O POETA MORIBUNDO


Havia naquele tempo um jovem que, em boa hora, havia escutado em sua alma o eco das harmonias universais. Ora, essa música interior havia distraído sua atenção de todas as coisas da vida mortal, porque ele vivia numa sociedade ainda sem harmonia. Criança, ele era o joguete das outras crianças, que o tinham por idiota; jovem, dificilmente encontrou uma mão para apertar sua mão, um coração para
repousar seu coração. Seus dias passavam em longo silêncio e em profundo delírio; contemplava com estranho êxtase o céu, as águas, as árvores, os campos verdejantes; depois seu olhar tornava-se fixo, magnificências interiores se desenrolavam em seu pensamento e o levavam ainda pelo espetáculo da natureza. Lágrimas então corriam sem querer pela face pálida de emoção, e se alguém vinha falar-lhe, ele não ouvia. Também falavam-lhe raramente, e consideravam-no geralmente como um louco.


Ele vivia assim, só com Deus e a natureza, falando a Deus na língua da harmonia, e deixando cair sobre a terra os cantos que ninguém escutava. Mas as necessidades materiais da vida acabaram por privá-lo de seu inextricável mundo; ele acordou na terra, ofuscado ainda por suas visões do céu; e quando quis caminhar, chocou-se contra os homens e contra as coisas, até que caiu ofegante e desesperado. Foi então que se recolheu em sua pobre moradia e lá esperou a morte. Foi então que o Cristo o olhou e dele se apiedou. O quarto do
poeta era triste, nu e frio; ele estava meio coberto com algumas roupas usadas; estendido sobre um triste leito de palha, estava agitado pela febre e seus olhos brilhavam com um fogo sombrio.


O Cristo apareceu-lhe vestido com uma túnica branca, emblema da loucura, que havia recebido de Herodes, e a fronte totalmente coroada de espinhos sangrentos e de uma auréola de glória.


- Irmão, disse ao pobre doente olhando-o com um inefável amor, por que queres morrer?
- Porque já não se pode viver na terra quando se viu o céu, suspirou o poeta.
- E eu, no entanto, para viver e sofrer na terra, desci do céu, retomou Jesus
- Sois o filho de Deus e sois forte.
- E quis ser o filho do homem para ter fome, para temer e para chorar. Não desfaleci no Jardim das Oliveiras? Não gemi sobre a cruz como se Deus me tivesse abandonado?
- Bem! eu, diz o doente, saio da vida como vós do Jardim das Oliveiras, e estou sobre o leito de dor como vós sobre a cruz.

- Se eu só tivesse feito rogar a meu Pai, nos vales, respirando o perfume das roseiras de Saron, se me tivesse silenciosamente embriagado com os êxtases do Thabor, não teria merecido resgatar o mundo na cruz responde o Salvador. Mas procurei a ovelha extraviada, e para parar meus pés que corriam sem cessar atrás das misérias do povo, necessitava dos pregos dos carrascos. Houve
necessidade de pregar minhas mãos para impedi-las de cortar o pão para as multidões esfomeadas; e foi então que, já não podendo dar outra coisa a meus irmãos, deixei correr todo o meu sangue!


- Cantei, diz o poeta, e os homens não me ouviram.
- É que cantaste só para ti e desdenhaste demais os seus desdéns. Era preciso, a exemplo do Verbo eterno, desceres suficientemente para te fazeres ouvir.
- Talvez ao invés de me esquecer eles me tivessem crucificado!
- Só então, ó meu irmão! teria sido belo morrer para ressuscitar glorioso!
- Mestre, ao invés de consolar-me em minha última hora, vindes assustar-me e dirigir-me repreensões?
- Venho curar-te e inspirar-te a coragem de viver, para te fazer merecer uma morte tranqüila e plena de imortalidade.


