A Lei dos Sacrifícios continuou
Louis Claude de Saint Martin
Mas esta lei, à medida em que se desenvolveu, se tornou cada vez
mais benéfica para o povo escolhido, que deve ser reconhecida como
o símbolo do Homem. Da mesma forma, como já observamos anteriormente,
vemos uma progressão de benefícios, atividade e graça
que se seguia à progressão festivais e períodos; o
sacrifício perpétuo, enquanto servia como comemoração
da libertação do Egito, mostrava, ao mesmo tempo, a contínua
vigilância do Amor Supremo sobre Seu povo, o qual Ele nunca irá
desamparar.
O extraordinário holocausto, adicionado aos três grandes festivais,
era para trazer ao povo aquelas virtudes ativas, de acordo com os planos
reservados a cada diferente período; pois podemos ver touros, carneiros
e sete cordeiros - independentemente de todas as outras oferendas que sempre
eram acrescentadas aos sacrifícios importantes.
Assim, os gérmens foram plantados no povo, eles começariam
a dar seus primeiros frutos no período seguinte; estes gérmens
não poderiam ter sido plantados no Egito, pois era necessário
que o povo fosse primeiramente purificado; a morada da morte não
é capaz de receber a semente da vida.
Os nomes primitivos dos animais podiam revelar, nos Sacrifícios,
sua natureza e influência.
Sem dúvida, se não havia nenhum véu estendido sobre
a Natureza e sobre as propriedades dos animais, vemos claramente o real
motivo pelo qual touros, carneiros e cordeiros eram preferencialmente empregados
com relação a outros animais, em todos estes sacrifícios.
Poderíamos justificar, com minuciosos detalhes, o princípio
geral e fundamental, já que estas vítimas sendo conectadas
às influências externas, e tendo seu sangue derramado, eram
forçadas a trazer ao povo as influências das quais eram, respectivamente,
os emblemas ou símbolos; se fazia com que os poderes se aproximassem
do Homem, embora fossem somente os representantes daquele de quem um dia
receberiam o espírito propriamente dito, e do qual ainda estavam
muito longe.
Contudo nós perdemos os nomes primitivos dos animais, e nada com
pouco conhecimento poderia verter uma luz viva e clara, nas diferentes espécies
de animais, incluídos na classe de vítimas, assim como nas
diferentes espécies de vegetais que serviam de oferendas nos sacrifícios;
pois, se os números verdadeiros expressam as propriedades das coisas,
seus nomes reais as expressam de forma ainda mais eficaz, pois são
seus órgãos ativos. Isto é o que uma vez caracterizou
a preeminência do primeiro Homem, e ainda deve caracterizar, de qualquer
forma, em parte, o verdadeiro sábio, e o real ministro das coisas
divinas, pois ele cumpre o Ministério do Senhor de forma útil
e eficiente.
Os nomes hebraicos não ajudam muito a esclarecer esta grande questão.
Estes nomes são ativos somente quando aplicados aos homens, às
gerações do povo escolhido e aos seus ministros, como vemos
pelos nomes característicos dos profetas e patriarcas, porque o homem
era o objetivo principal deste processo de eleição e restauração;
enquanto que, não tendo chegado ainda a grande época da restauração
da Natureza, os nomes das plantas e animais não vão mais além
em hebraico do que em outras línguas, e seus verdadeiros nomes ainda
estão ocultos no que Jacob Boehme chama de "a língua
da Natureza", até que os selos sejam abertos.
Podemos nos estender a respeito da idéia geral que expressamos acima,
ou seja, que na assustadora destruição da natureza, na ocasião
do lapso criminoso do Homem, algumas substâncias, minerais, vegetais
ou animais foram melhor preservadas do que outras; isto quer dizer, que
elas retiveram uma grande proporção das propriedades vivificantes
e poderosas de seu estado primitivo; e que, sem dúvida, estas tem
sido as preferencialmente usadas nos sacrifícios e em outras cerimônias
de veneração, como sendo mais capazes de prestarem serviço
ao Homem, uma vez que permaneceram mais próximas do pacto primitivo:
mas isto requer um conhecimento mais extenso de nossa parte, sobre o estado
primitivo das coisas, e nós apenas fizemos uma alusão a seu
respeito.
Circuncisão, sua razão e efeito.
Vamos considerar agora uma questão que pode ser considerada a chave
para a explicação dos sacrifícios.
