O
Pentagrama
GEBURAH - Ecce
Dogma e Ritual da Alta Magia
POR
ELIPHAS LÉVI
Até agora expusemos o dogma mágico no que tem de mais árido e mais abstrato; aqui começam os encantamentos; aqui podemos anunciar os prodígios e revelar as coisas ocultas. O pentagrama exprime a dominação do Espírito sobre os elementos, e é por este signo que encadeamos os Silfos do ar, as salamandras do fogo, as Ondinas da água e os Gnomos da terra. Armado deste signo e convenientemente disposto, podeis ver o infinito através daquela faculdade que é como que o olho de vossa alma, e vós vos fareis servir por legiões de anjos e colunas de demônios. E, primeiramente, estabeleçamos princípios:
Não
há mundo invisível, há somente vários graus
de perfeição nos órgãos. O corpo é a
representação grosseira e como que a casca passageira da alma.
A alma pode perceber de si mesma e sem intermédio dos órgãos
corporais, por meio da sua sensibilidade e do seu diáfano, as coisas
quer espirituais, quer corporais, que existem no universo. Espiritual e
corporal são palavras que somente exprimem os graus de tenuidade
ou densidade da substância.
O que se chama, em nós, imaginação, não é mais que propriedade inerente à nossa alma de se assimilar as imagens e os reflexos contidos na luz viva, que é o grande agente magnético. Estas imagens e estes reflexos são revelações, quando a ciência intervém para nos revelar o seu corpo ou a sua luz. O homem de gênio difere do sonhador e do louco somente nisto: as suas criações são análogas à verdade, ao passo que a dos sonhadores e loucos são reflexos perdidos e imagens desviadas. Assim, para o sábio, imaginar é ver, como, para o mago, falar é criar. Podem-se, pois, ver realmente e em verdade os demônios, as almas, etc., por meio da imaginação; mas a imaginação do adepto é diáfana, ao passo que a do vulgo é opaca; a luz de verdade travessa uma como por janela esplêndida, e se refrata na outra como uma massa vítrea cheia de escórias e corpos estranhos. O que contribui mais para os erros do vulgo e as extravagâncias da loucura são os reflexos das imaginações depravadas umas nas outras.
Mas o vidente sabe, com certeza, que as coisas imaginadas por ele são verdadeiras, e a experiência sempre confirma as suas visões. Dizemos, no Ritual, por que processo se adquire esta lucidez. É por meio desta luz que os visionários extáticos se põem em comunicação com todos os mundos, como isso acontecia tão freqüentemente a Emanuel Swedenborg, que, não obstante, não era perfeitamente lúcido, pois que não discernia os reflexos dos raios e misturava, às vezes, ilusões aos seus mais admiráveis sonhos. Dizemos sonhos, porque o sonho é o resultado de um êxtase natural e periódico que se chama sono. Estar em êxtase é dormir; o sonambulismo magnético é uma reprodução do êxtase. Os erros do sonambulismo são ocasionados pelos reflexos do diáfano das pessoas acordadas, e principalmente do magnetizador. O sonho é a visão produzida pela refração de um raio de verdade; a ilusão é a alucinação ocasionada por uma reflexão.
A tentação
de Santo Antonio, com seus pesadelos e monstros, representa a confusão
dos reflexos com os raios diretos. Enquanto a alma luta, ela é razoável;
quando sucumbe a esta espécie de embebedamento invasor, é
louca. Distinguir o raio direto e o separar do reflexo, tal é a obra
do iniciado.
Agora, digamos alto que esta obra sempre foi realizada por alguns homens
de "elite" no mundo; que a revelação por intuição
é, assim, permanente, e que não há barreira intransponível
que separe as almas, porque na natureza não há nem interrupções
repentinas nem muralhas abruptas que possam separar os espíritos.
Tudo é transição e matizes e, se supusermos a perfectibilidade,
se não infinita, ao menos indefinida das faculdades humanas, veremos
que todo homem pode chegar a tudo ver, e, por conseguinte, a tudo saber,
ao menos num círculo que pode alargar indefinidamente. Não
há vácuo na natureza, tudo é povoado. Não há
morte real na natureza, tudo está vivo. "Vedes esta estrela?"
- dizia Napoleão ao cardeal Fresch. - "Não, Senhor"
- "Pois bem, eu a vejo!" E, certamente, ele a via. É por
isso que acusam os grandes homens de terem sido supersticiosos: é
que eles viram o que o vulgo não vê.
