da Era cristã, e que engendra numerosos agrupamentos
religiosos com tendências particulares. É o Mandaismo ou Adonaismo.