O
sermão na montanha.
ELIPHAS LÉVI
Depois de Jesus ter repelido numa visão todas as coroas da Terra que lhe eram oferecidas pelo gênio do mal, a quem elas pertenciam, e que lhe propunha comprar a tirania ao preço de escravidão, como estava na lei do velho mundo; Depois de ter dominado a fome, o orgulho e a ambição do poder, Jesus, o conquistador pacífico, subiu a montanha, e, cercado de pastores e pecadores, começou seu primeiro discurso: Bem-aventurados aqueles que são pobres de espírito, porque a eles pertence o reino dos céus! Isso queria dizer: Infelizes os escravos da riqueza egoísta, porque só acumularão a miséria eterna! Bem-aventurados aqueles que são dóceis, porque possuirão a terra! É como se dissesse: Infelizes os que querem reinar sobre a terra pela violência, porque o poder lhes escapará!
Bem-aventurados aqueles que choram, porque serão consolados! Bem-aventurados
aqueles que têm fome e sede de justiça, porque serão
saciados.
Pobres e deserdados, esperai pois! o cristianismo vos abre a porta de um futuro feliz. Bemaventurados os misericordiosos, porque obterão a misericórdia! Compreendemos que a frase acima quer dizer também: Infelizes os homens sem piedade, porque não haverá piedade para eles! Bemaventurados aqueles que têm o coração puro, porque verão Deus! Deus é a verdade e a justiça. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados de filhos de Deus! Um de nossos poetas disse: o amor é mais forte do que a guerra. A força bruta passará e se consumirá, mas a razão calma e senhora de si mesma triunfará e terá sempre um novo poder! Bem-aventurados aqueles que sofrem perseguição pela justiça, porque a eles pertence o reino do céu! É perdoando que os mártires provam sua realeza. Quem persegue, abdica, e quem sofre, resiste. Resistir é poder, e poder é reinar. Não vim para destruir, mas para realizar, dizia ainda o filho do carpinteiro, declarando-se assim o iniciador do progresso.
O que dizia
então ao judaísmo podemos dizê-lo ao catolicismo, nós,
os homens do progresso religioso; nós, seus discípulos e continuadores
de sua obra! Se vossa justiça, dizia ele, não é mais
rica que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus,
e podemos dizer: Se não sois melhores e mais justos que os mais ardentes
do
velho mundo e da Idade Média, não entrareis na associação
universal do cristianismo realizado. Cristo disse: Aquele que injuriar seu
irmão merecerá condenação; e nós dizemos:
Aquele que não cuidar de seu irmão e que tratar como estranho
um só membro da família humana, merecerá ser renegado
pela família e terá lugar no julgamento dos fratricidas. Cristo
disse: Perdoai sempre, e nós dizemos: Não vos ofendais mesmo
com o mal que vos possam fazer. Os maus são doentes, tratai-os e
não vos irriteis contra eles. Ele disse: Prestai atenção,
antes do vosso sacrifício, se vosso irmão não tem alguma
coisa contra vós e ide reconciliar-vos com ele antes de vossa
prece. E dizemos: Antes de vos sentardes à mesa perguntei a vosso
irmão se não precisa de nada; dai primeiramente uma parte
de vosso pão a quem não o tem, em seguida sentai no banquete
da comunhão e Deus vos reconhecerá como seus filhos.
Ele disse: Aquele que abandona sua mulher é um adúltero, e
aquele que rechaça sua companheira a impele à prostituição.
E nós dizemos: Aquele que prostitui uma mulher, ultraja sua mãe,
e aquele que casa sua filha por dinheiro, vende sua filha, e aquele que
compra ou vende uma mulher, a prostitui; porque a essência do casamento
é o amor e as relações conjugais sem amor são
a impureza. Cristo disse: Não jureis, mas que vossa palavra seja
sagrada. E nós dizemos: Para que a palavra seja sagrada é
necessário que ela seja livre. Libertemos a inteligência; não
fechemos a boca senão à mentira. Aquele que sufoca a palavra
verdadeira é um deicida. Condenar não é responder.
Perseguir uma idéia é sancioná-la. Um homem inteligente
que fala fora de tempo pode não ter razão, para julgar é
preciso ouvi-lo. Aquele que é forçado a se calar tem sempre
razão. Quanto à perversidade e à estupidez, o próprio
bom senso impõe-lhes silêncio. Ele disse: Oferece a face esquerda
se te baterem na direita; e se te tomarem a túnica, abandona também
teu manto. E nós dizemos a nossos irmãos: Quando vos caluniarem
por ter dito a verdade ireis vos expor ainda à injustiça,
e quando tiverdes sofrido a injúria e a calúnia, ireis vos
expor com júbilo à miséria e à morte no desprezo.
Quanto mais vossos inimigos vos batem, mais eles enfraquecem; quanto mais
sofreis, mais sois fortes. Cristo disse: Não sejais hipócritas.
E nós dizemos: Prestai solicitude a todos, falai menos de moral e
sede menos infames. Sede francos e modestamente homens, e não procureis
encobrir as torpezas da estupidez sob as asas de um anjo. Ele disse: Não
se pode servir a Deus e ao dinheiro. E nós dizemos:
A propriedade não se faz respeitar quando não tem por origem
o trabalho e por regra a fraternidade na associação. Ele disse:
Não julgueis e não sereis julgados. E nós dizemos:
Operai a transformação da penalidade em higiene moral, levantai
aquele que cai e não batais nele; daí às enfermidades
morais tratamentos morais, e não punições ímpias;
não gireis em um círculo sangrento punindo o homicídio,
porque agindo dessa forma dais de algum modo razão aos assassinos
e perpetuais uma guerra de canibais. Se quereis que o homicídio seja
realmente um crime, fazei com que não seja jamais um direito, e lembrai-vos
desse condenado que dizia: Assassinando, arrisquei minha cabeça;
vós ganhais, eu pago: estamos quites. E em seu pensamento acrescentava:
Somos iguais. Cristo disse: Procurai primeiramente o reino de Deus e sua
justiça e o resto vos será dado por acréscimo. E nós
dizemos: O reino de Deus não é o reino da fome para Lázaro
e das orgias do rico mau. O reino de Deus é o sol para todos, e a
terra para todos é a fraternidade do trabalho, é a prostituição
tornada impossível pelo respeito à mulher, é a escada
social acessível, em todos os seus degraus, ao trabalho e mérito
de todos. É o trabalho para todos; é a família para
todos, é a propriedade para todos, é o reino da razão,
é o sacerdócio do amor, é a comunhão de cada
um em todos e de todos em cada um, é a unidade divina e humana, Deus
vivo na humanidade, o Cristo ressuscitado e vivo no grande corpo do povo
cristão; a liberdade progressiva e submetida à ordem, a igualdade
relativa na ordem da hierarquia e a fraternidade distribuindo tudo a todos,
segundo as leis da harmonia, que é a eterna sabedoria.