Os homens de
gênio diferem dos simples videntes pela faculdade que possuem de fazer
sentir aos outros homens o que vêem e de se fazer crer por entusiasmo
e simpatia. São os médiuns do Verbo divino. Digamos, agora,
como se opera a visão. Todas as formas correspondem a idéias,
e não há idéia que não tenha sua forma própria
e particular. A luz primordial, veículo de todas as idéias,
é a mãe de todas as formas, e transmite-as de emanação
em
emanação, apenas diminuídas ou alteradas por causa
da densidade dos meios. As formas secundárias são reflexos
que voltam ao foco da luz emanada.
As formas dos objetos, sendo uma modificação da luz, ficam
na luz onde o reflexo as envia. Por isso, a luz astral ou o fluido terrestre,
que chamamos o grande agente mágico, está saturado de imagens
ou reflexos de toda espécie os quais a nossa alma pode evocar e submeter
ao seu diáfano, como falam os cabalistas. Estas imagens sempre nos
estão presentes e somente se acham apagadas pelas impressões
mais fortes da realidade durante a vigília, ou pelas preocupações
do nosso pensamento, que deixa a nossa imaginação desatenta
ao panorama móvel da luz astral. Quando dormimos, este espetáculo
se apresenta por si mesmo a nós, e é assim que se produzem
os sonhos: sonhos incoerentes e vagos, se alguma vontade dominante não
fica ativa no sono e não dá, mesmo contra a vontade da nossa
inteligência, uma direção ao sonho, que, então,
se transforma em visão.
O magnetismo
animal não é nada mais do que um sono artificial produzido
pela união, quer voluntária, quer forçada, de duas
almas, uma das quais está acordada, enquanto a outra dorme, isto
é, uma das quais dirige a outra na escolha dos reflexos para mudar
os sonhos em visões e saber a verdade por meio das imagens. Assim,
as sonâmbulas não vão realmente aos lugares aonde o
magnetizador as manda; elas evocam as suas imagens na luz astral, e nada
podem ver do que não existe nesta luz. A luz astral tem uma ação
direta sobre os nervos, que são os condutores, na economia animal,
e que a
levam ao cérebro; por isso, no estado de sonambulismo, pode-se ver
pelos nervos, e sem mesmo ter necessidade da luz irradiante, o fluido astral
sendo uma luz latente, como a física reconheceu que existe um calórico
latente.
O magnetismo
entre dois é, sem dúvida, uma descoberta maravilhosa; mas
o magnetismo de um só, dirigindo-se a si mesmo, ficando lúcido
à vontade, é a perfeição da arte mágica;
e o segredo desta grande obra não está para ser achado: foi
conhecido e praticado por um grande número de iniciados, e
principalmente pelo célebre Apolônio de Thyana, que deixou
dele uma teoria, como veremos no nosso Ritual.
O segredo da
lucidez magnética e da direção dos fenômenos
do magnetismo provém de duas coisas: da harmonia das inteligências
e da união perfeita das vontades numa direção possível
e determinada pela ciência; isto é, para o magnetismo operado
entre diversos. O magnetismo solitário exige preparações
de que falamos no nosso primeiro capítulo, quando enumeramos e fizemos
ver, em toda a sua dificuldade, as qualidades exigidas para ser um verdadeiro
adepto. Esclareceremos cada vez mais este ponto importante e fundamental
nos capítulos que vão seguir. Este império da vontade
sobre a luz astral, que é a alma física dos quatro elementos,
é figurado em magia, pelo pentagrama, cuja figura colocamos no frontispício
deste capítulo.
Assim, os espíritos elementais são submissos a este signo,
quando é empregado com inteligência, e pode-se, colocando-o
no círculo ou na mesa das evocações, fazê-los
dóceis, o que, em magia se chama prendê-los.
Expliquemos,
em poucas palavras, esta maravilha. Todos os espíritos criados comunicam
entre si por sinais e aderem a um certo número de verdades expressas
por certas formas determinadas. A perfeição das formas aumenta
em razão do desembaraço dos espíritos, e os que não
estão presos pelas
cadeias da matéria reconhecem, à primeira intuição,
se um signo é a expressão de um poder real ou de uma vontade
temerária. A inteligência do sábio dá, pois,
valor ao seu pantáculo, como a sua ciência dá peso à
sua vontade, e os espíritos compreendem imediatamente este poder.
Assim, com o pentagrama, pode-se forçar os espíritos a aparecerem
em sonho, quer durante a vigília, quer durante o sono, trazendo eles
mesmos, diante do nosso diáfano, o seu reflexo, que existe na luz
astral, se viveram, ou um reflexo análogo ao seu verbo espiritual,
se não viveram na terra. Isto explica
todas as visões e demonstra, principalmente, por que os mortos aparecem
sempre aos videntes, quer como eram na terra, quer como estão ainda
no túmulo, nunca como estão numa existência que escapa
às percepções do nosso organismo atual.
