As
Colunas do Templo
CHOCMAH - DOMUS - GNOSIS
Dogma e Ritual
da Alta Magia
POR
ELIPHAS LÉVI
A ciência é a posse absoluta e completa da verdade.
Por isso, os sábios de todos os séculos tremeram diante desta
palavra absoluta e terrível; tremeram
arrogar-se o primeiro privilégio da divindade, atribuindo a si a
ciência, e se contentaram, em lugar do verbo saber, que exprime o
conhecimento, e da palavra ciência, com a de gnosis, que exprime somente
a idéia do conhecimento por intuição.
Que sabe, com efeito, o homem? Nada, e, entretanto, nada lhe é permitido
ignorar. Nada sabe, e é chamado a tudo conhecer. Ora, o conhecimento
supõe o binário. É preciso para o ente que conhece
um objeto conhecido. O binário é gerador da sociedade e da
lei; é também o número da gnose. O binário é
a unidade multiplicando-se por si mesma para criar; e é por isso
que os símbolos sagrados fazem sair Eva do próprio peito de
Adão.
Adão é o tetragrama humano, que se resume no iod misterioso, imagem do phallus cabalístico. Ajuntai a este iod o nome ternário de Eva, e formareis o nome de Jeová, o tetragrama divino, que é a palavra cabalística e mágica por excelência:
h w h y
que o sumo
sacerdote, no templo pronunciava Jodcheva. É assim que a unidade,
completa na fecundidade do ternário, forma com ele o quaternário,
que é a chave de todos os números, de todos os movimentos
e de todas as formas. O quadrado, girando sobre si, produz o círculo
que lhe é igual e está para a quadratura do círculo
como o movimento circular de quatro ângulos iguais que giram ao redor
de um mesmo ponto. O que está em cima, diz Hermes, é igual
ao que está em baixo: eis o binário servindo de medida à
unidade, e a relação de igualdade entre o alto e o baixo,
eis que forma com eles o ternário.
O princípio criador é o phallus ideal; e o princípio
criado é o cteis formal. A inserção do phallus vertical
no cteis horizontal forma o stauros dos gnósticos ou a cruz filosófica
dos maçons. Assim, o cruzamento de dois produz quatro, que, movendo-se,
determinam o círculo com todos os seus graus.
a é
o homem; b é a mulher; 1 é o princípio; 2 é
o verbo; A é o ativo; B é o passivo; a unidade é Bohas;
o binário é Jakin. Nos trigramas de Fo-Hi, a unidade é
o Yang; e o binário é o Yin. Yang Yin Bohas e Jakin são
os nomes das duas colunas simbólicas que estavam diante da porta
principal do templo de cabalístico de Salomão. Estas duas
colunas explicam em Cabala todos os mistérios do antagonismo, quer
natural, quer político, quer religioso, explicam a luta geradora
do homem e da mulher, porque, conforme a lei a lei da natureza, a mulher
deve resistir ao homem, e este deve atraí-la ou submete-la.
O princípio ativo busca o princípio passivo, o cheio é
amante do vácuo. A goela da serpente atrai a sua cauda, e, girando
sobre si mesma ela foge de si e persegue a si mesma. A mulher é a
criação do homem, e a criação universal é
a mulher do primeiro princípio. Quando o ente princípio se
fez criador, erigiu um iod ou um phallus,e, para lhe dar lugar no cheio
da luz incriada, teve de cavar um cteis ou um fosso de profundidade igual
à dimensão determinada pelo seu desejo criador, e destinado
por ele ao iod na luz irradiante. Tal é a linguagem misteriosa dos
cabalistas no Talmude, e, por causa da ignorância e da maldade do
vulgo, é-nos impossível explica-la ou simplifica-la mais.
Que é, pois, a criação? A casa do Verbo criador. Que é o cteis? É a casa do phallus. Qual a natureza do princípio ativo? É espalhar. Qual é a natureza do princípio passivo? É reunir e fecundar. Que é o homem? É o iniciador, o que destrói, cultiva e semeia. Que é a mulher? É a formadora, a que reúne, rega e ceifa. O homem faz a guerra, e a mulher procura a paz; o homem destrói para criar, a mulher edifica para conservar; o homem é a revolução, a mulher é a conciliação; homem é o pai de Caim, a mulher é a mãe de Abel.
