As leis são progressivas em sua ordem e objetivo
Louis Claude de Saint Martin


Todos as leis dadas ao Homem desde o seu pecado, tem tido a sua elevação como objetivo. Por esta razão, a lei é sempre inferior ao limite para o qual aponta e para o qual pretende levar o Homem, embora seja superior àquele onde o encontrou: é por este motivo também que estas diferentes leis teriam sido sempre progressivas se o Homem não tivesse atrapalhado seu curso, tão freqüentemente, através de seus erros; contudo, tendo o Homem multiplicado continuamente suas próprias quedas, e aumentado suas próprias trevas, ele atraiu leis de rigor e repressão enquanto deveria ter recebido aquelas de bondade e consolo.


A lei dada a Adão.
Após a primeira expiação do primeiro Homem culpado, ele recebeu uma lei certamente mais vasta e luminosa do que aquela posteriormente dada aos Israelitas; podemos verificar isto através da diferença de nomes pelos quais estas leis eram governadas. Era o próprio nome de Deus que governava a primeira, e apenas o nome representativo que governava a segunda: ver Paulo aos Gálatas (GL III.19) onde ele diz: "esta lei foi promulgada por anjos, pela mão de um mediador".
Além disso, Adão, embora culpado, estava apenas privado de suas alegrias primitivas; ele não estava até então sob a mancha do pecado, que havia sido removida pelo batismo da libertação das mãos de seu inimigo, o que pode ser chamado de sua grande ou espiritual circuncisão.
O envoltório corporal que ele recebeu era um puro extrato de todas as substâncias mais vitais da Natureza que ainda não haviam passado pelas catástrofes secundárias que se sucederam; não é surpresa alguma que, então, sob estas circunstâncias, a lei do retorno dada a Adão fosse mais poderosa e virtuosa do que a lei judaica. Um único exemplo será suficiente para mostrar a diferença.
Os hebreus eram proibidos de aliarem-se àquelas nações que iriam combater na terra prometida; a transgressão desta lei levou a várias sujeições especiais as quais foram submetidos. Enquanto que para Adão, e sua posteridade, toda a Terra foi dada para ser cultivada e para que extraísse dela os espinhos e as ervas daninhas; e justamente por ter feito o contrário, ou seja, cobri-la de maldade, que o Senhor retirou Seu espírito dos homens, e despejou o Dilúvio sobre eles. Pela extensão do crime podemos avaliar a extensão da lei.
Esta lei não podia ser dada a Adão enquanto ele ainda se encontrava no abismo, sob o jugo absoluto de seu sedutor. Foi somente a graça livre que operou naquele terrível momento, para extrair da morte eterna aquele que era a imagem e semelhança do Deus de todos os seres; naquele momento o Homem era incapaz de progredir através de qualquer lei; mas, superado este primeiro passo, ele se tornou suscetível a uma lei para a sua restauração. Ora, a lei que ele recebeu, trazia, sem dúvida, as três características já mencionadas; ou para ser mais claro, era um julgamento do inimigo através de quem o Homem havia sido arruinado; era um alerta ao Homem, para que reconhecesse os perigos que o rodeava, e para evitar que o Homem sofresse novas quedas; finalmente, era um meio para a sua santificação, através do caminho traçado para o seu retorno e um meio para os sacrifícios que foram utilizados pelo seu primogênito, o que nos leva a supor que Adão também tenha feito uso destes sacrifícios.


A Lei no período de Noé.
A lei restauradora, tendo sido anulada pela assustadora conduta da posteridade do Homem, agora duplamente culpado, o lançou novamente no abismo, sendo que só um alvo fora preservado. Noé permaneceu fiel às ordens do Senhor; e quando após o Dilúvio, o vemos oferecendo um sacrifício de doce aroma, não devemos concluir que ele tenha sido o fundador dos sacrifícios, mas considerá-lo como o preservador e ministro de uma lei tão antiga quanto o exato início das coisas; o que de fato, indica que o sacrifício foi oferecido pelo primeiro Homem.
Se a posteridade de Noé tivesse prosseguido na sabedoria e santidade daquele patriarca, a obra teria avançado em direção à sua realização sem a necessidade de se instituir uma nova lei, e eleger um povo peculiar; isto porque todos os pecados foram eliminados pelo Dilúvio, a família foi salva e seus descendentes, deveriam ter sido a imagem viva do primeiro Homem em seu caminho de volta, dentro da lei que favorecia seu retorno.
Contudo a posteridade de Noé ao se permitir cometer todo tipo de fraqueza, fez com que esta lei restauradora perdesse seu efeito; a partir de então, se tornou necessário que Homem passasse novamente pelo que havia sofrido no princípio, já que todas as línguas foram confundidas, e eles não mais permaneceram como nos dias de Noé, uma única família que mantinha a língua pura.


