O
reino do Messias
ELIPHAS LÉVI
O reino do Messias. Quando o espírito de inteligência se espalhar sobre a terra, virá um tempo em que o espírito do Evangelho será a luz das nações. Compreender-se-á que o princípio do poder é a soberana razão, como está dito no início, por tanto tempo mal compreendido, do Evangelho segundo São João. Então Cristo renascerá todos os dias, não mais simbolicamente nos altares, mas realmente e corporalmente em toda a superfície da Terra. Ele não disse que o menor entre nós é ele? Assim, então, o nascimento de cada criança será um Natal, e todos os homens respeitarão o Salvador uns nos outros. Cristo não mais será apenas pobre, faminto, proscrito, sem mulher e sem filhos, perseguido e crucificado; será rico como Jó após sua provação, estará na abundância de todas as coisas, será esposo, será pai, reinará e perdoará soberanamente aqueles que o tiverem perseguido. Porque, um dia, todas as nações serão apenas uma nação, todos os tronos serão submetidos a um só trono e sobre esse trono sentar-se-á um justo que terá o espírito de Jesus Cristo e que será assim o próprio Jesus Cristo, como nós todos podemos ser ele quando ele está em nós. Esse rei reconciliará o Oriente com o Ocidente e o Norte com o Sul. Ele dará aos povos a verdadeira liberdade porque tornará inabaláveis as bases da justiça.
Reprimindo a libertinagem ele suprimirá a miséria. Todos terão
o direito e os meios de fazer o bem; ninguém terá o direito
de se embrutecer e de ser vicioso. A penalidade será substituída
pela higiene moral, os culpados serão vistos como doentes e submetidos
ao tratamento dos alienados. A grande expiação da Cruz é
suficiente para todas as ofensas humanas e suprimirá um dia o cadafalso,
execrável desde que inútil. Não mais se permitirá
a existência real do erro, porque somente a verdade existe e a mentira
é fugidia como o sonho. Não haverá, pois, mais do que
uma religião no mundo e o pontífice universal declarará,
do alto da suprema autoridade, que os judeus, os maometanos, os budistas,
etc., são cristãos mal instruídos, dos quais ele é
chefe e pai. Ele os abençoará e os convocará ao grande
concílio das nações. Ele lhes abrirá o tesouro
inesgotável das indulgências e das preces e dará realmente
e em verdade sua benção à cidade e ao mundo. Será
então a época da volta do filho pródigo; ele não
tem mais nada, mas seu irmão lhe emprestará e ele trabalhará
para reconquistar sua riqueza. Será a hora em que as virgens loucas,
tendo enfim o óleo em suas lâmpadas, voltarão a bater
na porta, e se o esposo se recusar a abrir, as virgens sábias lhes
estenderão a mão e as farão entrar pela janela; porque
a última palavra do cristianismo é solidariedade, reversibilidade,
caridade universal; e em verdade vos digo que não há um santo
no céu que não esteja pronto a descer ao inferno para livrar
dele as pobres almas, mesmo que seja preciso lá ficar só,
em lugar delas, e fechar para sempre as portas sobre ele. Concebeis um céu
sobreposto a um inferno?
Um banquete eterno em frente a uma eterna fogueira, uma casa de paz e de
preces sobre um porão cheio de soluços e de torturas? Um sonho
apenas deve preencher o sono eterno de cada justo: a libertação
de um condenado; e se este sonho fosse sem esperança, tornar-se-ia
um pesadelo mais terrível que os próprios suplícios
do inferno. É dessa forma que os gnósticos, isto é,
aqueles que sabiam, em outros termos, os iniciados do cristianismo primitivo,
interpretavam os oráculos dados pelo espírito de Jesus Cristo;
eles foram seguidos pelos discípulos de Orígenes, mas a Igreja
os condenou, e tinha razão em condená-los, porque divulgavam
as doutrinas secretas e profanavam os mistérios do Mestre. Não
se deve, exagerando a esperança do vulgo, suprimir da lei a sua sanção
terrível, e o dogma da eternidade do inferno só exprime, afinal,
o divórcio eterno entre o bem e o mal. Os apócrifos são
o lado revolucionário do espírito de Jesus; seu lado hierárquico,
edificante e constituinte, pertence de direito à Igreja docente,
da qual não nos cabe usurpar as funções. Em continuação
a essas lendas tão singelamente orientais, poderíamos apresentar
as narrações, evidentemente simbólicas, da lenda dourada,
os atos apócrifos dos apóstolos, a história do gigante
Cristóforo dobrado em dois sob o peso misterioso de um menino, o
martírio de santa Fé, de santa Esperança e de santa
Caridade, e tantas outras inspiradas pelo mesmo espírito e todas
brilhantes, com as mesmas cores maravilhosas.