As mulheres
grávidas estão, mais que os outros, sob a influência
da luz astral, que concorre para a formação dos seus filhos,
e que lhes apresenta, sem cessar, as reminiscências de formas de que
está cheia. É assim que as mulheres muito virtuosas enganam
por semelhanças equívocas a malignidade dos
observadores. Elas imprimem, muitas vezes, ao fruto do seu casamento uma
imagem que as comoveu em sonho, e é assim que as mesmas fisionomias
se perpetuam, de século em século. O uso cabalístico
do pentagrama pode, pois, determinar a figura dos filhos a nascer, e uma
mulher
iniciada pode dar a seu filho as feições de Nereu ou de Aquiles,
como as de Luiz XIV ou de Napoleão. Nós indicamos no nosso
Ritual o modo de o fazer.
O pentagrama é o que se chama, em Cabala, o signo do microcosmo,
o signo cujo poder Goethe exalta no belo monólogo do Fausto: "Ah!
como a esta vista todos meus sentidos estremeceram! Sinto a juvenil e santa
volúpia da vida ferver nos meus nervos e nas minhas veias. Será
um Deus aquele que traçou este signo que acalma a vertigem de minh'alma,
enche de alegria meu pobre coração, e, numa impulsão
misteriosa, desvenda ao redor de
mim as forças da natureza? Sou um Deus? Tudo se torna tão
claro para mim; vejo, nestes simples traços, a natureza ativa se
revelar à minh'alma. Agora, pela primeira vez, reconheço a
verdade desta palavra do sábio: - O mundo dos espíritos não
está fechado! Teu sentido está obtuso, teu coração
está morto. Levanta-te! Banha, ó adepto da ciência,
o teu peito, ainda envolto de um véu terrestre, nos esplendores do
dia nascente!" - (Fausto, 1 parte, cena 1). Foi em 24 de Julho de 1854
que o autor deste livro, Eliphas Levi, fez em Londres a experiência
da evocação pelo pentagrama, depois de se ter preparado, para
isso, por todas as cerimônias que estão marcadas no Ritual.
O sucesso desta experiência, cujas razões e detalhes damos
no 13º capítulo do Dogma e as Cerimônias no 13º capítulo
do Ritual, estabelecem um novo fato patológico que os homens de verdadeira
ciência admitirão sem dificuldade. A experiência, reiterada
até três vezes, deu resultados verdadeiramente extraordinários,
mas positivos e sem mistura alguma de alucinação. Convidamos
os incrédulos a fazerem um ensaio consciencioso e razoável,
antes de levantar os ombros e sorrir. A figura do Pentagrama, aperfeiçoada
conforme a ciência e que serviu ao autor para esta prova, é
a que está no começo deste capítulo e que não
se acha tão completa nem nas clavículas de Salomão,
nem nos calendários mágicos de Tycho-Brahé e Duchenteau.
Observemos somente que o uso do pentagrama é muito perigoso para os operadores que não tem completa e perfeita inteligência dele. A direção das pontas da estrela não é arbitrária, e pode mudar o caráter de toda operação, como explicaremos no Ritual. Paracelso, este inovador em magia, que sobrepujou todos os outros iniciados pelos sucessos de realização obtidos por ele só, afirma que todas as figuras mágicas e todos os signos cabalísticos dos pantáculos aos quais os espíritos obedecem, se reduzem a dois, que são a síntese de todos os outros; o signo do macrocosmo ou do selo de Salomão, cuja figura já demos e reproduzimos na página seguinte, e o do microcosmo, ainda mais poderoso que o primeiro, isto é, o pentagrama, do qual dá, na sua filosofia oculta, uma minuciosa descrição.
Se perguntarem
como um signo pode ter tanto poder sobre os espíritos elementais,
perguntaremos, por nossa vez: por que o mundo cristão se prosternou
diante do sinal da cruz? O sinal por si mesmo nada é, e só
tem força pelo dogma de que é resumo e verbo. Ora, um signo
que resume, exprimindo-as, todas as forças ocultas da natureza, um
signo que sempre manifestou aos espíritos elementares e outros um
poder superior à sua natureza, naturalmente os enche de respeito
e temor e os força a obedecer, pelo império da ciência
e da vontade sobre a ignorância e a fraqueza.
É também pelo pentagrama que se medem as proporções
exatas do grande e único athanor necessário à confecção
da pedra filosofal e à realização da grande obra. O
alambique mais perfeito que possa elaborar a quintessência é
conforme esta figura, e a própria quintessência é figurada
pelo signo do
pentagrama.