Abraão, quando não estava sob a lei.
Neste estado de trevas universal, Abraão foi escolhido para ser o chefe de um Povo Eleito; tudo lhe foi dado, a princípio, pela revelação, por assim dizer, profeticamente, até mesmo a história de seu próprio povo que ele viu num sonho: mas nada foi dado em desenvolvimento; ele não possuía a terra que lhe havia sido mostrada; ele foi obrigado a comprar até mesmo a tumba onde Sarah foi enterrada. Ele não viu a numerosa prole que lhe foi prometida; ele viu unicamente o filho prometido, mas não os filhos deste filho, pois morreu antes do nascimento de Jacó e Esau; ele não foi encarregado de nenhum cerimonial religioso, pois o sacrifício que lhe foi ordenado a oferecer, era apenas o de servir de testemunha da aliança; Deus não lhe deu o sacrifício como uma instituição.
Ao nos dizer que a extensão da iniqüidade dos Amonitas não estava completa, as Escrituras certamente nos dá um motivo pelo qual a lei não foi dada a Abraão; contudo, uma razão ainda mais direta pode ser encontrada: a lei era para ser dada a um povo e não para um indivíduo, como no caso de Adão, e este povo ainda não havia nascido. A lei deveria vir para um povo, porque eram os povos ou nações que haviam se corrompido e se afastado da lei; porque as cerimônias desta lei requeria um grande número de ministros; porque esta lei era para ser baseada no número perdido, na antiga numeração das nações, para que fosse restaurada a elas; e finalmente, porque requeria um receptáculo que deveria estar conectado em suas subdivisões com cada ramificação da lei; pois, se Adão que, corporalmente, é a raiz e tronco de toda humanidade, todos estes galhos são senão um.


A eleição de Abraão não podia alcançar seu complemento até que as doze crianças de Jacó estivessem aptas, em número, a oferecer um receptáculo, capaz de receber a influência salutar correspondente a este número, mesmo que seja somente em princípio na bênção do pai; foi somente no Sinai, que as doze tribos receberam o necessário desenvolvimento desta lei, da qual seus antepassados haviam recebidos os primeiros frutos.
A lei Mosaica, preparação para a lei profética ou espiritual.
Esta lei era unicamente uma preparação do povo para a lei espiritual que o aguardava, depois que a lei das formas e cerimônias cumprisse seu curso. Era necessário que esta lei das formas desenvolvesse as bases e essências espirituais que continha, para que o povo, por sua vez, apresentasse ao espírito um receptáculo apropriado onde este pudesse vir e repousar.


A lei profética ou espiritual, uma preparação para a lei divina.
Finalmente, a própria lei espiritual era somente uma preparação para a lei divina, o único fim do Homem já que é uma criatura divina. Ora, é nesta lenta e suave progressão de auxílios enviados de Deus, que podemos dizer, de todas as leis em geral, o que São Paulo disse da lei hebraica em particular: "a lei se tornou nosso pedagogo para nos levar até Cristo" (Gl. III 24,26), pois não há nenhuma das leis temporais que não podem ser referidas como um tutor ou condutor para o seu objetivo, quanto a nós, somos realmente crianças até que sejamos admitidos na lei e adquiramos forças para praticá-la.
Esta tem sido a administração divina em todos estes períodos; sob a regra levítica, ou aquela dos sacrifícios de sangue, o sacerdote, por estar ainda e unicamente nas regiões naturais, recebia sua substância do povo, e a lei apontava cidades e dízimos para suas necessidades espirituais. Sob as regras proféticas, Deus alimentou seus servos por meios especiais, mas através de ação natural, como vemos em Elias e Daniel. Sob a lei da graça, a intenção do instituidor era que os sacerdotes fossem cautelosos com tudo; o alimento era para ser dado a eles pelo céu, como foi mostrado a São Pedro e na descrição e benefícios prometidos das águas vivas.