Um sopro de inspiração nova passara sobre o mundo e esse sopro era o de Jesus Cristo. O que distingue os evangelhos apócrifos dos evangelhos canônicos é, talvez, a maior audácia nas suas ficções e a menor prudência na indicação das tendências revolucionárias e radicais; mas está em toda parte o mesmo gênio emancipador do pobre, protetor do fraco, a mesma ternura maternal pelos órfãos da sociedade, a mesma fé, humana porque é divina e divina porque é humana. As histórias maravilhosas variam porque a forma da parábola é arbitrária. É somente o espírito que vivifica. Essas histórias, aliás, são essencialmente judaicas e podemos compará-las com os apólogos do Talmude; podemos acusá-las de misticismo e idealismo exagerados; mas que sonhos magníficos, quando os tomamos somente por sonhos! São fotografias de aspirações coletivas; são as parábolas póstumas de Jesus inteiramente reavivadas em seus discípulos; são os oráculos, não são mesas giratórias, mas mesas eucarísticas, e eis como os espíritos divinos falam após sua morte, se é que podem morrer. Mas não, os grandes pensamentos não morrem e não têm necessidade, para serem transmitidos, de bater contra as paredes. Eles movem as almas e não os móveis, eles batem nos corações e não nas pedras ou nas tábuas; eles são como árvores que lançam a semente e reproduzem florestas. Em vão, quer-se escravizá-los e circunscrevê-los; eles têm uma energia que faz rebentar as barreiras e que destrói as prisões; correm como o incêndio em madeira morta. Não mais procureis Jesus no túmulo onde os padres o haviam colocado; ele ressuscitou; ele não está mais aqui, não procureis o vivo entre os mortos! O que querem de nós pois essas larvas e esses vampiros que, nos círculos de pretensos espíritos, procuram diminuir o Homem-Deus! Que faremos de um Jesus sem divindade e sem milagres? Não são seus maiores milagres aqueles de seu espírito? Quereis escrever sua história? Escrevei a história do mundo transfigurada por seu gênio. Sua vida é sua doutrina e sua doutrina ainda vive. Eu vos dou um Jesus de mármore, disse Renan.
E daí! O que temos a ver com teu mármore? temos um Jesus de espírito e de carne, seu espírito está em todo lugar. Sua carne palpita no peito inocente de nossos filhos, seu sangue aquece e rejuvenesce o coração de nossos velhos. Filósofo de mármore, guarda tua estátua sem alma e deixa-nos nosso Homem-Deus! Alfredo de Vigny escreveu que a lenda é, muitas vezes, mais verdadeira que a história, porque a lenda conta, não os atos freqüentemente incompletos e abortados, mas o próprio gênio dos grandes homens e das nações. É sobretudo ao Evangelho que se deve referir esse belo pensamento. O Evangelho não é simplesmente a narração do que aconteceu, é a revelação sublime do que é e do que será sempre. Sempre o Salvador do mundo será adorado pelos reis da inteligência, representados pelos magos; sempre multiplicará o pão eucarístico para nutrir e consolar as almas; sempre, quando o invocarmos na noite e nas tempestades, ele virá a nós caminhando sobre as ondas, ele nos estenderá a mão e nos salvará ao fazer-nos passar sobre as ondas; sempre curará nossas apatias e devolverá a luz a nossos olhos; sempre aparecerá a seus crentes luminoso e transfigurado sobre o thabor, explicando a lei de Moisés e regulando o zelo de Elias. Os milagres do Eterno são eternos. Admitir o simbolismo das maravilhas do Evangelho é ampliar a luz, é proclamar a sua universalidade e duração. Não, esses acontecimentos não constituem passado, tal como nos dizem; eles jamais passarão, eles ficam eternamente. As coisas que passam são acidentes que passam, as coisas que o gênio divino revela pelo simbolismo são imutáveis verdades. Lede os Padres dos primeiros séculos, passai as grandes épocas do cristianismo, escutai Santo Agostinho aspirando ao infinito e São Jerônimo sonhando com o céu, sob o barulho do império romano que desaba; escutai clamar a eloqüência de São João Crisóstomo e de Santo Ambrósio, em seguida descei às divagações espirituais de Home ou às elocubrações panteísticas de Allan Kardec; vós sorrireis de piedade e de desgosto. E então, a morte seria uma amarga decepção! As realidades da outra vida seriam a irrisão de nossas aspirações nesta vida! O verdadeiro paraíso seria menos resplandecente que o de Dante e o verdadeiro inferno menos terrível que seu inferno! Ora, os espíritos desencarnados passeariam como os de Swedenborg, com chapéus na cabeça, e viriam importunar os vivos para lhes fazer escrever misérias!
Mas então
não vedes que o inferno da Idade Média com seus horrores surpreendentes
seria preferível a esta ridícula decadência das almas!
Que Deus me torture, se é que existe um deus capaz de me torturar,
mas que ele não me torne idiota. Amaria mais o diabo e seus chifres
do que as casas de Victorien Sardou construídas em claves de sol
e em traços de letras finas e mal feitas, e que essas flores ideais
abertas sob o lápis dos Médiuns e que parecem pústulas
de lepra vistas ao microscópio. Despertai, pobres espíritos,
não sentis pois que estais tendo um pesadelo?