Se os sacrifícios operados para o Homem, através de suas correspondências,
se o derramar do sangue das vítimas era o meio estabelecido para
efetivar este objetivo, podemos nos perguntar como que a circuncisão
não podia ocorrer no lugar dos sacrifício? Pois poderíamos
supor que sendo derramado o próprio sangue do Homem, ele poderia
operar com mais eficácia do que aquele de outras vítimas,
devido à superioridade de suas correspondências. A esta questão
responderíamos da forma que se segue.
A virtude dos sacrifícios derivam da convicção.
Se os sacrifícios de sangue atuavam através de suas correspondências,
eles derivavam suas virtudes, radicalmente, pelo desejo do ministro e do
desejo daquele que crê e que o acompanhava; desta forma, o desejo
divino propriamente dito se unia a eles. Ora, como este desejo, que é
a fé real ou convicção, não pode, sob circunstância
alguma, ocorrer sem uma base ou campo; o sangue dos animais servia para
auxiliar este desejo a alcançar um campo ainda maior, até
repousar em bases perfeitas, no Coração Divino, que governava,
em segredo, todos os sacrifícios, e que por fim os iria coroar.
A convicção; a diversidade das formas.
Podemos notar, que a necessidade de uma base para apoiar a verdadeira convicção
ou desejo é a chave para todas as diversidades de sacrifícios,
sejam de sangue ou não, assim como a adoração de ídolos
e qualquer outro tipo de adoração praticada sobre a Terra,
além de tudo aquilo em que as nações têm a mesma
fé, e erram somente em relação a esta base; a escolha
desta base é muito importante já que deveria ter correspondências
fixas com um verdadeiro centro, natural, espiritual ou divino, - e as nações
cometeram um enorme erro a este respeito, e não é de se surpreender
que suas trevas sejam tão universais.
A circuncisão, não como base da convicção, apenas
uma iniciação.
Ora, a circuncisão não poderia servir como base para a convicção
ou desejo, já que era praticada a poucos dias após o nascimento;
e se, em Abraão ela foi praticada na maturidade, foi somente porque
este patriarca não havia sido escolhido enquanto criança para
ser o chefe da raça eleita, e ele tinha que participar livremente
da aliança. Além do mais, ele representava somente os primeiros
degraus da reconciliação.
Contudo, embora uma criança não possa ter uma verdadeira convicção
ou desejo, o sangue do Homem, derramado durante a circuncisão das
crianças tem, sem dúvida, um efeito; contudo, tal efeito era
limitado, por assim dizer, a realizar uma espécie de purificação
religiosa, como se, de alguma forma, os apartassem deste sistema sangüíneo
em que o crime do Homem nos submeteu, e os iniciassem num trabalho ativo
e eficaz no qual a convicção ou desejo de cada um pudesse
algum dia os empregar voluntariamente. Este era, mais que nada, um efeito
figurativo da grande circuncisão e da libertação corporal,
do que a realização de algum poder regenerativo vivificante,
como o holocausto, quando a convicção tinha ao menos alguma
influência, uma vítima pura era sacrificada, e o completo desenvolvimento
de todas as correspondências das influências regulares atuavam
na restauração do Homem, ainda que parcialmente, aos seus
direitos e alegrias.
Além do mais, vimos que a morte do Homem foi o único sacrifício
de sangue capaz de restaurá-lo à plenitude de suas relações,
e ao perfeito caminho de retorno ao seu Princípio. Portanto, como
o princípio da vida animal não era eliminado através
da circuncisão, a observação desta lei não poderia,
por si mesma, atrair sobre ele nenhuma influência restauradora poderosa;
e se o sangue dos animais (sacrificados) não tivesse sido substituído
pelo do homem (na circuncisão) ele teria permanecido pela vida na
mesma privação e escravidão.
Ao mesmo tempo, como já dissemos, esta circuncisão não
era inútil, já que era uma espécie de iniciação
nas etapas que o Homem ainda não podia apreciar. Mas, precisamente
por ser uma iniciação, era necessário que o tornasse
capaz de receber seus frutos progressivos, e isto acontecia realmente, na
medida em que abria seu sangue a todas a influências regulares que
os sacrifícios dos animais pudesse lhe trazer.