Contudo é somente para as crianças dóceis e submissas que estas leis mantém suas características; elas mostram mais o que o homem deveria ser do que aquilo que realmente é. A mão que administra estas leis salutares, é freqüentemente obrigada a deixá-las atuar na punição do homem mais do que na sua recompensa.
Este, como vimos, foi o caso do lapso do Homem com relação à lei de Moisés; enquanto que se a posteridade de Adão tivesse sido fiel à assistência recebida nos diferentes períodos já observados, teriam facilitado enormemente a sua volta à Verdade e teriam conhecido somente os deleites dos caminhos Divinos ao invés de quase sempre experimentar seu rigor e amargor.


Tal será novamente o caso dos filhos de Israel, no período que agora iremos considerar, ou seja, o período profético ou o preceito.
A época profética, ou preceito; ameaças e promessas: seus objetivos espirituais.
Se o povo tivesse observado fielmente os decretos do Senhor, dirigidos aos superiores da raça eleita, aqueles auxílios que os acompanharam através do deserto não os teria abandonado na terra prometida; a lei dos sacrifícios de animais os teria conduzido à lei espiritual, sob a qual receberia, diretamente, os auxílios recebidos de forma indireta, enquanto estava sob a lei dos sacrifícios.


Porém, como o povo, os governantes e sacerdotes não deixaram de agregar abominações, além de violarem todas as leis de sacrifício - como testemunharam os filhos de Eli - e mais, tendo abandonado o governo teocrático, instituindo aquele vigente em outras nações que separa o povo inteiramente, não é de se surpreender que este povo atrasasse seu próprio curso, ou que, de acordo com a linguagem das Escrituras, que a palavra de Deus se tornasse rara dentre ele.
Mas se, por um lado, o Homem é aprisionado em seu caminho por suas iniqüidades, o tempo não pára; e como a hora da lei espiritual havia chegado para os Judeus, ela só podia transcorrer diante de seus olhos, muito embora eles pudessem estar despreparados.
Todavia esta lei tomou, então, um caráter duplo, conforme a dupla forma de Misericórdia e Justiça que precisava realizar na Terra; como a luz que fora acesa na ocasião da eleição dos Judeus não pode ser apagada, ela então exibiu tanto os primeiros raios de sua iluminação, como os terrores da ira divina.
Esta é a razão pela qual distinguimos claramente dois tipos de profecia, uma que aterroriza o povo com ameaças, outra que promete dias de consolo e conforto aos amantes da paz. Observamos também o quanto a influência da profecia cresce nesta época; vemos como ela aborda a regeneração da alma humana, que, embora visada em todas as prévias manifestações divinas, se encontrava oculta em rituais simbólicos.


É com os Profetas que vemos o Homem escolhido desdobrar seu caráter como sacerdote e sacrificador do Senhor; ali, vemos o sacrifício de nossos pecados substituídos pelo sacrifício de animais e a circuncisão do coração e do espírito recomendada como o verdadeiro caminho da reconciliação do Homem com Deus; vemos ainda, os falsos profetas e maus pastores maculados ludibriarem a alma de seus rebanhos e lhes assegurar a vida; em resumo, vemos o início do despertar daquele dia espiritual e divino que se tornou evidente para nunca mais se pôr; assim, o Homem viu, ainda que vagamente, que nascera na região do espírito e da santidade, e que só ali poderia encontrar sua verdadeira lei e seu verdadeiro repouso.
Afirmamos que estas verdades só lhe foram mostradas vagamente porque, além da humanidade em geral, que os profetas vieram despertar, era preciso agir e fazer profecias a um certo grupo de pessoas em particular, aqueles que ainda não haviam ido além de sinais e figuras. Mas em todos os aspectos, o profeta pode sempre ser considerado como uma vítima, seja pelas mortes violentas que a maioria sofre ou seja pelos trabalhos espirituais a que se submeteram

 

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