A GRANDE OBRA


Dogma e Ritual da Alta Magia
POR
ELIPHAS LÉVI



Ser sempre rico, sempre moço e nunca morrer; tal foi, em todos os tempos, o sonho dos alquimistas. Mudar em ouro o chumbo, o mercúrio e todos os outros metais, possuir a medicina universal, e o elixir de vida, tal é o problema a resolver para alcançar este desejo e realizar este sonho. Como todos os mistérios mágicos, os segredos da grande obra têm uma tríplice significação: são religiosos, filosóficos e naturais.

O ouro filosofal, em religião, é a razão absoluta e suprema; em filosofia, é a verdade; na natureza visível, é o sol; no mundo subterrâneo e mineral, é o ouro mais perfeito e mais puro. É por isso que chamam a procura da grande obra a investigação do absoluto, e que designam esta mesma obra pelo nome de obra do sol. Todos os mestres da ciência reconhecem que é impossível chegar aos resultados materiais, se a pessoa não achou, nos dois graus superiores, todas as analogias da medicina universal e da pedra filosofal. Então, dizem eles, o trabalho é simples, fácil e pouco dispendioso; noutro caso, consome a fortuna e a vida dos sopradores.
A medicina universal, para a alma, é a razão suprema e a justiça absoluta; para o espírito, é a verdade matemática e prática; para o corpo, é a quintessência, que é uma combinação de luz e de ouro. A matéria-prima da grande obra, no mundo superior, é o entusiasmo e a atividade; no mundo intermediário, é a inteligência e a indústria; no mundo inferior, é o trabalho; e na ciência, é o enxofre, o mercúrio e o sal, que, alternativamente volatizados e fixados, compõem o azoth dos sábios. O enxofre corresponde à forma elementar do fogo, o mercúrio ao ar e a água, e o sol a terra. Todos os mestres de alquimia que escreveram sobre a grande obra, empregaram expressões simbólicas e figuradas, e deviam fazê-lo, tanto para afastar os profanos de um trabalho perigoso para eles, como para fazer-se entender bem dos adeptos, revelando-lhes todo o mundo das analogias que rege o dogma único e soberano de Hermes.

Assim, para eles, o ouro e a prata são o rei e a rainha, ou a lua e o sol; o enxofre é a águia voadora; o mercúrio é o andrógino alado e barbado, montado num cubo e coroado de chamas; a matéria ou o sal é o dragão alado; os metais em ebulição são leões de diversas cores; enfim, a obra inteira tem por símbolo o pelicano e a fênix.
A arte hermética é, pois, ao mesmo tempo, uma religião, uma filosofia e uma ciência natural. Como religião, é a dos antigos magos e iniciados de todos os tempos; como filosofia, podemos encontrar os seus princípios na escola de Alexandria e nas teorias de Pitágoras; como ciência, é preciso pedir os seus processos a Paracelso, Nicolau Flamel e Raimundo Lullo. A ciência só é real para os que admitem e entendem a filosofia e a religião, e os seus processos só podem ser bem sucedidos para o adepto que chegou à vontade soberana e tornou-se, assim, rei do mundo elementar; porque o grande agente da operação do sol é esta força descrita no símbolo de Hermes da tábua de esmerando; é a força mágica universal; é o motor espiritual ígneo; é o od, conforme os hebreus, é a luz astral, conforme a expressão que adotamos nesta obra.
É este o fogo secreto, vivo e filosofal, de que todos os filósofos herméticos falam com as mais misteriosas reservas; é este o esperma universal cujo segredo guardaram e que somente representam sob a figura do caduceu de Hermes.

Eis, pois, o grande arcano hermético e nós o revelamos aqui, pela primeira vez, claramente e sem figuras místicas; o que os adeptos chamam matérias mortas são os corpos tais como se acham na natureza; as matérias vivas são substâncias assimiladas e magnetizadas pela ciência e a vontade do operador. De sorte que a grande obra é alguma coisa mais do que uma operação química: é uma verdadeira criação do verbo humano, iniciado ao poder do próprio Deus. Este texto hebraico que transcrevemos como prova de autenticidade e da realidade da nossa descoberta, é do rabino judeu Abraão, o mestre de Nicolau Flamel, e se acha no seu começo oculto sobre o Sepher Yetzisah, o livro sagrado da Cabala. Este comentário é muito raro; mas as forças simpáticas da nossa cadeia nos fizeram achar um exemplar dele, que foi conservado até 1643, na biblioteca da igreja protestante de Ruão. Lê-se aí, escrito na primeira página: Ex dono; depois um nome ilegível Dei magni. A criação do ouro na grande obra se faz por transmutação e multiplicação. Raimundo Lullo diz que, para fazer ouro, é preciso ouro e mercúrio; que, para fazer prata, é preciso prata e mercúrio. Depois acrescenta: "Entendo por mercúrio este espírito mineral tão fino e tão purificado que doura até a semente do ouro e prateia a da prata". Não há dúvida que fala, aqui, do od ou luz astral.