Assim, quando a autoridade divina consagrava este princípio, que
talvez já fosse até usado entre outros povos (embora não
usado com este mesmo objetivo) e ordenado como uma das leis sagradas do
povo judeu, esta cerimônia era estritamente recomendada. Todos aqueles
que não eram circuncidado eram excluídos dos sacrifícios
porque as influencias regulares, que aqueles sacrifícios atraíam,
não encontrando nenhum caminho aberto para atingir seu princípio
de vida, poderia atuar forçadamente e com violência contra
aqueles que não cumpriam a lei e exterminá-los no meio do
povo.
Antes e Depois do Dilúvio.
Como a circuncisão parece ter sido praticada após o Dilúvio,
todos os sacrifícios, feitos anteriormente a este evento, devem ter
sido inúteis. Ora, se não temos provas que esta prática
estava em uso antes do Dilúvio, também não temos nenhuma
prova do contrário; admitindo que ela tenha tido início após
o Dilúvio, todas as dificuldades desaparecem quando refletimos sobre
as diferenças de estados em que a humanidade se encontrava nestas
diferentes épocas: reflexão que também se aplica aos
animais.
Antes do Dilúvio, o Homem desfrutava de todos os poderes de sua natureza
corporal animal; esta roupagem temporária que lhe foi dada como um
órgão para as influencias e virtudes superiores, que é
tão útil a ele, estava mais de acordo com o plano traçado
para a sua restauração, estando, conseqüentemente, mais
aberto as influências salutares, ele podia não recorrer a circuncisão
para que elas tivessem acesso ao Homem.
Por outro lado, como os animais desfrutavam de um tempo de vida maior do
que jamais haviam tido, seu sangue era mais eficaz, o que poderia fazer
com que a assistência da circuncisão fosse menos necessária
do que se tornou no segundo período, quando todas as coisas foram
mudadas. Toda a natureza tinha sido torturada e alterada pela calamidade
do Dilúvio. Os crimes da humanidade afundaram no Dilúvio e
está se tornou muito mais presa pelas correntes da matéria;
os próprios animais perderam suas virtualidades na renovação
de suas espécies, que vieram menores do que eram antes desta explosão
de vingança da Justiça Suprema. Em resumo, a que reflexões
não levariam aqueles enormes esqueletos?
Se a Sabedoria não tivesse provido ao homem meios de remediar este
fatal resultado da justiça, ele teria continuado sem caminho algum
de retorno ao seu Princípio, e o plano do Amor divino em favor da
humanidade teria sido irrealizável, já que a primeira iniciação
neste caminho não teria ocorrido. Ora, de tudo o que temos visto,
a circuncisão parece ter sido o meio que supriu, após o Dilúvio,
as vantagens que os homens e os animais desfrutavam antes daquela catástrofe.
Talvez mesmo se o povo tivesse sinceramente observado as leis e instrumentos
que Noé transmitiu a eles, na qualidade de eleito e escolhido de
Deus, ele tivesse continuado sob condições poderosas suficientes
para que este novo meio fosse desnecessário.
Mas, através da ofensa de Ham e Canaã, e pelas abominações
cometidas nas planícies do Shinar, eles acrescentaram mais correntes
àquela que o Dilúvio colocou sobre eles, e agravaram os obstáculos
que já os posicionaram contra a reunião com sua Fonte. Não
é de se admirar que o amor que os criaram os seguiu até ao
abismo em que afundaram, lhes oferecendo uma nova rota através da
qual poderiam retornar a Ele.
Vamos retomar os três períodos, e os veremos retratados em
menor escala, na importância dada à circuncisão entre
os Hebreus.
A circuncisão Judaica: o primeiro período, durante a época
de Abraão.
É durante a época de Abraão que pela primeira vez encontramos
algo sobre circuncisão nas Escrituras; o Senhor confirma ali sua
aliança com ele e sua posteridade. Sob quais circunstâncias
esta circuncisão foi ordenada pelo Senhor? Foi quando Ele deu um
novo nome a Abraão, e também à sua esposa, adicionando
a seus nomes antigos, uma única letra do nome sagrado através
da qual Ele se tornou conhecido a Moisés pela primeira vez. Foi quando
Abraão tinha noventa e nove anos, logo após Deus ter feito
um pacto com ele, prometendo-lhe a terra de Canaã; em resumo, foi
quando Deus escolheu para Si, pela primeira vez, um povo de quem todas as
gerações devem ser abençoadas.