Que é
a sabedoria? É a conciliação e a união dos dois
princípios, é a docilidade de Abel dirigindo a energia de
Caim, é o homem segundo as doces inspirações da mulher,
é a depravação vencida pelo legítimo casamento,
é a energia revolucionária abrandada e dominada pelas doçuras
da ordem e da paz, é o orgulho submetido ao amor, é a ciência
reconhecendo as inspirações da fé. Então, a
ciência humana torna-se sábia, porque ela é modesta,
e se submete à infalibilidade da razão universal, ensinada
pelo amor ou pela caridade universal. Ela pode tomar o nome de Gnose, porque,
ao
menos, conhece o que ainda não se pode vangloriar de saber perfeitamente.
A unidade só pode manifestar-se pelo binário; a própria
unidade e a idéia da unidade já fazem dois. A unidade do macrocosmo
revela-se pelas duas pontas opostas dos dois triângulos. A unidade
humana completa-se pela direita e pela esquerda. O homem primitivo é
andrógino. Todos os órgãos do corpo humano são
dispostos por dois, exceto o nariz, a língua, o umbigo e o iod cabalístico.
A divindade, una na sua essência, tem duas condições
essenciais por bases fundamentais do ser: a necessidade e a liberdade.
As leis da razão suprema são necessárias em Deus e
regulam a liberdade, que é necessariamente razoável e sábia.
Para fazer visível a luz, Deus somente supôs a sombra. Para manifestar a verdade, fez possível a dúvida. A sombra é a repulsão da luz, e a possibilidade do erro é necessária para a manifestação temporal da verdade. Se o escudo de Satã não parasse a lança de Mikael, a força do anjo vai se perderia no vácuo ou deveria manifestar-se por uma destruição infinita dirigida de cima para baixo. E se o pé de Mikael não retivesse Satã na sua ascensão, Satã iria destronar Deus, ou antes se perder nos abismos da altura. Satã é, pois, necessário a Mikael como o pedestal à estátua, e Mikael é necessário a Satã como o freio à locomotiva.
Na dinâmica
analógica e universal, só há apoio no que resiste.
Por isso o universo é balanceado por duas forças que o mantêm
em equilíbrio: a força que atrai e a que repele. Estas duas
forças existem em física, filosofia e religião. Elas
produzem, em física, o equilíbrio, em filosofia, a crítica;
e em religião, a revelação progressiva. Os antidos
representaram este mistério pela luta de Eros e Anteros, pelo combate
de Jacó com o anjo, pelo equilíbrio da montanha de ouro, que
conservam ligadas com a serpente simbólica da Índia, de um
lado os deuses e do outro os demônios. É também figurado
pelo caduceu de Hermanubis, pelo dois querubins da arca, pelas duas esfinges
do carro de Osíris, pelos dois serafins, o branco e o preto. A sua
realidade científica é demonstrada pelos fenômenos da
polaridade e pela lei universal das simpatias ou antipatias. Os discípulos
ininteligentes de Zoroastro divinizaram o binário, sem referi-lo
à unidade, separando, assim, as colunas do templo e querendo dividir
Deus. O binário em Deus só existe pelo ternário. Se
concebeis o absoluto como dois, é preciso imediatamente concebe-lo
como três, para achar o princípio unitário.
É por isso que os elementos materiais análogos aos elementos divinos se concebem como quatro, explicam-se como dois e, finalmente, só existem como três. A revelação é o binário; todo verbo é duplo ou supõe dois. A moral que resulta da revelação é fundada sobre o antagonismo, que é a conseqüência do binário. O espírito e a forma se atraem e se repelem como a idéia e o sinal, como a verdade e a ficção. A razão suprema necessita do dogma para se comunicar às inteligências finitas, e o dogma, passando do domínio das idéias ao das formas, se faz participar dos dois mundos, e tem, necessariamente dois sentidos que falam sucessivamente ou ao mesmo tempo, quer ao espírito, quer à carne. Por isso, no domínio moral há duas forças: uma que tenta e outra que reprime e que expia. Estas duas forças são figuradas nos mitos do Gênese pelos personagens típicos de Caim e Abel. Abel oprime Caim por sua superioridade moral; Caim para libertar-se, imortaliza seu irmão matando-o, e fica vítima do seu próprio crime. Caim não pôde deixar viver Abel e o sangue de Abel não deixa mais Caim dormir.