O sal e o enxofre só servem na obra para a preparação do mercúrio, e é principalmente ao mercúrio que é preciso assimilar e como que incorporar o agente magnético. Só Paracelso, Raimundo Lullo e Nicolau Flamel parecem ter conhecido perfeitamente este mistério. Basílio Valentino e o Trevisano o indicam de um modo imperfeito e que pode ser interpretado de outro modo. Mas as coisas mais curiosas que encontramos a este respeito são indicadas pelas figuras místicas e as legendas mágicas de um livro de
Henri Khunrath, intitulado: "Amphitheatrum sapientitae aeternae". Khunrath representa e resume as escolas gnósticas mais sábias, e refere-se, na simbólica, ao misticismo
de Sinésio. Afeta o cristianismo nas expressões e nos signos; mas é fácil reconhecer que o seu Cristo é o dos Abraxas, o pentagrama luminoso irradiante da cruz stronômica, a encarnação na humanidade do rei Sol, celebrado pelo imperador Juliano; é a manifestação luminosa e viva deste Ruach-Elohim que, conforme Moisés, cobria e elaborava a face das águas ao nascimento do mundo; é o homem-sol, é o rei da luz, é o mago supremo senhor e vencedor da serpente, e ele encontra na quádrupla lenda dos
evangelistas a chave alegórica da grande obra. Num dos pantáculos do seu livro mágico, representa a pedra filosofal de pé, no meio de uma fortaleza rodeada por uma cerda de vinte e uma portas sem saída. Uma única leva ao santuário da grande obra. Em cima da pedra está um triângulo apoiado num dragão alado, e na pedra está gravado o nome do Cristo, que ele qualifica de imagem simbólica da natureza inteira. "É por ele só - acrescenta - que podeis chegar à medicina universal para os homens, vegetais e
minerais". O dragão alado, dominado pelo triângulo, representa, pois, o Cristo de Khunrath, isto é, a inteligência soberana da luz e da vida: é o segredo do pentagrama, é o mais elevado mistério dogmático e prático da magia tradicional. Daí ao grande e para sempre incomunicável arcano há um só passo. As figuras cabalísticas do judeu Abraão, que deram a Flamel a iniciativa da ciência, nada mais são senão as vinte e duas chaves do Tarô, aliás, imitadas e resumidas nas doze chaves de Basílio Valentino. O sol e a
lua aí reaparecem sob as figuras do imperador e da imperatriz; Mercúrio é pelotiqueiro; o grande Hierofante é o adepto ou o separador da quintessência; a morte, o juízo, o amor, o dragão ou o diabo, o eremita ou o velho coxo e, enfim, todos os símbolos aí se encontram com seus principais atributos e quase na mesma ordem. Não poderia ser de outro modo, porque o Tarô é o livro primitivo e a chave de arco das ciências ocultas: deve ser hermético como pe cabalístico, mágico e teosófico. Por isso, achamos, na reunião da sua duodécima e vigésima segunda chave, sobrepostas uma à outra, a revelação hieroglífica da nossa solução dos mistérios da grande obra.

A duodécima chave representa um homem suspenso por um pé e uma forca composto de três árvores ou paus, que formam a figura da letra hebraica t, os braços do homem formam um triângulo com a sua cabeça, e a sua forma hierática inteira é a de um triângulo invertido, tendo como remonte uma cruz, símbolo alquímico conhecido por todos os adeptos e que representa a realização da grande obra. A vigésima segunda chave, que tem o número 21, porque o louco, que a precede na ordem cabalística, não
tem número, representa uma jovem divindade levemente velada e que corre numa coroa florescente, suportada nos quatro cantos pelos quatro animais da Cabala. No Tarô italiano, esta divindade tem uma baqueta em cada mão; e no Tarô de Besançon, reúne numa só mão duas baquetas e põe a outra mão sobre a sua coxa, símbolos igualmente notáveis da ação magnética, quer alternada da sua polarização, quer simultânea por oposição e transmissão.

A grande obra de Hermes é, pois, uma operação essencialmente mágica, e a mais elevada de todas, porque supõe o absoluto em ciência e vontade. Há luz no ouro, ouro na luz e luz em todas as coisas. A vontade inteligente que assimila a si a luz dirige, assim, as operações da forma substancial, e serve-se da química só como de um instrumento muito secundário. A influência da vontade e da inteligência humanas sobre as operações da natureza, dependentes em parte do seu trabalho, é, aliás, um fato tão real que todos os alquimistas sérios tiveram sucesso em razão dos seus conhecimentos e da sua fé, e reproduziram o seu pensamento no fenômeno da fusão, da salificação e da recomposição dos metais. Agrippa, homem de imensa erudição e de um belo gênio, mas puro filósofo e cético não pôde ultrapassar os limites da análise e da síntese dos metais. Etteilla, cabalista confuso, embrulhado, fantástico, porém perseverante, reproduzia, em alquimia, as bizarrias do seu Tarô mal compreendido e desfigurado; os metais tomavam, nos seus alambiques, formas singulares que excitavam a curiosidade de Paris inteira, sem outro resultado para a fortuna do operador a não ser os honorários que exigia dos seus visitantes. Um soprador obscuro do nosso tempo, que morreu louco, o pobre Luiz Cambriel, curava realmente seus vizinhos, e ressuscitou, pelo que diz todo o seu quarteirão, um ferreiro seu amigo. Viu, um dia, nos seus alambiques, o próprio Deus, incandescente como o Sol, transparente como o cristal, e tendo um corpo feito de ajuntamentos triangulares que Cambriel compara ingenuamente a um monte de pequenas pêras. Um cabalista nosso amigo, que é sábio, mas pertencente a uma iniciação que cremos errôneas, fez, ultimamente, as operações químicas da grande obra; chegou a enfraquecer a sua vista pela incandescência do athanor, e criou um novo metal que se assemelha ao ouro, mas não é ouro, e, por conseguinte, não tem nenhum valor. Raimundo Lullo, Nicolau Flamel e, muito provavelmente, Henri Khunrath, fizeram ouro verdadeiro e não levaram o seu segredo consigo, pois que o consignaram nos seus símbolos e indicaram as fontes onde procuraram para o descobrirem e realizar seus efeitos. É este mesmo segredo que publicamos hoje.

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