Por que queres viver somente no céu esses dias que Deus te dá para passar na terra?
Por que deixas perder-se nas aspirações vagas o imenso amor de teu coração?
Por que te isolas no orgulho de teus sonhos, quando as dores reais sangram e palpitam em torno de ti? Deus não te deu o bálsamo celeste para perfumares tua cabeça; não te confiou o vinho de seu cálice para embriagar tua boca e desgostá-la das amarguras da terra. Deverias amenizar, erguer, consolar; deverias ser o médico das almas, e eis que tu mesmo, por haveres ocultado os remédios
de Deus, és mais doente que os outros. Não te compreenderam, dizes; mas és tu, pobre jovem, que não compreendeste teus irmãos. O quê! tua inteligência era superior, e não soubeste falar aos pobres de espírito! Tu te acreditavas grande e tiveste medo de te abaixar para aproximar tua boca do ouvido dos pequenos! Amaste e ficaste desgostoso das enfermidades dos homens! Ergue-te, pobre anjo caído, e recomeça tua missão! Sabe que o espírito da harmonia é o espírito do amor que eu anunciava ao mundo sob o nome do consolador. Se é o Espírito Santo que te anima, sê de hoje em diante o consolador de teus irmãos, e para ter o direito e o poder de consolá-los, aprende a sofrer e a trabalhar com eles. Eu era maior que tu, e mais que tu elevei minha alma ao seio das harmonias eternas; e no entanto passei minha vida trabalhando com os carpinteiros e conversando com os pobres, iluminando seus espíritos, movendo seus corações e curando suas doenças. Até agora só fizeste poesia em sonhos e em parábolas, mas chegou o tempo de fazer poesia em ações! Porque tudo o que se faz por amor à humanidade, tudo o que é devotamente, sacrifício, paciência, coragem e perseverança, tudo isso é sublime de harmonia, é a poesia dos mártires! Ao invés de amar vagamente o infinito, procura amar infinitamente teus irmãos que estão perto de ti. Eis um que te trago; ele sofria como tu e chegara ao nada do pensamento por ter isolado o trabalho de seu pensamento, como tu chegaste ao desespero do coração por ter isolado teu amor! De agora em diante ambos sabereis que não é bom para o homem ser só.

O filósofo tornado cristão aproxima-se então do leito do doente cuja febre havia baixado rapidamente diante das palavras doces e severas de Jesus e lhe diz: - Irmão, aceita meus cuidados e a metade do pão que me resta; amanhã trabalharemos juntos, e quando eu estiver doente tu me atenderás e darás pão para mim. - Irmão, porque viste o céu, não destrói a escada que te fará subir até lá; dá-me antes a mão e conduze-me, porque pensei e meditei muito, e sinto agora que não amei o suficiente. Tu, cuja voz é o eco vivo da harmonia eterna, és um filho do amor celeste, porque a boca fala da abundância do coração. Mas o amor não poderia tornar-se egoísta sem levar a si mesmo à morte, e ele só encontra a plenitude da vida dando-se inteiramente aos outros. Vive, pois, para que te ame, porque se eu amar, serei feliz; e se amas Deus, queres a felicidade daqueles que são os filhos de Deus como tu. A harmonia é ao mesmo tempo ciência e
poesia, a exatidão numérica é a grande lei da beleza, e as magnificências harmônicas são a razão divina dos números; mas tudo isso, para ser vivo e real, deve aplicar-se ao que é. Irmão, o positivo de Deus é mil vezes mais poético que o ideal do homem. Procuremos Deus na humanidade e não desesperemos de seus destinos: porque suas próprias desordens conduzem-na à harmonia, e se Deus nos contou no número daqueles que são os primeiros a ver onde deve ir esse povo errante através das solidões, coloquemo-nos à frente desse grande e laborioso movimento, ao invés de nos isolar e morrer, - Irmão, obrigado para ti, diz o poeta, e obrigado para aquele que te inspira!


De hoje em diante não me retirarei mais do campo de batalha para morrer só, enquanto ainda poderia combater; julgar-me-ia um covarde e um desertor. Se eu cair com as armas na mão na primeira ou segunda fileira da milícia humanitária, morrerei cheio de coragem e bendizendo a Deus, e minha alma não se apresentará só diante do juiz supremo. Desde esse dia, o filósofo e o poeta uniram-se numa santa amizade, e nunca menosprezaram os mais humildes trabalhos para sustentar sua vida. Atravessaram assim todas as classes da sociedade e encontraram em todos os lugares corações doentes que esperavam o bálsamo de uma palavra de sabedoria e de amor. Por toda parte sentiram que poderiam ainda fazer o bem, e as dores da vida lhes pareciam leves; porque as suportavam com coragem, para inspirar coragem àqueles que sofriam como eles, e o devotamento dava-lhes uma nova força.

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