No Evangelho,
o tipo de Caim é substituído pelo do Filho pródigo,
a quem seu pai perdoa tudo, porqueele volta depois de ter sofrido muito.
Em Deus, há misericórdia e justiça; ele faz justiça
aos justos e misericórdia aos pecadores. Na alma do mundo, que é
o agente universal, há uma corrente de amor e uma corrente de cólera.
Este fluido ambiente e que penetra em todas as coisas; este raio destacado
da coroa do sol e fixado pelo peso da atmosfera e pela força de atração
central; este corpo do Espírito Santo que chamamos o agente universal,
e que os antigos representavam sob a figura da serpente que morde a sua
cada; este éter elétrico e magnético, este calórico
vital e luminoso, é figurado nos antigos monumentos pela cintura
de Isis, que se volve e resolve em laço de amor ao redor dos dois
pólos, e pela serpente que morde a sua cauda, emblema da prudência
e de Saturno.
O movimento e a vida consistem na tensão extrema das duas forças.
Prouve a Deus, dizia o Mestre, que fôsseis totalmente frio ou totalmente
quente!
Com efeito, um grande culpado é mais vivo que um homem fraco e morno,
e a sua volta à virtude será em razão direta da energia
dos seus desvios.
A mulher que deve esmagar a cabeça da serpente é a inteligência, que sempre vence a corrente das forças cegas. É, dizem os cabalistas, a virgem do mar, cujos pés úmidos o dragão infernal vem lamber com sua língua de fogo, que se adormece de volúpia. Tais são os mistérios hieráticos do binário. Mas existe um, o último de todos, que não deve ser revelado: a razão disso está, conforme Hermes Trismegisto, na ininteligência do vulgo, que daria às necessidades da ciência toda a capacidade imortal de uma cega fatalidade. É preciso conter o vulgo, diz ele ainda, pelo temor do desconhecido; e o Cristo dizia também: "Não lanceis vossas pérolas aos porcos, para que eles não as pisem, e voltando-se contra vós, não vos devorem". A árvore da ciência do bem e do mal, cujos frutos dão a morte, é a imagem deste segredo hierático do binário. Este segredo, com efeito, se for divulgado, só pode ser mal compreendido, e concluir-se daí a negação ímpia do livre arbítrio, que é o princípio moral da vida. Está, pois, na essência das coisas que a revelação deste segredo dá a morte, e, entretanto, este não é ainda o grande arcano da magia: mas o segredo do binário conduz ao do quaternário, ou antes procede dele e se resolve pelo ternário, que contém a palavra do enigma da esfinge tal como tinha de ser resolvido para salvar a vida, expiar o crime involuntário e assegurar o reino de Édipo.
No livro hieroglífico
de Hermes, que é também denominado o livro de Thot, o binário
é representado quer por uma grande sacerdotisa tendo os chifres de
Ísis, a cabeça coberta, um livro aberto, que oculta pela metade
com seu manto;ou pela mulher soberana, a deusa Juno dos Gregos, tendo uma
das mãos
elevada para o céu e a outra abaixada para a terra, como se formulasse,
por este gesto, o dogma único e dualista que é a base da magia
e que inicia os maravilhosos símbolos da Tábua de Esmeralda
de Hermes. No Apocalipse de São João, trata-se de dois testemunhos
ou mártires, aos quais a tradição profética
dá o nome de Elias e Enoque: Elias, o homem da fé, do zelo
e do milagre; Enoque, o mesmo que os Egípcios chamaram Hermes, e
que os Fenícios honravam como Cadmo, o autor do alfabeto sagrado
e da chave universal das iniciações ao Verbo, o pai da Cabala,
aquele, dizem as santas alegorias, que não morreu como os outros
homens, mas que foi arrebatado ao céu para voltar no fim dos tempos.
Diziam, mais ou menos, a mesma coisa do próprio São João,
que achou e explicou, no seu Apocalipse, os símbolos do verbo de
Enoque. Esta ressurreição de São João e Enoque,
esperada nos fins dos séculos de ignorância, será o
renovamento das suas doutrinas pela inteligência das chaves cabalísticas
que abrem o templo da unidade e da filosofia universal, por muito tempo
oculta e reservada somente a eleitos que o mundo fazia morrer.
Mas dissemos
que a reprodução da unidade pelo binário conduz forçosamente
à noção e ao dogma do ternário, e chegamos,
enfim, a este grande número, que é a plenitude e o verbo perfeito
da unidade.