Tudo isto mostra, mais uma vez, que a circuncisão tinha uma virtude
iniciatória, onde todas as virtudes que Deus preparou para seu povo
não teriam efeito algum se Ele não tivesse aberto este caminho
para que se cumprissem. Abraão havia recebido, contudo, auxílios
divino previamente a esta cerimônia; ele foi tirado de sua própria
terra, que havia sido invadida pela iniqüidade; ele havia erigido altares
ao Senhor em Bethel, e invocado seu nome; ele havia sido abençoado
por Melchizedeck e no sacrifício de sangue que ele ofereceu por ordem
de Deus, recebeu evidências da presença do Espírito;
mas isto contradiz os princípios que estabelecemos.
Abraão foi eleito do Senhor, embora tenha nascido entre os idólatras
e de alguns o acusarem de ter comerciado ídolos. Seu coração
pode ter permanecido puro, embora seu espírito possa ter sucumbido
as mesmas trevas que cubriam seus contemporâneos. Assim, os auxílios
divinos podem ter encontrado acesso a ele, sem os meios secundários
da circuncisão.
Além disso, é preciso fazer uma distinção essencial
entre os meios empregados por Deus para manifestar uma eleição,
e aqueles usados para fazer com que esta eleição se cumpra.
Veremos sempre estes diferentes meios formarem duas classes em todas as
eleições e épocas subseqüentes; temos uma prova
real disto na eleição de Abraão, já que, apesar
de todos os auxílios que ele havia recebido, antes de sua circuncisão,
foi somente após a sua obediência a esta lei, assim como a
de todos os seus familiares, que ele recebeu a visita de três anjos;
que a época para o nascimento de Isac foi claramente fixada; e que,
no final do ano recebeu seu Filho prometido, através de quem o pacto
iniciado com Abraão, deveria ser realizado e completado.
Nada mais é preciso para nos convencer de que, na época em
que se começou a falar sobre circuncisão, ela era entendida
como iniciação em todos os benefícios prometidos na
eleição, e assim sendo, tem uma sensível relação
com o que dissemos sobre a Páscoa, ou o primeiro período do
retorno dos Hebreus à terra prometida.
O Segundo Período, durante a época de Moisés.
A segunda vez em que a circuncisão é mencionada nas Escrituras
é em Moisés (Ex.IV.25), de onde se conclui que esta cerimônia
tinha sido negligenciada, sendo a causa da fúria do anjo, além
do mais a circuncisão é novamente recomendada assim como todas
as outras leis e decretos da montanha (LV.XII.3); isto nos leva a considerar
a lei da circuncisão, dada na montanha, e aquela realizada no filho
de Moisés, como um único e mesmo período.
O tempo em que esta lei reapareceu é notável pela sua conformidade
com aquilo que se passou no período de Abraão. Foi após
Moisés ter visto a sarça ardente e recebido a promessa de
Deus de que o povo seria libertado; foi após ele próprio ter
sido escolhido o instrumento desta libertação, e recebido
os mais extraordinários sinais de sua missão, que a vingança
divina, prestes a cair sobre seu filho, foi detida pela submissão
de Séfora; finalmente, foi no momento do retorno de Moisés
ao Egito para iniciar sua missão que esta cerimônia foi realizada
em seu filho.
Esta comparação mostra claramente que a cerimônia era
como uma iniciação dos frutos da libertação
prometida, da mesma forma que na época de Abraão era como
uma iniciação aos frutos de sua eleição; nenhuma
delas pode ser realizada sem o derramamento de sangue. Não se deve
dar importância ao fato de o sangue do filho, no caso de Moisés,
é que foi derramado e não o do próprio patriarca, pois
embora fossem dois indivíduos distintos, o sangue deles pode ser
considerado como um; além disso, há sob este véu inumeráveis
relações de outras verdades, que os olhos observadores irão
descobrir sem dificuldade.
Assim, sem minha interferência na exposição destas verdades,
se verificará, num período mediano, uma dupla circuncisão,
uma comemoração do sacrifício do filho de Abraão,
e a profecia de um outro sacrifício, sobre o qual ainda não
é hora de falar a respeito. Devemos ficar satisfeitos com a observação
de que a eleição de Moisés, e a circuncisão
ocorrida visavam os primeiros frutos vivificantes da promessa feita a Abraão,
conectá-los quase que naturalmente com o segundo período,
ou com o segundo festival Hebraico, no qual a terra ofereceu sua primeira
produção, e o povo recebeu os primeiros frutos do Espírito,
que era a Lei; pois, nestas comparações, nunca se deve esquecer
que todo ternário de épocas forma um círculo, e que
todo círculo precedente é um grau menos elevado do que seu
sucessor.